Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
204/08.8TJLSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: NRAU
RAU
ARRENDAMENTO
CADUCIDADE DO DIREITO À RESOLUÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
MÁ FÉ
OBRAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I – Ponderado o depoimento de parte da A. e os das testemunhas indicadas pela apelante e pela apelada em sede de impugnação da matéria de facto, conclui-se não haver razão para alterar a decisão recorrida quanto à data do conhecimento pela senhoria das obras realizadas pela R.
II – Tendo os factos alegadamente fundamentadores da resolução do contrato de arrendamento (obras ilegais) ocorrido durante a vigência do RAU, é este o regime aplicável na apreciação da peticionada resolução do contrato, apesar de a ação ter sido proposta já na vigência do NRAU.
III – Tendo-se provado que os representantes da senhoria tiveram conhecimento das obras em que se funda a pretensão de resolução do contrato de arrendamento em momento que antecedeu em mais de um ano a propositura da ação e não se demonstrando que a arrendatária reconheceu ter efetuado obras fundamentadoras da resolução do contrato, mostra-se caducado o direito da senhoria resolver o contrato com base nas ditas obras.
IV - As contingências relativas à prova, o facto de não caber à A. o ónus da prova quanto à caducidade do seu direito, a circunstância de não ser a própria A., pessoa idosa, a conduzir a administração do prédio, a circunstância de a sua qualidade de senhoria ser relativamente recente face à história do arrendamento sub judice, o facto de não haver grande disparidade temporal entre o momento invocado pela A. quanto ao conhecimento das obras e aquele que se deu como provado, levam-nos a entender não ser manifesta a má fé da A., pelo que não deve subsistir a sua condenação como litigante de má fé.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 14.02.2008 “A” propôs nos Juízos Cíveis de Lisboa ação declarativa de condenação, com processo sumário (ação de despejo), contra “B”, Lda.
A A. alegou, em síntese, ser proprietária de um imóvel que constitui a loja do n.º ... da Avenida ..., em Lisboa. Essa loja está arrendada à R., para fins habitacionais. O prédio em causa está inserido em zona especial de protecção do IPPAR, sendo necessária autorização deste organismo para a realização de qualquer obra. A R. procedeu a obras tanto no exterior como no interior da aludida loja, modificando a respetiva estrutura, o que fez sem autorização da senhoria, da Câmara Municipal e do IPPAR. Apesar de ter sido advertida de que estava a incumprir a lei do arrendamento, a R. não removeu as obras ilegais. Tal conduta é fundamento de resolução do contrato de arrendamento.
A A. terminou pedindo que fosse declarada a extinção do contrato de arrendamento por resolução, condenando-se a R. a despejar de imediato o arrendado, entregando-o livre e devoluto à A., e ainda que a R. fosse condenada no pagamento à A., a titulo de sanção pecuniária compulsória, da quantia diária de € 100,00, por cada dia de atraso na entrega da fração em causa após o trânsito em julgado da decisão final e ainda que a R. fosse condenada a proceder às reparações necessárias, para restituir a coisa no estado em que a recebera, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização.
A Ré contestou, começando por invocar a caducidade do direito de resolução, por a A., seja pessoalmente seja através do seu procurador e do seu filho, ter tido conhecimento e até autorizado as aludidas obras, mais de um ano antes da propositura da ação. Por impugnação, a R. alegou que primeiramente foram realizadas obras para adequar o locado ao novo fim do arrendamento, de venda de acessórios de automóveis e eletrodomésticos para restaurante, cervejaria, pastelaria e snack-bar, as quais foram expressamente autorizadas pelo senhorio, em 1987. Em 2000, em virtude de danos sofridos na sequência de escavações ocorridas no prédio vizinho, a R. realizou obras de reparação, sendo certo que a seguradora do proprietário e empreiteiro da obra do prédio vizinho assumiu a responsabilidade pelos danos, tendo indemnizado a R., obras essas de que o senhorio foi informado. No mais, a R. negou que as ditas obras fossem estruturais e que tivessem sido realizadas sem autorizações legais. Em reconvenção, a R. invocou que as obras realizadas são benfeitorias necessárias, cujo valor estima em € 250 000,00. Mais alegou que a A. intentou a presente ação bem sabendo que a mesma é destituída de qualquer fundamento, pelo que deve ser condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização de € 5 000,00.
A R. terminou pedindo que fosse julgada provada e procedente a exceção de caducidade, ou, em qualquer caso, julgada improcedente por não provada a ação e procedente por provada a reconvenção, condenando-se ainda a A. como litigante de má fé.
A A. replicou, pugnando pela improcedência da exceção de caducidade e bem assim pela improcedência do pedido reconvencional. Também negou a imputada litigância de má fé e pediu que a R. fosse condenada como litigante de má fé.
A R. apresentou articulado superveniente, alegando que a A. pretendia proceder à demolição do edifício onde se integra o locado, com excepção da respetiva fachada, pelo que age em abuso de direito, procurando obviar à aplicação do regime legalmente prescrito para a denúncia do senhorio para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos.
Embora com a oposição da A., tal articulado foi admitido, assim como a reconvenção, já na 3.ª Vara Cível de Lisboa, a quem o processo foi redistribuído.
Foi proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto assente e controvertida.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com gravação dos depoimentos prestados e a final foi emitida decisão de facto.
Em 08.5.2012 foi proferida sentença, na qual se julgou a ação improcedente por não provada e considerou-se a decisão do pedido reconvencional prejudicado, e consequentemente absolveu-se a R. do pedido e absolveu-se a R. do pedido de condenação como litigante de má fé; mais se condenou a A. como litigante de má fé, na sanção pecuniária de 10 UCs, concedendo-se à R. 10 dias para se pronunciar sobre a indemnização a ser-lhe concedida.
Por despacho de 31.5.2012 foi atribuída à R. a quantia de € 4 500,00, a título de indemnização pela má fé.
A A. apelou, tendo apresentado motivação na qual formulou as seguintes conclusões:
A) Ao contrário do entendimento plasmado na sentença, a A., proprietária do imóvel, jamais se deslocou ao locado, não conhecendo sequer a sua localização exacta, sabendo apenas que é proprietária do prédio.
B) Resulta do depoimento da A., nas passagens acima transcritas, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, que a mesma nunca tratou de quaisquer assuntos relacionados com o locado, tendo entregue a sua gestão ao seu filho e ao seu solicitador, respectivamente “C” e “D”, ambos testemunhas no processo.
C) A A. afirmou que nunca teve conhecimento directo, pessoal, de quaisquer obras realizadas no locado, não o tendo igualmente por comunicação do solicitador “D” ou do seu filho, limitando-se a assinar uma carta a recusar autorização para a realização de obras, redigida, ao que crê, pelo seu filho.
D) Quanto à deslocação do filho da A. e do solicitador “D” ao locado em finais de 2006, nunca negada pela A., cumpre deixar expresso que nessa visita as referidas testemunhas não apuraram quaisquer obras que tivessem já sido realizadas no locado, apenas tendo sido informados acerca das obras que a R. pretendia realizar, relativamente às quais solicitara autorização por escrito mediante a carta junta aos autos a fls. 160.
E) Decorre dos depoimentos do solicitador “D” e do filho da A., acima transcritos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que após o envio de uma carta por parte da R. a solicitar a autorização para realização de obras, o solicitador terá pedido uma planta à R., com “vermelhos e amarelos” (respectivamente espaços a construir e a demolir) e deslocou-se ao imóvel munido das mesmas.
F) A sentença terá interpretado incorrectamente as palavras da aludida testemunha, o que a levou a considerar que, do confronto das plantas de que se fez acompanhar com a visualização do locado, esta apurou de imediato as obras realizadas e não autorizadas. Porém, não foi assim, como se verá.
G) Impõe-se, desde logo, realçar que as referidas plantas, ao contrário do que a sentença parece ter entendido, foram elaboradas pela própria R., não sendo plantas originais da Câmara Municipal de ....
H) Apenas com as referidas plantas, nenhuma das duas testemunhas estava em condições de apurar que alterações tinham sido feitas ao locado pois nunca, no passado, ali se haviam deslocado e não conheciam a sua realidade camarária.
I) Porém, como vieram apurar mais tarde, as plantas com vermelhos e amarelos fornecidas pela R. não reflectiam a realidade do prédio registada na Câmara Municipal de ..., isto é, não eram coincidentes com aquilo que a Câmara tinha como realidade do imóvel.
J) Mais, quando as duas testemunhas se deslocam ao local pela primeira vez, em finais de 2006, fazem-no no pressuposto de que apenas as obras solicitadas na carta estão em causa, desconhecendo quaisquer outras que pudessem entretanto ter ocorrido, conforme a carta que havia sido enviada à A.
K) Note-se que a A. apenas adquire o imóvel, na sequência de uma partilha de bens por morte do seu familiar, lavrada em 18 de Março de 2004. Antes dessa data, nem a A., nem o seu filho, nem o solicitador “D” conheciam o que quer que fosse acerca da realidade ou características daquele prédio.
L) Foi após a deslocação ao locado por parte das duas testemunhas referidas que o procurador da A. entendeu averiguar mais sobre a realidade do imóvel, tendo solicitado na Câmara Municipal de ... a emissão das plantas em vigor, que viriam a ser fornecidas pela Câmara Municipal de ... em 2 de Julho de 2007.
M) Só então, com o conhecimento do que tinham visualizado no locado, em confronto com as plantas da CM ..., fornecidas em 2 de Julho de 2007, é que as testemunhas puderam constatar a existência de obras não autorizadas, fosse pela senhoria, fosse pela Câmara, e não antes como entende a sentença.
N) Foi nessa data que se deu o conhecimento efectivo das obras, assim tendo iniciado o prazo de caducidade do direito de resolução do contrato com o fundamento invocado na PI.
O) Facto é que a PI deu entrada em Juízo em Fevereiro de 2008, assim dentro do prazo de um ano após o CONHECIMENTO EFECTIVO das obras realizadas no locado sem autorização.
P) Não obstante, caso assim não se entendesse, sempre seria de chamar à colação o n.º 2 do art.º 331.º do CC, segundo o qual o prazo de caducidade se suspende quando, tratando-se de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, haja reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Q) No caso em apreço, sendo o prazo o fixado pelo art.º 65.º do RAU (disposição legal) e tratando-se o direito em causa de um direito disponível (ao abrigo da autonomia privada, o senhorio poderá sempre estipular uma cláusula contratual em que autorize a realização de quaisquer obras que o arrendatário venha a pretender sem necessidade de autorização ou, sequer, comunicação), a carta enviada pela R. à A. a solicitar autorização para realização das obras está a reconhecer expressamente que à A. assiste o direito de recusar a realização dessas obras, inviabilizando que as mesmas tenham lugar. Ocorreu a suspensão do prazo de caducidade do direito de acção de resolução com o envio da referida carta por parte da R. Nesse sentido veja-se o Acórdão do STJ de 25-11-1998: BMJ, 481.º-430, cujo sumário acima transcrevemos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
R) Mais, não pode merecer acolhimento o argumento de que as obras de remodelação do interior do locado estavam autorizadas por força da carta/protocolo de acordo de autorização, datado de 17 de Novembro de 1986 (!), subscrito pelo então senhorio, “E” que conferia autorização para que (no locado) “se exerça, unicamente, o ramo de restaurante, pastelaria, cervejaria, e autoriza ainda que se efectuem todas as obras consideradas necessárias para um destes, desde que as mesmas obras sejam devidamente autorizadas pela Câmara Municipal de ....”
S) Com efeito, daquele acordo não se pode retirar uma autorização ad aeternum para realizar quaisquer futuras obras até que o contrato cesse, sem necessidade de nova autorização da senhoria. Deve ao invés, fazer-se uma interpretação do texto integrado no circunstancialismo em que foi emitido, isto é, no momento do trespasse, quando a R. carecia de realizar obras no locado para o adaptar à nova finalidade que se propunha ali exercer.
T) Ora, a adaptação só ocorre uma vez. Assim que o imóvel passa a ser um restaurante não precisa de mais adaptações para o adequar àquela finalidade. A autorização esgotou-se com a realização das primeiras obras no locado, assim desde o momento em que a R. se instalou e iniciou a sua actividade comercial de restauração.
U) Não pode também a sentença socorrer-se, sem mais, do argumento de que as obras estariam autorizadas quando a própria carta refere expressamente que a autorização da senhoria está dependente de uma outra autorização, a da Câmara Municipal de ..., que a R. nunca logrou conseguir!
V) Quanto ao abuso de direito da A. pelo facto de, alegadamente, procurar obter uma resolução do contrato motivada por obras não consentidas, quando o seu “objectivo verdadeiro” era a remodelação/restauração integral do prédio, com demolição integral à excepção da fachada, impõe-se refutar veementemente tal alegação/entendimento.
W) É a própria sentença que reconhece que a A. se limitou a formular um PIP (pedido de informação prévia) que não constitui nem pressupõe nenhum projecto arquitectónico para o instruir (art.º 14.º do RGEU). Além disso o PIP foi formulado junto da CM ... APÓS A ENTRADA DA PI EM JUÍZO.
X) A testemunha “C” deixa claro no seu depoimento, acima transcrito, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, que não havia projecto arquitectónico nenhum, que houve apenas um contacto com um gabinete de arquitectos no momento em que o PIP foi pedido, ao contrário da tese da R. e da sentença de que haveria uma “estratégia” delineada pela A. de demolir o prédio mesmo antes da entrada da PI com os (válidos) fundamentos nela invocados.
Y) Todo o exposto prejudica a condenação da A. enquanto litigante de má-fé uma vez que a caducidade não ocorreu, porém não podemos deixar de realçar que os factos consubstanciadores do incumprimento contratual da R. (realização de obras não autorizadas pela A.) foram dados como provados. Ficou provado que a A., D. “A”, recusou autorizar a R. a realizar as obras que a mesma solicitou e que, não obstante, esta as realizou. Não houve qualquer distorção de factos por parte da A. neste processo.
Z) Ora, afigura-se-nos inadmissível condenar-se a A. como litigante de má-fé por procurar exercer, por via de acção judicial (direito constitucionalmente garantido), um direito que entende assistir-lhe ainda que, por uma questão de divergência de interpretação daquilo que deve ser considerado o início de um prazo de caducidade, venha a ser-lhe negada razão.
AA) Mais ainda quando a condenação de uma parte como litigante de má-fé pressupõe a certeza por parte do Tribunal de que terá havido uma conduta dolosa ou gravemente negligente dessa parte, sendo que no caso em apreço, atentas as posições diametralmente opostas das partes, o Tribunal terá no mínimo muitas dúvidas sobre o que pode considerar a verdade material, vendo-se forçado a socorrer-se da prova testemunhal, sempre falível e subjectiva.
BB) No sentido do defendido pela A. tem-se pronunciado vasta jurisprudência, de que se citam a título de exemplo os Acórdãos, cujos sumários acima transcrevemos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, do Tribunal da Relação de Lisboa em 29-3-2007, Proc. 2349/07.2, disponível em www.dgsi.pt; Tribunal da Relação de Lisboa, de 8-2-2007, Proc. 10806/2006.6, disponível em www.dgsi.pt e Tribunal da Relação de Évora de 8-2-2007, Proc. n.º 834/06.3, disponível em www.dgsi.pt.
CC) A tudo acresce que a caducidade de um direito deve ser decretada judicialmente e não pela própria parte, não impondo a lei que um cidadão se iniba do exercício do direito de acção quando (que nem é o caso) tenha dúvidas sobre se esse direito lhe assiste ou se está em prazo para o exercer.
DD) A verificação da caducidade de um direito de acção por parte de um Tribunal não determina, nem pode determinar, sem mais, a condenação dessa parte enquanto litigante de má-fé, o que ocorreu aqui, por, ao que entendemos, errada interpretação do preceito contido no art.º 456.º do CPC.
EE) Entendemos ainda verificar-se uma nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, quanto à questão do abuso de direito da A. (alegado pela R) e que como acima se viu, foi inicialmente excluído pela sentença a fls., acabando, a final, agora a propósito da litigância de má-fé, por aproveitar o argumento para sustentar de certa forma a condenação da A.
FF) Veja-se que, apesar de a sentença aparentemente ter reconhecido que o PIP solicitado não passava de um pedido de informação e que aliás tinha sido solicitado à CM ... depois da propositura da acção, a final, vem, em clara contradição, subsumível no art.º 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC, afirmar que “resulta à evidência até porque tal decorre do doc. de fls. 257 e ss junto pela A., ponderar esta uma intervenção de fundo no prédio em que se insere o locado, da qual resultaria apenas a manutenção da fachada”.
GG) Para lá da, por nós defendida, inadmissibilidade legal da condenação da A. enquanto litigante de má-fé, pelos fundamentos aduzidos, cumpre-nos realçar que, a quantia reclamada pela R., de € 4.500,00 para ressarcir o pagamento de honorários ao Ilustre Mandatário não pode proceder pois, por efeito da Lei (artigo 26.º, n.º 3, alínea c) do Regulamento das Custas Processuais), a condenação da A. em custas já determina uma rubrica, incluída nas custas de parte do processo, destinada exactamente a compensar a parte pelos honorários de mandatários que haja despendido.
HH) Tendo a taxa de justiça paga por cada uma das partes ascendido a €1.296,00, nos termos do dispositivo legal citado, e porque a A. se mostrou condenada na sentença no pagamento das custas, já se mostra obrigada a pagar o montante de € 1.296,00 para compensação dos honorários dos Mandatários despendidos pela R., tendo de improceder o pedido, pelo menos, nessa parte.
Quanto ao mais, nada foi demonstrado nos autos que comprove que aquele montante foi efectivamente pago ao Ilustre Causídico, nem que a ter havido esse pagamento, o mesmo diz respeito a honorários relativos a esta acção em concreto.
A apelante terminou pedindo que o recurso fosse julgado integralmente provido, proferindo-se nova sentença em que se apreciassem e fossem julgados procedentes todos os pedidos formulados pela A. na PI.
A apelada contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. A apelação da Recorrente, para além de não apresentar conclusões sintéticas (art. 685.º-A, n.ºs 1 e 3 do CPC), padecendo do vício da complexidade, não procede à especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, pelo que deve ser rejeitada a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (art. 685.º-C, n.º 1, al. a) do CPC).
II. Não se verifica, de qualquer modo, qualquer erro na apreciação das provas e no julgamento da matéria recorrida na douta sentença recorrida, porquanto, resulta dos próprios depoimentos das testemunhas “D”, solicitador da A. e seu representante, e de “C”, filho da A. (conforme passagens acima transcritas), que se verificou o conhecimento das obras realizadas em “finais de 2006”.
III. O conhecimento pela Recorrente das obras realizadas em “finais de 2006” foi igualmente confirmado pelos depoimentos das testemunhas “F” e “G” (conforme passagens acima invocadas), depoimentos estes que se invocam nos termos do n.º 3 do art. 685.º-B do CPC.
IV. Em consequência, a douta decisão recorrida procedeu à correcta aplicação do Direito aos factos ao julgar procedente, nos termos do art. 65.º, n.º 1 do Regime do Arrendamento Urbano (cfr. igualmente actual art. 1085.º, n.º 1 do Cód. Civil), a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento com base em obras realizadas no locado, dado o conhecimento pela Autora dessas obras ter tido lugar mais de um ano antes da apresentação da acção em juízo.
V. Não tem aplicação aos factos objecto dos presentes autos o n.º 2 do art. 331.º do Cód. Civil, constituindo, aliás, a invocação desta disposição pela Recorrente uma questão nova, que não foi submetida à apreciação do tribunal recorrido.
VI. A douta decisão recorrida, ao condenar a A. como litigante de má fé, procedeu à correcta aplicação ao comportamento processual da A. do disposto nos arts. 456.º e 457.º do CPC, não padecendo essa decisão de qualquer nulidade.
VII. A título subsidiário, por dever de patrocínio, a Recorrida requer, ao abrigo do art. 684.º, n.º 1 do CPC, a apreciação das questões, que ficaram prejudicadas com a douta decisão de caducidade do direito à resolução, atinentes ao não preenchimento do fundamento de resolução previsto na al. d) do n.º 1 do art. 64.º do RAU e ao pedido reconvencional de indemnização por benfeitorias.
A apelada terminou pedindo que fosse lavrado acórdão que, considerando não provido o recurso formulado, mantivesse a decisão recorrida nos seus exatos termos.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento; litigância de má fé por parte da A./apelante; subsidiariamente, ao abrigo do art.º 684.º n.º 1 do CPC: do não preenchimento do invocado fundamento da resolução; pedido reconvencional.
Primeira questão (impugnação da matéria de facto)
O tribunal deu como provada a seguinte
Matéria de facto
1. Encontra-se inscrito, a favor da A., na matriz predial urbana sob o artigo ..., Fracção B, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., o imóvel correspondente à Loja do n." ... da Av. ...;
2. A Ré, ““B”, Lda.”, celebrou o acordo escrito cuja cópia se mostra junta a fls.11 e ss, com data de 12.8.1987, que tem por objecto o prédio identificado em 1) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. O arrendamento foi celebrado por um ano, renovável por iguais períodos;
4. Actualmente a renda mensal é de €851,09 (oitocentos e cinquenta e um euros e nove cêntimos);
5. A Ré construiu uma esplanada com duas coberturas laterais (2,50 metros de cumprimento) e uma superior (tecto);
6. A estrutura possui um tecto falso com instalações eléctricas e cerca de 10 pontos de luz;
7. A esplanada tem capacidade para 24 lugares sentados e foi implantada em 1987, tendo havido obras de requalificação em 2005;
8. Por cima da esplanada foi colocada uma placa luminosa publicitária;
9. A fachada da fracção foi toda revestida em pedra, com uma tonalidade Avermelhada;
10. Numa das janelas com vista para a rua foi instalado um viveiro para Crustáceos;
11. Dentro da fracção, por cima do balcão, foi colocado um reclame luminoso;
12. Por carta de 28.05.2004, a senhoria “H” designou o Sr. Solicitador “D”, seu representante;
13. A fracção, com entrada pelos nº ... a ..., do prédio sito na Av. ..., ... a ..., em Lisboa, esteve previamente arrendada à sociedade “I”, Lda. que ali tinha o seu estabelecimento de venda de acessórios de automóveis e electrodomésticos, tendo como senhorio e proprietário, “E” até início de Agosto de 1987;
14. No âmbito do pedido de renovação da licença para o ano de 1997, em 29.01.1997, a CM ... oficiou à R., dando conta de que o IPPAR não tinha aprovado o licenciamento da “sanefa” da esplanada;
15. Durante o ano de 1999, início de 2000, a loja arrendada sofreu danos no pavimento, paredes e tectos;
16. A Companhia de Seguros ..., pagou à A. por conta desses danos e reparação a quantia de €23.068,23;
17. Na sequência de contactos com o proprietário e empreiteiro da obra do prédio vizinho, a respectiva seguradora veio a assumir a responsabilidade dos danos referidos em 15), tendo indemnizado a sociedade R., dona do estabelecimento;
18. A R. deu entrada a um pedido de licenciamento na CM ... exigindo uma série de novas alterações, conforme documento nº20, tendo tal pedido sido indeferido;
19. Por carta de 28/5/2004, “H” comunicou à inquilina que era a nova proprietária da Loja arrendada e que os respectivos assuntos passariam a ser tratados na respectiva morada ou em alternativa com um tal, Sr. “D”, conforme documento junto a fls. 155, com o seguinte teor:
“H”
Exmos. Senhores
“B” Lda.
Av. ..., ... – Loja
Lisboa
Lisboa, 2004.05.28
Venho por este meio comunicar a V. Exas., que por escritura de partilha realizada em 18/03/2004, exarada pelo ... Cartório Notarial de…, lavrada a fls. 66 do livro de notas para escrituras diversas n.º ...-L, foi transferida para a signatária a propriedade do imóvel onde se insere o local acima referido de que V. Exas. são arrendatários.
Todos os assuntos referentes ao referido imóvel, continuarão a ser tratados como até aqui, na morada abaixo referenciada, ou em alternativa com “D” tel. 2....
Quanto ao pagamento das rendas informo que continuarão a ser pagas do mesmo modo e no local habitual.
Sem outro assunto de momento e agradecendo se digne tomar a devida nota, subscrevo-me com consideração.
De V. Exa.
Atentamente
(assinatura)
20. Tendo aumentado a renda da loja nos anos 2004 a 2008, a senhoria notificou a inquilina dos aumentos anuais da renda;
21. Com data de 17 de Novembro de 1986, por “E” foi subscrito o documento junto a fls. 64, intitulado “Protocolo de Acordo e Autorização, do seguinte teor:
PROTOCOLO DE ACORDO E AUTORIZAÇÃO
1 - “E”, solteiro, natural da Freguesia e Concelho de … e residente na Avenida ..., ... em Lisboa, proprietário do prédio sito na Av. ..., ... e ... a ..., em Lisboa, declara que se obriga a outorgar na escritura de trespasse - observadas as condições aqui previstas - a realizar na loja sita no mesmo, entre a sociedade “I”, Lda. (trespassante) e “J” (trespassário) e dá autorização para que nele se exerça, unicamente, o ramo de restaurante, pastelaria, cervejaria, e autoriza ainda que se efectuem todas as obras consideradas necessárias para um destes desde que as mesmas obras sejam devidamente autorizadas pela Câmara Municipal de ....---
2 - A renda do montante de 40.000$00 mensais, com início em 1 de Janeiro de 1987, não será alterada no prazo de três anos, findos os quais sofrerá o aumento legal ou aqueles que as partes convencionarem.---
3 - A escritura de trespasse será outorgada até 31 de Dezembro de 1986, desde que sejam respeitadas as garantias reais acordadas entre os trespassários e a Sociedade “I” Lda. para completa liquidação do montante acordado, prorrogáveis por mais seis meses.---
22. Com data de 1 de Junho de 1987, a “I”, dirigiu a “E”, a carta junta a fls. 65, do seguinte teor e na qual consta a sua rubrica, em seguida à menção de "Tomei conhecimento e autorizo":
Sociedade “I” Lda.
Avenida ..., …,...
0000 Lisboa - Telefone ...
Exmo. Senhor
“E”
Av. ..., … - …º
0000 Lisboa
Caro Senhor,
Conforme o que previamente acordámos e o que foi deduzido a escrito relativamente à autorização de obras referentes à loja n.º ..., pelo promitente trespassário Sr. “J”, obras estas de adaptação para restaurante, snack-bar, informo V. Exa. de que contactei o Sr. “L” seu procurador, informando de que e na continuação das mesmas vai ser feita uma conduta para exaustão de fumos que atravessará o 1º e 2º andares, pelo que solicito a V. Exa. se digne autorizar a execução da obra.
Atenciosamente
(assinatura)
Tomei conhecimento e assino
(assinatura)
23.Com data de 15 de Novembro de 2006, “B” Lda. enviou a “A” carta, cuja cópia se mostra junta a fls. 160, do seguinte teor:
Declaração:
Assunto: Operações de Edificação/Licenciamento de Obra
Exma. Sra. “A” “B” Lda. contribuinte n.º ..., com sede na Av. ..., n.º ... Loja, Freguesia de ..., Concelho de Lisboa, vem na qualidade de Locatário requerer a V. Exa., a autorização para a realização de obras de alteração/remodelação do restaurante/cervejaria "“M”".---
A fundamentação deste pedido, justifica-se pela necessidade de melhorar a funcionalidade do estabelecimento comercial e ao mesmo tempo, dar resposta ao parecer da Câmara Municipal de ... (Direcção Municipal de Actividades Económicas - Departamento de Urbanismo Comercial) que, conforme se pode verificar em folha anexa (folha n.º 4 - Processo n.º .../PGV/2003) descrevem:
"O Estabelecimento encontra-se em bom estado de manutenção no entanto, face à sua capacidade deverá ser criada uma saída de emergência adicional, pelo que deverá proceder-se à alteração da fachada, modificação que se encontra sujeita a licenciamento". Perante estes factos, considerou-se que a melhor solução por uma questão de mais valia quer para o estabelecimento quer para o Senhorio; seria, passar a porta de acesso para uma das laterais (funcionalidade) e manter a porta principal de carácter mais nobre e com uma imagem mais sóbria, como porta de emergência; pois esta estaria permanentemente encostada, como elemento de exposição apelativo aos mais exigentes conservadores da Arquitectura histórica/tradicional.---
Uma das condições da “B” Lda. para com a equipa de Arquitectos responsáveis pelo projecto de Licenciamento das alterações é, manter a todo o custo a imagem exterior do alçado principal. Não pretendemos de modo algum destruir a conceito e imagem do imóvel; somente pretendemos dar resposta ao parecer Camarário, sem qualquer prejuízo para o Senhorio.
Sem mais assunto de momento, com os melhores cumprimentos
Lisboa, 15 de Novembro de 2006
(assinatura)
24. Com data de 21 de Novembro de 2006, “A” enviou a “B” Lda. carta, cuja cópia se mostra junta a fls. 161, do seguinte teor:
“H”
“B” Lda.
Lisboa
Exmo. Srs.
Em resposta à vossa carta declaração de 15.11.2006, informo V. Exa., que não autorizo que procedam às obras e alterações solicitadas.
Lisboa, 21 de Novembro de 2006
(assinatura)
25. Com data de 26/02/2009, a Câmara Municipal de ... enviou a “A” carta, cuja cópia se mostra junta a fls. 254, cujo teor a seguir se transcreve, tendo sido notificada com cópia dos documentos de fls.255 a 285 ss. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
Câmara Municipal de ...
Direcção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana
Exma. Sra.
“A”
Rua ..., ….
0000-000 E…
NOTIFICAÇÃO
N.º .../NOT/GTEC/GESTURBE/2009
Assunto: Pedido de informação prévia ao abrigo do artigo 14º do D.L. 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção dada pelo D.L. 177/01, de 4 de Junho – Homologação favorável.
Processo n.º .../EDI/2009
Local: Av. ..., ...-...
Freguesia: ...
Para os devidos efeitos, notifica-se V. Exa., ao abrigo do disposto no artigo 66º do Código do Procedimento Administrativo, que o processo acima identificado obteve parecer favorável, homologado em 11-02-2009 por deliberação em Sessão de Câmara, com os condicionamentos referidos nas informações e despachos, cuja(s) fotocópia(s) se anexa(m).
Mais se informa que deverá V. Exa. dirigir-se ao Centro de Informação e Atendimento do Urbanismo, sito no…, n.º …, Piso …, Bloco…, em qualquer dia útil, das 08:00h às 20:00h, no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir do terceiro dia sobre a data de registo desta notificação, fazendo-se acompanhar da mesma, para levantar o duplicado do pedido de informação prévia. O não levantamento dos documentos no prazo fixado implicará a sua destruição.
Concluído o procedimento, o processo em causa será arquivado.
Junta-se em anexo o(s) documento(s) do processo acima referido, constante(s) as fls. 190 a 208 e 227 a 236.
Com os melhores cumprimentos,
P´O(A) Director(a) Municipal
(assinatura)
(“N”)
26. A A. encomendou um projecto de arquitectura para o imóvel em causa;
27. As obras no interior do estabelecimento foram efectuadas em final de 2000, tendo havido depois disso uma remodelação das câmaras frigoríficas e trabalhos de canalização;
27. [numeração repetida na sentença] Obras que foram vistas na altura pelo filho da senhoria e pelo solicitador “D”, que a Ré designou como seu representante;
28. A senhoria teve conhecimento de todas as obras levadas a efeito no Estabelecimento;
29. O filho da senhoria e o seu procurador, deslocaram-se ao local tendo visto as obras efectuadas;
30. Em meados de 2006, o solicitador “D”, acompanhado do filho da senhoria foram falar com o gerente da R. tendo pedido para visitar o estabelecimento, o que fizeram;
31. No final de 2006, um arquitecto foi ao estabelecimento para ver as vigas e a estrutura do prédio;
32. A Ré foi constituída em 5/2/1987, com o objectivo de vir a tomar de arrendamento a loja em causa, para ali instalar um restaurante/cervejaria/snack-bar, o que implicaria a realização de obras de adaptação no prédio, então degradado;
33. Em 12/08/1987, e na escritura referida em 2) o então senhorio, “E”, prestou autorização para obras;
34. Em final de 2006 a loja foi visitada pelo procurador da A. “D” e pelo filho da senhoria, que falaram com o sócio da Ré, tendo sido alegada a necessidade de proceder a um aumento de renda;
35. Em Agosto de 1987 a fracção tinha lascas e rachas nas paredes, reboco a cair, chão desnivelado e apodrecido;
36. As paredes foram calcetadas e pintadas com tinta acrílica de primeira qualidade das marcas Dyrup e Robbialac, tendo sido arranjadas as janelas;
37. Foram arranjadas as casas de banho, devido ao estado de degradação;
38. Tectos e pavimentos foram integralmente remodelados e reconstruídos;
39. Procedeu-se à integral substituição da canalização de águas sujas e limpas e à completa remodelação e funcionamento da nova instalação eléctrica, substituindo-se todos os materiais;
40. A esplanada foi construída em 1986 para adaptação da loja a restaurante;
41. O tecto falso foi construído desde o início de 1987, fazendo também parte da adaptação do espaço a restaurante;
43. [por lapso, não existe n.º 42] Toda a estrutura do tecto da esplanada está fixa à fachada, tendo quatro cabos de aço fixos na parte da frente da estrutura ligados a uma parte superior da fachada e ocupa toda a frente da fracção;
45. [por lapso, não existe n.º 44] A placa luminosa referida em 8) encontra-se fixa à fachada, por meio de parafusos;
47. [por lapso, não existe n.º 46] A pedra previamente existente, estava rachada, sem cor e prestes a cair;
48. A pedra aposta pela R. é fina, prensada e removível;
49.A fracção tem uma porta de madeira para a rua, tendo sido colocada na parte de dentro uma porta de guarda-vento em 2001;
50. O viveiro para crustáceos trata-se de estrutura com rodas;
51. No interior da fracção a R. construiu um balcão todo em pedra;
52. O balcão sempre existiu, tendo sido substituído a sua tampa, que era em inox por um tampo de pedra em 2001;
53. Junto ao balcão a Ré construiu dois lanços de escadas em tijolo e cimento, colocando sobre os degraus oito bancos inamovíveis;
54. A R. instalou um apoio para pés, quando se está em cima dos bancos, sendo os bancos susceptíveis de ser retirados, sem prejuízo do chão;
55. Na parte de trás da fracção, junto às escadas de acesso às casas de banho, o arrendatário demoliu dois lavatórios de loiça embutidos numa estrutura de tijolo;
56. No corredor de acesso às casas de banho foram construídos dois lavatórios embutidos numa pedra;
57. Os lavatórios são de louça e estão encostados à parede, destinando-se a substituir os anteriores que estavam velhos;
58. O reclame referido em 11) está colocado junto ao tecto e é susceptível de ser retirado;
59. Os danos referidos em 15) consistiram no abatimento do piso e rachas nas paredes, resultantes de obras levadas a efeito no prédio ao lado;
60. Nessa sequência a R. procedeu ao levantamento e reparação do chão da sala, casas de banho e lanços de escada de acesso à sobre-loja, com aplicação de pavimento em granito;
61. Procedeu ao levantamento e reparação do chão da cozinha e casas de banho com aplicação de pavimento em mármore;
62. Procedeu à reparação das paredes e substituição dos azulejos;
63. Pintura das paredes reparadas;
64. Substituição dos azulejos da sala, cozinha e casas de banho;
65. Reparação de portas;
66. Remodelação de instalação eléctrica em todo o estabelecimento;
67. Remodelação das canalizações de águas quentes e frias;
68. Estas obras orçaram em €56.608,57, tendo sido realizadas por ““O”, Lda.”, tendo sido pagas pela Ré., em 29/12/2000;
69. As obras levadas a cabo pela R. valorizaram o imóvel em cerca de €150.000.
O Direito
A modificabilidade da decisão de facto pela Relação está regulada no art.º 712.º do Código de Processo Civil. Nos termos desse artigo, a Relação pode alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Nos termos do art.º 685.º-B do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. E, tratando-se de meios probatórios que tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição (n.º 2 do art.º 685.º-B).
Contrariamente ao expendido pela apelada nas suas contra-alegações (vide conclusão I), afigura-se-nos ser claro quais os pontos de facto que a recorrente impugna: estão em causa os factos n.ºs 27, 28 e 29, ou seja, aqueles dos quais resulta que a A. (ou os seus representantes) teve conhecimento das obras que fundamentam a pretensão de resolução do contrato de arrendamento ainda em 2006, mais de um ano antes da propositura da acção.
Para tal, a recorrente invoca o seu depoimento de parte e bem assim o depoimento das testemunhas “C” e “D”.
Por sua vez, nas contra-alegações, a apelada invoca o depoimento das testemunhas “F” e “G”.
Diga-se ainda que, embora as conclusões da apelante enfermem de alguma prolixidade, não ultrapassam aquele limite que imporia ao relator proceder ao convite previsto no art.º 685.º-A n.º 3 do CPC (assim se rejeita o outro vício invocado pela apelada na conclusão I das contra-alegações).
Ouvidos os depoimentos das supra mencionadas pessoas, constata-se que:
“D”, solicitador e empregado de uma empresa da família da A., que gere o respetivo património imobiliário, disse tomar conta do património imobiliário da A.. Disse que a R. pedira uma autorização para fazer obras no locado, tendo a testemunha solicitado que a R. lhe enviasse as plantas com “vermelhos e amarelos”, ou seja, indicação do que era para construir e o que era para demolir. Depois de receber as plantas a testemunha foi ao estabelecimento, juntamente com o filho da A.., o que ocorreu em 2006. Esteve dentro do estabelecimento, na sala das refeições. Sentaram-se ao balcão. Nessa ocasião reparou na fachada do prédio. Verificou que uma das obras para a qual a R. pretendia autorização, ou seja, a colocação de guarda-ventos laterais, já estava executada. Também reparou que na fachada já estava colocada a pedra vermelha.
“C”, filho da A., disse que a R. pedira uma autorização para obras, tendo feito um esboço com amarelos e encarnados. Viu esse esboço, mas já não se lembra de quais eram as obras. Lembra-se que uma das alterações era mais uma porta para a rua, que a CM ... exigia. Não se lembra da data em que foi ao estabelecimento. Nessa altura tomou um café ao balcão. Crê que não passou do balcão, mas não se lembra. Quando lá foi verificou que a pedra que estava na fachada era completamente diferente da que existia antigamente. Não falou com a mãe sobre a visita ao estabelecimento. Acha que a mãe nem sabe bem onde é que este fica.
“F”, sócio da R., disse que nunca viu a A.. Foram realizadas obras no locado em 2000 e em 2005. A esplanada sempre existiu. Em 2000 fizeram obras por causa dos estragos causados por obras num prédio ao lado, tendo remodelado todo o interior. Em 2005 remodelaram as câmaras frigoríficas e canalizações, e puseram pedra nova sobre a pedra antiga da fachada, que estava muito degradada. Em outubro, novembro, de 2006, o filho da senhoria e o procurador desta foram ao estabelecimento e pediram para ver a casa toda. A testemunha mostrou tudo.
“G”, empregado de mesa da R., disse que estava no estabelecimento quando o filho da senhoria e o solicitador desta foram ao estabelecimento. Eles visitaram as instalações todas. Nunca viu a senhoria.
A Autora, com 84 anos de idade, prestou depoimento de parte. Disse que quando adquiriu o prédio “entregou ao filho e ao solicitador para tratarem de tudo.” Lembra-se que a R. pediu autorização para fazer obras e a depoente não a deu porque esse foi o entendimento do filho e do solicitador.
Está provado nos n.ºs 27 a 30 o seguinte:
27. As obras no interior do estabelecimento foram efectuadas em final de 2000, tendo havido depois disso uma remodelação das câmaras frigoríficas e trabalhos de canalização;
27. [numeração repetida na sentença] Obras que foram vistas na altura pelo filho da senhoria e pelo solicitador “D”, que a Ré designou como seu representante;
28. A senhoria teve conhecimento de todas as obras levadas a efeito no Estabelecimento;
29. O filho da senhoria e o seu procurador, deslocaram-se ao local tendo visto as obras efectuadas;
30. Em meados de 2006, o solicitador “D”, acompanhado do filho da senhoria foram falar com o gerente da R. tendo pedido para visitar o estabelecimento, o que fizeram.
Não se deu como provado que a A. se deslocou ao estabelecimento e teve conhecimento direto das obras alvo da presente ação de despejo. Apenas se deu como provado que teve conhecimento das obras: o que, tendo a A. proposto a presente ação por causa delas, será uma evidência. Quanto ao momento em que a senhoria terá tomado conhecimento das obras, ignora-se. Foi, sim, produzida prova sobre o momento em que os seus representantes terão tido conhecimento das obras: em finais de 2006, ocasião em que visitaram o locado. Nas alegações da apelação a recorrente afirma agora que apenas em 2 de Julho de 2007, data em que terá obtido da CM ... plantas oficiais do locado, é que houve a perceção, pela senhoria, das obras que haviam sido feitas pela R.. Ora, tal afirmação só agora foi feita no processo e não foi minimamente corroborada pelos depoimentos supra citados. Mais, pelo menos no que concerne às obras atinentes à esplanada e à fachada do estabelecimento, o solicitador e o filho da A. confirmaram terem tido conhecimento das mesmas aquando da visita ao estabelecimento.
Tudo ponderado, entendemos, pois, não haver razões para alterar a decisão de facto.
Nesta parte a apelação é, assim, improcedente.
Segunda questão (caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento)
Está em causa um contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais (arrendamento comercial), celebrado em 12.8.1987, contrato esse que a A. pretende ver resolvido mediante a presente ação, proposta em 14.02.2008.
Trata-se, pois, de contrato de arrendamento celebrado antes da entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) - a entrada em vigor ocorreu em 28.6.2006 – art.º 65.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02 - e mesmo antes da entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano (RAU, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15.10).
Por sua vez o direito de resolução do contrato foi exercido já no decurso da vigência do NRAU.
Põe-se, no caso, um problema de aplicação da lei no tempo.
No nosso direito ordinário, a regra é a de que a lei só dispõe para o futuro, ou seja, não tem efeitos retroativos (art.º 12.º n.º 1 do Código Civil) - e mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (art.º 12.º, n.º 1, 2.ª parte).
Antes de mais, haverá que apurar se a lei nova nos aponta a solução.
Ora, no n.º 1 do artigo 59.º do NRAU estipula-se que “o NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.
No que concerne aos fundamentos de resolução do contrato de arrendamento e à forma de a ele proceder, nada é referido nas normas transitórias. Assim, face à regra geral expressamente enunciada no n.º 1 do artigo 59.º do NRAU (“o NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data (…))”, a lei nova abrangerá as relações já constituídas, mas, uma vez que na nova lei nada é dito em contrário, ficarão ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (parte final do n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil: “presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”).
Quanto ao que se deve entender por “efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”, subscreve-se a lição de Baptista Machado (“Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Livraria Almedina, 1968, páginas 126 a 129):
“(…) Se uma causa legal ou convencional de resolução do contrato se verificou sob a Lei Antiga, mas o direito de resolução ainda não foi exercido nos termos dessa lei (através duma comunicação escrita à outra parte, p. ex., ou através duma acção judicial, se a LA exigia o recurso aos tribunais) poderá dizer-se que a Lei Nova que, suprimindo certa causa legal de resolução ou proibindo certa condição resolutiva, queira aplicar-se a contratos passados encontra diante de si um efeito já produzido, uma situação jurídica já constituída, um direito já criado? (…).Responderemos afirmativamente: a verificação do facto causa de resolução fez surgir um direito potestativo na esfera jurídica daquela das partes a quem a lei ou a cláusula negocial atribuía o direito de resolução. A circunstância de esse direito ainda se não ter tornado eficaz, por não ter sido exercido, não conta. A Lei Nova há-de respeitar o direito potestativo anterior, só podendo afectar, isso sim, o seu modo de exercício (exigindo, por exemplo, comunicação por escrito da vontade de resolver, ou exigindo, por exemplo, recurso a uma instância jurisdicional, que deverá intervir para apreciar a existência da causa de resolução e o direito à mesma, segundo a Lei Nova, limitando-se, quanto ao mais, a reconhecer o direito à resolução e a declarar esta). O facto que funciona como causa de resolução é, na verdade, facto constitutivo dum direito - dum direito potestativo. Não se pense que a actividade posterior exigida ao titular desse direito para que ele se torne eficaz integra o processo constitutivo do direito (o Tatbestand ou a fattispecie constitutiva). Com efeito, uma coisa são os requisitos da constituição dum direito (os factos constitutivos) outra coisa são os requisitos de eficácia do mesmo direito. (…) Se a Lei Nova vem tornar o exercício do direito potestativo dependente da verificação de qualquer facto que não dependa apenas da vontade do titular do direito, ela já não é uma lei relativa ao modo de exercício do direito potestativo mas uma lei relativa ao modo de constituição desse direito: com efeito, vem alterar a fattispecie constitutiva (…). Assim, se a Lei Antiga concede o direito de resolução pelo não cumprimento tempestivo nas obrigações de prazo certo, mas a Lei Nova vem determinar que o negócio jurídico só pode ser resolvido se o devedor, depois de avisado pelo credor, não cumprir dentro dum prazo razoável fixado por este, o que ela faz é exigir um novo pressuposto de facto para a constituição do direito potestativo de resolução. Trata-se portanto, claramente, duma lei sobre o modo de constituição do direito potestativo, não sobre o seu modo de exercício. (…) Imaginemos a seguinte hipótese: a lei antiga atribui ao senhorio o direito de resolver o contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios; a lei nova vem estabelecer, porém, que aquele direito à resolução cessa se o arrendatário pagar ou fizer o depósito liberatório no prazo de oito dias a contar do começo da mora. Pois bem, o que a lei nova faz ao estabelecer esta moratória legal é justamente fixar um novo pressuposto para que surja o direito de resolução: o decurso do prazo de oito dias além da entrada em mora sem que a mesma seja expurgada. Por conseguinte, mesmo na hipótese de a Lei Nova ser aplicada aos contratos de arrendamento anteriores, ela não se aplicará ao direito de resolução se a dívida de renda se venceu na vigência da Lei antiga – salvo cláusula expressa de retroactividade aposta à lei Nova. A doutrina que acabámos de expor aparece consagrada na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 12, pelo que respeita às disposições da lei nova afectadas duma cláusula de retroactividade: mesmo que a lei nova seja retroactiva, “presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.”
O NRAU entrou em vigor em 28 de junho de 2006 (art.º 65.º n.º 2). Os factos invocados nesta ação para fundar a resolução do contrato de arrendamento (realização de obras), ocorreram antes daquela data (vide n.ºs 7, 27, 40, 41, 52, 59 a 67 da matéria de facto). Assim, aplica-se ao caso sub judice o RAU, que então vigorava (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ, de 05.7.2007, processo 07B193 e 18.12.2007, processo 07B43452, e da Relação de Lisboa, 25.9.2007, processo 5180/2007-7 e 22.01.2008, processo 7493/2007-1, todos na internet, dgsi-itij).
Nos termos do art.º 65º do RAU, a ação de resolução está sujeita a um prazo de caducidade: “deve ser proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade” (n.º1). Visa-se, por um lado, obrigar o senhorio a tomar uma posição definitiva acerca da manutenção ou não do contrato de arrendamento, poupando o inquilino a uma situação de incerteza cujo prolongamento no tempo pode desequilibrar a relação negocial e, por outro, ir ao encontro do interesse geral na segurança do comércio jurídico, que seria posto em causa pelo arrastamento da incerteza acerca da subsistência ou não do negócio envolvendo o locado.
O aludido prazo, “quando se trate de facto continuado ou duradouro, conta-se a partir da data em que o facto tiver cessado” (nº 2 do art.º 65º).
A realização de obras alegadamente ilegais constitui violação instantânea do contrato de arrendamento. Tal violação traduz-se numa conduta que se verifica com a feitura das obras cuja licitude se questiona. O resultado da obra é perene (perenidade essa que, aliás, contribui para o ajuizamento da ilicitude da obra), mas o decurso do tempo subsequente à realização da obra é irrelevante para o efeito de constituição do direito de resolução do contrato e para a formação da vontade do senhorio, no sentido de manter ou de pôr fim ao contrato. Assim, o prazo de caducidade do direito de pedir a resolução do contrato conta-se a partir da data em que o senhorio (ou o seu representante – parte final do n.º 1 do art.º 259.º do Código Civil) teve conhecimento das obras. A doutrina e a jurisprudência são unânimes neste sentido (cfr., v.g., Pinto Furtado, “Manual do Arrendamento Urbano”, 3.ª edição, Almedina, 2001, pág. 881; António Pais de Sousa, “Anotações ao regime do arrendamento urbano”, Rei dos Livros, 2001, pág. 225; Jorge Alberto Aragão Seia, “Arrendamento urbano”, Almedina, 2003, pág. 472; na jurisprudência, além da citada nas referidas obras doutrinárias, cfr., v.g., STJ, 11.6.2002, processo 01B4061 e 09.10.2008, processo 08A2735, ambos na internet, dgsi-itij).
Competirá ao locatário invocar e provar que o senhorio sabia, há mais de um ano antes da propositura da ação, da realização das obras (artigos 342.º n.º 2 e 343.º n.º 2 do Código Civil). Não está em causa matéria excluída da disponibilidade das partes, pelo que o tribunal não pode conhecer oficiosamente da caducidade do direito do senhorio (artigos 333.º e 303.º do Código Civil).
No caso dos autos, a R. alegou e logrou provar que os representantes da A. tiveram conhecimento das obras em que se funda a pretensão de resolução do contrato de arrendamento em momento que antecedeu em mais de um ano a propositura da ação (n.ºs 27 a 30 da matéria de facto).
É certo que a A. vem agora, em sede de alegações, invocar facto alegadamente impeditivo da caducidade, o qual seria o reconhecimento, por parte da R., do direito pretensamente alvo da caducidade (art.º 331.º n.º 2 do Código Civil). Tal reconhecimento teria ocorrido, segundo a apelante, através da carta que a A. enviou à R. em 15.11.2006, mencionada no n.º 23 da matéria de facto.
Está em causa a análise do efeito jurídico a retirar de um facto (envio da carta) que fora oportunamente invocado nos autos, análise essa a fazer a propósito da apreciação de uma exceção (caducidade do direito da A. à resolução do contrato) que também fora atempadamente arguida na ação. Assim, contrariamente ao sustentado pela apelada nas suas contra-alegações (cfr. conclusão V), a apelante, ao invocar agora o reconhecimento do seu direito por parte da apelada, não suscita uma questão nova, mas tão só chama a atenção do tribunal ad quem para o efeito a retirar, para a resolução da questão da caducidade, de um facto dado como provado – o que se traduz numa mera operação de interpretação e de aplicação do direito, em que o tribunal se move com grande liberdade (art.º 664.º, 1.ª parte, do CPC).
Vejamos, então, se se verifica o propalado facto impeditivo da caducidade do direito da A. a obter a cessação do contrato de arrendamento sub judice em virtude da prática de obras ilegais por parte da R.. Tal facto impeditivo seria o reconhecimento, por parte da R., do direito da A. a obter a resolução do contrato, reconhecimento esse consubstanciado numa carta enviada pela R. à A..
Ora, na carta em questão, referida no n.º 23 da matéria de facto, não se encontra o pretenso reconhecimento do direito da A.. Nessa carta a R. pede a autorização da A. para a abertura de uma porta lateral no estabelecimento, ou seja, para uma obra futura, que aparentemente nem sequer chegou a realizar-se. Dela não emerge o reconhecimento de que anteriormente a R. efetuara obras ilegais, fundamentadoras da resolução do arrendamento.
Improcede, pois, a apelação também nesta parte. Ou seja, confirma-se o juízo do tribunal a quo, no que concerne à caducidade do direito da A. à resolução do contrato de arrendamento com o fundamento em obras alegadamente ilegais efetuadas pela R. no locado.
Uma vez que a decisão recorrida se mantém no que respeita à improcedência da ação, fica prejudicada a apreciação da matéria subsidiariamente alvo de ampliação do recurso (fundamentos da resolução do arrendamento e reconvenção).
Resta apreciar a condenação da A. como litigante de má fé.
Terceira questão (litigância de má fé por parte da A./apelante)
Nos termos do disposto no art.º 456.º n.º 2 do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A atual redação do preceito, introduzida pelo Dec.-Lei nº 329-A/95, de 12.12, visou, conforme resulta do seu texto e se explicita no preâmbulo daquele diploma, “como reflexo e corolário do princípio da cooperação”, consagrar “expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos”.
No acórdão do STJ, de 11.12.2003 (processo 03B3893 – internet, dgsi-itij), expendeu-se o seguinte: “O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do estado de direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do artº 456º, CPC, nomeadamente, no que respeita às regras das alíneas a e b, do nº2. Não é, por exemplo, por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira por má fé. A verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do juiz, que sendo muito, não atinge, porém, a certeza das verdades reveladas. Com efeito, a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico - sociológico. Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu. Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual.”
Concorda-se com a abordagem do referido instituto expressa no citado acórdão, a qual se mostra reiterada igualmente, por exemplo, nos acórdãos do STJ de 28.5.2009 (09B0681), 21.5.2009 (09B0641) e 26.2.2009 (09B0278).
Na sentença recorrida a condenação da A. como litigante de má fé foi assim fundamentada:
“Provado resulta dos autos que as obras levadas a efeito no estabelecimento foram sempre do conhecimento da A. –e antes desta pelo anterior senhorio- obras que foram vistas pelo filho da senhoria e pelo solicitador “D”, que a Ré designou como seu representante. E eram do seu conhecimento há mais de um ano à data da entrada da acção em juízo.
Resulta à evidência até porque tal decorre do doc. de fls.257 e ss. junto pela A., ponderar esta uma intervenção de fundo no prédio em que se insere o locado, da qual resultaria apenas a manutenção da fachada.
A A. produziu alegações cuja falta de fundamento não desconhecia e fê-lo intencionalmente com o deliberado objectivo de confundir alegando factos cuja inveracidade não desconhecia.
Usou de má fé alterando conscientemente e convenientemente a verdade dos factos.
Concluímos, assim, que estamos em face de um nítido caso de má fé material.
Fez-se do processo um uso manifestamente reprovável e em face de tal actuação o tribunal condena a Autora, nos termos do disposto no art.456º do Código de Processo Civil e art.102º do C.Custas Judiciais em 10 Ucs. de multa.
Discordamos da perspetiva que o tribunal a quo apresenta acerca do posicionamento da A. no litígio.
O fundamento da ação consiste na realização de obras pelo locatário, não autorizadas pelo senhorio. A questão da data em que a A. teria tomado conhecimento das obras, ou seja, a demonstração de que tal conhecimento ocorrera em data que determinava a caducidade do direito exercido pela A., constitui ónus da R., cabendo pois a esta alegar e provar os factos pertinentes.
A A. logrou provar que a R. fez efetivamente obras no locado, obras essas que, pelo menos da parte da A., não foram autorizadas (saber se essas obras fundariam a resolução do arrendamento, é outra questão). Quanto à data em que a A. teria tomado conhecimento das obras, a A. afirmou, na réplica, que é proprietária de diversos prédios e que desconhece as características de cada um deles. Primeiro solicitou à CM ... os mapas do prédio em análise, de seguida obteve o devido aconselhamento técnico e só nessa data teve conhecimento que haviam sido feitas obras no locado sem a sua autorização, data essa que coincidiu com a missiva do seu advogado (supõe-se que se referia à carta constante a fls 29 dos autos – doc. 7 junto com a contestação -, datada de 22-3-2007, enviada à R.).
Quanto à data em que a A. teve realmente conhecimento das obras, não se provou. Apenas se provou, com base em prova testemunhal, que o seu filho e o seu procurador tiveram conhecimento delas em meados de 2006, ocasião em que visitaram o estabelecimento. Note-se que a A. apenas assumiu a posição de senhoria em 2004, data posterior a parte das obras realizadas.
As já supra referidas contingências relativas à prova, o facto de não caber à A. o ónus da prova quanto à caducidade do seu direito, a circunstância de não ser a própria A., pessoa idosa, a conduzir a administração do prédio, a circunstância de a sua qualidade de senhoria ser relativamente recente face à história do arrendamento sub judice, o facto de não haver grande disparidade temporal entre o momento invocado pela A. quanto ao conhecimento das obras e aquele que se deu como provado, levam-nos a entender não ser manifesta a má fé da A.. Acresce que, a nosso ver, a sentença incorre em contradição quando invoca, como argumento sustentador da má fé, a circunstância de a A. estar a ponderar uma intervenção de fundo no prédio, quando em passo anterior, em que se analisava a aludida intenção à luz do abuso de direito, invocado pela R. em articulado superveniente, o tribunal a quo afastara tal vício, realçando não se ter provado que aquela intenção tivera manifestações anteriores à data da propositura da ação.
Nesta parte, pois, impõe-se a revogação da sentença.

DECISÃO
Pelo exposto julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente:
a) Revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou a A. como litigante de má fé, assim ficando igualmente revogado o despacho de 31.5.2012, que atribuiu à R. a quantia de € 4 500,00 a título de indemnização por má fé da A.;
b) No mais confirma-se a sentença recorrida.
As custas da apelação são a cargo de ambas as partes, sendo 2/3 a cargo da apelante e 1/3 a cargo da apelada.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2013

Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins