Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1253/12.7TTLRS-A.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
SUBSÍDIO DE DOENÇA
REEMBOLSO
INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
LEGITIMIDADE
FASE CONTENCIOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/18/2016
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO DO DESPACHO
Sumário: 1.Tendo em conta a estrutura da acção especial emergente de acidente de trabalho, o pedido de reembolso de subsídio de doença pago pelo Instituto da Segurança Social à sinistrada, respeitante a período de incapacidade temporária para o trabalho em consequência de acidente de trabalho de que foi vítima, só pode ser formulado nesta acção se houver fase contenciosa iniciada com a apresentação de petição inicial, nos termos do art. 117, nº1 do CPT, havendo então a possibilidade de discussão de outras questões para além da fixação da incapacidade.
2.Acresce que só nessa situação a lei lhe confere legitimidade para intervir na acção, através de citação para o efeito, nos termos do art. 1º do DL 59/89, de 22.2.
3.Não assiste legitimidade ao ISS para formular esse pedido de reembolso quer na fase conciliatória do processo, quer na fase contenciosa quando haja apenas discordância quanto à questão da incapacidade, uma vez que não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a possibilidade de intervenção espontânea (art. 311 do CPC).

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



I–RELATÓRIO:


Nos presentes autos com forma de processo especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrada AA e entidade responsável a BB, SA frustrou-se a tentativa de conciliação unicamente pelo facto de ter havido discordância quanto à desvalorização a atribuir à primeira em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima em 18.11.2011.

Efectuado exame por junta médica, foi depois proferida sentença, com data de 14.5.14, que condenou a seguradora a pagar à sinistrada o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €1378,52, com início em 14.8.2011, depois rectificado para 14.8.2012, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde essa data e até integral pagamento.

O Instituto de Segurança Social apresentou nos autos requerimentos manifestando no primeiro, a fls 81, em 2.4.13, a pretensão de deduzir pedido de reembolso dos valores pagos, a título provisório, de subsídio de doença à sinistrada, na sequência do acidente dos autos e no segundo, a fls 163 (29.5.13), solicitando a sua citação para deduzir esse pedido, ao abrigo do art. 2º do DL 59/89, de 22.2.

Notificada para se pronunciar sobre estes requerimentos, por despacho de 5.3.2015, a Seguradora veio invocar a intempestividade do requerido.

Na sequência da promoção do MP veio o ISS informar que o subsídio de doença pago à sinistrada ascende a € 5.865,32, e reporta-se ao período de incapacidades temporárias para o trabalho compreendido entre 20.11.11 e 13.8.12, juntando a respectiva certidão.

Dada vista ao MP, o mesmo promoveu o seguinte:
Fls 371 a 373:
Visto.
Atento o teor da promoção que antecede e por se considerar que assiste razão ao ISS, promovo que se notifique a Seguradora para, em 10 dias, proceder ao pagamento das quantias peticionadas pelo ISS”.

Sobre esta promoção recaiu o seguinte despacho, com data de 18.6.2015:
“Notifique, como se promove”.

Inconformada, interpôs recurso a Seguradora, alegando não se conformar com o despacho do Tribunal a quo no qual se diz o seguinte:
“ Atento o teor da promoção que antecede, e por se considerar que assiste razão ao ISS, promovo que se notifique a seguradora para, em 10 dias, proceder ao pagamento das quantias peticionadas pelo ISS”.

No final formulou as seguintes
Conclusões :
1ª-A ora recorrente não se conforma com o douto despacho do Tribunal “ a quo “, no qual se notifica a seguradora a pagar, em 10 dias, quantias a título de subsídio de doença, à segurança social.
2ª-Tais quantias não são, manifestamente, devidas, porque não houve propositura de acção em que o ISS tenha deduzido pedido e, sobretudo, porque a acção emergente de acidente de trabalho, já está concluída, tendo sido proferida sentença
3ª-Acresce que, as respectivas quantias relativas aos períodos de doença, ocorrem em data posterior à alta da sinistrada, como aliás, documentam profusamente os autos, sendo portanto insusceptíveis de serem reembolsadas pela recorrente, por não ser a mesma responsável por tal pagamento ou reembolso.
4ª-Verifica-se a violação do disposto no artº 70º da Lei 4/2007 de 20/12, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.
Termos em que, com o douto suprimento de Vªs Excelências deve o mui douto despacho ser revogado, como é de, Justiça !!

Contra-alegou o MP que suscitou a inadmissibilidade do recurso porquanto o recurso interposto tem por objecto não uma decisão judicial mas uma promoção do MP que não é passível de recurso.

Admitido o recurso e subidos os autos a esta Relação, atenta a simplicidade da questão a decidir, passa-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do disposto nos arts. 652, nº1, c) e 656 do CPC.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes as questões a resolver:
1.se, não tendo havido propositura de acção, com a apresentação de petição inicial pelo sinistrado, o ISS pode reclamar nestes autos o reembolso do subsídio de doença pago à sinistrada;
2.na afirmativa, se os períodos de doença a que respeita esse subsídio se reportam ao  acidente dos autos.

