Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | EURICO REIS | ||
| Descritores: | DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO MATÉRIA DE FACTO IMPUGNAÇÃO ARRENDAMENTO RURAL SUB-ARRENDAMENTO EXPROPRIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/13/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | I - A norma constante do nº 2 do art. 690ºA do CPC constitui uma violenta inversão do antigo princípio do máximo aproveitamento dos actos das partes, que se encontra consubstanciado no n.º 3 do art.º 690º do CPC. II - Com esta apertada regulamentação, acaba por ver-se prejudicado, se não mesmo irremediavelmente comprometido o princípio da efectiva dupla jurisdição em matéria de facto que o legislador disse querer consagrar com a Revisão do CPC de 1995/96. III - Não obstante não poder ser esquecido o determinado no n.º 2 do art.º 8º do Código Civil, todo o art.º 690ºA do CPC tem que ser considerado uma norma excepcional e como tal interpretado, ou seja, como se enuncia no art.º 11º do Código Civil, restritivamente. IV - Em nenhum momento do ritual formal estabelecido nos artºs 700º a 720º do CPC, está prevista a realização de uma audição conjunta das cassetes - em que se encontram registados os depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento - por parte dos três membros do Colectivo, muito menos a elaboração de acta dando fé de um tal acto. V – O nº 1 do art.º 36º da Lei do Arrendamento Rural, instituída pela Lei n.º 76/77, de 29/9, segundo o qual é proibido ao arrendatário “subarrendar, emprestar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ceder a terceiros a sua posição contratual, salvo se o arrendatário for o Estado ou uma autarquia local”, não pode ser interpretado como estatuindo uma norma criada apenas em favor dos senhorios; o que nela se estabelece é uma clara proibição da realização de tais actos, determinação essa que, beneficiando os senhorios, tinha finalidades políticas, sociais e económicas bem mais alargadas, a saber: favorecer os que directamente trabalhavam a terra em detrimento de intermediários. FG | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa: 1.1. O intentou contra a CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA (de facto, bem mais que um abuso de linguagem já que, na verdade, só o MUNICIPIO DE LISBOA tem capacidade jurídica e judiciária e, a bem do rigor, não devem os alhos ser tratados como bugalhos) os presentes autos de acção declarativa com processo comum e forma ordinária que, sob o n.º 676/97, foram tramitados pela 1ª secção da 17ª Vara Cível do Tribunal da comarca de Lisboa e nos quais, no despacho saneador (que transitou em julgado por um dos recursos interpostos contra essa decisão não ter sido admitido e o outro ter ficado deserto por falta de alegações – fls 76 e 125, respectivamente), foi decidido que as duas partes eram legítimas – apesar de se reconhecer que a CML não dispõe de personalidade jurídica ou de personalidade judiciária – e que inexistia a excepção de prescrição invocada pela demandada ora recorrente, bem como se decretou a absolvição da Ré da instância, por cumulação ilegal de pedidos, quanto ao pedido de indemnização decorrente da expropriação operada por esta mesma entidade. E, realizada a audiência de discussão e julgamento, nos autos veio a ser proferida a seguinte sentença: “... Pelo exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo a presente acção procedente, por provada, e, consequentemente, Reconheço o contrato de arrendamento celebrado, em Junho de 1976, entre Manuel e V para exploração agrícola do prédio rústico sito em Vale do Forno, Lumiar, Lisboa; Reconheço o contrato de subarrendamento celebrado, em Fevereiro de 1979, entre Vasco da Costa Rebelo e o A. para exploração agrícola de parte daquele prédio; Condeno a Ré no pagamento ao A. de uma indemnização no valor de € 5.711,23 (Esc. 1.145.000$00), valor esse actualizado nos termos da taxa anual correspondente à taxa média de inflação (índice de preços no consumidor) do INE relativa ao período compreendido entre Outubro de 1988 e Fevereiro de 1998, ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde essa data até efectivo e integral pagamento. Custas pela Ré...” (sic – fls 392 - a sentença constitui fls 381 a 392). Inconformada, a Ré deduziu recurso contra essa decisão pedindo a sua revogação e formulando, para tanto, as quatro conclusões que se encontram a fls 411 a 412 e nas quais invoca que: “1. O A. alegou a sua qualidade de subarrendatário de parte de uma parcela de 0,3 ha do prédio rústico sito em Vale do Forno. 