Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
187/16.0YHLSB.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: IMITAÇÃO DE MARCA
IDENTIDADE ENTRE PRODUTOS E SERVIÇOS
AFINIDADE ENTRE PRODUTOS E SERVIÇOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/ALTERADA
Sumário: De acordo com a definição constante do art. 245º, nº1, do CPI, constitui requisito da imitação de marca a identidade ou afinidade entre os produtos ou serviços assinalados.

Assinalando, essencialmente, a marca relógios e seus componentes, apenas se deverá concluir pela ocorrência de afinidade quanto a produtos e serviços, de alguma forma, relacionados com a relojoaria.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:                Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



Relatório:


1.– R… SA, veio interpor recurso, distribuído ao 2º Juízo do Tribunal da Propriedade Industrial, do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que concedeu o registo da marca internacional nº 1186526 “AYONA”, alegando constituir a mesma imitação da marca comunitária nº 1457639 “DAYTONA” e da marca internacional nº 519941 “ROLEX DAYTONA”, das quais a recorrente é titular, anteriormente registadas para produtos afins aos que aquela visa assinalar.

Citada, a recorrida não apresentou resposta.

Foi proferida sentença, na qual, julgando-se parcialmente procedente o recurso, se revogou o despacho recorrido, na parte em que concedeu protecção à marca internacional nº 1186526 “AYONA”, para assinalar produtos e serviços das classes 9ª, 14ª e 37ª.

Inconformada, dessa decisão veio a requerente interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
- A sentença recorrida, não obstante ter concluído encontrarem-se verificados os requisitos previstos no nº1 al. a) e c) do art. 245° CPI, ou seja o requisito da prioridade das marcas da recorrente e o requisito da semelhança gráfica, figurativa e fonética que induz facilmente o consumidor em erro ou confusão e que compreende risco de associação entre os sinais em conflito, aplicou erroneamente a al. b) do mesmo art. 245º ao considerar não haver afinidade entre alguns dos produtos e serviços assinalados por ambas as marcas.
- No que respeita à decisão de considerar verificados os requisitos de prioridade e de semelhança gráfica, fonética e figurativa, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo.
Já no que concerne à apreciação efectuada pelo Tribunal a quo relativamente à não verificação do terceiro requisito, previsto na al. b)  do nº1 do art. 245º do CPI, não pode a apelante conformar-se com a sentença proferida.
- Com efeito, o consumidor médio, quando colocado perante os produtos e serviços assinalados com a marca registanda, inevitavelmente associará os mesmos à apelante, e confundirá os produtos comercia- lizados sob a marca prioritária da apelante, sendo mesmo crível que está na presença de um produto ou serviço da apelante.
- O tribunal a quo esteve bem ao identificar como idênticos e/ou afins produtos e serviços das classes 9ª, 14ª,  37ª.
- No entanto, ao decidir pela concessão parcial, o Tribunal a quo deixa de fora e concede protecção a produtos e serviços uns idênticos e outros de afinidade manifesta, como é o caso de "barométres" "boussoles" "variométres" (classe 9ª) “boîtiers de montres”, “aiguilles”(classe 14ª) e “chronométrage des manifestations sportives” (classe 41ª)  entre outros.
- Marcas como "DAYTONA" e outras, de que a apelante é titular, são sempre associadas à "ROLEX" de forma a associar as novas marcas criadas para novos produtos à recorrente - mecanismo usado para que todos os produtos sejam rapidamente identificados pelo consumidor como sendo de grande qualidade, apenas alcançável por um extracto sócio-económico muito elevado, permitindo assim diferenciar no mercado o produto, como pertencendo à recorrente, o que permite aumentar o seu preço, proporcionando à recorrida uma maneira de potenciar os seus lucros, à conta do prestígio e notoriedade da recorrente.
- Estando a recorrente associada a grande prestígio e qualidade, sendo reconhecida em qualquer ponto do globo como de precisão, de confiança, qualquer dos produtos das classes 9ª e 14ª, bem como qualquer actividade de cronometragem, são inevitavelmente associadas pelo público consumidor à recorrente, alavancando o negócio da recorrida à conta do prestígio da recorrente.
- Ora quanto maior a distintividade e reconhecimento de uma marca no mercado maior a possibilidade de existir risco de confusão e/ou risco de associação.
- Do exposto, fica claro que não foi por certo por mera coincidência que a recorrida pretendeu registar uma marca tão semelhante à marca prioritária para designar o mesmo tipo de produtos, alguns produtos afins e serviços associados ou onde se utiliza os produtos da apelante.
- Até ao momento, e no seguimento de reclamação por parte da recorrente, foram já proferidas decisões favoráveis à recorrente nos seguintes países: Alemanha, Áustria, Benelux, Bulgária, Croácia, França, Hungria, Irlanda, Letónia, Lituânia, Roménia, Reino Unido, conforme documentos juntos nos autos, e essas decisões foram de recusa de protecção na totalidade dos serviços e produtos requeridos pela recorrida.
-  Se vier efectivamente a ser concedida a protecção do registo de marca da apelada, tal possibilitará a ocorrência de situações de concorrência desleal, mesmo independentemente da intenção dolosa da apelada, previstas na al. a) do art. 317° do CPI, também impeditivas do registo de marca nos termos do 239°/1 e) do CPI.
- Assim, estão verificados todos os pressupostos previstos nos arts. 239/1 a) e 245/1 do CPI, para se poder considerar que existe neste caso imitação de marca prioritária, e fundamento de recusa da marca registanda para todos os produtos e serviços, nomeadamente para os "baromètres", "boussoles", "variomètres" (classe 9ª) “boîtiers de montres”, “aiguilles” (classe 14ª) e para os serviços “chronométrage des manifestations sportives” (classe 41ª), bem como possibilidade de concorrência desleal e consequente recusa da marca pedida nos termos da al. e) do nº1 art. 239º do CPI e art. 317° do mesmo diploma.
- Em suma, a marca nº 1186526 "AYONA" não merece a protecção que o Tribunal a quo lhe conferiu, pelo que deve a sentença ser revogada e assim recusado o pedido de registo para todos os produtos e serviços.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.– Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
- Por despacho de 1.7.2014, da directora do Departamento de Marcas, Desenhos e Modelos do INPI, publicado no BPI de 1.4.2016, foi deferido o registo em Portugal da marca de registo internacional nº 1186526 “AYONA”, titulada pela  AYONA IP Limited.
A Rolex, SA, é titular do registo da marca da União Europeia nº 1457639 “DAYTONA” (sinal verbal), requerido em 10.1.2000 e concedido em 15.2.2001, para assinalar na classe 9, aparelhos para o registo do tempo e componentes; aparelhos para controlar o funcionamento e a resistência às vibrações e choques de relógios, relógios de parede ou de sala e movimentos de relojoaria; aparelhos para controlar a estanquicidade de relógios e de caixas de relógios; lupas para relojoeiros e reparadores de relógios; relógios de ponto; na classe 14, ponteiros (relojoaria), âncoras (relojoaria), tambores de relógio (relojoaria), caixas de relógios de parede ou de sala, caixas de relógios, pulseiras de relógios; mostradores (relojoaria), relógios de sol, correntes de relógios, cronógrafos (relógios), cronómetros, instrumentos cronométricos, cronoscópios; relógios de controlo (relógios de referência), cofres para relojoaria, relógios de parede ou de sala (relojoaria); relógios atómicos, relógios eléctricos, relógios-pulseiras, movimentos de relojoaria, relógios de parede ou de sala (relojoaria), molas de relógios, relógio despertador, vidros para relógios; e, na classe 37  reparação e conservação de relógios e de instrumentos cronométricos.  
- É ainda titular do registo da marca de registo internacional nº
519941 datado de 13.1.1988 e com protecção conferida em Portugal por despacho de 13.3.1989.
- A referida marca é destinada a assinalar, na classe 14,  precious metals and alloys thereof as well as goods made of these materials or coatead therewith; jewellery, jewellers' goods and precious stones; timepieces and other chronometric instruments and parts and accessories thereof, wristwatches and watch straps; métaux précieux et leurs alliages et produits en ces matiéres ou en plaqué; joaillerie, bijouterie, pierres précieuses; horlogerie et autres instruments chronométriques et leurs parties et accessoires, montres-­bracelets et bracelets de montres.