II–FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos e ocorrências processuais que relevam para a decisão são os que constam do precedente relatório e que aqui se dão por reproduzidos.

III–APRECIAÇÃO.

1.Questão prévia.
Em sede de contra-alegações o MP sustentou a inadmissibilidade do recurso pelo facto deste incidir sobre uma promoção e não sobre o despacho judicial que sobre a mesma recaiu.
É certo que a Recorrente, ao identificar a decisão sobre a qual incide o seu inconformismo alude à promoção do MP e não ao despacho que a acolheu.
Porém, não havendo qualquer dúvida que a discordância da Apelante tem por objecto o despacho proferido em 18.6.2015, que remete para a promoção em questão (sendo que a confusão da Apelante terá a ver com o teor da promoção em causa, que, por sua vez, remete para uma anterior promoção), entendemos que deve ser admitido o recurso, entendendo-se que o mesmo incide sobre o despacho que a deferiu.

2.Da admissibilidade do pedido de reembolso.
A questão que se coloca é a de saber se o ISS pode ser reembolsado pela Seguradora, nos presentes autos, do montante que pagou à sinistrada entre 20.11.11 e 13.8.12, a título de subsídio de doença.
O pedido de reembolso efectuado pelo ISS é formulado ao abrigo do disposto no art. 1º do DL 59/89, de 22.2.

Dispõe este preceito, que tem por epígrafe “Pedido de reembolso de prestação em acção cível”:

1.Em todas as acções cíveis em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou acto de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da actividade profissional, ou morte, o autor deve identificar na petição a sua qualidade de beneficiário da Segurança Social ou a do ofendido e a instituição ou instituições pelas quais se encontra abrangido.
2.As instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para, no prazo da contestação, deduzirem pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos no artigo anterior.
3.A apresentação do pedido de reembolso é notificado às partes, que poderão, nos oito dias subsequentes, responder o que se lhes oferecer.
4.Todas as provas devem ser oferecidas com a petição e as respostas.
5.Se o autor não tiver dado cumprimento ao disposto na parte final do número um, deve o juiz convidá-lo a fazê-lo no prazo que lhe fixar, sob pena de a instância ficar suspensa, findo esse prazo.

Assim, tendo o ISS atribuído subsídio de doença a um beneficiário de uma indemnização por ITA (incapacidade temporária para o trabalho) e existindo coincidência dos períodos temporais a que respeita aquele subsídio e esta indemnização, ambos devidos por acidente de trabalho, tem o ISS direito a ser reembolsado das quantis pagas, na acção emergente desse acidente, pelo responsável desse sinistro, responsável solidário nos termos do art. 4º do mesmo DL 59/89 (cfr. ainda o art. 70 da Lei 4/07, de 20.12).

Porém, esse pedido de reembolso deve ser efectuado no âmbito de acção proposta pelo sinistrado contra as entidades responsáveis devendo aquele identificar na petição inicial a sua qualidade de beneficiário da Segurança Social.

E é na sequência dessa identificação que o ISS é citado para efectuar o pedido de reembolso, seguindo-se a notificação das partes para responderem a esse pedido, devendo com a petição inicial e as respostas serem oferecidas todas as provas.

Tendo em conta a estrutura da acção especial emergente de acidente de trabalho, verifica-se que a formulação desse pedido apenas será viável neste tipo de acções se houver fase contenciosa e nesta haja outras questões a resolver para além da fixação da incapacidade do sinistrado.

Com efeito, só nesta situação há lugar à apresentação de petição inicial pelo autor/sinistrado proposta contra as entidades responsáveis com vista à discussão de qualquer outra questão de diversa natureza, nos termos do art. 117, nº1, a) do CPT.

E será no âmbito dessa acção que poderá ter lugar a citação do ISS para que formule o pedido de reembolso a que alude o art. 1º do DL 59/89.

Quer na fase conciliatória, quer na fase contenciosa em que apenas haja discordância quanto à questão da incapacidade e que se inicia com um simples requerimento, nos termos dos arts. 120,nº2 e 141,nº2 do CPT, não poderá ter lugar a discussão desta questão.

Acresce que o ISS só tem legitimidade para intervir na acção especial emergente de acidente de trabalho nos exactos termos em que ela lhe é conferida pelo referido diploma legal.

Fora desse âmbito e não se verificando os pressupostos de que a lei faz depender a possibilidade de intervenção espontânea (cfr. art. 311 do CPC), não goza o ISS de legitimidade para intervir na presente acção.

Assim, assiste razão à Apelante, procedendo o recurso.

IV–DECISÃO.

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, pelo que se revoga o despacho recorrido.
Sem custas.


Lisboa, 18 de Maio de 2016


Filomena Manso