Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6917/18.9T8LSB.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: PROVA
DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DESISTÊNCIA
COMISSÃO
RESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A deficiência da gravação da prova produzida em julgamento é uma irregularidade que só constitui nulidade se afectar a reapreciação da prova de forma a influenciar o exame da causa e não se, apesar da sua deficiência, permitir apreender o sentido global dos depoimentos e a apreciação da concreta impugnação da matéria de facto.  
2. Num contrato de mediação imobiliária em que a autora pagou a totalidade da comissão aquando do contrato promessa, se o contrato prometido não se realiza por desistência do promitente comprador, não é imputável à autora a não concretização do negócio por não ter recorrido à execução específica, sendo devida a restituição da quantia paga, que constituiu uma antecipação do cumprimento que a final se mostrou não ser devido, em virtude de o interessado angariado pela ré não ter concretizado o negócio. 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
R… intentou acção declarativa com processo comum contra P… – Mediação Imobiliária, Lda alegando, em síntese, que celebrou um contrato de mediação imobiliária com a ré, no âmbito do qual esta lhe apresentou um potencial comprador para um imóvel que pretendia vender, na sequência do que foi outorgado um contrato promessa, pagando, nessa altura à ré, a pedido desta, o valor total da remuneração acordada, de 6 580,50 euros, mas o promitente comprador veio a desistir da compra, pelo que o contrato definitivo não se concretizou e, apesar das solicitações da autora, a ré não lhe restituiu a remuneração entregue e que não é devida, pois a ré não logrou obter interessado que concretizasse o negócio, nem a transacção deixou de se concretizar por causa imputável à autora.
Concluiu pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 7 201,41 euros, sendo 6 580,50 euros de capital e 620,91 euros de juros.   
A ré contestou alegando, em síntese, que não é verdade que a remuneração tenha sido paga a seu pedido, já tendo sido celebrados outros negócios entre as partes em que a autora lhe pagou a totalidade da remuneração aquando contrato promessa, sendo certo que no contrato em causa a contestante cumpriu a sua prestação, encontrando um comprador para a venda do imóvel da autora, que só não se concretizou por motivo imputável a esta, por ter aceitado a resolução do contrato promessa, fazendo seu o valor do sinal pago pelo promitente comprador e não lançando mão da execução específica, que estava expressamente prevista no contrato promessa.
Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.  
Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que condenou a ré a pagar à autora a quantia de 6 580,50 euros acrescida de juros de mora à taxa comercial desde 30/07/2015 até integral pagamento.   
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Disponibilizada à ré o suporte digital com a gravação da prova, veio esta arguir a nulidade da gravação por a mesma ser imperceptível.
Interpôs também a ré recurso da sentença recorrida e alegou, formulando conclusões com as seguintes questões:
- A recorrente mandou proceder à transcrição dos depoimentos prestados em audiência, tendo sido informada pela empresa responsável pela diligência de que os mesmos eram inaudíveis.
- Suscitou então a recorrente nulidade processual nos termos do artigo 195º do CPC, pela imperceptibilidade do registo magnético dos depoimentos produzidos na audiência de julgamento, o qual ainda não mereceu despacho por parte do tribunal recorrido, tendo a nulidade sido arguida atempadamente, dentro do prazo de dez dias a contar da disponibilização da gravação, pelo que, confirmadas as falhas técnicas assinaladas, resulta afectada a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto, com influência na decisão da causa, o que deverá ser decretado pelo tribunal de recurso.
- Deve ser alterada a resposta à matéria de facto dos pontos 6 e 12 dos factos provados e deverá ser eliminada a alínea b) dos factos não provados, acrescentando-se um ponto 13 aos factos provados, com redacção parcialmente coincidente com a pretendida para o ponto 6.
- Pelo contrato de mediação mobiliária – com o regime consagrado na Lei 15/2013 de 8/2, conformando-o com a disciplina do DL 92/2010 de 26/7, que transpôs a directiva nº2006/123/CE – o mediador, nos termos do artigo 2º nº1 deste diploma, obriga-se a diligenciar para conseguir interessados na realização de negócios tendo como objecto bens imóveis, não constituindo sua obrigação fundamental concluir o contrato, mas sim a de conseguir interessado para certo negócio que ele próprio raramente conclui.
- Nos casos em que tenha sido celebrado contrato promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, como sucedeu nos autos, rege o artigo 19º nº1 da referida Lei 15/2013, pronunciando-se a doutrina e a jurisprudência no sentido de que a remuneração da imobiliária não está dependente do cumprimento do contrato, sendo devida com a obtenção de um interessado e com a celebração o contrato promessa, resultado que a recorrente logrou obter, ao executar todos os actos necessários para o efeito, não sendo de aplicar a anulação do pagamento e o seu efeito retroactivo previsto no artigo 289º do CC, em virtude da não concretização do contrato definitivo, como se entendeu na sentença recorrida.
- Apesar de a desistência do contrato prometido ter ocorrido por iniciativa dos promitentes-compradores, a autora aceitou expressamente essa situação, auferindo como contrapartida o valor do sinal do negócio que lhe foi proporcionado pela ré.
- A resolução tem efeito retroactivo, porém, ainda que expressamente convencionada, não prejudica os direitos adquiridos por terceiro por força do negócio.
- Deve proceder o recurso com a revogação da sentença recorrida e improcedendo o pedido da autora de restituição da comissão pago à apelante.
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A recorrida contra-alegou opondo-se à arguição de nulidade da gravação e pugnando pela improcedência do recurso.
Foi proferido despacho que julgou improcedente a arguição de nulidade da gravação e admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
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As questões a decidir são:
I) Nulidade da gravação da prova.
II) Impugnação da matéria de facto.
III) Contrato celebrado entre as partes e restituição da remuneração já entregue.
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FACTOS.
A 1ª instância considerou os seguintes factos provados e não provados:
Provados.
1º- A autora celebrou com a ré um contrato de mediação imobiliário referente ao imóvel sito na Praça … nº…, em Lisboa, que era propriedade da autora (conforme doc. nº1, junto com a douta petição).
2º- Tendo em vista a prestação de serviços pela ré, na obtenção de comprador para o imóvel.
3º- A ré apresentou à autora um potencial interessado na aquisição do imóvel, tendo sido celebrado com o promitente-comprador um contrato promessa de compra e venda. 
4º- Na data da celebração do contrato promessa de compra e venda, a autor pagou à ré o valor total de € 6 580,50 (seis mil quinhentos e oitenta euros e cinquenta cêntimos), correspondente à totalidade da remuneração contemplada na cláusula 5ª do contrato (cfr. doc. nº1, junto com a PI).
5º- A ré emitiu o correspondente recibo em 08-07-2015 (cfr. doc. nº2, junto com a PI).
6º- O promitente-comprador desistiu da compra, pelo que o contrato definitivo de compra e venda não foi celebrado, não tendo a autora recebido o valor da venda acordado no total de € 107 000,00 (doc. nº 4, junto com a PI).
7º- Uma vez que o promitente-comprador desistiu da compra, a autora solicitou por diversas vezes à ré a devolução do valor por ela pago, autora, pago.
8º- A ré não devolveu o valor à autora e esta remeteu-lhe, em 27.10.2015, uma carta solicitando, uma vez mais, a devolução do valor pago (cfr. doc. nº5, junto com a PI). 
9º- A cláusula 5ª do contrato de mediação dispõe que: “A remuneração será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não e concretize por razão imputável ao cliente”.
10º- O contrato-promessa celebrado previa expressamente a possibilidade de execução específica (artigo 5º, conforme doc. nº1, junto com a contestação).
11º- A autora procedeu à resolução do contrato, fazendo sua a quantia de 10 000 € (cfr. doc. nº4, junto com a PI).
12º- A prática existente entre autora e ré – uma vez que já tinham celebrado outros contratos – era a de ser pago 50% do valor total da comissão aquando da celebração do contrato-promessa e o restante aquando da celebração do contrato definitivo, procedimento que era o previsto com o consultor imobiliário para este caso, não obstante tal não ter sido assinalado no contrato.
Não provados.
a) O motivo do pagamento da totalidade da comissão, aquando da celebração do contrato promessa, ocorreu a pedido da ré, que invocou razões operacionais internas.
b) Só por conduta imputável ao cliente o negócio visado se não concretizou.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Nulidade da gravação da prova.
Da consulta dos autos (processo físico e histórico), verifica-se que, feita a notificação da sentença em 5/11/2018, a apelante requereu o suporte da gravação da prova em 14/11/2018, foi notificada em 20/11/2018 de que a mesma estava disponível mediante entrega de suporte digital, foi-lhe entregue a gravação em 21/11/2018 e, em 23/11/2018, veio arguir a nulidade da gravação, por esta estar imperceptível, renovando o requerimento nas alegações de recurso e mediante oposição da apelada nas suas contra-alegações.
A arguição da nulidade mostra-se apresentada dentro do prazo previsto no artigo 155º nº4 do CPC e, sendo a falta ou deficiência de gravação uma irregularidade por omissão de acto que a lei prescreve nos termos do artigo 195º nº1 do CPC, haverá que apreciar se efectivamente a gravação é deficiente e, em caso afirmativo, se essa irregularidade constitui nulidade por influir no exame ou decisão da causa, conforme previsto no mesmo nº1 do mesmo artigo 195.
Ouvida a prova gravada em audiência de julgamento, consubstanciada por dois depoimentos testemunhais, constata-se que a gravação é de má qualidade e contém excertos que são imperceptíveis, mas é possível apreender a maior parte das declarações e o respectivo sentido.
Resta saber se a deficiência da gravação e os excertos que não são audíveis influenciam ou não o exame e decisão da causa.
A apelante pretende a alteração do ponto 6 dos factos provados e a eliminação da alínea b) dos factos não provados e, em consequência, o aditamento de mais um facto provado, relacionado com o referido ponto 6.
Mas, para esta matéria, a apelante indica apenas prova documental, não indicando o depoimento das testemunhas ouvidas, pelo que, nesta parte, não releva a deficiência da gravação.
Pretende depois a apelante a alteração do ponto 12 dos factos provados, indicando, a esta matéria excertos dos dois depoimentos ouvidos, os quais são assim relevantes para prova deste facto.
Contudo, as menções feitas na sentença recorrida ao depoimento da testemunha A… coincidem com as menções feitas pela apelante ao mesmo depoimento, sem que esta invoque qualquer outro trecho relevante que esteja impedida de transcrever, ou de situar, por via da deficiência da gravação.
Quanto ao depoimento da testemunha J…, na gravação é possível ouvir com nitidez os excertos transcritos pela apelante, bem como as passagens mencionadas pela sentença recorrida do mesmo depoimento, mais uma vez não invocando a apelante qualquer outro trecho cuja transcrição tivesse sido impedida pela deficiência da gravação.
Mostra-se assim possível apreender com segurança o sentido global e essencial de cada um destes dois depoimentos, independentemente da interpretação divergente que lhe é dada pela apelante e que lhe é dada pela decisão recorrida.   
 Conclui-se, portanto, que a deficiência da gravação não afecta a apreciação da prova e que tal irregularidade não constitui nulidade, por não influir no exame ou decisão da causa, improcedendo a respectiva arguição.
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II) Impugnação da matéria de facto.
Vejamos então os pontos de facto impugnados pela apelante.
Ponto 6º- O promitente-comprador desistiu da compra, pelo que o contrato definitivo de compra e venda não foi celebrado, não tendo a autora recebido o valor da venda acordado no total de € 107 000,00 (doc. nº 4, junto com a PI).
Alínea b)- Só por conduta imputável ao cliente o negócio visado se não concretizou.
Quanto a esta matéria, defende a apelante que deve ser alterado o ponto 6 de forma a constar que a autora aceitou a desistência do comprador e fez seu o sinal recebido.
Defende também que deve ser eliminada a alínea b) dos factos não provados e aditado um ponto 13 aos factos provados onde conste que a autora aceitou a resolução contratual que lhe foi proposta pelos promitentes compradores, aceitando desta forma que o negócio visado não se concretizasse.
Para o efeito, invoca a apelante o documento 4 junto com a PI, que está a fls 7 verso e que consiste num fax do mandatário da autora para o promitente comprador do contrato promessa, comunicando-lhe que, face à sua desistência do negócio, a autora resolvia o contrato promessa e fazia seu o sinal recebido.
Tudo visto, apenas assiste razão à apelante relativamente à eliminação da alínea b) dos factos não provados por o mesmo conter matéria manifestamente conclusiva, que só poderá ser apreciada em sede de aplicação do direito aos factos.
No restante não assiste razão à apelante, pois, do invocado documento não resulta que a autora “aceitou a denúncia pretendida”, nem que “aceitou a resolução contratual que lhe foi proposta”, nem que “aceitou dessa forma que o negócio visado não se concretizasse” (sendo aliás esta última afirmação tão conclusiva como a alínea b) dos factos não provados).
O que se retira do referido documento é que, face à decisão unilateral de desistência do promitente comprador, a autora resolveu o contrato promessa, fazendo seu o sinal de 10 000,00 euros que havia recebido no âmbito deste contrato, como consta dos pontos 6º e 11º dos factos provados e do texto do contrato promessa mencionado no ponto 10 dos factos.
Deste modo, haverá que eliminar a alínea b) dos factos não provados, improcedendo, porém o pedido de alteração do ponto 6 e aditamento do ponto 13.      
Ponto 12º- A prática existente entre autora e ré – uma vez que já tinham celebrado outros contratos – era a de ser pago 50% do valor total da comissão aquando da celebração do contrato-promessa e o restante aquando da celebração do contrato definitivo, procedimento que era o previsto com o consultor imobiliário para este caso, não obstante tal não ter sido assinalado no contrato.
Quanto ao ponto 12 dos factos provados, defende a apelante que o mesmo deverá ser alterado, passando a constar na sua redacção que a prática existente entre a autora e a ré, uma vez que já haviam celebrado outros quatro contratos, era a de ser pago o valor total da comissão aquando da celebração de contrato promessa de compra e venda.
Indica a apelante o depoimento das duas testemunhas ouvidas em julgamento, para fundamentar a pretendida alteração.
O depoimento da testemunha A… em nada pode contribuir para a prova deste facto, porque a mesma não tinha qualquer conhecimento sobre o que havia sido acordado entre a autora e a ré. Declarou esta testemunha que era angariadora de outra empresa de mediação imobiliária, que representava os promitentes-compradores no contrato promessa celebrado com a autora, tendo a testemunha cruzado com a autora apenas aquando da assinatura do referido contrato promessa. Descreveu a testemunha o pagamento do sinal pelos seus clientes à autora no acto da assinatura do contrato promessa e também como os seus clientes, já perto do fim do prazo fixado para a outorga do contrato definitivo, lhe comunicaram que não tinham conseguido desbloquear a verba necessária para celebrarem o contrato prometido. Mais declarou a testemunha que em 80% dos casos era costume os clientes pagarem a totalidade da comissão com o contrato promessa, declaração esta que, mesmo a ter-se como verdadeira, não demonstra que, no caso do contrato objecto destes autos, celebrado uma empresa que não aquela onde a testemunha trabalhava, foi acordada tal forma de pagamento.
Por seu lado, a testemunha J… era o angariador imobiliário da ré, identificado no contrato celebrado entre as partes, que acompanhou o respectivo processo, tratando da documentação e tendo conhecimento do acordado quanto à remuneração deste contrato e de outros contratos anteriores também celebrados entre a autora e a ré.
Declarou efectivamente esta testemunha que já haviam sido celebrados outros negócios entre a autora e a ré, tendo a autora feito questão de pagar a totalidade da comissão com o contrato promessa, afirmando ser mais fácil assim e que o remanescente do preço da venda depois lhe podia ser entregue na totalidade (entre minuto 5.00 e minuto 7.00).