3.– Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. 

A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação do registo da marca em causa. 

De acordo com a definição constante do art. 245º, nº1, do CPI, constituem requisitos da imitação de marcas : a) prioridade da marca registada; b) identidade ou afinidade entre os produtos ou serviços assinalados;  c) semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão ou risco de associação com marca anteriormente registada.

No caso, assente a ocorrência de semelhança entre as marcas em confronto e a prioridade das tituladas pela apelante, a divergência desta, relativamente à decisão recorrida, reporta-se, tão somente, à identidade ou afinidade entre os produtos ou serviços que aquelas visam assinalar.

Entende-se, como decidido, que assinalando, essencialmente, as marcas da apelante relógios e seus componentes, apenas se deverá concluir pela ocorrência de afinidade, quanto a produtos e serviços, de alguma forma, relacionados com a relojoaria.

Ora, sendo certo que, de entre os ora enumerados, a mesma se não demonstra, no tocante aos contidos nas classes 9ª ("barométres", "boussoles", "variométres") e 14ª (“aiguilles”), forçoso se torna reconhecer a existência da invocada afinidade, relativamente aos das classes 14ª (“boîtiers de montres”) e 41ª (“chronométrage des manifestations sportives”).

Divergindo-se nesse ponto do decidido, nessa medida, haverão, consequentemente, de proceder as alegações da apelante.

4.– Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo parcial provimento ao recurso, alterar a decisão recorrida, recusando-se igualmente protecção à marca internacional nº 1186526 “AYONA”, na parte referente aos produtos e serviços das classes 14ª (“boîtiers de montres”) e 41ª (“chronométrage des manifestations sportives”).
Custas pela apelante, na proporção de 2/3.



Lisboa, 3.5.2018



Ferreira de Almeida - relator
Catarina Manso - 1ª adjunta
Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta