Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
828/16.0T8SXL.L1-6
Relator: ANA PAULA A. A. CARVALHO
Descritores: PRESCRIÇÃO
DÍVIDA EM PRESTAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEENTE
Sumário: I– Apesar da obrigação incumprida incidir sobre quotas vencidas e vincendas – de amortização do capital pagáveis com juros – nos termos do artigo 781º do C. Civil, tal não obsta à aplicação do prazo de prescrição de cinco anos a que se alude nas alíneas e) e/ou g) do artigo 310º do C.C., pois a prescrição respeita a cada uma das prestações e não ao todo em dívida.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 12/04/2016, o Banco X, SA. intentou contra JD, e herdeiros desconhecidos de MD acção declarativa em processo comum, no valor de € 36.591,98 (trinta e seis mil quinhentos e noventa e um euros e noventa e oito cêntimos), pelo incumprimento do contrato financiamento denominado de crédito ao consumo BANCO X, SA celebrado entre autor e réu e a falecida MD

Na contestação, o Réu JD invocou a excepção de prescrição, porquanto, durante o período um 12 anos, nada recebeu do Banco X, SA., considerando que os montantes em dívida se encontravam prescritos e ainda que se mostra decorrido o prazo de 5 anos, a que alude o art. 310.º do Código Civil, bem como que a última prestação paga foi em Fevereiro de 2003.

No exercício do contraditório, o autor alegou que o réu e a sua mulher foram interpelados a 29 de Junho de 2003 e Novembro de 2005 para procederem ao pagamento das quantias em dívida, cuja correspondência foi remetida para a morada indicada no contrato, a qual não foi alterada, e que a norma invocada - o art. 310.º do Código Civil, relativo ao prazo prescricional de 5 anos - teria o âmbito de aplicação circunscrito apenas ao caso de juros, e não a toda a obrigação. O autor requereu, além disso, a rectificação do montante do pedido peticionado, de modo a considerar-se, apenas, as datas entre 08/04/2011 e 08/04/2016 para contabilização de juros, no montante total de € 10.572,83 (dez mil, quinhentos e setenta e dois euros e oitenta e três cêntimos).

Findos os articulados, foi elaborado despacho saneador que julgou verificada a excepção de prescrição, e, em consequência, absolveu os réus do pedido.    
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Não se conformando, o autor interpôs recurso em que pede a revogação da sentença e a sua alteração no sentido propugnado nas alegações.

O apelante formula as seguintes conclusões das alegações de recurso:

«a)– A 12/04/2016, o Banco X, SA., Autor e ora Recorrente, intentou contra JD, ora Recorrido, e contra herdeiros desconhecidos de MD uma acção declarativa em processo comum, no valor de € 36.591,98, pelo incumprimento do contrato financiamento denominado de crédito ao consumo BANCO X, SA celebrado entre Recorrente, Recorrido e a falecida MD
b)– Citado para a contestar, o Réu, ora Recorrido, invocou na sua contestação a excepção de prescrição, porquanto, durante o período um 12 anos, nada recebeu do Banco X, SA., ora Recorrente, considerando que os montantes em dívida se encontravam prescritos ainda que se mostra decorrido o prazo de 5 anos, a que alude o art. 310.º do Código Civil, mais alegando que a última prestação paga foi em Fevereiro de 2003.
c)– Notificado da contestação, o ora Recorrente, apresentou resposta, alegando que o Recorrido e a sua mulher foram interpelados a 29 de Junho de 2003 e Novembro de 2005 para procederem ao pagamento das quantias em dívida, cuja correspondência foi remetida para a morada indicada no contrato, a qual não foi alterada.
d)– Mais alegou que a norma invocada pelo Recorrido teria o âmbito de aplicação circunscrito apenas ao caso de juros, e não a toda a obrigação.
e)– O ora Recorrente requereu a rectificação do montante do pedido peticionado, de modo a considerar-se, apenas, as datas entre 08/04/2011 e 08/04/2016 para contabilização de juros, no montante total de € 10.572,83.
f)– Foi convicção do Tribunal a quo considerar que o valor peticionado, por corresponder às prestações vencidas e não pagas mais os devidos juros moratórios, ou seja, a quotas de amortização de capital, se enquadraria tanto na alínea e) como na alínea g) do supramencionado preceito legal e, como tal, se aplicaria ao caso sub judice o prazo prescricional de 5 anos, estando a obrigação em causa prescrita.
g)– Considerou o Tribunal a quo, na sua douta sentença, que a obrigação de capital, bem como os juros associados, encontra-se prescrita por integração do caso em apreço quer na alínea
e)– as quotas de amortização de capital pagáveis com os juros – quer na alínea g) – quaisquer outras prestações periodicamente renováveis –, do artigo 310º do Código Civil, solução com a qual o Recorrente discorda plenamente, senão vejamos.
h)– Ora, nos termos do disposto nas alíneas e) e g) do art. art. 310.º do Código Civil que “Prescrevem no prazo de cinco anos: e) as quotas de amortização do capital, pagáveis com juros; g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.
i)– A prescrição prevista em ambas as alíneas do preceito legal supra referido consubstanciam “prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”.
j)– Simultaneamente, a alínea e) “é aplicável sempre que se tenha estipulado o pagamento do capital em prestações, com os juros. (…) A previsão normativa é aplicável às prestações de capital repartidas no tempo, a que se somam juros – a pagar conjuntamente –, e que representam quotas correspondentes à amortização do capital e ao rendimento do capital disponibilizado.
k)– E só “estão contempladas as quotas de amortização que devam ser pagas como adjunção aos juros. A previsão normativa abrange, pois, as hipóteses de obrigações pecuniárias.. pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma, de capital e, outra, de juros, em proporções variáveis, a pagar conjuntamente”.
l)– O que está em causa é uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido”.
m)– As quotas de amortização representam, assim, pagamentos parciais do capital devido, em que o prazo prescricional de cinco anos se inicia para cada uma das quotas que se vencer e não para a obrigação no seu todo.
n)– Paralelamente, a mais recente jurisprudência tem avançado com um conceito de quota de amortização de capital algo semelhante, ao considerar, também, que as quotas de amortização de capital resultam, necessariamente, de uma “estipulação, entre as partes, de um plano de reembolso gradual e periódico de capital, que visa facilitar e agilizar o pagamento através do fraccionamento da dívida em parcelas do capital – e em que cada prestação é composta por uma parcela de capital e outra de juros –, faz sentido a existência
de um prazo prescricional de curta duração aplicável a cada prestação que se vença, considerada individualmente, como obrigação autónoma.”
o)– Caberá averiguar no caso concreto se o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, que compreenda uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que traduzam a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.
p)– Para considerarmos a efectiva existência de quotas de amortização do capital pagáveis com os juros será necessário verificar, em primeiro lugar, da circunstância de as quotas serem integradas por duas fracções – uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente,
q)– Em segundo, a aferição de as mesmas serem acordadas como prestações periódicas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente e que se vencerão uma após outra.
r)– As quotas de amortização têm um caracter sucessivo, são antecipadamente determinadas, de igual valor, como forma fraccionada de cumprimento de uma única obrigação, no âmbito do qual se fixam prestações periódicas e sucessivas para pagamento de uma quantia previamente mutuada, acrescida dos juros remuneratórios.
s)– No que à aplicabilidade da alínea g) do art. 310.º CC concerne, a mesma engloba prestações periodicamente renováveis, tais como, a título de exemplo, pensões de reforma, prémios de seguros e créditos por fornecimento de energia, gás, água ou serviço telefónico.
t)– No entanto, ainda que se considere que esta alínea deva ser interpretada, em sentido lato, e que assim englobe na sua previsão, também, as obrigações unitárias mas satisfeitas em prestações fraccionadas ao longo do tempo.
u)– Considera o Recorrente que não se aplica o prazo prescricional previsto no artigo 310.º do CC, dado não estamos perante “quotas de amortização do capital pagáveis com juros” nem tao pouco estamos perante “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.
v)– Os valores em divida, tal como peticionado e posteriormente rectificado, não corresponde a prestações sucessivas, não se vence uma após o pagamento de outra, ao invés, há uma única data de vencimento para obrigação aqui em causa, parcelada no tempo.
w)– E assim é porque, uma vez que o Recorrido deixou de cumprir com os pagamentos aos quais se vinculou por força do contrato celebrado com ora Recorrente, venceram-se as restantes prestações.
x)– Mas, peticionadas, foram somente as prestações e os juros aos quais as mesmas estão associadas, e que à data da propositura da acção se tinham vencido, pelo que os juros que ultrapassem o prazo legal dos cinco anos não foram considerados.
y)– Entenda-se que a quantia posteriormente corrigida e peticionada é resultante do incumprimento de uma única obrigação, diferida no tempo e pedida a título de vencimento antecipado do capital e dos juros que, à data, se venceram com as prestações incumpridas, e não os juros de todas as prestações devidas, pois os mesmos não gozam da perda do benefício do prazo.
z)– Ou seja, o crédito que o aqui Recorrente vem exigir não é relativo a qualquer quota de amortização ou a quaisquer outras prestações periodicamente renováveis, mas apenas e só o capital vencido e os juros a ele associados que, apesar dessa correlação, já não são uma realidade jurídica única, passível de ser considerada e enquadra na al. e) e/ou g) do art. 310.º do CC.
aa)– O que passa a ser imediatamente exigível, pela perda do benefício do prazo, são todas as fracções da dívida única parcelada (o capital mutuado), não podendo os suplementos de juros ser calculados em proporção do tempo decorrido, não fazendo a recorrida jus a receber juros remuneratórios que não correspondem a um tempo efectivamente gasto.
bb)– Ou seja, o credito peticionado nos autos não respeita individualmente as quotas de amortização convencionadas mas a todo o capital em divida, decorrente do vencimento das prestações por forca do disposto no art. 781.º do Código Civil.
cc)– Não estaremos perante um caso de lex specialis derogat generali aplicando-se quanto ao contrato em apreço, o prazo ordinário de prescrição presente no art. 309.º Código Civil, ou seja os 20 anos.
dd)– O Recorrente insurge-se contra a aplicação, no presente caso, do prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 310º, nº 1, als. e) e g) CC, sustentando que, diferentemente, se deverá atender ao prazo de 20 anos estabelecido no art. 309º do mesmo diploma.
ee)– Em suma, é manifestamente é forçoso concluir que não se trata de prestações periódicas nem de quotas de amortização do capital, não se podendo aplicar, in casu, o prazo prescricional de cinco anos.
Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas. Exmos. Srs. Juízes Desembargadores, deverão as presentes alegações de apelação serem consideradas procedentes e, consequentemente, alterada a douta sentença nos termos aqui alegados, com todos os efeitos legais como é de Direito e Justiça!»
 
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Obtidos os vistos legais, cumpre apreciar.
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Questões a decidir:

O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635º nº 4 do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no N.C.P.C., 2017, Almedina, pág. 109).

Importa, assim, apreciar unicamente a seguinte questão suscitada pela apelante:

a).– Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao aplicar ao contrato celebrado o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 310º, nº 1, als. e) e g) do Código Civil, quando deveria ter considerado o prazo de 20 anos estabelecido no art. 309º do mesmo diploma.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A factualidade consignada na sentença recorrida com relevância para a decisão é a seguinte:

1)– Por acordo escrito datado de 19.04.2001, designado de “crédito ao consumo BANCO X, SA 525/00000000000000293”, a Autora (pelo então designado BES) concedeu ao Réu e a MD o financiamento caucionado com livrança. – doc. 1 junto com a p.i.
2)– No âmbito do mencionado acordo o Autor entregou ao Réu e a MD a quantia de €16.068,32 (dezasseis mil e sessenta e oito euros e trinta e dois cêntimos) – doc. 1 junto com a p.i.
3)– Ficou acordado entre as partes que tal montante seria reembolsado no prazo de 60 meses, a realizar em 60 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, a realizar através de débito em conta n.º 525/00614/000.6, titulada pelo Réu e MD– (doc. 1 junto com a p.i.).
4)– O Autor remeteu, a 18.12.2015, correspondência dirigida ao Réu dando-lhe conta que o crédito individual se encontrava em fase de contencioso e reclamava o pagamento do valor do contrato, incluindo o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida –( doc. 2 junto com a p.i.).
5)– A última prestação foi paga a 02.02.2003 - (art. 9 da p.i., art. 11 da contestação).
6)– Maria H...S...B...D... faleceu a 29 de Março de 2005 – (doc. 3 junto com a p.i.).
7) A presente acção deu entrada em juízo a 12.04.2016 – (fls. 22 dos autos).
8)– O Réu foi citado para contestar a 25.07.2016 - (fls. 38 dos autos).
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Entende o apelante, a respeito da aplicabilidade da alínea g) do art. 310.º do Código Civil, que a mesma engloba prestações periodicamente renováveis, tais como, a título de exemplo, pensões de reforma, prémios de seguros e créditos por fornecimento de energia, gás, água ou serviço telefónico. Mas, ainda que se considere que esta alínea deva ser interpretada, em sentido lato, e que assim englobe na sua previsão, também, as obrigações unitárias mas satisfeitas em prestações fraccionadas ao longo do tempo, não se aplica o prazo prescricional previsto no artigo 310.º do CC, dado não estamos perante “quotas de amortização do capital pagáveis com juros” nem tão pouco estamos perante “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.

Os valores em dívida, tal como peticionado e posteriormente rectificado, não correspondem a prestações sucessivas, vencendo-se uma após o pagamento de outra, ao invés, há uma única data de vencimento para obrigação em causa, parcelada no tempo. E, como o Recorrido deixou de cumprir com os pagamentos aos quais se vinculou por força do contrato celebrado com a ora Recorrente, venceram-se as restantes prestações. Mas, foram peticionadas somente as prestações e os juros aos quais as mesmas estão associadas, e que à data da propositura da acção se tinham vencido, pelo que os juros que ultrapassem o prazo legal dos cinco anos não foram considerados.

Entenda-se que a quantia posteriormente corrigida e peticionada é resultante do incumprimento de uma única obrigação, diferida no tempo e pedida a título de vencimento antecipado do capital e dos juros que, à data, se venceram com as prestações incumpridas, e não os juros de todas as prestações devidas, pois os mesmos não gozam da perda do benefício do prazo. Ou seja, o crédito exigido pelo Recorrente não é relativo a qualquer quota de amortização ou a quaisquer outras prestações periodicamente renováveis, mas apenas e só o capital vencido e os juros a ele associados que, apesar dessa correlação, já não são uma realidade jurídica única, passível de ser considerada e enquadrada na al. e) e/ou g) do art. 310.º do CC.

O que passa a ser imediatamente exigível, pela perda do benefício do prazo, são todas as fracções da dívida única parcelada (o capital mutuado), não podendo os suplementos de juros ser calculados em proporção do tempo decorrido, não fazendo a recorrente jus a receber juros remuneratórios que não correspondem a um tempo efectivamente gasto. Ou seja, o crédito peticionado nos autos não respeita individualmente as quotas de amortização convencionadas mas a todo o capital em dívida, decorrente do vencimento das prestações por forca do disposto no art. 781.º do Código Civil.

A fundamentação jurídica da sentença recorrida é do seguinte teor:

«Dispõe o artigo 310.º, do código Civil que: Prescrevem no prazo de cinco anos:
a)- As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b)- As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c)- Os foros;
d)- Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e)- As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f)- As pensões alimentícias vencidas;
g)- Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
Neste artigo está assim consagrado prazos curtos de prescrição, visando com isso o legislador evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor contra a acumulação da sua divida.
Ora, conforme resulta da factualidade provada, o crédito que serve de base à acção foi contraído em 19.04.2001, o qual haveria de ser reembolsado no prazo de 60 meses.
Sendo que o último pagamento efectuado ocorreu a 02.03.2003, e apenas em 18.12.2015 o Autor remeteu correspondência ao Réu a solicitar o pagamento do valor total me dívida e dando-lhe conhecimento de que o processo estaria já em fase contenciosa.
Neste conspecto acompanhamos os argumentos expendidos no acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 24.12.2014 (processo n.º 4273/11.5TBMTS-A.P1), onde se afirma, com referência ao artigo 310.º, que “nem todas as alíneas deste preceito se referem a prestações periodicamente renováveis, isto é, atinentes a dívidas periódicas em que há uma pluralidade de obrigações distintas (embora todas emergentes de um vínculo fundamental ou relacionadas entre si) que, reiteradamente se vão sucedendo no tempo”.
E no tocante à aliena g), aquela que aqui nos interessa, refere o citado acórdão que “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis” tem de ser interpretada, em sentido lato, ainda que, quiçá, menos conforme à melhor dogmática técnico-jurídica, de sorte a considerar-se que engloba na sua previsão, também, as obrigações unitárias mas satisfeitas em prestações fraccionadas ao longo do tempo, pois que não existem razões de qualquer índole – jurídica e prática – para operar a restrição propugnada pela recorrente, antes pelo contrário.”
Efectivamente, o crédito em causa nos autos – crédito ao consumo- é uma única obrigação, mas satisfeita em prestações fraccionadas no tempo, pelo que se aplica a norma em apreço.
Porém refere o citado acórdão que: “Mas mesmo que não se acolha esta leitura e que se considere incondicionalmente que as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros têm natureza de prestações periodicamente renováveis, o enquadramento no artigo 310.º do Código Civil não é contrariado pela letra da lei e pela interpretação da mesma; especificamente, não é contrariada pelo ensinamento do Prof. Vaz Serra, (…)”.
E como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 21.01.2016 (processo n.º 1583/14.3TBSTB-A.E1) “Prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, nos termos do art.º 310.º, alínea e), do Código Civil).”.
Da leitura atenta da jurisprudência citada resulta evidente que o prazo de prescrição para o caso que nos ocupa é de cinco anos (seja pela alínea g), seja pela alínea e), do artigo 310.º do Código Civil.).
Uma vez que a última prestação realizada ocorreu a 02.03.2003, há já muito que decorreu o prazo de prescrição de cinco anos, ou seja, o prazo de prescrição completou-se a 03.03.2008.
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente; mas é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, sendo o reconhecimento tácito relevante apenas quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam – artigos 323.º e 325.º do Código Civil.
Invoca o Autor que remeteu correspondência ao Réu datada de 18.12.2015, e, em sede de resposta juntou aos autos documentos comprovativos da remessa de correspondência datada de 29.06.2003 e 07.11.2005. Porém, na primeira data referida, e como já aludido, o prazo de prescrição havia já decorrido integralmente, sendo certo que a correspondência remetida, nos termos das citadas normas legais, não tem a mesma a virtualidade de interromper a prescrição. Mas ainda que tivesse tal virtualidade, se interrompida a prescrição e iniciado novo prazo igualmente havia já decorrido o prazo prescricional, o qual ocorreria a 08.11.2010.
Ademais, tendo a acção sido intentada apenas em 12.04.2016, podemos concluir que já tinha decorrido integralmente o prazo de prescrição quando a acção foi proposta, verificando-se, assim, a excepção de prescrição invocada pelo Réu.»
 
A questão controvertida centra-se na definição dos pressupostos de aplicação da prescrição de cinco anos, prevista nas várias alíneas do artigo 310º do Código Civil, e tem sido desenvolvida na jurisprudência e na doutrina precisamente a respeito de situações emergentes do incumprimento de contrato de crédito ao consumo.

Nas palavras de Ana Filipa Morais Antunes (nos «Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia», Vol. III, pág. 47), «na situação prevista no artigo 310º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.(…) Prosseguindo nesta análise, completa este estudo que constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra».

No caso vertente, provou-se que o crédito foi contraído em 19.04.2001, e haveria de ser reembolsado no prazo de 60 meses, a realizar em 60 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros sendo que o último pagamento efectuado ocorreu a 02.03.2003, e apenas em 18.12.2015 o Autor remeteu correspondência ao Réu a solicitar o pagamento do valor total em dívida e dando-lhe conhecimento de que o processo estaria já em fase contenciosa.

Tal como se concluiu no Acórdão do S.T.J. de 29.09.2016 (citando outros arestos no mesmo sentido, e disponível no sítio da internet do IGFEJ), para uma situação similar, a obrigação assumida pelos signatários do contrato foi compartimentada num mútuo e respectivos juros, e converteu-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global que, deste modo, iria sendo amortizada progressivamente, na medida em que se processasse o seu cumprimento, estando assim abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310º alínea e) do Código Civil.

O apelante Banco X, SA procura evitar os efeitos negativos da aplicação deste prazo prescricional, argumentando que peticionou unicamente a quantia resultante de uma única obrigação, diferida no tempo e pedida a título de vencimento antecipado do capital e dos juros que, à data se venceram com as prestações incumpridas, e não os juros de todas as prestações devidas, pois os mesmos não gozam da perda do benefício do prazo.

A propósito de um caso quase idêntico, já se pronunciou esta mesma Seção, no Acórdão de 29.09.2016 (disponível no mesmo sítio da internet), para salientar que o autor interpelou por escrito o devedor (carta dirigida ao réu em 18.12.2015) decorridos mais de dez anos após o último pagamento realizado pelo réu (em 02.02.2003), e mais de oito anos após o vencimento da última mensalidade acordada (em 2006), sabendo-se que a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em que o direito prescrito sofra na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita (Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito civil, 2005, pág. 756), inevitável é a improcedência da apelação, em virtude da bem decidida pelo tribunal recorrido aplicação do prazo de prescrição a que se alude na alínea e) e/ou g) do artigo 310º do C.C.

Na verdade, a tese sufragada pela apelante não merece qualquer acolhimento, pois quando veio cobrar judicialmente o montante do capital, a título de vencimento antecipado, conforme refere, já a obrigação se encontrava prescrita pelo decurso do aludo prazo de cinco anos.
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DECISÃO.

Em face do exposto, acorda-se em manter a decisão proferida e julgar a apelação improcedente.

Custas a cargo do apelante.



Lisboa,15.02.2018,



(Ana Paula Albarran Carvalho)
(Maria Manuela Gomes)
(Teresa Soares)