2. Dos depoimentos produzidos em sede de audiência de julgamento, não foi feita prova, como lhe competia, dessa qualidade, atentas as afirmações das testemunhas por si arroladas, designadamente Vasco, A e O, conforme se demonstrou. 3. Desta forma, encontra-se prejudicado o reconhecimento do contrato de arrendamento alegadamente celebrado por Vasco com Manuel, bem como do contrato de subarrendamento de parte da aludida parcela celebrado com Vasco e consequentemente o direito do A. a ser indemnizado após expropriação da CML. 4. Carecendo de fundamentação de facto e de direito, apta a chegar aos juízos conclusivos que alicerçaram o sentido da decisão proferida, deverá a mesma ser revogada, pelas razões supra expostas, pugnando pelo princípio da justiça, nos termos do art.º 688 do CPC...” (sic – nesta última conclusão a referência ao art.º 688º só pode tratar-se de um lapso já que a nulidade da sentença por falta de fundamentação está prevista no art.º 668º). O recorrido contra-alegou (fls 415 a 419), pugnando pela total improcedência da apelação. 1.2. Em sede de recurso de apelação, a Relação de Lisboa conheceu de mérito, tendo, primeiro através de decisão liminar do relator de fls 428 a 434, e depois, em Conferência, por acórdão que confirmou esse decreto judiciário inicial, julgado parcialmente procedente o recurso nos seguintes termos: “…delibera-se confirmar e manter, o decreto judicial contido nessa mesma decisão singular pelo qual se: a) alterou para «não provado» a resposta dada pelo Tribunal de 1ª instância ao perguntado no n.º 2º da Base Instrutória; b) declarou que sentença recorrida não é nula; c) revogou a sentença recorrida e, em sua substituição, se decretou a absolvição da CÂMARA, em representação do respectivo MUNICIPIO, dos pedidos ainda subsistentes após o que ficou decidido no despacho saneador. Custas pelo apelado/reclamante O” (sic – fls 443 – o acórdão constitui fls 442 a 444). Desse acórdão, veio o Autor/apelado recorrer de Revista (fls 453 a 461), pedindo a sua revogação e a manutenção da sentença proferida em 1ª instância, formulando, para tanto, as nove conclusões que se encontram a fls 460 a 461, nas quais – o que vincadamente se sublinha – não invocou que a apelação não deveria ter sido recebida na parte em que põe em causa a resposta dada ao número 2º da base instrutória por violação do disposto no art.º 690ºA do CPC, matéria que igualmente não abordou nas suas contra-alegações respeitantes à apelação (o que também se assinala). A entidade Ré contra-alegou (fls 505 a 516), pugnando pela manutenção do acórdão recorrido. O Colendo STJ, através do acórdão de fls 524 a 535 deliberou “anular a decisão recorrida, determinando-se a baixa dos autos à Relação para reapreciação, se for caso disso, da matéria de facto posta em crise pela apelante e prolação de nova decisão, se possível pelos mesmos Desembargadores” (sic – fls 534). Em conformidade com essa deliberação, foram os autos apresentados novamente a Vistos aos Ex.mos Senhores Juízes Desembargadores que, com o relator, subscreveram a deliberação anulada, cabendo proferir agora nova deliberação apreciando o mérito da apelação deduzida pelo MUNICÍPIO DE LISBOA, representado pela respectiva CÂMARA MUNICIPAL, contra a sentença lavrada pelo Tribunal de 1ª instância. 2. Considerando as conclusões das alegações da parte ora recorrente (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso – n.º 3 do art.º 668º do CPC e artºs 671º a 673º, 677º, 678º e 684º, maxime nºs 3 e 4 deste último normativo, e 661º n.º 1, todos do mesmo Código), as questões a decidir nesta instância de recurso são as seguintes: - considerando a prova produzida no processo, pode ou não ser mantida a resposta dada pelo Mmo Juiz a quo ao perguntado no n.º 2º da Base Instrutória ? - a sentença apelada é ou não nula por falta de fundamentação ? - na sentença apelada foram ou não feitas uma correcta subsunção dos factos provados nas normas legais aplicáveis e uma adequada interpretação das mesmas ? E sendo estas as questões que compete dirimir, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por terem sido cumpridas as formalidades legalmente prescritas (700º a 720º do CPC). 3. A ora recorrente apenas pôs em causa a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto declarada provada na resposta dada ao perguntado no n.º 2º da Base Instrutória, pelo que, no restante e ao abrigo do disposto no n.º 6 do art.º 713º do CPC, dispensa-se esta Relação de aqui transcrever essa parte da decisão recorrida – que se encontra a fls 384 a 386 sob a epígrafe “IV - Motivação 1. Os factos” – e para a qual se remete. No que se reporta à matéria questionada, a pergunta formulada no n.º 2º da “Base Instrutória” e a resposta dada são, respectivamente, as seguintes: - Em Fevereiro de 1979 o arrendatário Vasco, com o consentimento do senhorio, cedeu o gozo de parte do referido prédio rústico ao Autor, mediante a renda anual de 100$00 ? - Provado. 4. Discussão jurídica da causa. 4.1. Considerando a prova produzida no processo, pode ou não ser mantida a resposta dada pelo Mmo Juiz a quo ao perguntado no n.º 2º da Base Instrutória ? 4.1.1. Ao iniciar a discussão jurídica do pleito, é indispensável clarificar uma questão que, como já se assinalou no ponto 1.2., não foi suscitada pelas partes, antes tendo sido objecto de conhecimento oficioso por parte dos Colendos Senhores Juízes Conselheiros que subscrevem o Aresto de fls 524 a 535 do processo, a saber: o não cumprimento pela parte apelante do disposto no art.º 690ºA do CPC. 4.1.2. A esse propósito, cabe salientar que, como resulta inequivocamente do disposto no n.º 1 do art.º 721º do CPC, a revista foi interposta do acórdão de fls 442 a 444 e não da decisão liminar do relator de fls 428 a 434. Ora, na sua reclamação de fls 438, o Autor/apelado nada referiu quanto ao facto de, naquele despacho liminar, se ter admitido o recurso na parte que pôs em causa a decisão proferida sobre a matéria de facto, nem, com esse fundamento, impugnou tal despacho subscrito apenas pelo relator. E tais questões, por imposição dos artºs 700º n.º 1 e), 701º n.º 1 e 704º do CPC, têm forçosamente que ser conhecidas logo no despacho liminar. E foram-no, expressamente no ponto 1.1. – v. fls 428 – e, se tal não fosse suficiente, que é, também tacitamente no ponto 2.4.1.. O que significa que, quanto a essa matéria (porque nenhuma das partes da decisão de fls 428 a 434, como, aliás, nunca o são os despachos proferidos nos termos definidos no art.º 701º do CPC, constitui despacho de mero expediente), se formou caso julgado, no mínimo formal, que vincula todos os intervenientes no processo, incluindo os Juízes, seja qual for a instância em que julgam (artºs 672º, 673º, 677º, 678º e 679º do CPC). É exactamente por força de tais disposições que se formou caso julgado – que não foi questionado – quanto às matérias já apreciadas no despacho saneador de fls 53 a 57. 4.1.3. Mas, mesmo que assim não se entendesse, mas entende-se, um outro fundamento justifica e permite o conhecimento da apelação intentada contra a resposta dada em 1ª instância ao que se perguntava no número 2º da base instrutória. Não ignora este Tribunal o que se encontra expressamente determinado no art.º 690º-A do CPC, quer no seu n.º 1, quer no seu n.º 2, comando normativo esse, em vigor desde o já longínquo dia 1 de Janeiro de 1997, e no qual se pode ler que: “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro de apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522º -C”. Indubitavelmente e quanto a isso nenhuma dúvida legítima ou razoável pode ser suscitada, o Município apelante cumpriu a exigência constante do n.º 1 citado – pede-se a alteração da resposta dada a um expressamente indicado número da base instrutória e refere-se o nome das concretas testemunhas e a exacta página do processo em que se encontra o documento que constituem os meios probatórios que impõem a resposta pretendida ou proposta. À primeira vista, não terá cumprido o ónus previsto no n.º 2. 4.1.4. Essa norma constitui uma violenta inversão do antigo mas não caduco princípio do máximo aproveitamento dos actos das partes, que, por sinal, se encontra consubstanciada no já aludido n.º 3 do art.º 690º do CPC. E no n.º 3 do art.º 193º do mesmo diploma e ainda nos artigos que, nesse Código, estabelecem o regime jurídico das nulidades, em particular nos artºs 201º, 203º e 205º n.º 1. De igual modo, com esta apertada e exigentíssima regulamentação, acaba por ver-se prejudicado, se não mesmo irremediavelmente comprometido o princípio da efectiva dupla jurisdição em matéria de facto que o Legislador disse querer consagrar com a Revisão do CPC de 1995/96. E que, para todos os efeitos, consagrou mesmo, pois as palavras da Legislador são para levar a sério e para cumprir e fazer cumprir. Aliás, uma vez que a experiência quotidiana dos Tribunais demonstra que os números das “voltas” indicados nas actas de julgamento, porque os leitores de cassetes postos à disposição dos Juízes Desembargadores desta Relação de Lisboa não são idênticos aos utilizados em 1ª instância, não correspondem - a não ser por acaso – aos que surgem nos contadores desses leitores individuais dos Juízes deste Tribunal Superior, pode até afirmar-se que este rigor, que é pura e excessivamente formal, acaba por ser, afinal, totalmente desproporcionado. O que significa que, não obstante não poder ser esquecido o determinado no n.º 2 do art.º 8º do Código Civil, todo o art.º 690ºA do CPC tem que ser considerado uma norma excepcional - e realmente é-o - e como tal interpretado, ou seja, como se enuncia no art.º 11º do Código Civil, restritivamente. E sempre tendo em conta que nos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU através da sua Resolução 217ª (III) de 10 de Dezembro, é a todos garantido o direito a um julgamento leal («fair trial») e equitativo, e que nenhuma interpretação é legítima quando dela decorra uma violação manifestamente excessiva dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito (artºs 9º n.º 3 – “soluções mais acertadas” – e 334º do Código Civil). O princípio essencial do Direito – e da Civilização – é o da proporcionalidade. E uma interpretação contrária será inconstitucional por violação das normas agora enunciadas (as emanadas de organismos internacionais directamente aplicáveis ex vi art.º 8º da Constituição da República). 4.1.5. Nestas condições e à luz destes critérios, considerando os exactos termos das alegações de recurso apresentadas pelo Município Réu, entende-se que essa parte apelante cumpriu suficientemente as exigências impostas pelo art.º 690ºA do CPC, sendo inequívoca e totalmente perceptível por um qualquer declaratário normal colocado no lugar do real declaratário (art.º 236º n.º 1 do Código Civil – aqui os recorridos e os Juízes do Tribunal) a pretensão que ver julgada por esta Relação. E, por essa razão, pode, e deve, pode e deve prosseguir a tramitação dos autos para que se conheça o mérito ou demérito de toda a apelação. O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica ou jurídica justificativa, aqui se declara e decreta. 4.1.6. Dirimida esta questão prévia, importa, então, sindicar a decisão da 1ª instância pela qual se respondeu ao perguntado no n.º 2 da base instrutória. Segundo o entendimento do Mmo Juiz a quo, o ora recorrido O prova suficiente quanto à existência de um contrato de subarrendamento firmado entre si e Vasco. O MUNICÍPIO DE LISBOA discorda, daí que peça a revogação da sentença e, nomeadamente, a alteração da resposta dada ao perguntado no n.º 2º da Base Instrutória. Cabe agora sindicar esse julgamento, sendo, todavia, dever deste Tribunal esclarecer à partida que se irá analisar a prova que consta dos autos sem ter em conta o que se encontra previsto no art.º 36º da Lei n.º 76/77 de 29 de Setembro (Lei do Arrendamento Rural ou LAR). Do Direito, curar-se-á mais tarde. 4.1.7. Como se comprova a partir da acta de fls 373 a 375, todas as testemunhas que depuseram na audiência de discussão e julgamento foram ouvidas à matéria do n.º 2 da base instrutória, arroladas pelo Autor, e J, arrolada pela parte Ré. E, porque o convencimento do Julgador é sempre global, há que reapreciar o que por todos esses depoentes foi dito em audiência. Ora, ouvidas as cassetes em que se encontram registados esses depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento realizada no presente processo (sendo certo que, em nenhum momento do ritual formal estabelecido nos artºs 700º a 720º do CPC, está prevista a realização de uma audição conjunta de tais cassetes por parte dos três membros do Colectivo, muito menos a elaboração de acta dando fé de um tal acto) e tal como já se encontrava assinalado no despacho de fundamentação de fls 376 a 377, são bem patentes e evidentes as contradições que existem entre o que foi dito pelas várias testemunhas arroladas pelo Autor; de facto, são bem poucas as áreas de concordância que podem ser encontradas nesses testemunhos, havendo aqui que sublinhar a relevância do depoimento prestado por V, não tanto por ser cunhado do ora recorrido mas pela sua situação jurídica na relação material controvertida – já a fls 376 o Mmo Juiz a quo escrevia que “A testemunha V, cunhado do A, negou o arrendamento da parcela e posterior subarrendamento ao A e a outros…” (sic). (…) 4.1.8. Ou seja, face ao disposto nos artºs 342º n.º 1 e 346º do Código Civil, era ao agora recorrido (que não tem a seu favor qualquer presunção que inverta esse ónus) que competia provar para além de qualquer dúvida razoável que detinha, relativamente à parcela de 0,3 ha do prédio rústico sito em Vale do Forno em causa neste processo, a posição de subarrendatário que alegou ser a sua na petição inicial de fls 2 a 12 - e foram esses os factos que por esse demandante foram alegados e não outros – e não ao Município Réu provar o contrário. A finalidade da produção da prova, recorda-se, é convencer o Tribunal que determinados factos alegados na fase dos articulados ocorreram realmente e não outros. E, perante a prova testemunhal aqui escrutinada, para ser brando com as palavras, são mais as dúvidas que as certezas – e tanto basta para que se produzam os efeitos prescritos no já citado art.º 346º do Código Civil. Litigar em Juízo é, inequivocamente, uma actividade de enorme relevância ética e cívica e de uma muito significativa responsabilidade social, mas prestar testemunho também o é. E não pode um Juiz declarar que um determinado facto resultou provado quando a prova produzida, de tão fraca e duvidosa, não cumpre as exigências impostas pelo Legislador. 4.1.9. Resta o documento de fls 20. Relativamente a este escrito, o que pode ser afirmado quanto aos demais juntos com a petição inicial, é necessário começar por salientar que se ignora se tais declarações tiveram qualquer repercussão junto da Fazenda Nacional, isto é, se foram ou não comunicadas à Administração Fiscal ou a qualquer entidade terceira certificadora da sua genuinidade. Para além disso, trata-se de uma declaração produzida em 22 de Fevereiro de 1991, quando os factos em litígio (os verificados aquando da expropriação) ocorreram comprovadamente no último trimestre de 1988 - em finais de Setembro, segundo a versão do próprio Autor. Assim sendo, não é o mesmo idóneo para eliminar as dúvidas a que antes se aludiu – bem pelo contrário. Finalmente, nas cartas remetidas ao Autor pelos serviços camarários não se encontra qualquer expressão que possa ser interpretada como um reconhecimento por parte da edilidade de esse demandante é titular da qualidade que se arroga (subarrendatário de uma parcela do prédio rústico sito em Vale do Forno em causa neste processo). 4.1.10. Nesta conformidade, sendo procedentes as conclusões 1ª e 2ª das alegações de recurso da entidade apelante, existem mesmo razões para alterar para não provado a resposta dada pelo Tribunal de 1ª instância ao perguntado no n.º 2 da Base Instrutória. O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica ou jurídica justificativa, aqui se declara e decreta. 4.2. A sentença apelada é ou não nula por falta de fundamentação ? 4.2.1. A entidade recorrente apenas na conclusão 4ª das suas alegações vem referir que a sentença recorrida não se encontra fundamentada, nem em termos de facto nem de Direito. Essa afirmação carece, totalmente, de fundamento. Na verdade, na decisão que aqui se sindica estão claramente expostos os factos que foram declarados provados no processo e, de igual modo, o raciocínio seguido pelo Mmo Juiz a quo que culminou no decreto judiciário que foi posto em causa em sede de recurso. E foram indicadas, de um modo que não suscita dúvidas, quais os normativos cuja interpretação sustenta essa conclusão (e, ainda que sucintamente – mas de maneira bem mais do que suficiente - as razões que justificam essa interpretação feita). Saber se essa argumentação, que é clara, inequívoca e perceptível por um qualquer declaratário médio colocado na posição do real declaratário, é sufragada por esta Relação é algo de lógica e ontologicamente muito diverso – e não é isso que neste momento cura apurar. E a fragilidade e inconsequência da alegação não merece que com ela se perca mais tempo. 4.2.2. Nesta conformidade, porque é totalmente improcedente a conclusão 4ª das alegações de recurso da apelante, importa declarar que a sentença recorrida não se encontra afectada por qualquer vício – o invocado ou qualquer outro – que a torne nula. O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica ou jurídica justificativa, aqui se declara e decreta. 4.3. Na sentença apelada foram ou não feitas uma correcta subsunção dos factos provados nas normas legais aplicáveis e uma adequada interpretação das mesmas ? 4.3.1. Face ao decretado no ponto 4.1. do presente acórdão, bem pouco resta para dirimir. Efectivamente, não estando comprovada a celebração do contrato de subarrendamento, fenece totalmente a pretensão deduzida em Juízo pelo ora apelado. Não obstante essa constatação, é útil deixar claro que o n.º 1 do art.º 36º da Lei do Arrendamento Rural aplicável, isto é, a instituída pela Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, não pode ser interpretado como estatuindo uma norma criada apenas em favor dos senhorios; na realidade, o que nela se estabelece é uma clara proibição da realização de tais actos (norma imperativa, portanto), determinação essa que, beneficiando sem dúvida os senhorios, tinha finalidades políticas, sociais e económicas bem mais alargadas, a saber: favorecer os que directamente trabalhavam a terra em detrimento de intermediários que à época eram mimados com epítetos que variavam entre “absentistas” e “parasitas”. Para que dúvidas não se suscitem, o elucidativo texto desse comando normativo é o seguinte: “Ao arrendatário é proibido subarrendar, emprestar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ceder a terceiros a sua posição contratual, salvo se o arrendatário for o Estado ou uma autarquia local, aplicando-se-lhes o preceituado no número seguinte”. E os actos proibidos são geradores de responsabilidade civil para aqueles que os praticam (art.º 483º do Código Civil), não de direitos, já que “… são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei” (idem, art.º 294º) – e essa nulidade é aqui a única solução que resulta da Lei. Ou seja, também com este fundamento, nunca o MUNICÍPIO DE LISBOA, representado pela respectiva CÂMARA MUNICIPAL, poderia ser condenado como o foi em 1ª instância, sendo, portanto, também procedente a conclusão 3ª das alegações de recurso da entidade apelante. 4.3.2. Nestes termos, considerando a matéria de facto declarada provada no processo, bem como o enquadramento jurídico da questão agora afirmado, forçoso se torna concluir que não pode proceder a pretensão que o ora apelado formulou no processo e cuja validade queria, através dele, ver reconhecida em Juízo, havendo, em conformidade com essa constatação, que revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, absolver o MUNICÍPIO DE LISBOA, dos pedidos contra si formulados nesta acção que ainda subsistem após o que ficou decidido no despacho saneador. O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica ou jurídica justificativa, aqui se declara e decreta. * 2.5. Pelo exposto e em conclusão, no presente processado de recurso de apelação a correr termos pela 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, delibera-se:a) alterar para não provado a resposta dada pelo Tribunal de 1ª instância ao perguntado no n.º 2º da Base Instrutória; b) declarar que sentença recorrida não é nula; c) revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, decretar a absolvição do MUNICIPIO DE LISBOA, representado pela respectiva CÂMARA MUNICIPAL, dos pedidos ainda subsistentes após o que ficou decidido no despacho saneador. Custas pelo apelado O. Lisboa, 2007/12/13 (Eurico José Marques dos Reis (Paulo Jorge Rijo Ferreira) (Afonso Henrique Cabral Ferreira) |