Mas declarou também esta testemunha que estava acordado nos contratos o pagamento de 50% com o contrato promessa e 50% com o contrato definitivo (minuto 7.03), o que aconteceu também no contrato destes autos.    
Mais adiante, no âmbito de nova instância, voltou esta testemunha a declarar que nos contratos anteriores foi paga a totalidade da comissão logo com o contrato promessa, por indicação da proprietária, a autora (minuto 10.45).
Confirmou esta testemunha os documentos juntos aos autos, nomeadamente o contrato dos autos, documento nº1 da PI e outro contrato celebrado entre as partes, documento nº2 da contestação, sendo que neste se encontra assinalada a modalidade de pagamento de 50% com o contrato promessa e 50% com o contrato definitivo, o que não sucede no contrato dos autos que tem essa cláusula em branco, sem estar preenchida (minutos 12.15 e seguintes).
Posteriormente, ainda nesta instância, à pergunta que lhe foi feita, sobre se a ré pediu à autora o adiantamento do pagamento da totalidade da comissão no contrato promessa, a testemunha respondeu que não, que nunca tal foi pedido à autora, que o compromisso era de pagar 50% mais 50% e que foi a autora que quis proceder ao pagamento da totalidade no contrato promessa (minuto 14.08 e seguintes).
Do depoimento desta testemunha, que é o único meio de prova que veio prestar algum esclarecimento sobre o acordado entre as partes quanto ao momento do pagamento (já que, como acima se referiu, o documento com o contrato dos autos não contém o preenchimento do espaço destinado a esta cláusula), resulta que foi acordado o pagamento de 50% com o contrato promessa e 50% com o contrato definitivo, tal como nos contratos anteriores, mas tendo a autora pago sempre a totalidade com o contrato promessa por sua iniciativa, por entender ser assim mais funcional.   
Deverá assim ser alterada a redacção do ponto 12 dos factos, de forma não totalmente coincidente com o pretendido pela apelante, mas de forma a reflectir o que efectivamente foi declarado pela testemunha de forma consistente e convincente.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto e se decide eliminar a alínea b) dos factos não provados e alterar o ponto 12 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redacção:
Ponto 12- A prática existente entre a autora e a ré – um vez que haviam já celebrado outros contratos – era a de pagar a totalidade da comissão logo no contrato promessa, o que acontecia por iniciativa da autora, que considerava ser assim mais prático, por poder receber depois a totalidade do remanescente sem necessidade de descontar a comissão, embora o acordado fosse sempre o pagamento de 50% da comissão aquando contrato promessa e de 50% com o contrato definitivo, o que também foi o acordado no contrato dos autos, apesar de não ter sido assinalado no contrato escrito.
No mais improcede a impugnação da matéria de facto.
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III) Contrato celebrado pelas partes e restituição do valor da remuneração já entregue.
Conforme resulta dos factos provados, a autora e a ré, que é uma empresa de mediação imobiliária, celebraram um contrato em que a ré se obrigou a diligenciar no sentido de encontrar interessado na compra de um imóvel da autora, obrigando-se esta a pagar uma remuneração em contrapartida.
A actividade de mediação imobiliária constitui uma modalidade do contrato de prestação de serviços previsto nos artigos 1154º e seguintes do CC e encontra-se regulada autonomamente, actualmente na Lei 15/2013 de 8/2 (desde Março de 2013) e anteriormente no DL 211/2004 de 20/8, que foi revogado pela referida lei.
Foi junta aos autos uma cópia do contrato de mediação imobiliária outorgado pelas partes (documento nº1 junto com a PI, mencionado no ponto 1 dos factos), onde consta a identificação das partes, a identificação do negócio, como venda do prédio pertencente à autora, também identificado, o preço do negócio, de 125 000,00 euros, o regime de exclusividade, a identificação do contrato de seguro da ré.
Contudo, o documento não tem data, só tem a assinatura da autora e não da ré, não contém as condições da remuneração, percentagem ou montante, nem a forma ou momento de pagamento, nem o prazo do contrato.
A primeira dificuldade, desde logo, é a de saber qual o diploma aplicável, se a actual Lei 15/2013, se o anterior DL 211/2004, uma vez que se ignora a data em que o contrato foi celebrado.
As normas sobre a forma do contrato são iguais na actual Lei 15/2013 (artigo 16º nº1, nº2, nº3 e nº5) e no anterior DL 211/2004 (artigo 19º nº1, nº2, nº3 e nº8), prevendo-se em ambos os diplomas que o contrato tem de ser escrito, que existem elementos que têm de constar no contrato, como as condições de remuneração, montante ou percentagem e forma de pagamento, que havendo omissão do prazo de duração do contrato se considera celebrado por seis meses e que a falta de redução a escrito e a omissão de certos elementos, como os as condições da remuneração, geram a nulidade do contrato, a qual, porém, não pode ser invocada pela mediadora, do que se conclui que só poderá ser arguida pela cliente, no caso a autora.
Não tendo sido arguida a nulidade do contrato de mediação pela autora e começando então pela questão da omissão da respectiva data, atendendo-se à data do contrato promessa, que é de Julho de 2015 (documento nº1 da contestação, mencionado no ponto 10 dos factos), ao prazo do contrato de mediação (que terá de ser de seis meses) e ao facto de não ter sido alegada a existência de renovações de prazo, conclui-se que o contrato dos autos foi celebrado já na vigência da Lei 15/2013, após Março de 2013.
No que respeita aos restantes elementos omissos do contrato, a integrar de acordo com o artigo 239º do CC e com a prova produzida, temos o acordo das partes no sentido de que foi este o contrato escrito celebrado entre as partes e outorgado pela ré, apesar de não estar assinado por esta e temos igualmente o acordo das partes no sentido de que o valor da totalidade da comissão, com referência ao preço de venda do prédio consignado no contrato promessa, era de 6 580,50 euros, pago pela autora no acto de assinatura deste contrato promessa.
Já relativamente à forma e momento de pagamento da remuneração/comissão, inexistindo acordo, foram estes elementos integrados com a prova produzida e que resultou no ponto 12 dos factos provados, ou seja, que foi acordado pelas partes o pagamento de 50% da comissão com o contrato promessa e o pagamento dos outros 50% com o contrato definitivo, tendo porém sido paga a totalidade desta remuneração logo no contrato promessa, por iniciativa da autora, que entendeu ser assim mais prático e poder receber posteriormente o remanescente do preço do imóvel sem ter de descontar a comissão.   
Entramos então agora no objecto da acção e do recurso, que é o de saber se, paga a totalidade da comissão pela autora à ré aquando do contrato promessa, esta lhe deverá ou não ser devolvida, tendo em atenção que o contrato definitivo não se chegou a realizar com o comprador angariado pela ré, por este, depois de outorgado o contrato promessa ter desistido de comprar o imóvel e, assim, de celebrar o contrato prometido. 
O objecto da angariação imobiliária vem definido no artigo 2º nº1 da Lei 15/2013 como a “procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos, ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto imóveis”.
E, sobre a remuneração da angariação, estabelece o artigo 19º nº1 da mesma Lei que “a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação mobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”.     
Voltando ao caso dos autos, defende a ré apelante que não é devida a restituição da remuneração por duas ordens de razões.
Primeiro porque, prevendo o contrato promessa celebrado com a pessoa angariada pela ré a possibilidade de recurso à execução específica e não tendo a autora exercido este direito quando o promitente comprador desistiu do negócio, é imputável à autora a não concretização do negócio objecto da angariação, sendo devida a remuneração à apelante, nos termos da cláusula 5ª nº1, 2ª parte, do contrato de mediação (ponto 9 dos factos).
Manifestamente não assiste razão à apelante. A não concretização do negócio por causa imputável à autora, promitente-vendedora sucederia se tivesse havido recusa da sua parte de outorgar o contrato definitivo, ou outra forma de incumprimento definitivo da sua parte, o que não sucedeu, tendo sido o promitente-comprador que recusou celebrar o contrato prometido.
Perante este incumprimento do promitente-comprador, assistia à autora o direito de optar entre os meios contratuais e legais existentes à sua disposição: requerer a execução específica, ou resolver o contrato fazendo seu o sinal recebido e, ao optar por este último, a autora exerceu o direito alternativo que lhe assistia, já que o recurso à execução específica era um direito e não uma obrigação, nada tendo sido estipulado nesse sentido entre a autora e a ré no contrato de mediação, nomeadamente sobre a obrigação de pagamento da comissão se não fosse exercido o direito à execução específica.
Não se pode assim concluir que a não concretização do contrato objecto da mediação foi imputável à autora, não se aplicando a 2ª parte da cláusula 5ª nº1 do contrato.
Defende também a apelante que, com o contrato promessa celebrado com a pessoa por si angariada, se deve considerar estar perfeito e concretizado o contrato objecto da mediação, sendo logo devida a remuneração acordada.
Mais uma vez não lhe assiste razão.
Como resulta da natureza do contrato de mediação, a prestação da mediadora é uma obrigação de resultado, só sendo devida a remuneração se tal resultado se verificar, correndo por sua conta o risco de não lograr angariar um interessado que celebre o negócio e de não se concretizar o objecto do contrato.
É o que resulta também da primeira parte do nº1 da cláusula 5ª do contrato de mediação acima referida, por força da qual “a remuneração será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado (…)” e resulta ainda do acima transcrito artigo 19º da Lei 15/2013 que, na sua primeira parte, consagra o princípio geral de que a remuneração do contrato só será devida “com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”.
O facto de a autora ter pago a totalidade da remuneração no contrato promessa naturalmente não obsta a este entendimento.
Desde logo, no âmbito da actual lei 15/2013, já não é permitido, como acontecia no artigo 18º do DL 224/2004, fixar o pagamento da totalidade da remuneração com o contrato promessa, pois o artigo 19º da lei vigente estabelece claramente que a remuneração é devida apenas com a concretização do negócio visado com a mediação, podendo apenas as partes, se houver contrato promessa e se o desejarem, fixar uma remuneração a ser paga nesse momento, que não poderá ser a remuneração que é devida a final, com a perfeição do negócio objecto da mediação (cfr neste sentido ac. RL de 7/2/2017, p. 2287/16, em www.dgsi).
Por outro lado, como ficou provado no ponto 12 dos factos, as partes acordaram que 50% da comissão seria paga só com a celebração do contrato prometido, o que acabou por não se concretizar, sendo certo que o pagamento da totalidade da comissão deveu-se à iniciativa da autora, mas no pressuposto de que o negócio definitivo se iria realizar e de que já não teria de deduzir a comissão quando recebesse o remanescente do preço da venda do imóvel.
O montante pago pela autora que estava previsto para final é assim uma antecipação do cumprimento, prevista no artigo 440º do CC e, se a final tal cumprimento não é devido porque não se concretizou o negócio visado, a quantia entregue a título de antecipação tem de ser restituída em singelo à autora nos termos do artigo 406º nº1 do CC, que, ao impor o cumprimento pontual do contrato, impõe, em consequência, a restituição da antecipação de um pagamento que não é devido.
O mesmo se terá de considerar relativamente à parte da remuneração que as partes acordaram que seria paga com o contrato promessa, pois, embora contratualmente houvesse a obrigação de entregar tal quantia nesse momento, não se provou se essa obrigação era mais do que um adiantamento, se constituía uma remuneração específica que as partes quiseram fixar pelo trabalho desenvolvido até ao momento, cabendo à ré alegar e provar que seria o caso, o que não fez.
Conclui-se, portanto, que a totalidade da remuneração entregue pela autora à ré aquando do contrato promessa constituiu um adiantamento do pagamento que afinal não foi devido, estando a ré obrigada a restitui-lo à autora e improcedendo as alegações de recurso.  
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DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
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Custas pela apelante.     
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2020-02-20                    
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate 
António Santos