Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1712/2008-5
Relator: RICARDO CARDOSO
Descritores: DIFAMAÇÃO
OFENSA A PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: As declarações do arguido no âmbito da discussão política e no exercício do direito de liberdade de expressão, e tendo fundamento sério para, em boa-fé, as reputar verdadeiras, não são ilícitas por resultarem do exercício do direito à liberdade de expressão, podendo a crítica ser legitimamente exercida no contexto da luta política , apenas sendo ilícitos os juízos de valor quando enxovalham e rebaixam a pessoa visada à condição de quem não é sequer reconhecido como interlocutor, sendo-lhe atribuídas características que o singularizam como pessoa especialmente merecedora de repugnância.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


1. No Proc.º nº 1030/01.0TASNT da 1ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Sintra, em que é assistente (EE) e arguidos (NP), (JF), e (PS), foi proferido a sentença que concluiu:

“Pelo exposto, acordam em:
1) Julgar a pronúncia improcedente por não provada e, em consequência, ABSOLVER os arguidos (NP), (PS) e (JF) das imputações nela feitas.
2) Julgar o pedido de indemnização civil improcedente por não provado e, em consequência, ABSOLVER os demandados (NP), (PS), (JF) e Edições V.L., Lda, do pedido deduzido pela demandante (EE).
Quanto à tributação criminal, fixar a taxa de justiça em dez (10) UC, sendo a assistente responsável pelo pagamento – artigo 515º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
Quanto à tributação civil, condenar no pagamento das custas devidas a assistente/demandante – artigos 520º, alínea a) do Código de Processo Penal, e 446º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi a primeira norma citada.”

2.1. Inconformada com esta decisão, a ASSISTENTE interpôs recurso concluindo:

1.º A decisão recorrida julgou incorrectamente provados os factos constantes nas alíneas AI), AL), AM), AN), AP), AQ), AR), AT);
2º Com efeito, ao contrário do que se afirmou na fundamentação daqueles factos, a prova carreada para os autos quer documental quer testemunhal, as regras da experiência comum, e as declarações do arguido (NP) impõem que seja alterada a matéria de facto vertida nos pontos atrás referidos, passando os mesmos a ter a seguinte redacção:
AI) Ao autorizar a publicação da entrevista, com os indicados títulos e fotografias, sabia o arguido (JF) que propiciava aos leitores da entrevista uma imediata associação entre as afirmações do arguido (NP) e a pessoa da assistente (EE).
AL) Os arguidos (NP), (JF) e (PS) tiveram, com a concessão, redução a escrito e publicação da entrevista no jornal "O Crime", plena consciência de que a mesma ofendia o prestígio e isenção da Câmara Municipal de Sintra e dos seus serviços, bem como da assistente (EE), conformando-se com tal resultado, assim como sabiam que a entrevista constituía a afirmação de que era uma mentira a imagem positiva da assistente, apesar do que o primeiro a concedeu, a segunda a escreveu e o terceiro a editou e publicou.
AM) Os arguidos (NP), (JF) e (PS) sabiam que as afirmações constantes da entrevista a respeito da Câmara Municipal de Sintra e da assistente eram negativas para a imagem da Câmara Municipal de Sintra e dos seus serviços e para a imagem pública da assistente.
AP) O arguido (NP) ao emitir as declarações no programa televisivo Herman SIC tinha plena consciência de que as mesmas ofendiam o prestígio e isenção da Câmara Municipal de Sintra e dos seus serviços, bem como da assistente (EE), conformando-se com tal resultado, apesar do que as quis proferir.
AQ) O arguido (NP) sabia que as suas declarações no programa televisivo Herman SIC a respeito da Câmara Municipal de Sintra eram negativas para a imagem da Câmara Municipal de Sintra e dos seus serviços e para a imagem pública da assistente.
AN) Os arguidos (NP), (JF) e (PS) tinham a noção de que das afirmações do primeiro resultava a associação da assistente (EE) a actos de corrupção, bem como a responsabilidade desta pela manutenção e agravamento de uma alegada situação anormal de corrupção na Câmara, admitindo como possível que essa suspeita surgisse das afirmações publicadas na entrevista e conformaram-se com que tal acontecesse.
AR) O arguido (NP), ao proferir as mencionadas declarações no programa televisivo Herman SIC, tinha a noção de que das suas afirmações resultava a associação da assistente (EE) a actos de corrupção, bem como a responsabilidade desta pela manutenção e agravamento de uma alegada situação anormal de corrupção na Câmara, admitindo como possível que essa suspeita surgisse das referidas declarações e conformou-se com que tal acontecesse;
3º O ponto AT) da matéria de facto deve ser eliminado, dando-se como não provado o que dele consta;
4º Encontram-se igualmente incorrectamente julgados os pontos AU), AV) e AX) da matéria de facto julgada como provada;
5º De acordo com a prova produzida nos autos, o facto constante da alínea AU) deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:
AU) O arguido (NP) não estava convencido, em 9 de Agosto de 2001 e em 21 de Outubro de 2001, de que a corrupção grassava na Câmara Municipal de Sintra.
Em alternativa aceita-se que o facto constante na alínea AU) da decisão recorrida seja simplesmente eliminado, dando-se como não provado o que dela consta;
6º A alínea AV) da matéria de facto provada deve ser pura e simplesmente eliminada porquanto não se vislumbra qualquer elemento probatório, e muito menos o aludido pelo tribunal – declarações do arguido (NP) – que permita concluir como ali se fez;
7º A alínea AX) da matéria de facto provada, de acordo com o conjunto da prova produzida, deve passar a ter a seguinte redacção:
AX) O arguido (NP) nas afirmações na entrevista ao jornal "O Crime", e nas declarações no programa Herman SIC não identificou casos concretos, nem autores de actos de corrupção;
8º Os depoimentos em que as testemunhas dizem que ouviram falar em corrupção e que toda a gente falava em corrupção constituem prova inadmissível por consubstanciarem depoimentos indirectos. A valoração de tais depoimentos, nessa medida, constitui violação do disposto nos art.º 129º e 130º do CPP;
9º Em face da alteração da matéria de facto provada nos termos acima propostos, devem dar-se como provados os factos CE), CG) – com exclusão da referência à arguida (PS) –, CH), CI), CJ), CL), CM), CN), CO) e CP) que constam na decisão recorrida da matéria de facto não provada;
10º Também com referência à matéria de facto constante das alíneas CT), CV) dada como não provada, deve, ao invés, dar-se como provado o seguinte:
CT) As declarações do Arguido (NP), no jornal “O Crime”, e no Herman SIC, com particular relevo para estas últimas, tiveram influência no resultado negativo da candidatura da assistente, em virtude de terem instalado a suspeita sobre a honorabilidade desta;
11º A imputação de factos ainda que, ou principalmente, sobre a forma de suspeita, insusceptíveis de qualquer forma de demonstração, constitui difamação e não se alberga no direito de liberdade de expressão.
12º A formulação de um juízo negativo sobre alguém com base numa convicção íntima e indemonstrável constitui difamação e não encontra albergue no direito de liberdade de expressão;
13º Nos arestos invocados na decisão recorrida e em que o TEDH, de facto, afirmou não se verificar o direito de ingerência estatal na liberdade de expressão, em todos eles, o TEDH decidiu nesse sentido, porque se verificava o duplo condicionalismo acima referido;
14º No caso dos autos, atento o que se vem de expor, não existe qualquer conflito entre o direito à honra e o direito à liberdade de expressão. O arguido (NP) formulou um juízo difamatório sobre a assistente sem qualquer suporte factico ou susceptível de demonstração. Cometeu pois um crime, não podendo a sua conduta caber dentro da liberdade de expressão;
15º Mesmo que se admitisse, por absurdo, que poderia ser equacionado, no caso, uma colisão de direitos, entre o direito à honra da assistente e o direito à liberdade de expressão do arguido, não poderia prevalecer o direito à liberdade de expressão, porquanto as afirmações em causa não se afiguram necessárias à defesa do direito, ou seja, ao cumprimento do seu escopo essencial, nem proporcionais;
16º O TEDH tem realçado que quem quer que exerça a sua liberdade de expressão assume deveres e responsabilidades, e tem reiterado que é necessário distinguir entre afirmações respeitantes a factos determinados e concretos e meros juízos de valor. Enquanto os factos podem ser demonstrados e provados, o teor dos juízos de valor não é susceptível de prova. Pelo que, como é impossível preencher este requisito – o da prova do teor do juízo de valor – sempre que se emitem opiniões que encerrem somente juízos de valor, infringe-se a própria noção de liberdade de expressão;
17º Entende o TEDH que quando se trate de juízos de valor tem de existir uma base factual suficiente para o suportar, sem a qual aqueles juízos pecarão por excesso;
18º Como se disse no Aresto Lindon – (…) c. França:
Ainda que aquele que profere afirmações no debate público, tenha o direito a recorrer a expressões imoderadas ou exageradas, e ainda que, seja verdade que o Sr. Le Pen seja conhecido pela sua virulência no discurso, pelas suas visões extremistas – à conta das quais já foi acusado de incitamento ao ódio racial – pelos insultos a figuras públicas, e que por causa disto se tenha exposto ainda mais ao sufrágio público das suas opiniões, o Tribunal considerou que, não obstante a força com que as lutas políticas são travadas, é legítimo assegurar que, no decorrer das mesmas, seja respeitado um mínimo de moderação e de cuidado, especialmente porque a reputação de um político – ainda que seja um controverso como Sr. Le Pen – deve beneficiar da protecção concedida pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Em conclusão, considerou-se a decisão dos tribunais nacionais franceses razoável e adequada no que concerne à necessidade de limitação da liberdade de expressão, quando está em causa a reputação e os direitos de um político, mesmo que seja o Sr. Le Pen e a Frente Nacional.
19º O Arguido (NP) com as afirmações proferidas ao Jornal “O Crime” e no programa televisivo Herman SIC preencheu os elementos típicos, objectivo e subjectivo, da prática do crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do CP, com a agravação do art. 184.º do mesmo diploma, devendo ser punido pela prática dos dois crimes que cometeu;
20º A inserção de uma determinada matéria na 1.ª página de um Jornal confere-lhe não só maior destaque e chamada de atenção, como uma publicitação que transcende o universo dos leitores do jornal, porquanto tais factos são apreensíveis por quem apenas passa nos locais onde este se encontra à venda;
21º Do Código Deontológico dos Jornalistas, aprovado em 4/5/1993, consta como dever deontológico, que o Jornalista deve combater o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais. Além disso, constituem deveres do Jornalista nos termos do disposto no art. 14.º do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro), exercer a actividade informando com rigor e isenção, e abster-se de formular acusações sem provas;
22º Quando o arguido (JF) procedeu à inserção dos títulos na 1.ª página, emprestou à afirmação do arguido (NP) a credibilidade de uma notícia jornalística, passando esta a deter um alcance bastante superior ao da mera afirmação reproduzida na entrevista. Desta forma, impunha-se ao arguido que não agisse da forma como o fez, sem que curasse de se assegurar da veracidade ou, pelo menos, da credibilidade das imputações que propagou;
23º Não bastava, para tanto, ter tentado ouvir previamente a assistente — tal significa que o arguido (JF) estava consciente de que a sua actuação não constituía uma mera reprodução das afirmações do arguido (NP) —, tal tentativa não era suficiente para desobrigar o arguido da averiguação, mínima que fosse, sobre a veracidade dos factos alegados pelo arguido (NP);
24º A inserção dos títulos e, fundamentalmente as chamadas de 1.ª página, constituem uma actuação autónoma do arguido (JF), por si só susceptível de ofender a honra e consideração da assistente;
25º Também a inserção da fotografia se afigura constituir uma actuação que assume um relevo absolutamente autónomo e independente das afirmações produzidas pelo arguido, e que contribuiu inequivocamente para a associação indelével da assistente aos actos de corrupção generalizada que ocorreriam na Câmara Municipal de Sintra;
26º Estamos perante um crime de dolo genérico e, tratando-se o arguido de um jornalista experiente, não se concebe que não tenha admitido como provável ou, pelo menos, possível que a colocação da fotografia da assistente inculcasse no leitor, em particular daquele que contactava com a notícia pelo simples olhar para a banca, a associação da assistente aos actos criminosos denunciados;
27º Temos pois que a colocação na fotografia da assistente, enquanto acto autónomo do arguido, na 1.ª página e em destaque no topo da entrevista, ao lado da afirmação de que a Câmara de Sintra “É das mais corruptas do país”, constitui um acto adequado e suficiente a por em causa a honra e a consideração da assistente;
28º Assim, as condutas atrás descritas do arguido (JF) preenchem os elementos típicos, objectivo e subjectivo, do crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180º do CP, pelo qual deverá ser condenado;
29º Ao absolver os arguidos (NP) e (JF) nos termos em que o fez, a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 127.º, 128.º, 129.º e 130.º do Código de Processo Penal, 14.º e 180.º do Código Penal, bem como, o estatuído no art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
30º Acresce que, a interpretação efectuada pelo Tribunal do disposto no art. 180.º do CP no sentido em que não estaria abrangida pela norma a proibição da formulação de um juízo ofensivo da honra e consideração de uma pessoa pela circunstância de este exercer funções públicas, nomeadamente de carácter político, ainda que tal juízo não assente em pressupostos facticos demonstráveis, atendendo a que nestas circunstâncias prevalece ainda assim o direito à liberdade de expressão, acarreta a inconstitucionalidade material deste preceito, por violação do disposto no art. 2.º, 26.º, 37.º da CRP, bem como do art. 10.º da Convenção Europeia, ex vi art. 8.º da Constituição;
31º De igual forma, a interpretação de que se exclui do âmbito de aplicação do art. 180.º a protecção penal da honra de um titular de um cargo público, porquanto a defesa deste bem jurídico, por quem detém tais cargos, pode e deve ser assegurado sem intervenção dos poderes estatais – “(…) Também quando a esta perspectiva relativa à pessoa da assistente, entendemos que a ingerência penal se não justifica. Tal não retira gravidade às imputações, para mais sem concretização factica que permita uma defesa clara. Porém, também aqui a sociedade democrática permite uma defesa que não passe pelo pesado ónus de intervenção dos poderes estatais no exercício de liberdade de expressão” – acarretaria a inconstitucionalidade de tal preceito por violação no disposto nos arts. 2.º, 13.º e 20.º da CRP;
32º A decisão proferida sobre o pedido cível formulado pela assistente deve ser revogada, porquanto se encontram preenchidos os pressupostos elencados no art.º 483º do Código Cível, de que resulta a responsabilidade civil dos demandados;
33º Os danos sofridos pela demandante são extraordinariamente relevantes e merecedores de uma tutela efectiva, que deverá ter em conta a gravidade do comportamento dos arguidos, em particular do arguido (NP), a boa situação económica deste arguido, e a elevada condição de vida da assistente;
34º Ao absolver os demandados do pedido cível, a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 483º e 484.º do CC.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, dando provimento ao recurso e revogando a decisão sob censura, substituindo-a por outra que condene os arguidos (NP) e (JF) pelos crimes porque foram pronunciados e julgue procedente o pedido cível nos termos peticionados.”

2.2. O arguido (NP) recorreu formulando as seguintes conclusões:

“1. Os queixosos são a CAMARA MUNICIPAL DE SINTRA e o PRESIDENTE DA CAMARA MUNICIPAL DE SINTRA.
2. A legitimidade para constituição como Assistente cabia, no presente caso, à Presidente da Câmara Municipal de Sintra, por ser esta a ofendida, ou seja, a titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação,
3. Por essa razão, aliás, atento o facto de o ofendido poder já não ocupar qualquer cargo à data em que deveria deduzir acusação particular
4. Aliás, para que fosse possível a constituição de Assistente de (EE), sempre seria necessário que a mesma o tivesse requerido.
5. De igual modo, a assistente não tinha também legitimidade para dedução da acusação particular, pois a mesma não é concretamente admissível.
6. Todas as procurações, juntas aos autos pela Assistente (EE), encontram-se assinadas por “A Presidente da Câmara Municipal de Sintra, (EE), em representação da Câmara Municipal de Sintra, mandatada para o efeito”, razão pela qual as mesmas são irregulares.
7. A irregularidade do mandato pode ser arguida a todo o tempo e conhecida oficiosamente pelo Tribunal; art.º 40º, nº1, do CPC.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência deverá o despacho recorrido ser revogado e conhecidas das nulidades alegadas.”

3. O Digno Magistrado do MºPº respondeu:

3.1. Quanto ao recurso interposto por (NP) formulando as seguintes conclusões:

“1. Vem o arguido recorrer do Acórdão de 18/9/2007 por não ter considerado parte ilegítima para dedução do pedido cível a assistente (EE) e não ter declarado nula a sua constituição de assistente, uma vez que está em causa o crime de ofensa a pessoa colectiva.
2. Verifica-se, porém, que o arguido vem acusado de crime de difamação e que o pedido cível é deduzido a título pessoal pela pessoa singular (EE).
3. A legitimidade para a constituição de assistente e para a dedução do pedido cível tem de aferir-se pelo objecto da acusação.
4. Face ao teor da acusação deduzida e do pedido cível que nela se funda, a titular dos bens jurídicos lesados pelos factos imputados ao arguido é a assistente e subscritora do pedido cível.
5. Em face do exposto, e salvo melhor opinião, nenhum reparo nos merece o douto Acórdão recorrido, entendendo-se dever ser mantido e consequentemente negado provimento ao recurso.”

3.2. Quanto ao recurso da assistente:

“Afigura-se-nos que a assistente não tem razão e que o acórdão recorrido não merece qualquer censura, nem de facto nem de direito.
(…) É certo que o arguido afirmou ser sua convicção de que a prática de crimes de corrupção na Câmara Municipal de Sintra era frequente, nada mais tendo afirmado de concreto susceptível de prova.
Por outro lado, tais declarações são feitas num contexto de imputação de responsabilidade à assistente, enquanto presidente da Câmara Municipal de Sintra, pelo estado de corrupção afirmado, imputação reforçada pela indicação de que a assistente á apenas uma imagem positiva sem conteúdo porque essa imagem é uma mentira.
Tal imputação atinge a consideração da assistente enquanto gestora da coisa pública, sendo certo que a sua carreira é de política.
A entrevista constitui uma formulação de juízo sobre a assistente que ofende a sua consideração enquanto política, mas não a honra e bom nome da assistente ou à consideração como pessoa privada fora do exercício das sua funções de Presidente da Câmara municipal de Sintra.
Recolhendo os mais significativos e exemplares trechos do acórdão, não podemos deixar de nos render à cuidada fundamentação:
“O contexto de afirmação e publicação das declarações, determina que o conjunto da ordem jurídica implica a consideração do disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante, Convenção) a respeito da liberdade de expressão.
Tal Convenção está em vigor na ordem jurídica Portuguesa desde 9 de Novembro de 1978, data do depósito do instrumento de ratificação junto do Secretário-Geral do Conselho da Europa. Portugal não formulou reservas quanto ao artigo 10º que é o que interessa ao caso concreto.
Dispõe o artigo 10º da Convenção:
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial”.
Os princípios gerais da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante, Tribunal Europeu) quanto ao artigo 10º podem enunciar-se do seguinte modo:
1. A liberdade de expressão é um dos fundamentos essenciais da sociedade democrática e condição primordial do seu progresso e da realização de cada um.
2. O direito à liberdade de expressão vale para as ideias ou informações consideradas favoravelmente pelo conjunto da sociedade ou que sejam inofensivas ou indiferentes e também para as que ferem, chocam ou inquietam.
3. A restrição ou sanção (ingerência) da expressão de ideias ou informações devem decorrer da aplicação do nº 2 do referido artigo 10º, em interpretação restrita, e a necessidade da restrição ou sanção deve estar determinada de maneira indubitável.
Por outro lado, o Tribunal Europeu tem como princípios fundamentais de interpretação do artigo 10º em causa a consideração de que:
4. a liberdade de expressão tem uma particular importância quando considerada no domínio da imprensa.
5. a admissibilidade da crítica em relação a personalidades políticas agindo no domínio da sua actividade é maior e mais amplos os limites do exercício da liberdade de expressão.
6. a ingerência no exercício da liberdade de expressão tem de corresponder a uma necessidade social imperiosa.
Os princípios que enunciámos têm sido amplamente considerados nos Acórdãos do Tribunal Europeu e podem ver-se indicados nos arestos Lopes Gomes da Silva c. Portugal, de 28 de Setembro de 2000, Urbino Rodrigues c. Portugal, de 29 de Novembro de 2005, Roseiro Bento c. Portugal, de 18 de Abril de 2006, Almeida Azevedo c. Portugal, de 23 de Janeiro de 2007 (para só citar jurisprudência relativa a Portugal, recolhida em www.coe.int, sendo nossa a tradução da versão em língua francesa).
Apreciando o caso concreto é de sublinhar desde logo o contexto de proximidade de umas eleições autárquicas, o facto de o arguido (NP) ser munícipe de Sintra e já ter sido candidato em anteriores eleições autárquicas em Sintra. É relevante também o tema de que se trata, a corrupção, tema que continua a ser de grande actualidade no debate nacional (e internacional) e que tem sido debatido com especial incidência quanto à situação nas autarquias locais.
Esse tema, disseram-no as testemunhas que estiveram e continuam envolvidas na vida política concelhia, foi um dos temas relevantes da campanha de 2001.
Não se provou que as declarações do arguido (NP) tenham sido as responsáveis por trazer o tema para o debate político municipal em 2001 ou se foram eco do interesse que já havia. Mas todos referiram que esse foi um tema central.
Temos por assente a relevância pública do tema, o que é elemento de relevo a ter em conta na inclusão das declarações no âmbito do exercício do direito à liberdade de expressão.
Diga-se ainda a respeito do programa televisivo que o contexto das afirmações é o da presença da assistente e de outras duas presidentes de Câmaras Municipais, o que se afigura também de relevo.
Também a qualidade dos intervenientes (o arguido (NP) e a assistente – candidatos em eleições anteriores) impõe a conclusão de que as declarações se situam no âmbito de interesse público.
Temos assim de concluir que nos encontramos no cerne da liberdade de expressão, tendo em atenção a natureza do assunto e a qualidade dos “opositores”.
É certo que as declarações consistem na formulação de um juízo genérico e sem qualquer concretização, sempre de menor valor do que a imputação de factos. Nesta, o agente compromete-se com o que afirma e vê-se confrontado com a necessidade de o provar para credibilizar o que refere. Na formulação de juízos acolhe-se a um terreno em que tudo pode provar ou infirmar a sua conclusão e em que a defesa do visado quase fica colocada na posição de provar a sua “inocência”. Digamos que em tal caso a ingerência dos poderes do Estado na liberdade de expressão se rege por parâmetros mais amplos (cfr. Urbino Rodrigues c. Portugal supra). Mas mantém-se a exigência de absoluta necessidade da ingerência nos termos do nº 2 do artigo 10º da Convenção.
No caso dos autos, a prova da convicção do arguido de que a corrupção efectivamente existia, convicção que era comum a diversos outros munícipes que lhe forneceram elementos quanto a tal, estando os próprios órgãos camarários preocupados com tal situação, determina se considere verificada a existência de uma base para a formulação do juízo que o torna proporcional ao exercício da liberdade de expressão e aos fins prosseguidos pelo reconhecimento deste direito.
Na verdade, se não pode provar-se a verdade da formulação de um juízo, o contexto da sua formulação é relevante para determinar a justificação da necessidade de ingerência no exercício do direito à liberdade de expressão (quanto à questão dos juízos de valor e sua protecção pelo artigo 10º, da Convenção, veja-se o aresto Feldek c. Eslováquia, de 12 de Julho de 2001, loc. cit.).
Visto o disposto no nº 2, do artigo 10º, da Convenção, a justificação da ingerência implica:
1. previsão legal dessa ingerência na ordem jurídica interna.
2. que essa previsão tenha como finalidade a protecção dos bens ou valores indicados na norma.
3. necessidade da ingerência para atingir essa finalidade.
A previsão legal é constituída pelas normas dos artigos 180º, 183º, 186º e 187º, do Código Penal.
Tais normas visam proteger a honra, consideração e direito ao dom nome, bens que se encontram previstos no artigo 10º, nº 2, da Convenção.
Importa saber da necessidade de ingerência para obter cabal protecção desse bens.
É certo que a imagem dos órgãos e serviços camarários é atingida pela formulação do juízo e que a protecção da honra ou dos direitos de outrem justificam a ingerência nos termos do nº 2, do artigo 10º. No entanto, tendo em atenção a natureza dos órgãos e serviços atingidos e o contexto de formulação, entende-se que a protecção da credibilidade dos serviços não constitui valor que prevaleça sobre a liberdade de expressão.
Por outro lado, numa sociedade democrática tais bens podem ser protegidos por mecanismos que não relevem da intervenção dos poderes do Estado e antes se situem no debate livre entre os cidadãos.
Em consequência, tal protecção não justifica a ingerência que a condenação penal constitui.
Mas não foram só os serviços da Câmara Municipal de Sintra os atingidos. Resultou provado que a consideração da assistente como política foi atingida pela prolação de afirmações negativas a respeito da sua capacidade para desempenhar o cargo de presidente da Câmara Municipal de Sintra e de debelar a situação de corrupção afirmada pelo arguido (NP).
A protecção da consideração da assistente enquanto política justifica a ingerência? Cremos que não.
A crítica da actuação política de outrem na gestão da coisa pública constitui talvez o cerne da liberdade de expressão. Se pode entender-se que a protecção da honra de uma pessoa torne necessária a ingerência na liberdade de expressão, relativamente a pessoas sem vida pública ou à vida privada das personalidades públicas que a não tenham exposto de motu próprio, não assim quanto aos aspectos políticos da actuação de personalidades públicas, para mais com responsabilidades políticas.
Nesse sentido o tribunal Europeu vem defendendo que “se a imprensa não deve ultrapassar os limites fixados, nomeadamente em vista da protecção de outrem, incumbe-lhe igualmente comunicar as informações e as ideias sobre as questões políticas e sobre outros temas de interesse geral. Quanto aos limites da crítica admissível, são mais largos quando se trata do político, agindo na qualidade de personalidade pública, do que quando se trata de um simples particular. O político expõe-se inevitável e conscientemente a um controle atento dos seus actos e gestos, tanto por parte dos jornalistas como do público em geral (…). O político tem naturalmente direito à protecção da sua reputação, mesmo fora do quadro da sua vida privada, mas a necessidade dessa protecção deve ser sopesada face ao interesse de livre discussão das questões políticas, devendo as excepções à liberdade de expressão merecer uma interpretação restritiva” (idem quanto à tradução).
Também quanto a esta perspectiva, relativa à pessoa da assistente, entendemos que a ingerência penal se não justifica. Tal não retira gravidade às imputações, para mais sem concretização fáctica que permita uma defesa clara. Porém, também aqui a sociedade democrática permite uma defesa que não passe pelo pesado ónus de intervenção dos poderes estatais no exercício da liberdade de expressão.
Em conclusão de tudo o que se disse, entende-se que, sendo as afirmações do arguido (NP) de molde a afectar a credibilidade da Câmara Municipal de Sintra e a consideração da assistente enquanto política, as mesmas devem ser qualificadas como encontrando-se no âmbito do exercício do direito à liberdade de expressão e que o modo desse exercício e as consequências dele não autorizam ingerência sancionatória penal.”
Aliás se assim não fosse assistir-se-ia a uma inaceitável ingerência do direito penal no debate público de ideias e projectos.
Igualmente não foi imputada nem se provou qualquer desconformidade entre o teor da entrevista e o das declarações prestadas pelo arguido à jornalista.
Quanto ao director do jornal, o conhecimento do teor da entrevista não determina qualquer responsabilidade sua, na medida em que estando correctamente reproduzidas as declarações, tal responsabilidade está excluída pelo nº 4 do art.º 31º da Lei de Imprensa, nos mesmos termos a que se referiram quanto à arguida (PS).
O Acórdão encontra-se, pois, extensamente fundamentado de tacto e de direito, extraiu a correcta matéria de facto como provada, com referências claras aos meios de prova em que fundou a sua convicção,
Em face do exposto, e salvo melhor opinião, nenhum reparo nos merece o douto acórdão recorrido, entendendo dever ser mantido e consequentemente negado provimento ao recurso.”

4. Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo, o juiz recorrido ordenou a subida dos autos a este tribunal.

5. Neste Tribunal da Relação a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
“Nos presentes autos encontram-se interpostos dois recursos:
A. A fls. 1117, pelo arguido (NP) do despacho proferido a fls. 1056 que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade da demandante (EE) para pedir indemnização cível por danos causados pelas afirmações por ele proferidas e que constituem objecto dos presentes autos e também ilegitimidade da mesma demandante para se constituir como assistente.
O recurso oi admitido para subir com o recurso que puser termo à causa vd. Fls. 1423.
B. Recurso interposto pela assistente, (EE), do Acórdão que absolveu os arguidos (NP), (PS) e (JF) – fls.1433/1510.
1. O arguido (NP) não apresentou resposta ao recurso interposto pela assistente.
Assim não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 413º nº 4 do CPP.
Sendo obrigatória a especificação da manutenção de interesse no conhecimento dos recursos retidos, e porque tal não ocorreu, pensamos que este tribunal de recurso não deverá conhecer o recurso interposto a fls. 1117.
2. No que concerne ao recurso interposto do acórdão absolutório:
Subscrevendo a resposta do MºPº à motivação de recurso pensamos que não assiste razão à recorrente.
A propósito, citaremos o acórdão de 25 de Outubro de 2007, no processo nº 8108/07.9 disponível em www.dgsi.pt/jrl:
“1. A liberdade de expressão, nela incluindo o direito de crítica, é também uma forma de exercício de tão necessária participação activa na vida em sociedade democrática, podendo contudo criar situações de conflito com bem jurídicos como o da honra pessoal.
2. Nas sociedades democráticas, a crítica a personalidades conhecidas, v.g. que exercem funções no dirigismo desportivo, seja a nível nacional ou local, quando agem nessa qualidade, tem limites mais amplos (do que a de um particular), na medida em que os seus actos estão sujeitos a um controlo atento das pessoas que compõem a respectiva comunidade, na qual exercem as suas funções.”
“(…) Citando o mesmo autor (Costa Andrade), pode ler-se no recente Acórdão do STJ de 18 de Janeiro de 2006 “Mais entende aquele insigne Mestre de Coimbra que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do MºPº, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento. Por outro lado, entende-se que a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso, nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva.”
Revertendo ao caso dos autos, como refere o MºPº na sua resposta à motivação de recurso, “sendo as afirmações de (NP) de molde a afectar a credibilidade da Câmara Municipal de Sintra e a consideração da assistente enquanto política, as mesmas devem ser qualificadas como encontrando-se no âmbito do exercício do direito de liberdade de expressão e que o modo desse exercício e as consequências dele não autorizam ingerência sancionatória penal.”
Pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso.”

6. Foram colhidos os vistos legais e realizada a devida e competente conferência.

7. O objecto do recurso versa as questões de saber:

- Da legitimidade das partes e do exercício do direito de queixa;
- Da apreciação da prova (recurso quanto à matéria de facto);
- Do preenchimento típico penal dos crimes de difamação.

8. Apreciando:

8.1. Da decisão recorrida consta o seguinte:
“II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Discutida a causa, configura-se do seguinte modo a matéria de facto assente nos autos:
A) No dia 9 de Agosto de 2001 o jornal “O Crime” publicou uma entrevista realizada por (PS) a (NP).
B) O arguido (JF), então director do jornal “O Crime”, tomou conhecimento do teor dessa entrevista antes da sua publicação.
C) A referida entrevista mereceu destaque na primeira página do jornal, onde foi feita uma chamada de atenção para as páginas VI-VII do suplemento desse jornal, denominado “O Crime Magazine”, com os dizeres em letra grande e em negrito: «(NP) acusa a Câmara de Sintra» e, em letras ainda maiores, maiúsculas e cheias: «É das mais corruptas do país».
D) As referidas afirmações estão escritas entre as fotografias a cores do arguido (NP) e da assistente (EE), ocupando cada uma das fotos cerca de um quarto do título, a primeira do lado esquerdo e a segunda do lado direito.
E) Por sua vez, na primeira página do referido suplemento, ocupando toda a página, com uma fotografia do arguido (NP), foi inserido o título em maiúsculas: «(NP) sem papas na língua: “Câmara de Sintra é uma das mais corruptas!”».
F) Nas páginas centrais do referido suplemento, a letras vermelhas, foi inserida a afirmação: “(NP) muda de estilo, mas continua sem papas na língua”.
G) E, como subtítulo, mas em letras com o dobro do tamanho, novamente a afirmação imputada a (NP): «A Câmara de Sintra é uma das mais corruptas do país».
H) No texto da entrevista publicada pelo jornal “O Crime” no seu suplemento “O Crime Magazine”, a arguida (PS) coloca ao arguido (NP) a seguinte questão, referindo-se à assistente (EE): «Uma opinião sobre (EE). O que tem de positivo e de negativo?». Ao que este respondeu: «De positivo, uma boa imagem. De negativo, uma mentira. Como tudo o que é só imagem, não corresponde à verdade».
I) Na sequência desta resposta a arguida (PS) coloca a seguinte questão: «O que falta em Sintra?». Ao que o arguido (NP) respondeu: «O equilíbrio entre o homem e a natureza que se está a destruir dia após dia. Desde a Praia das Maçãs ao Palácio de Monserrate que há quatro anos que parece uma asa delta (e (EE) faz parte da pomposa Liga dos Amigos de Monserrate e ainda não se fez nada). A vila de Sintra é um caos. É uma das Câmaras mais corruptas do País. Os festivais de música são uma charada, a cultura é uma mentira (ainda havia alguma cultura popular quando ela foi para presidente e agora está completamente liquidada), já para não falar do Cacém, Massamá, do betão que se constrói todos os dias e da «informa» do que se faz… Há placards que falam de jovens que fazem coisas… É mentira, não há jovens em Sintra. Nem sequer há um cinema. Como é que Sintra se pode afirmar? Que personalidade tem? Não há um sítio lúdico. A Praia das Maçãs tinha mais vida há trinta anos do que tem hoje…»
J) A entrevista em causa ocupa cerca de duas páginas inteiras do jornal.
L) Enquanto director do jornal "O Crime", o arguido (JF) autorizou a publicação da entrevista, tomou a decisão de chamar a entrevista à primeira página da edição do jornal "O Crime" de 9 de Agosto de 2001, procedeu à escolha das fotografias do arguido (NP) e da assistente (EE), e à colocação do título já mencionado entre a fotografia daquele arguido e a da assistente.
M) O texto da entrevista publicado no jornal "O Crime" corresponde às declarações prestadas pelo arguido (NP) à entrevistadora, a arguida (PS).
N) Antes de publicar a entrevista, a arguida (PS) entrou em contacto com um assessor da assistente a quem deu conhecimento do assunto da mesma e de que pretendia obter sobre tal declarações da assistente, o que não conseguiu por lhe ter sido dito que a assistente estava ausente e incontactável.
O) Os arguidos (NP) e (PS) não tiveram qualquer intervenção na escolha dos títulos da entrevista, na escolha e colocação das fotografias, na edição da entrevista, sua paginação ou chamada à primeira página.
*
P) No dia 21 de Outubro de 2001, encontravam-se presentes o arguido (NP) e a assistente (EE) (para além de outras duas presidentes de Câmaras Municipais) no programa da estação televisiva SIC denominado Herman SIC, realizado e transmitido em directo.
Q) Durante o programa, a propósito da intervenção do arguido (NP) e da assistente (EE), anos atrás, como adversários políticos, numa disputa eleitoral autárquica em Sintra, e de o apresentador do programa os ter questionado sobre se se tinham zangado, o arguido (NP), dirigindo-se à assistente (EE), à data presidente da Câmara Municipal de Sintra e convidada do programa nessa qualidade, proferiu a seguinte afirmação: “porque eu afirmei e continuo a afirmar que Sintra, a Câmara de Sintra, é das mais corruptas do país, é uma verdade do senhor De La Palisse”.
R) Perante esta afirmação, a assistente (EE) interpelou o arguido, dizendo: “Como sabe são acusações muito graves” (...) “E quem diz que uma Câmara é a mais corrupta do país tem que o provar. Ou, se não, diz quem é...”.
S) Ao que o arguido (NP) retorquiu: “Eu não disse que era a mais, disse que era das mais. É verdade. Toda a gente sabe”.
T) A assistente (EE) insistiu dizendo: “Se toda a gente sabe, você deve dizer isso para que as pessoas sejam julgadas e para que não seja o justo a pagar pelo pecador”.
U) A esta interpelação o arguido respondeu: “Venha ele. Venha o processo crime”.
V) A assistente (EE) voltou a insistir com o arguido (NP), para que indicasse situações concretas que fossem do seu conhecimento e pessoas que soubesse que pudessem estar envolvidas em qualquer acto de corrupção, para que pudesse actuar, tendo o arguido (NP) dito: “Sabe que nós os artistas, temos uma função neste País, se calhar está esquecida: é apontar o dedo. Não temos que ser delatores de coisa alguma. Temos é que apontar o dedo. É a nossa missão”.
X) A assistente (EE) retorquiu: “Pois, mas não podem apontar o dedo a quem é injusto que seja apontado. Quando se diz que uma Câmara... e uma Câmara com três mil e tal funcionários e vários eleitos é corrupta, é preciso saber quem é quem”.
Z) Ao que o arguido (NP) disse: “Senhora Dr.ª todos nós munícipes de Sintra sabemos que a Câmara é uma corrupção total, total, o que se lá passa é uma vergonha”.
AA) Perante tal, a assistente disse-lhe: “Ó Nuno, desculpe lá. Você está a dizer isto aqui na televisão, vai ter que provar isso em Tribunal, como é óbvio, como é óbvio...”, “Está aqui, através da televisão, a dizer a toda a gente...”, “Diga o que é que sabe! Diga o que é que sabe”.
AB) Perante isto o arguido afirmou: “Eu não sou delator, já disse. Mas... é muito fácil. Há um PDM. Quando ele não é cumprido...”.
AC) E interrogado pela assistente sobre onde é que o PDM não era cumprido, o arguido avançou: “Olhe! A Praia das Maçãs. Por exemplo, um prédio que fizeram lá”. E mais adiante: “Aquele mamarracho que fizeram à saída...”.
AD) Terminando por afirmar, quando confrontado com a afirmação da assistente de que o arguido desconhecia o PDM, as leis urbanísticas e se a aprovação de determinadas obras era anterior ou posterior ao PDM: “Realmente deve ser muito difícil nós olharmos para uma casa vermo-la em cima da estrada, sem respeitar a distância de três ou dez metros e nós dizermos assim: o PDM prevê isto. Então o PDM está muito mal feito Senhora Dr.ª...”.
AE) Finalmente, perante a interrogação do apresentador sobre o que é que um cidadão deve fazer quando sente que há algo podre e, em particular, o que gostaria que o arguido (NP) fizesse, a assistente (EE) respondeu: “Se ele sabe que há gente corrupta na Câmara deve dizer quem são as pessoas e quais as situações”.
AF) A isto o arguido respondeu: “É muito fácil. Eu não sou delator. Em processo crime e no momento próprio as coisas sairão. O Ministério Público e a Câmara têm essa função. Vamos a isso!”.
*
AG) O arguido (NP) ao proferir as supra citadas afirmações ao jornal “O Crime” agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que estas viriam a ser publicadas e, assim, alvo de divulgação pública.
AH) O arguido (JF) agiu de forma livre, deliberada e consciente ao autorizar a publicação da entrevista e ao editá-la, escolhendo ou autorizando os títulos, as fotos, a paginação e o tamanho da letra dos títulos.
AI) Ao autorizar a publicação da entrevista, com os indicados títulos e fotografias, sabia o arguido (JF) que propiciava aos leitores da entrevista uma imediata associação entre as afirmações do arguido (NP) e a pessoa da assistente (EE), tão só enquanto política e presidente da Câmara Municipal de Sintra.
AJ) A arguida (PS) agiu de forma livre, deliberada e consciente ao realizar a entrevista ao arguido (NP) e ao escrever o texto da mesma com o objectivo de que fosse, como foi, publicada no jornal "O Crime".
AL) Os arguidos (NP), (JF) e (PS) tiveram, com a concessão, redução a escrito e publicação da entrevista no jornal "O Crime", plena consciência de que a mesma ofendia o prestígio e isenção da Câmara Municipal de Sintra e dos seus serviços, conformando-se com tal resultado, sabendo ainda que a entrevista constituía a afirmação de que a assistente (EE), presidente do executivo camarário, era ineficaz no desempenho dessas suas funções, nomeadamente em debelar a situação de corrupção que o arguido (NP) entendia existir, assim como sabiam que a entrevista constituía a afirmação de que era uma mentira a imagem positiva da assistente enquanto presidente da Câmara, apesar do que o primeiro a concedeu, a segunda a escreveu e o terceiro a editou e publicou.
AM) Os arguidos (NP), (JF) e (PS) sabiam que as afirmações constantes da entrevista a respeito da Câmara Municipal de Sintra e da assistente eram negativas para a imagem da Câmara Municipal de Sintra e dos seus serviços e para a imagem pública da assistente, tão só enquanto política e presidente da Câmara Municipal de Sintra.
AN) Os arguidos (NP), (JF) e (PS) nunca pretenderam acusar a assistente (EE) de praticar, ela própria, actos de corrupção, de os fomentar ou permitir, nunca pretenderam lançar a suspeita de que a assistente os praticasse, fomentasse ou permitisse, nunca admitiram como possível que essa suspeita surgisse das afirmações publicadas na entrevista e nunca se conformaram com que tal acontecesse.
AO) O arguido (NP) agiu de forma livre, deliberada e consciente ao proferir as afirmações que proferiu no programa televisivo Herman SIC, sabendo que o programa tinha uma audiência de centenas de milhares de telespectadores e que as suas afirmações, proferidas em tal programa, seriam conhecidas de grande parte dos portugueses residentes em Portugal.
AP) O arguido (NP) ao emitir as declarações no programa televisivo Herman SIC tinha plena consciência de que as mesmas ofendiam o prestígio e isenção da Câmara Municipal de Sintra e dos seus serviços, conformando-se com tal resultado, sabendo ainda que tais declarações constituíam a afirmação de que a assistente (EE), presidente do executivo camarário, era ineficaz no desempenho dessas suas funções, nomeadamente em debelar a situação de corrupção que o arguido entendia existir, apesar do que as quis proferir.
AQ) O arguido (NP) sabia que as suas declarações no programa televisivo Herman SIC a respeito da Câmara Municipal de Sintra eram negativas para a imagem da Câmara Municipal de Sintra e dos seus serviços e para a imagem pública da assistente, tão só enquanto política e presidente da Câmara Municipal de Sintra.
AR) O arguido (NP), ao proferir as mencionadas declarações no programa televisivo HermanSIC, nunca pretendeu acusar a assistente (EE) de praticar, ela própria, actos de corrupção, de os fomentar ou permitir, nunca pretendeu lançar a suspeita de que a assistente os praticasse, fomentasse ou permitisse, nunca admitiu como possível que essa suspeita surgisse das referidas declarações e nunca se conformou com que tal acontecesse.
AS) Os arguidos (NP), (JF) e (PS), sabiam que qualquer afirmação ou suspeita de que a assistente (EE), enquanto presidente da Câmara Municipal de Sintra, era corrupta, fomentava ou permitia a prática da corrupção na Câmara Municipal de Sintra, ofendia a honra, o bom nome, a reputação e a consideração da assistente (EE).
AT) O arguido (NP) quis imputar à assistente responsabilidade política – e tão só esta – pela situação de corrupção que entendia existir na Câmara Municipal de Sintra, na medida em que a assistente era a presidente da Câmara Municipal de Sintra e entidade com a responsabilidade máxima na autarquia e na gestão dos respectivos serviços, e quis declarar que considerava ineficaz a gestão da assistente.
AU) O arguido (NP) estava convencido, em 9 de Agosto de 2001 e em 21 de Outubro de 2001, de que a corrupção grassava na Câmara Municipal de Sintra, convicção que lhe vinha do que ouvia dizer a pessoas de Sintra que lhe apontaram casos que entendiam evidenciar corrupção.
AV) O arguido (NP) ao dar a entrevista ao jornal "O Crime" e ao prestar as declarações no programa televisivo Herman SIC agiu com o propósito de comparar a gestão da assistente com anteriores presidências da Câmara Municipal de Sintra, de modo a dar a conhecer aos cidadãos o que pensava de negativo quanto ao modo como evoluiu o concelho de Sintra na gestão da assistente.
AX) O arguido (NP) ao proferir as afirmações na entrevista ao jornal "O Crime" e ao produzir as declarações no programa Herman SIC, pretendeu denunciar a existência de corrupção nos serviços da Câmara Municipal de Sintra, não tendo identificado casos concretos nem autores dos actos de corrupção.
AZ) Os arguidos (NP), (JF) e (PS) sabiam, aquando da publicação da entrevista no jornal “O Crime”, que é proibida e punida pela lei penal a conduta de quem formula juízos ou imputa factos a outrem susceptíveis de ofenderem o nome, honra e consideração do visado.
BA) O arguido (NP) sabia, aquando da programa televisivo Herman SIC, que é proibida e punida pela lei penal a conduta de quem formula juízos ou imputa factos a outrem susceptíveis de ofenderem o nome, honra e consideração do visado.
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BB) A assistente (EE) sentiu-se ofendida na sua honra e consideração pelo teor da entrevista publicada no jornal "O Crime" de 9 de Agosto de 2001 e pelo teor das afirmações proferidas pelo arguido (NP) no programa Herman SIC de 21 de Outubro de 2001.
BC) Ao ter conhecimento do teor da entrevista do arguido (NP) publicada no jornal "O Crime" e ao ouvir as suas afirmações no programa televisivo, a assistente sentiu-se humilhada, frustrada, angustiada e triste.
BD) No dia imediatamente a seguir ao programa Herman SIC, as afirmações proferidas pelo arguido (NP) passaram a ser comentadas por muita gente.
BE) As declarações do arguido (NP) no programa televisivo Herman SIC foram reproduzidas em outros meios de comunicação e tiveram muita repercussão, nomeadamente em Sintra.
BF) A assistente é desde há muitos anos uma figura pública, dirigente do Partido Socialista, que já foi, por diversas vezes, referida como sendo “ministeriável”.
BG) A assistente presidiu à Câmara Municipal de Sintra durante oito anos e concorreu a um novo mandato para o desempenho desse cargo em Dezembro de 2001.
BH) A assistente tem a convicção de que, quer na sua vida privada, quer no desempenho de todos os cargos políticos e públicos, sempre se pautou por critérios de rigor, isenção, seriedade e abnegação.
BI) A reputação de uma personalidade pública, particularmente um político, é vital, leva muito tempo a construir e a consolidar, e pode ser facilmente destruída com base em boatos de corrupção.
BJ) O arguido (NP) é munícipe de Sintra desde há umas dezenas de anos e nas eleições autárquicas anteriores a 2001 foi candidato à Câmara Municipal de Sintra.
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BL) O arguido (NP) em declarações à revista VIP de 26 de Setembro de 2001 à pergunta: “Porque faz duras críticas à política da CMS?” referiu: “começamos pela falta de iluminação da vila de Sintra; falta de receptividade aos jovens e às coisas jovens; falta de espaços lúdicos, o que é perfeitamente absurdo – a não ser que a queiram transformar em mais uma cidade de velhos ou então de passeio itinerante, como se faz em Lisboa. O Inverno é dramático, não há espaços para as pessoas se encontrarem. A vila não foi ressuscitada. A parte hoteleira ainda é insuficiente; o parque natural é um desastre completo; o Palácio de Monserrate não merece o dinheiro que se paga para o visitar – primeiro cuidem dele! A paisagem é vítima do mais elementar mau gosto. Cumpram as regras básicas da urbanização. Respeitem o munícipe!” e à pergunta: “Critica mais esta governação ou as anteriores?” respondeu “Este governo da (EE) é gravoso! Chegou com uma linguagem de cultura, mas onde está ela? Quando se faz uma gestão desastrosa da Câmara de Sintra, não há desculpa. Havia problemas relativos ao Cacém e ao IC19. Como era complicado tomar medidas nesse sentido, arrancaram com armas e bagagens para a parte turística de Sintra, onde está o maior atentado. Serão as Câmaras promotoras de financiamento da construção civil? O que é isto? Onde vamos parar? Porque não ligam Sintra a Cascais por uma auto-estrada? Quem não tem carro como vai de Sintra para Cascais? Depois ficam todos ofendidos quando denuncio o problema. Tenho obrigação porque sou artista. O artista e o estudante não são para estar do lado do poder, mas sim do contra-poder”.
BM) O jornal “O Crime” na sua edição de 25 de Outubro de 2001 publicou uma notícia com o título “TODOS À BULHA”, na qual se podia ler: “Primeiro uma entrevista a “O Crime”... depois, o programa do Herman. Guerra de palavras entre (NP) e (EE) soma e segue... com as autárquicas à espreita...”.
BN) Por seu lado, o Independente de 26 de Outubro de 2001, sob o título “Isto não estava no «programa»...” refere: “O último Herman SIC foi palco de uma acesa discussão entre (NP) e... (EE)....Baixou o nível, subiu o share do programa”.
BO) Na mesma edição do referido jornal pode ler-se ainda: “O happening da semana foi o confronto directo entre (NP) e (EE) no Herman SIC”.
BP) Por sua vez o jornal “Região de Leiria” de 26 de Outubro de 2001 com o título “O exemplo de (EE)” descreveu a situação acima descrita nos seguintes moldes: ”...(NP), perante milhões de espectadores, fez acusações de mau funcionamento da autarquia dirigida por (EE) e não se coibiu mesmo de fazer um conjunto de acusações de alegadas irregularidades, deixando no ar o «fantasma» da corrupção”.
BQ) Enquanto que no “Tal & Qual” na sua edição de 26 de Outubro de 2001, sob uma fotografia da aqui assistente pode ler-se: ”(EE) – Albarroada em pleno Herman SIC pela entrada de leão de (NP)...”.
BR) Também o jornal “A Bola”, na sua edição de 27 de Outubro, fez referência ao sucedido no programa, “...o fadista (NP) aproveitou a presença de (EE) como convidada do mais completo entertainer português e disse preto no branco: «A Câmara de Sintra é uma das mais corruptas do País»”.
BS) O semanário “Expresso” na sua edição de 27 de Outubro de 2001, qualifica o que aconteceu no programa televisivo de “Guerra Verbal”.
BT) O “Comércio do Porto” de 27 de Outubro de 2001 na crónica intitulada “Sr. Globo” refere com alguma ironia: “E se de repente alguém lhe chamar corrupta isso é um...fadista. Globo nem quis acreditar quando lhe disseram que tinha acontecido. Num popular programa de televisão, um conhecido fadista (convidado) chamou a uma conhecida presidente de câmara (convidada) esse feio nome”.
BU) Na mesma linha das anteriores publicações, no jornal “Setubalense” de 29 de Outubro de 2001, sob o título “O dizer público” lê-se: “Com a aproximação das eleições aquece o ambiente político e volta-se às afirmações graves e não provadas de corrupção, sem que os responsáveis sejam julgados ou punidos. Se não estamos na república das bananas este é, pelo menos, o país das autoridades bananas.” E continua “Um conhecido fadista candidato a estas autárquicas, nas listas de um dos partidos da oposição, decidiu acusar, num programa de televisão em directo, a autarquia de Sintra de ser das mais corruptas do país, na presença da sua presidente”.
BV) “O Diabo” na sua publicação de 6 de Novembro de 2001 refere: “Anda por aí uma polémica que ainda pode dar que falar. (NP) desaguisou-se com D. (EE) e fala em corrupção e outras coisas que tais. Se o fadista cumprir as promessas e cantar o fado corrido, bem pode ser que as coisas acabem mal. Mas cantará antes das eleições?”
BX) Em algumas outras publicações foram reproduzidas e comentadas as afirmações do arguido (NP) à assistente (EE) no programa Herman SIC.
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BZ) O arguido (JF) é director do jornal "O Crime", tem um rendimento mensal de cerca de € 1.000,00 e tem um filho que está a estudar.
CA) A arguida (PS) é jornalista no jornal Primeira Linha, em Abrantes, e tem um ordenado mensal de € 500,00; não tem pessoas a cargo.
CB) O arguido (NP) é deputado à Assembleia da República, recebendo a respectiva remuneração; há cerca de vinte anos que exerce as funções de presidente de uma instituição de solidariedade social que recolhe crianças e recebe nesta instituição cerca de € 1.500,00 mensais. É cantor, não tendo sido possível apurar os proventos que de tal retira.
CC) Dos certificados de registo criminal dos arguidos (PS) e (NP) nada consta.
CD) Do certificado de registo criminal do arguido (JF) constam condenações anteriores por crimes de abuso de liberdade de imprensa, de difamação e de ofensa à memória de pessoa falecida, tendo-lhe sido aplicadas penas de multa e uma pena de nove meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos.
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Nada mais se provou do alegado na acusação, pela assistente ou pelo arguido (NP), nomeadamente que:
CE) Os arguidos (PS) e (JF) não tivessem fundamento para reputar como verdadeira a afirmação do arguido (NP).
CF) O arguido (NP) tivesse fundamentos sérios para imputar a prática de actos de corrupção à Câmara Municipal de Sintra e que fosse visível aos olhos de todos os munícipes a corrupção crescente na Câmara Municipal de Sintra.
CG) Os arguidos (NP), (PS) e (JF) tenham agido sabendo que as suas concretas condutas, relativas à publicação de 9 de Agosto de 2001 e, quanto ao primeiro, também as proferidas no programa de 21 de Outubro de 2001, eram proibidas e punidas pela lei penal.
CH) O arguido (NP) soubesse que a afirmação que produzia na entrevista publicada no jornal "O Crime", determinava que recaíssem sobre a assistente suspeitas de fomentar, praticar ou permitir a prática de corrupção e que com esse objectivo as tivesse proferido.
CI) As afirmações do arguido (NP) na entrevista publicada pelo jornal "O Crime" permitissem que os leitores suspeitassem de que a assistente fomentava, praticava ou permitia a prática de corrupção.
CJ) A colocação da fotografia da assistente (EE) na primeira página do jornal "O Crime", nos termos descritos, determinasse a leitura de que a assistente era a visada pela declaração de existência de corrupção na Câmara Municipal de Sintra, que o arguido (JF) tenha actuado sabendo de tal, admitindo-o como possível ou que se tenha conformado com tal resultado.
CL) Os arguidos (NP), (JF) e (PS) soubessem que as afirmações constantes da entrevista a respeito da Câmara Municipal de Sintra e da assistente punham em causa que a assistente agisse em conformidade com as leis e no interesse dos munícipes de Sintra e que tenham actuado com esse objectivo, admitindo como possível que essa leitura fosse feita ou que se tenham conformado com tal resultado.
CM) Os arguidos (NP), (JF) e (PS) tivessem consciência de que as afirmações produzidas pelo arguido (NP) publicadas no jornal "O Crime" ofendiam a honra e o bom nome da assistente ou que ofendiam a sua consideração, sem prejuízo do referido em AL) e AM).
CN) As afirmações que o arguido (NP) proferiu no programa Herman SIC permitissem que quem as ouvisse delas retirasse que o arguido afirmava que a assistente, enquanto presidente da Câmara Municipal de Sintra praticava, fomentava ou permitia a corrupção e que o arguido tenha querido com elas atingir a assistente com essa suspeita ou se tenha conformado com que tal suspeita delas fosse retirada por quem o ouvisse.
CO) Qualquer telespectador do referido programa Herman SIC, sobretudo o homem médio, interpretasse as declarações do arguido (NP) no sentido de que a Presidente da Câmara Municipal de Sintra, (EE), era acusada pelo arguido (NP) de praticar, fomentar ou, pelo menos conhecer e consentir, actos de corrupção no exercício das suas funções, que o arguido tenha admitido tal interpretação como possível ou que se tenha conformado com a ocorrência de tal interpretação por parte dos telespectadores.
CP) O arguido (NP) tivesse consciência de que as afirmações por si produzidas no programa televisivo Herman SIC ofendiam a honra e o bom-nome da assistente ou que ofendiam a sua consideração, sem prejuízo do referido em AP) e AQ).
CQ) As notícias publicadas a respeito das afirmações do arguido (NP) quanto à existência de corrupção na Câmara Municipal de Sintra fossem consequência directa da publicação da entrevista de 9 de Agosto de 2001 pelo Jornal “O Crime”.
CR) Em páginas de Internet tenham sido reproduzidas e comentadas as afirmações do arguido (NP) à assistente (EE) no programa Herman SIC.
CS) A entrevista e o programa de televisão tenham tido repercussões prolongadas e duradouras na vida pessoal e política da assistente.
CT) A derrota eleitoral da assistente nas eleições autárquicas de Dezembro de 2001 se tenha ficado a dever, em parte ou no todo, às declarações do arguido (NP) no jornal "O Crime" ou no programa televisivo Herman SIC, ou que essas afirmações tenham tido um peso significativo ou decisivo no resultado negativo da candidatura da assistente.
CV) Em virtude de tais declarações se tenha instalado no consciente dos portugueses, em particular dos Sintrenses, a ideia ou a suspeita, de que a assistente não era uma pessoa séria e, portanto, digna do seu voto de confiança para dirigir os seus destinos colectivos.
CX) O arguido (NP) não soubesse que o tema das suas declarações sobre a Câmara Municipal de Sintra ia ser abordado no programa televisivo “HermanSIC”.
CZ) O arguido (NP) não soubesse quem seriam os restantes convidados do programa, nem quais os temas da entrevista.
DA) O arguido (NP) ao dar a entrevista ao jornal "O Crime" e ao prestar as declarações no programa Herman SIC apenas tenha tido por objectivo, como cidadão e munícipe cioso do desenvolvimento económico-social do concelho onde reside, contribuir para a promoção desse desenvolvimento de forma equilibrada e sustentada e para tornar o concelho de Sintra melhor e mais harmonioso.
III) MEIOS DE PROVA DETERMINANTES DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL E MOTIVOS DA SUA RELEVÂNCIA.
1) Dos meios de prova produzidos.
Sumariamente indicar-se-ão neste momento os meios de prova produzidos com apreciação de cada um em si mesmo e em relação com os factos. Quanto às declarações e depoimentos, referir-se-á o seu teor resumido apreciando-o na sua credibilidade, em si próprio e no conjunto dos meios de prova.
a) Documentos:
- os documentos do Apenso A – do qual constam diversos elementos documentais relativos a situações expostas por munícipes de Sintra ao arguido (NP).
- o documento de fls. 39 – edição de 9 de Agosto de 2001 do jornal "O Crime" e do respectivo suplemento, na parte relativa à primeira página e às páginas VI e VII do suplemento, contendo a entrevista em causa.
- o documento de fls. 40 – cópia da edição da revista VIP de 26 de Setembro de 2001.
- o documento de fls. 57 e 58 – auto de visionamento e transcrição de cassete vídeo que foi visionada em audiência de julgamento.
- o documento de fls 71 e 72 e 716 a 718 – cópias de um texto encabeçado com os dizeres Câmara Municipal de Sintra e que corresponde a uma acta de Assembleia Municipal de 14 de Fevereiro de 2001 em que se abordavam declarações da assistente enquanto presidente da Câmara Municipal de Sintra em que falava em “pequenas redes mafiosas” que prejudicavam a comunidade, referindo-se a situações menos claras no município de Sintra.
- o documento de fls. 73 – cópia de artigo do jornal “24 HORAS”, de 2 de Março de 2002, com declarações da assistente (EE).
- o documento de fls. 74 a 82 – cópia de alvará de loteamento e plantas respectivas datado de 3 de Julho de 1974.
- o documento de fls. 127 a 133 – recortes de jornais a respeito do ocorrido no programa televisivo Herman SIC.
- o documento de fls. 205 – informação da Polícia Judiciária quanto a inquéritos em curso envolvendo suspeitas de corrupção na Câmara Municipal de Sintra.
- os documentos de fls. 533, 534 e 541 a 545 – certificados de registo criminal dos arguidos.
- o documento de fls. 719 – nota da CDU à comunicação social a propósito de uma conferência de imprensa convocada pela assistente referente ao ocorrido no programa Herman SIC.
- documento de fls. 720 – cópias de dois cheques (referindo conta de (A)), sendo que o titular da conta prestou depoimento no julgamento e explicou a que se referiam os cheques.
- o documento de fls. 1070 e 1071 – cópia de peça publicada no jornal “O Independente”, edição de 2 de Novembro de 2001, que é entrevista do arguido (NP) relativamente às suas declarações no programa televisivo Herman SIC.
- o documento de fls. 1140 a 1143 – certidão de parecer do IGAT, datado de 29 de Outubro de 1999, sobre inspecção ordinária sectorial ao município de Sintra, no qual se refere que é versada sobretudo a matéria urbanística e que se conclui que nos últimos vinte anos o licenciamento de loteamentos e obras particulares se pautou por um constante desrespeito da lei em vigor.
- o documento de fls. 1152 a 1257 – certidão de Acórdão da 2ª Vara de Sintra e de Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em processo penal em que a aqui assistente foi arguida e veio a ser condenada por crime de violação do dever de neutralidade e imparcialidade no contexto das eleições autárquicas de 2001 em Sintra, relevante quanto à existência de uma renhida luta eleitoral nessas eleições.
- o documento de fls. 1258 a 1309 – certidão de peças processuais e documentos de processo pendente nestas Varas, de natureza cível, em que a aqui assistente demanda o actual presidente da Câmara Municipal de Sintra seu opositor nas eleições de 2001 (pelo Partido Social-Democrata) e o então primeiro ministro (do mesmo Partido) (B), por afirmações por eles produzidas nas mesmas eleições autárquicas a respeito de situações de corrupção.
b) Declarações dos arguidos:
- as declarações do arguido (JF).
Disse que era em 2001 e é actualmente director do jornal "O Crime" (desde 1994). Teve conhecimento da entrevista como director do jornal e achou relevante chamar a entrevista para a 1ª página atenta a credibilidade do entrevistado. Tinha conhecimento do conteúdo da entrevista antes de ser publicada.
O alinhamento do Jornal é feito sob supervisão do director, chefe de redacção e da parte gráfica. O jornalista responsável não teve intervenção.
Chamada à 1ª página, títulos e subtítulos quem tem responsabilidade é o director e o chefe de redacção e foi assim que aconteceu com a entrevista em causa em que foi o arguido e o chefe de redacção quem escolheu os títulos, fotos e paginação. Na altura a 1ª página era feita por rascunho, uma maquete manuscrita. Só posteriormente é que se faz a programação em computador. Em princípio sabem o espaço que as fotos ocupam. Depende do programador gráfico o tamanho. Têm a noção do tamanho relativo das fotos e dos textos.
Houve a preocupação de tentar ouvir as pessoas visadas. Ali não havia nenhuma pessoa visada mas como a assistente era a responsável máxima da Câmara Municipal de Sintra tentaram ouvi-la e deu instruções à jornalista para o fazer o que não foi possível porque a (EE) estava ausente.
Falaram com um assessor. A entrevista não foi publicada logo que foi feita porque não tinham a declaração da (EE). Tem uma vaga ideia de que aguentaram a publicação para obter resposta dela que não foi possível. Tentaram com antecedência de mais de duas semanas.
Publicaram a fotografia da (EE) porque é a Presidente da Câmara Municipal de Sintra e por ser responsável e porque disseram que a tentaram ouvir que escolheram a fotografia.
Não sabe se contactaram alguma outra pessoa da Câmara Municipal de Sintra, nomeadamente da Vereação.
O suplemento tem como principais temas entrevistas a artistas ou outras pessoas públicas.
Tem um rendimento mensal de cerca de € 1.000,00 e tem um filho que está a estudar.
As declarações do arguido foram claras e coerentes e mereceram crédito.
- as declarações da arguida (PS).
A entrevista foi marcada na sequência do lançamento de um CD pelo (NP) e foi feita a entrevista e escreveu-a e falou várias vezes por telefone com o assessor da (EE) que lhe disse que ela estava em África e que não conseguia entrar em contacto com ela. Nunca a orientou para falar com outra pessoa da Vereação. Pediu sempre para falar com a senhora Presidente por ser a máxima representante da autarquia.
O tempo que mediou não se recorda com precisão mas sabe que no dia em que a entrevista foi feita, escreveu-a e começou a fazer os contactos com a Câmara Municipal de Sintra; falou logo com o assessor da assistente a quem deu conhecimento de qual era o assunto, de que precisava falar com a presidente e de uma declaração dela.
Entre esse contacto e a publicação pensa que mediou uma semana. Costumava fazer as entrevistas na 4ª feira à tarde ou na 5ª feira e o jornal saiu na semana seguinte. Não sabe se ainda ficou pendente uma outra semana.
O assunto surgiu incidentalmente porque a entrevista tinha que ver com o CD.
Actualmente é jornalista do jornal Primeira Linha, em Abrantes, e tem um ordenado mensal de € 500,00. Não tem pessoas a cargo.
As declarações da arguida foram claras e coerentes e mereceram crédito.
- as declarações do arguido (NP).
Em relação à 1ª entrevista do jornal "O Crime" a questão foi acidental na entrevista. Pensa que a literatura, a poesia e o canto servem para gritar bem alto as injustiças e imprecisões da sociedade.
Entendeu ser uma voz activa daqueles que não se faziam ouvir face à uma generalizada convicção de que na Câmara Municipal de Sintra grassava a corrupção.
O texto publicado reproduz exactamente aquilo que disse à jornalista e era isso que entendia sua obrigação dizer.
Quanto ao programa televisivo o tema vem na sequência da entrevista ao jornal "O Crime". Continuava em campanha de lançamento do disco e não sabia que ia encontrar três presidentes de Câmara: uma do PS, outra do PSD e outra do PCP.
Era nessa condição que lá estava (EE).
Começou a entrevista na presença delas com algum atrito por relação às declarações anteriores por ele proferidas.
Estava na presença da presidente da Câmara Municipal de Sintra a primeira responsável pelo que vinha acontecendo. Este era o segundo mandato e o arguido (NP) tinha sido candidato pelo Partido da Terra nas eleições de que surgiu o primeiro mandato de (EE). Nessa altura já afirmava junto do Dr. (R) que havia corrupção na Câmara Municipal de Sintra. Durante o primeiro mandato da (EE) a primeira coisa que ela fez foi pôr o Dr. (R) em tribunal por peculato.
Era pública a existência de um “polvo” na Câmara Municipal de Sintra anterior à sua presidência. Queria visar uma situação existente na Câmara Municipal de Sintra e não a assistente. É munícipe de Sintra.
Continua a entender ser sua obrigação denunciar a situação que denunciou.
Nessas eleições autárquicas de 2001 não teve nenhuma intervenção. Não foi candidato e não esteve ligado a nenhuma candidatura.
Disse o que tinha a dizer em frente de (EE) como representante máximo de uma edilidade que devia ser mais responsável e mais responsabilizada.
Não sabe se afirmou que a gestão de (EE) tem proporcionado a corrupção mas entende que a falta de meios e de atitude promove a corrupção.
Não tinha noção de que as declarações pudessem ser interpretadas como imputando a corrupção à (EE). Nunca a quis visar.
Na entrevista televisiva nunca referiu que não visava a (EE) porque não se apercebeu que ela sentisse na sua sensibilidade tais afirmações porque essa não era a sua intenção. Ela não estava lá como pessoa singular mas como presidente da Câmara Municipal de Sintra.
Tem noção de que as suas declarações se repercutiram na pessoa de (EE). Não tem de pedir desculpa por um facto que não quis causar.
A sua acusação baseava-se em casos de seu conhecimento concreto e não apenas no sentimento geral.
Já tinha conhecimento de intervenções da CDU que estão nos autos (fls. 719) relativas a esta questão da corrupção. Quanto ao cheque de fls. 720 já era do seu conhecimento quando proferiu as referidas declarações a situação narrada a esse respeito.
Quanto a fls. 718 disse que já tinha conhecimento disso através de pessoas que lhe disseram. Não sabe quando teve conhecimento disso mas foi antes das declarações ao jornal "O Crime" e no programa televisivo Herman SIC.
Tinha conhecimento de muitos mais factos para além destes que vem referindo. Tem conhecimento lato do que era o PDM e das violações a esse PDM.
Havia imensas construções ilegais. Quanto aos elementos constantes do apenso há muitos que veio a adquirir depois para o processo mas também há muitas que conhecia antes. A organização delas tornou-se necessária face ao processo.
Algumas pessoas que se queixaram criminalmente de situações envolvendo a Câmara Municipal de Sintra disseram tal ao arguido antes de este proferir as declarações no jornal "O Crime" e no programa televisivo Herman SIC.
Actualmente é deputado à Assembleia da República. É há cerca de vinte anos presidente de uma instituição de solidariedade social que recolhe crianças. Tem um rendimento de cerca de PTE 300.000$00. É cantor.
As declarações do arguido foram claras e coerentes e mereceram crédito.
c) Declarações da assistente:
- as declarações da assistente (EE) prestadas a fls. 975 a 978.
Nas suas declarações a assistente disse da ofensa que sentiu ao tomar conhecimento da entrevista e ao ouvir as imputações no programa televisivo.
Exprimiu a sua opinião de que tais afirmações apenas poderiam ser interpretadas pelo homem comum como imputando-lhe a ela, pelo menos, conivência com a corrupção afirmada.
Por outro lado, o comportamento do arguido (NP) nunca desmentindo tal interpretação reforçou-a.
Disse ainda que a “nuvem de suspeita” lançada pelo arguido (NP) foi prejudicial para a consideração e prestígio político da assistente e determinante da derrota eleitoral que sofreu a sua candidatura à Câmara Municipal de Sintra em 2001.
Destacou o facto de não sendo referidos casos concretos não ter possibilidade de defesa e disse que passou a ser confrontada com tais imputações nos seus contactos com os eleitores.
Atribuiu às afirmações do arguido (NP) o facto de a campanha eleitoral de 2001 se ter centrado em acusações de corrupção na Câmara Municipal de Sintra e não ter sido possível analisar o trabalho que a assistente tinha feito nos oito anos anteriores à frente da autarquia de Sintra.
Disse que se sentiu muito magoada com tal e não propriamente com a derrota que faz parte da vida política.
As declarações da assistente exprimem a sua perspectiva do caso e das suas consequências e afiguram-se sinceras quanto a tal expressão. Mereceram crédito desse ponto de vista.
d) Depoimentos de testemunhas:
- o depoimento de (FS), actual presidente da Câmara Municipal de Sintra.
Disse que a Câmara Municipal de Sintra está na situação de queixosa em relação ao tempo concreto em que foi desencadeada a queixa.
A testemunha é réu num processo cível por declarações por si feitas similares às que nestes autos são imputadas ao arguido (NP).
Na campanha para as eleições autárquicas de 2001 houve muitas pronúncias quanto a isto (a corrupção). Foi um dos temas da campanha. Foi nessas eleições que foi eleito presidente da Câmara Municipal de Sintra e era o directo concorrente da assistente.
Actualmente há situações no concelho de pessoas que não têm licença de utilização das suas casas porque os prédios foram construídos em domínio público da Câmara Municipal de Sintra e situações no género. Ou seja, verificaram-se situações que não deviam ter ocorrido e com as quais a testemunha hoje se confronta na sua qualidade de presidente da Câmara Municipal de Sintra.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito. Foi especialmente relevante quanto ao ambiente e tema da campanha autárquica de 2001.
- o depoimento de (MC), disse que conheceu a assistente quando veio para Sintra há dez anos e tinham relações de trabalho.
Assistiu ao programa de TV e não tem conhecimento das declarações ao jornal.
Ficou muito escandalizada e achou que a assistente tinha sido atingida pessoal e politicamente. Está convencida de que foram estas declarações que levaram à derrota da assistente nas eleições autárquicas de 2001.
A testemunha achou que a assistente era a destinatária. O assunto corria em Sintra e a assistente ficou afectada e doente.
Sabe que antes as pessoas criticavam muito mas tudo era muito vago. Depois do programa televisivo Herman SIC as pessoas falavam muito do programa.
A testemunha estava convencida de que a assistente ganharia as eleições de 2001. Considera-a uma pessoa séria e muito inteligente.
Na altura tinha reuniões com ela (de 15 em 15 dias) e viu como ela estava e achou que estava triste, abatida e revoltada.
Não se apercebeu de nada relativamente à assistente na altura do artigo de jornal.
Quanto ao programa televisivo Herman SIC falou com a assistente sobre isto e ela referiu-se sentir-se atingida.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito quanto aos factos que afirmou que eram de seu conhecimento directo.
- o depoimento de (ML), chefe de gabinete da assistente de 1995 a 2001.
Disse que tem ideia do artigo de jornal e do programa televisivo Herman SIC.
Chamou-lhe a atenção a 1ª página do jornal "O Crime" e ficou chocada porque a primeira leitura que entende ser possível é de corrupção ligada à assistente.
Assistiu ao programa televisivo Herman SIC em casa. Achou que a suspeição persistia nesse programa.
Nessa altura, em Outubro de 2001 vivia-se a pré-campanha eleitoral e as perspectivas eram muito favoráveis à assistente.
O clima de suspeição que se foi gerando e avolumando foi bastante gravoso do ponto de vista político e de saúde porque ela estava com problemas de saúde e tornaram-se mais graves por causa disto.
A assistente começou a ficar desgastada e humilhada com esta situação. Havia um ambiente de carinho em relação a ela e houve uma mudança na atitude das pessoas.
Precisava de uma vida calma e tranquila, em virtude dos problemas de saúde, e tal tornou-se impossível.
A campanha eleitoral de 2001 fundou-se neste tema e foi o grande argumento dos partidos de oposição. Esta situação continua a marcar a assistente.
Na altura da entrevista publicada no jornal "O Crime", a assistente estava de férias e ficou indignada sobretudo porque era em termos vagos.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito quanto aos factos que afirmou que eram de seu conhecimento directo.
- o depoimento de (GM), amiga da assistente há 46 anos.
Está lembrada do programa televisivo Herman SIC porque estava a assistir. Do jornal não sabe nada.
Estava a assistir ao programa e ficou surpreendida e revoltada porque a choca que digam certas coisas quando as pessoas não se podem defender e sentiu que a assistente estava a ser vítima de um ataque. Telefonou-lhe a apoiá-la porque achou que podia ser perigoso para a carreira dela.
A assistente agradeceu a atitude dela e estava triste e abatida. Sabe que as filhas ficaram muito incomodadas com a situação.
Tem quase a certeza de que ela perdeu as eleições porque criou-se uma dúvida no público e foi lesada como política; as pessoas ficam a desconfiar.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito quanto aos factos que afirmou que eram de seu conhecimento directo.
- o depoimento de (FL), médico e amigo da assistente que a conhece há mais de trinta anos. É cirurgião geral e trabalha em instituições psiquiátricas.
Disse que a assistente nessa altura deprimiu-se muito e passou a ter uma depressão reactiva com cefaleias intensas, enxaquecas, insónias e perda de peso. Isto destravou outras situações orgânicas de tipo border-line. Prolongou-se alguns meses.
Sentiu-a deprimida, triste e abalada com a situação. A reacção mais gravosa foi à entrevista televisiva.
Recorda-se de a assistente ter comentado o artigo do jornal "O Crime": estava deprimida e com enxaquecas. Disse que tinha ficado triste com o teor do artigo porque não estava de acordo com o que ela era.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito quanto aos factos que afirmou que eram de seu conhecimento directo.
- o depoimento de (T), amiga da assistente desde há quinze anos.
Em 2001 era presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria e São Miguel e convivia regularmente com a assistente.
Em Outubro de 2001 já se vivia um ambiente de luta eleitoral. As pré-campanhas começam cedo.
Acompanhou o desgaste psicológico e moral porque sentiu que os boatos eram atentatórios da sua dignidade.
Foi interpelada por diversos elementos da população que estavam surpreendidos.
A reacção principal deu-se com o programa televisivo Herman SIC.
Foi a partir daí que se acentuou o desânimo e a desconfiança. Instalou-se a dúvida sobre a honestidade da assistente.
A assistente esteve oito anos na Câmara Municipal de Sintra.
Pensa que a situação teve reflexos na sua saúde: tinha dores de cabeça e estava abatida.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito quanto aos factos que afirmou que eram de seu conhecimento directo.
- o depoimento de (Q), inspector de saúde. Foi director municipal dos serviços financeiros e administrativos da CMS de 1996 a 2001. Em 2001 foi candidato a Vereador nas eleições de 2001. Cessou funções em 2002 já com o actual presidente.
Tem noção das declarações do (NP). Foram afirmações muito complicadas para a assistente. A assistente era presidente da Câmara Municipal de Sintra e por isso uma afirmação desta natureza era dirigida a ela.
Não tem dúvida de que a opinião pública se virou contra a assistente.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito quanto aos factos que afirmou que eram de seu conhecimento directo.
- o depoimento de (H), professor do ensino básico. Amigo da assistente que conhece há 20 anos. Foi vereador no segundo mandato da assistente e vice-presidente no final do primeiro mandato e no segundo.
Era ele que presidia em Agosto à Câmara Municipal de Sintra porque a assistente estava de férias. Nessa altura um assessor trouxe-lhe o jornal e ficou chocado. Apesar de ser um tablóide, como aconteceu numa altura de pré-campanha achou grave porque nada se dizia para além da suspeição.
Quando a assistente chegou deram-lhe conhecimento do que tinha acontecido e ela reagiu com grande indignação.
Quanto ao programa televisivo Herman SIC não quis ver e alertou a assistente para a possibilidade de estar em preparação uma armadilha. Por essa altura começaram pinturas nas paredes em Sintra contra a assistente e liga isso ao que se passou no programa.
As insinuações foram em crescendo. Viu o sofrimento pessoal e familiar na assistente que era a imagem da Câmara Municipal de Sintra.
Durante a campanha eleitoral as pessoas aproximavam-se para lhe transmitirem confiança.
Esse sofrimento que refere exteriorizava-se em ela chorar em público apesar de ser uma pessoa de grande força. Isto fragilizou-a muito. Achava que estava posta em causa a sua honra e a da família. Isto massacra muito.
Foi relevante na perda da Câmara Municipal de Sintra; está convencido de que foram fulcrais.
Não sabe qual é a situação actual da assistente quanto a esta questão agora.
A testemunha apresentou por escrito ao Ministério Público indícios claros de licenças falsas e falsificação de documentos administrativos sem que saiba se havia conivência dentro da Câmara Municipal de Sintra. Terá feito cerca de duas ou três participações e cada uma delas podia ter mais do que um caso.
Tem conhecimento de uma participação feita pela Presidente ela própria e que dizia respeito a indícios de falsificações de licenças.
Não tem conhecimento do comunicado da CDU que consta dos autos.
Não se recorda de declarações de (FS) e de (B), nem de processo judicial contra eles.
Quanto à afirmação das redes mafiosas pela presidente da Câmara Municipal de Sintra aqui assistente, não se recorda.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito quanto aos factos que afirmou que eram de seu conhecimento directo.
- o depoimento de (P), industrial de construção civil que vive em Sintra há cerca de 60 anos.
Disse que as empresas J. Pimenta (grupo de construção civil a que preside) apresentaram plano de alterações ao projecto de doze moradias em habitação de edifícios no Monte Abraão por volta de 2000 e foi reprovado um aumento de cerca de 100 mil m2.
Mais tarde soube que foi aprovado a alteração do mesmo plano de urbanização de doze moradias para 11 edifícios de oito a dez pisos o que corresponde a um aumento de 400% com um valor superior a dois milhões de contos.
Tem conhecimento de outras situações indiciando a existência de casos de corrupção.
Está claro quem manobrava as coisas em Sintra e quem fazia os negócios em Sintra.
O que o arguido (NP) disse em voz alta era o que todos diziam embora não em público.
A afirmação dele não tem nada de desgarrada, era a voz pública e corrente.
Nunca contou casos ao (NP).
Conhece (NP) desde pequeno e pensa que ele teria conhecimento de factos concretos.
O depoimento foi emotivo e especialmente motivado quanto a demonstrar a sua convicção, que se afigurou sincera, de que existe corrupção na Câmara Municipal de Sintra quanto à área em que a testemunha trabalha, a da construção civil e de aprovação de projectos de construção civil.
- o depoimento de (LSB), desenhador projectista de arquitectura que fez uma participação à Polícia Judiciária de irregularidades na Câmara Municipal de Sintra.
Disse que é munícipe de Sintra desde que decidiu fazer uma casa em Sintra que foi licenciada em 2000. Detectou irregularidades dentro da urbanização onde estão a viver fiscais desta Câmara Municipal de Sintra. Foi declarada a nulidade do licenciamento e ordenada a demolição.
O que o (NP) disse era o que toda a gente dizia e a própria testemunha pensa isso.
Pediu uma reunião com a assistente quanto àquele caso que se lhe afigura indicar corrupção, mas, no caso concreto, perante a ilegalidade que a testemunha estava a denunciar à assistente enquanto presidente da Câmara Municipal de Sintra, os vários técnicos disseram que estava tudo bem. Apesar disso o licenciamento foi anulado. Foram licenciados o dobro dos pisos e o dobro da área de construção.
Para além dessa, havia outras situações no Município.
Falou com (NP) e entregou-lhe documentos escritos sobre esses assuntos.
O depoimento foi claro e coerente, embora emotivo e mereceu crédito quanto à convicção da testemunha da existência de corrupção nos serviços camarários de Sintra.
- o depoimento de (VCC), reformado, que conhece o arguido (NP) há alguns anos.
Disse que tem conhecimento de casos que na sua opinião indicam corrupção e acha que o que ele disse era verdade.
Deu conhecimento de um caso ao (NP) mas não sabe se foi antes ou depois das declarações dele.
O povo em vários sítios do concelho falava em corrupção. A testemunha mora em Odrinhas. Falava-se por todo o lado mas não sabe de nomes.
Nunca foi tão falada a existência de corrupção como durante os mandatos da assistente.
O depoimento foi claro e coerente, embora emotivo e mereceu crédito quanto à convicção da testemunha da existência de corrupção nos serviços camarários de Sintra.
- o depoimento de(MAE), professora do ensino secundário.
Disse que na sua opinião há irregularidades na Câmara Municipal de Sintra.
Recorda-se de um programa no Rádio Clube de Sintra em que a assistente disse que podiam apresentar casos que fossem problema.
A testemunha vive em Magoito pelo menos desde 1997. Queria uma reunião com a assistente ou (HP) porque havia uma obra que parecia ilegal crescia junto à sua casa.
Apresentou a reclamação por escrito e como nada lhe foi respondido, quando soube do gabinete anunciado pela assistente na rádio foi à Câmara Municipal de Sintra e pediu para ser recebida nesse gabinete, o que conseguiu. A pessoa que a atendeu pediu-lhe que passasse a escrito o caso concreto. Não se sabia nada na Câmara Municipal de Sintra do processo da construção ao lado e efectivamente a construção não tinha licenciamento. Nada foi feito durante o mandato da assistente a esse respeito.
Em contrapartida, a testemunha e o marido tentaram por em casa uma vedação metálica que os protegesse da esplanada ao lado (dessa construção ilegal) e foi logo convocada e teve de pagar uma coima de imediato.
Quando teve conhecimento do programa televisivo Herman SIC telefonou ao (NP) e contou-lhe o que se passou consigo e facultou-lhe documentos.
O depoimento foi claro e coerente, embora emotivo e mereceu crédito quanto à convicção da testemunha da existência de corrupção nos serviços camarários de Sintra.
- o depoimento de (A), soldador.
Disse que comprou um terreno para construir uma casa; comprou-a à Junta de Almargem e disseram-lhe que tinha projecto aprovado. Depois de o ter comprado disseram-lhe que não havia projecto e que um senhor Eng. (PG) era responsável por elaborar o projecto; para isso tinham de lhe dar 120 contos. Como tinha pressa sujeitou-se e foi pagar e entregou o cheque na Junta a um empregado da Junta de nome (CR).
Isto foi há cinco ou seis anos.
Mais tarde veio a saber que ele não era engenheiro e não era responsável, sendo fiscal de obras da Câmara Municipal de Sintra.
Posteriormente, quando os outros não pagaram e conseguiram os papéis para a construção é que achou que tinha feito mal.
Nunca falou com o (NP) mas contou estes factos a outras pessoas no bairro. Houve uma pessoa que lhe pediu cópia do cheque para este processo.
Viu fls. 720 e confirma ser cópia do cheque que tem vindo a referir.
O depoimento foi claro e coerente, embora emotivo e mereceu crédito quanto à convicção da testemunha da existência de corrupção nos serviços camarários de Sintra.
- o depoimento de (JS), disse que está magoado com a assistente por ter aprovado o loteamento 13/95 com prédios em cima de um caminho público junto de uma sua serração.
Escreveu-lhe cartas e nunca obteve resposta e ela passou a licença de construção ao construtor. Nunca o atendeu a ele.
A testemunha contava a toda a gente o que estava a suceder e uma pessoa do Norte disse que ia fazer com que ela o recebesse. Passadas duas semanas telefonaram-lhe para uma reunião na Câmara Municipal de Sintra e foi a essa reunião.
A assistente telefonou a inspectores da Polícia Judiciária que estavam na Câmara Municipal de Sintra a investigar um outro caso, e disse-lhes para investigarem o caso dele.
Passadas duas ou três semanas recebeu um telefonema do senhor do Porto que lhe arranjara a entrevista a dizer que afinal a história dele não estava bem contada quanto a quem era o construtor do loteamento. Tinham-lhe dito que se tratava da empresa Pimenta e Rendeiro que era cliente desse senhor do Norte. A testemunha está convencida de que deram essa informação a fim de essa pessoa se desinteressar do caso dele, uma vez que não pretenderia perturbar um empreendimento de um seu bom cliente.
Ouviu as declarações do arguido (NP) e tem um certo cuidado nas palavras que diz porque é muito difícil de provar e entende que não tem nenhuns elementos quanto a corrupção.
Comentava-se e falava-se em corrupção em todo o lado e o (NP) teve a coragem de o dizer no programa televisivo Herman SIC.
A testemunha deu elementos ao (NP), nomeadamente a acta em que se diz que há redes mafiosas na Câmara Municipal de Sintra. Deu-lhe antes de ele fazer as declarações no programa televisivo Herman SIC.
O depoimento foi claro e coerente, embora muito emotivo e mereceu crédito quanto à convicção da testemunha da existência de corrupção nos serviços camarários de Sintra.
- o depoimento de (PG), agente técnico de engenharia e arquitectura no Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de Sintra há 14 anos.
Disse que não é arguido em nenhum processo envolvendo a Câmara Municipal de Sintra.
De corrupção ouve falar a nível nacional e também na Câmara Municipal de Sintra.
Não sabe se em 2001 se falava mais ou menos do que agora. Sempre ouviu falar de corrupção nas Câmaras.
Endossou o cheque cuja cópia está a fls. 720, não tem dúvidas de que é a assinatura dele.
Interveio num processo de licenciamento em Almargem do Bispo e colaborou na execução desses projectos em termos particulares. Executou alguns desenhos e elementos necessários a pedido do presidente da Junta de Freguesia.
Esteve a prestar esclarecimentos à Junta de Freguesia após aprovação do PDM.
O presidente da Junta pediu colaboração em termos de projectos de arquitectura fora das horas de trabalho. Colaborou na execução dos projectos. Era um técnico, um desenhador e ele próprio. Eram cerca de trinta e tal lotes.
O cheque era para pagamento dos trabalhos mas era para ser a Junta a pagar.
A testemunha estava autorizado a trabalhar no seu gabinete por não ter exclusividade com a Câmara Municipal de Sintra e foi isso que fez.
O depoimento foi algo cauteloso e evasivo, o que se justifica pelo teor, que levou mesmo o tribunal a advertir a testemunha de que podia recusar-se a depor quanto a factos susceptíveis de o incriminar. De um modo geral tentou dizer o menos que lhe fosse possível sem indicar falta de colaboração. Não mereceu crédito em si mesmo.
- o depoimento de (LB), Vereador da Câmara Municipal de Sintra de 1974 a 2002 com pelouros entre 1985 e 1998.
Nas eleições de 2001 foi a primeira vez em que não foi candidato à Câmara Municipal de Sintra mas só à Assembleia Municipal. Foi sempre candidato pela CDU.
Quanto ao comunicado da CDU disse que transcreve parte da intervenção de Baptista Alves em que se referia a que havia indícios afirmados por toda a gente.
Disse que se falava muito nisto (corrupção) nos meios políticos.
Houve uma conjugação de situações nomeadamente o “Apagão” (referindo-se a um inquérito criminal relativo a uma situação em que foram destruídos dados de computadores da Câmara Municipal de Sintra) que levavam a essas afirmações.
Havia também algum questionar de uma assinatura digital do Vereador do Urbanismo que teria sido usada para licenciamentos menos correctos. Houve sempre da parte da Câmara Municipal de Sintra e da Presidente (ora assistente) de solicitar a investigação que era necessária.
Recorda-se de a própria assistente se referir a tal em Assembleia Municipal.
Recorda-se da acta que lhe foi mostrada porque a foi consultar antes do julgamento.
A dada altura, por exemplo, chegou à Câmara Municipal de Sintra a afirmação de que estavam a ser construídos edifícios em Sintra com licenças da Câmara Municipal de Mafra.
Não se recorda de declarações de (FS) a esse respeito na campanha de 2001.
Não sabe qual o entendimento que a CDU teve na reunião em que foi aprovada a queixa que deu origem a estes autos.
O tema da corrupção foi um tema de campanha em 2001 e é um tema que vem sempre ao de cima em contacto com o público. Era suscitada frequentemente pelas pessoas com quem os candidatos tinham contacto.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito.
- o depoimento de(BA), Vereador da Câmara Municipal de Sintra desde 1994 com responsabilidades executivas excepto no segundo mandato da assistente. Foi candidato a Presidente da Câmara Municipal de Sintra em 2001. Actualmente é presidente dos SMAS.
O tema da corrupção foi tema da campanha eleitoral de 2001.
Confirma as afirmações de que havia fortes indícios de corrupção na Câmara Municipal de Sintra. Na própria reunião de Câmara se falou nesses fortes indícios: isto em Junho de 2001.
Factos de que se recorda: utilização da assinatura digital de um Vereador para emitir licenças falsas, o “Apagão”. Estas situações eram entendidas como indícios prováveis de corrupção.
Havia um clima no concelho de suspeição quanto à Câmara Municipal de Sintra.
Não tem certeza sobre declarações de (FS) nesta campanha de 2001 a respeito de corrupção.
Para além das intervenções que estão por escrito nos autos fez declarações similares na campanha de 2001. Não tem ideia de ter referido nomes.
Havia a ideia generalizada das pessoas de que ele ouviu directamente a referência a situações de corrupção.
Numa reunião de Câmara Municipal de Sintra em Junho de 2001 ele questionou quanto a resultados das investigações.
Aprovou a participação criminal contra o arguido (NP).
Quando se tornou um tema de campanha não sabe, mas Junho é muito cedo. Em Outubro já se estava em pré-campanha. A pré-campanha em Sintra terá sido em Outubro.
O depoimento foi claro e coerente e mereceu crédito.
2) Da concreta relação entre os meios de prova e a decisão de facto.
2.1 Os grandes temas da prova.
A convicção do Tribunal fundou-se na apreciação crítica e conjunta dos depoimentos das testemunhas e dos documentos e relatórios constantes dos autos e examinados em audiência, nos termos que seguidamente se explicitarão e apreciarão crítica e conjuntamente.
Antes de os referir separadamente em relação aos factos concretos ou ao conjunto de factos, afigura-se que favorece a clareza da exposição uma indicação mais genérica e global relativamente aos grandes temas de prova e a cada um dos arguidos.
Constituem grandes temas de prova 1) os do teor da entrevista e das declarações no programa televisivo e da difusão posterior da informação a tal respeito; 2) os do âmbito dessas declarações e convicção dos arguidos quanto ao seu fundamento; 3) os da autonomia da reprodução e edição da entrevista em relação ao teor da mesma; 4) o do conhecimento e vontade dos arguidos ao actuarem.
Quanto ao teor da entrevista e das declarações, não há divergência nos autos e os mesmos resultam por um lado do documento junto com exemplar da edição em causa do jornal "O Crime", na parte pertinente, e, por outro lado, da transcrição das declarações no programa televisivo e, sobretudo, do visionamento do mesmo em audiência.
A decisão do tribunal resultou directamente desses meios de prova.
Quanto à difusão posterior dessas declarações a convicção do tribunal quanto à imprensa escrita fundou-se nos recortes de jornais que constam dos autos. Quanto à repercussão junto do público em geral e do comentário pelo público, nomeadamente sintrense, fundou-se nos depoimentos das testemunhas que a tal se referiram e, bem assim, nas declarações do arguido (NP) que referiu que grande parte dos elementos escritos que trouxe ao processo e são o apenso 1 lhe foram entregues por pessoas que comentavam e secundavam as suas declarações. Também as testemunhas que participaram na campanha eleitoral das autárquicas de 2001 referiram que os candidatos (e também a assistente que foi candidata) eram interpelados a tal respeito pelos cidadãos que encontravam no decurso da campanha.
Quanto ao âmbito dessas declarações e à convicção dos arguidos do fundamento delas, do conjunto/cruzamento dos factos provados e não provados resulta que o Tribunal considerou provado que as declarações atingiam negativamente os serviços camarários e que também atingiam negativamente a assistente enquanto política. Mais se considerou provado que os arguidos sabiam que assim era, que o arguido (NP) quis prestá-las por entender pronunciar-se publicamente sobre a actuação da assistente à frente da Câmara Municipal de Sintra e sobre a actuação dos serviços da Câmara e que os arguidos jornalistas quiseram escrever e publicar a entrevista difundindo essa posição do arguido (NP).
Entendeu o tribunal que se não fez prova de que os arguidos tenham tido intenção de imputar à assistente a prática, fomento, permissão de actos de corrupção, nem sequer sugerir tal suspeita.
A decisão do tribunal a tal respeito teve em consideração, desde logo, o teor objectivo dessas declarações do qual não pode extrair-se que algum dos arguidos tenha querido formular um juízo a respeito da assistente para além daquele consistente em que não debelava uma situação de corrupção que o arguido (NP) entendia existir.
Por outro lado, nenhum outro elemento de prova que não o texto escrito dá alguma indicação que permita a interpretação de tal texto com o sentido mais amplo que o da sua letra.
Defende a assistente que o arguido (NP) nunca excluiu tal hipótese, nem nunca explicou ao público que não pretendia declarar tal.
Porém, só poderia extrair-se essa conclusão da ausência de explicação, se o teor das declarações fosse idóneo a produzir essa impressão junto dos leitores/telespectadores. Ora, como já referido, não se afigura que assim seja. A expressão utilizada relativamente ao sujeito a respeito de quem o juízo era formulado foi sempre “a Câmara de Sintra”, expressão que se refere a uma imputação aos serviços da Câmara Municipal de Sintra, não à pessoa singular que é Presidente num determinado momento. Certo é que a intenção de censura de actuação da política que era presidente da Câmara Municipal de Sintra, ora assistente, é manifesta. É-o, aliás, na entrevista pela censura de outros aspectos não relacionados com a existência de corrupção nos serviços, como as referências à Natureza, à Cultura ou à vida da sociedade civil.
Por tudo isso, entendeu-se como provada apenas a vontade de declarar/difundir a opinião sobre a existência de corrupção nos serviços e sobre a ineficiência da administração da assistente, do ponto de vista político e tão só desse ponto de vista.
Tendo em atenção a qualidade do entrevistado (munícipe de Sintra e ex-candidato em eleições autárquicas anteriores) e o contacto estabelecido com assessor da assistente, entendeu-se não estar demonstrado que os jornalistas arguidos soubessem que as declarações do arguido (NP) não tinham fundamento.
Quanto ao arguido (NP), entendeu-se que não estava demonstrado que tivesse fundamento sério para acreditar ser verdade o que afirmou. Entendeu-se estar provado também que acreditava naquilo que afirmou. Na verdade, entre uma e outra coisa existe enorme diferença. Alguém pode estar convencido de que algo é verdade e não serem sérios os fundamentos da sua convicção. No caso, o arguido referiu que a sua convicção lhe advinha de ser munícipe de Sintra, de ir vendo determinadas situações que lhe pareciam aberrantes, ao nível do urbanismo, ao mesmo tempo que ouvia muitos munícipes falarem em corrupção e indicarem casos que entendiam evidenciar corrupção. Disse também que na altura não estava na posse de toda a documentação que agora trouxe aos autos e que lhe foi entregue por pessoas que partilhavam a sua opinião depois de o terem ouvido na televisão.
Parece que não pode entender-se que a existência de rumores públicos, por fortes que sejam, constitua fundamento sério para acreditar na verdade de um juízo como o que formulou.
Quanto à autonomia da reprodução e edição da entrevista em relação ao teor da mesma, tem de distinguir-se entre a actuação da arguida (PS) e a do arguido (JF).
Quanto à primeira, resultou provado que escreveu a entrevista e o fez de acordo com as declarações do entrevistado, como o próprio aliás declarou em julgamento.
A autonomia objectiva da sua actuação em relação à conduta do arguido (NP) consistiu, assim, apenas na difusão das declarações no meio de comunicação em que trabalhava e ao serviço do qual fez a entrevista.
Quanto ao arguido (JF), a autonomia da sua actuação consistiu na escolha e autorização dos títulos, das fotografias, da chamada de primeira página e da composição desta. Foi o próprio quem o declarou e explicou em termos que já se referiu merecerem crédito.
Quanto ao conhecimento e vontade dos arguidos nas suas respectivas actuações, a convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados fundou-se nas declarações dos mesmos, na análise do teor das declarações e nos depoimentos das testemunhas que se pronunciaram quanto à situação senão de campanha eleitoral (em sentido amplo), pelo menos de aguerrido debate político.
2.1 Os factos provados e não provados e os meios de prova considerados a respeito de cada um.
Sem prejuízo do contexto mais global já referido, indicar-se-ão os meios de prova mais relevantes quanto à decisão por referência aos factos indicados no ponto II).




(...)






IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. RESPONSABILIDADE PENAL.
Vêm os arguidos pronunciados por:
Os arguidos (JF) e (PS):
Um crime de difamação (na pessoa da assistente (EE), praticado em 9 de Agosto de 2001) previsto e punido pelos artigos 180º, 183º, nº 2, e 184º, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea j), todos do Código Penal, e aos artigos 30º, nº 1, e 31º, nº 3, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro.
Um crime de ofensa a pessoa colectiva (quanto à Câmara Municipal de Sintra, praticado em 9 de Agosto de 2001) previsto e punido pelos artigos 187º e 183º, nº 2, do Código Penal, e aos artigos 30º, nº 1, e 31º, nº 3, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro.
O arguido (NP):
Um crime de difamação (na pessoa da assistente (EE), praticado em 9 de Agosto de 2001) previsto e punido pelos artigos 180º, 183º, nº 2, e 184º, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea j), todos do Código Penal, e ao artigo 30º, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro.
Um crime de ofensa a pessoa colectiva (quanto à Câmara Municipal de Sintra, praticado em 9 de Agosto de 2001) previsto e punido pelos artigos 187º e 183º, nº 2, do Código Penal, e ao artigo 30º, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro.
Um crime de difamação (na pessoa da assistente (EE), praticado em 21 de Outubro de 2001) previsto e punido pelos artigos 180º, 183º, nº 2, e 184º, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea j), todos do Código Penal, e ao artigo 30º, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro.
Um crime de ofensa a pessoa colectiva (quanto à Câmara Municipal de Sintra, praticado em 21 de Outubro de 2001) previsto e punido pelos artigos 187º e 183º, nº 2, do Código Penal, e ao artigo 30º, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro.
As referências reportam-se ao Código Penal na redacção em vigor à data da prática dos factos. Entretanto foi publicada a Lei 59/07, de 4 de Setembro, que alterou o Código Penal, e cuja eventual aplicação se apreciará nos termos do artigo 2º, do Código Penal.
Na qualificação jurídica dos factos importa distinguir a actuação de cada um dos arguidos.
1. A entrevista de 9 de Agosto de 2001.
Ao teor das declarações prestadas e publicadas nesta entrevista referem-se as alíneas H) e I) supra.
A conformidade do texto publicado com as declarações proferidas resultou provada, pelo que não há que distinguir entre um e outras.
Das alíneas referidas se extrai, como mais relevante, que o arguido (NP), a respeito da assistente, disse que a assistente tinha de positivo uma boa imagem e de negativo ser uma mentira, limitando-se a ser uma boa imagem.
A uma pergunta sobre o que faltava em Sintra, referiu vários pontos que entendia negativo no conjunto do município e, ainda, referindo-se à Câmara Municipal de Sintra, “é uma das mais corruptas do país”.
A responsabilidade dos arguidos (NP) e (PS) só pode decorrer deste texto, uma vez que se provou que não tiveram qualquer intervenção na paginação, escolha de títulos, de fotografias ou opção por chamada à primeira página.
A responsabilidade do arguido (JF) implica a consideração dos títulos, da chamada de primeira página e da composição desta, ao que infra se procederá.
2. O programa televisivo de 21 de Outubro de 2001.
Ao teor das afirmações proferidas neste programa referem-se as alíneas Q) a AF) supra.
As afirmações produzidas são de teor idêntico ao das da entrevista, embora mais desenvolvido, uma vez que na entrevista constituem um dos capítulos, que surge no conjunto de vários assuntos, e no programa televisivo são o assunto central.
Apreciar-se-ão conjuntamente.
3. A actuação dos arguidos.
3.1. Quanto ao arguido (NP).
Entende-se que as declarações na entrevista e as prestadas na televisão são de teor de tal modo idêntico que não se justifica uma apreciação distinta de umas e outras, sendo que apenas no eco público foram diversas.
Assim, a primeira questão que se coloca é a de saber se a afirmação de que a Câmara de Sintra é uma das mais corruptas do país pode entender-se como integrando a afirmação de factos capazes de ofender a credibilidade, prestígio ou confiança devidos à Câmara Municipal de Sintra.
Parece-nos que sim.
Na verdade, pese embora o carácter genérico e não concretizado da afirmação, ela tem como conteúdo necessário a afirmação de que a Câmara de Sintra pratica actos de corrupção e que, para além do mais, no conjunto das Câmaras Municipais, é uma daquelas em que tal prática é mais difundida.
Tendo em atenção que as Câmaras são serviços públicos sujeitos ao dever de legalidade, tal imputação atinge o cerne da sua credibilidade ou falta dela e abala a confiança das pessoas na sua actuação, ao mesmo tendo que diminui o respectivo prestígio.
Impõe a lei que os factos imputados sejam “inverídicos” (no sentido de que tal implica um desvalor menor do que o termo falsidade ver Professor Faria Costa in Comentário Conimbricense, tomo I, artigo 187º).
No caso, o arguido (NP) juntou aos autos numerosos documentos e arrolou diversas testemunhas com o objectivo de demonstrar a prática de actos de corrupção por parte dos serviços da Câmara Municipal de Sintra.
Pese embora tal prova ser relevante em outra sede, entendemos que não o é quanto à pretendida prova da verdade dos factos.
Assim, a imputação de factos sob a forma de formulação de um juízo genérico impede por si só a possibilidade de o agente se fazer valer da possibilidade de prova da verdade dos factos. Ou seja, ao prescindir na sua afirmação da concretização de factos, o agente coloca-se na situação de não poder fazer a prova da verdade de factos que concretamente não explicitou, nem para justificar o juízo que fez.
Na verdade, para além da sua convicção de que a prática de actos de corrupção na Câmara Municipal de Sintra era frequente, o arguido nada mais afirmou de concreto susceptível de prova.
E nos termos dos artigos 235º, nº 2, 236º, nº 2 e 239º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e 64º, da Lei das Autarquias Locais, os Municípios e as Câmaras Municipais exercem autoridade pública.
Temos assim como preenchida a previsão do artigo 187º, do Código Penal, quanto à materialidade da conduta aí prevista.
As declarações foram prestadas em ordem a serem publicadas em meio de comunicação social, como foram, o que integra a previsão do artigo 187º, nº 2, alínea a), com referência ao artigo 183º, nº 2, e 30º, nº 1, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro (doravante, Lei de Imprensa).
Por outro lado, tais declarações são feitas num contexto de imputação de responsabilidade à assistente, enquanto presidente da Câmara Municipal de Sintra, pelo estado de corrupção afirmado, imputação reforçada pela indicação de que a assistente é apenas uma imagem positiva sem conteúdo porque essa imagem é uma mentira.
Tal imputação atinge a consideração da assistente enquanto gestora da coisa pública, sendo certo que a sua carreira é de política.
Nessa medida, a entrevista constitui a formulação de um juízo sobre a assistente que ofende a sua consideração enquanto política, o que integra a previsão, quanto à materialidade da conduta, dos artigos 180º, nº 1, 183º, nº 2, e 184º, do Código Penal, com referência ao artigo 30º, nº 2, da Lei de Imprensa. A agravação do artº 184º verifica-se na medida em que a assistente é atingida não no exercício das suas funções de presidente da Câmara Municipal de Sintra mas por causa desse exercício.
Não assim, quanto à honra e bom-nome da assistente ou à consideração como pessoa privada fora do exercício das suas funções de presidente da Câmara Municipal de Sintra, que se provou não serem visados ou atingidos.
Nos termos do artigo 180º, nº 2, do Código Penal, a conduta prevista no nº 1 não é punível quando “o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira” ou se “a imputação for feita para realizar interesses legítimos”.
A prova do interesse legítimo, da verdade da imputação, ou do fundamento sério para crer em tal verdade, está excluída por nos encontrarmos em sede de formulação de um juízo.
Como resulta da matéria de facto assente, o arguido (NP) agiu de forma livre e consciente, ao produzir as afirmações, fê-lo sabendo que atingia a credibilidade da Câmara Municipal de Sintra e a consideração da assistente enquanto política, querendo mesmo assim produzi-las.
O contexto de afirmação e publicação das declarações, determina que o conjunto da ordem jurídica implica a consideração do disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante, Convenção) a respeito da liberdade de expressão.
Tal Convenção está em vigor na ordem jurídica Portuguesa desde 9 de Novembro de 1978, data do depósito do instrumento de ratificação junto do Secretário-Geral do Conselho da Europa. Portugal não formulou reservas quanto ao artigo 10º que é o que interessa ao caso concreto.
Dispõe o artigo 10º da Convenção:
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial”.
Os princípios gerais da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante, Tribunal Europeu) quanto ao artigo 10º podem enunciar-se do seguinte modo:
1. A liberdade de expressão é um dos fundamentos essenciais da sociedade democrática e condição primordial do seu progresso e da realização de cada um.
2. O direito à liberdade de expressão vale para as ideias ou informações consideradas favoravelmente pelo conjunto da sociedade ou que sejam inofensivas ou indiferentes e também para as que ferem, chocam ou inquietam.
3. A restrição ou sanção (ingerência) da expressão de ideias ou informações devem decorrer da aplicação do nº 2 do referido artigo 10º, em interpretação restrita, e a necessidade da restrição ou sanção deve estar determinada de maneira indubitável.
Por outro lado, o Tribunal Europeu tem como princípios fundamentais de interpretação do artigo 10º em causa a consideração de que:
4. a liberdade de expressão tem uma particular importância quando considerada no domínio da imprensa.
5. a admissibilidade da crítica em relação a personalidades políticas agindo no domínio da sua actividade é maior e mais amplos os limites do exercício da liberdade de expressão.
6. a ingerência no exercício da liberdade de expressão tem de corresponder a uma necessidade social imperiosa.
Os princípios que enunciámos têm sido amplamente considerados nos Acórdãos do Tribunal Europeu e podem ver-se indicados nos arestos Lopes Gomes da Silva c. Portugal, de 28 de Setembro de 2000, Urbino Rodrigues c. Portugal, de 29 de Novembro de 2005, Roseiro Bento c. Portugal, de 18 de Abril de 2006, Almeida Azevedo c. Portugal, de 23 de Janeiro de 2007 (para só citar jurisprudência relativa a Portugal, recolhida em www.coe.int, sendo nossa a tradução da versão em língua francesa).
Apreciando o caso concreto é de sublinhar desde logo o contexto de proximidade de umas eleições autárquicas, o facto de o arguido (NP) ser munícipe de Sintra e já ter sido candidato em anteriores eleições autárquicas em Sintra. É relevante também o tema de que se trata, a corrupção, tema que continua a ser de grande actualidade no debate nacional (e internacional) e que tem sido debatido com especial incidência quanto à situação nas autarquias locais.
Esse tema, disseram-no as testemunhas que estiveram e continuam envolvidas na vida política concelhia, foi um dos temas relevantes da campanha de 2001.
Não se provou que as declarações do arguido (NP) tenham sido as responsáveis por trazer o tema para o debate político municipal em 2001 ou se foram eco do interesse que já havia. Mas todos referiram que esse foi um tema central.
Temos por assente a relevância pública do tema, o que é elemento de relevo a ter em conta na inclusão das declarações no âmbito do exercício do direito à liberdade de expressão.
Diga-se ainda a respeito do programa televisivo que o contexto das afirmações é o da presença da assistente e de outras duas presidentes de Câmaras Municipais, o que se afigura também de relevo.
Também a qualidade dos intervenientes (o arguido (NP) e a assistente – candidatos em eleições anteriores) impõe a conclusão de que as declarações se situam no âmbito de interesse público.
Temos assim de concluir que nos encontramos no cerne da liberdade de expressão, tendo em atenção a natureza do assunto e a qualidade dos “opositores”.
É certo que as declarações consistem na formulação de um juízo genérico e sem qualquer concretização, sempre de menor valor do que a imputação de factos. Nesta, o agente compromete-se com o que afirma e vê-se confrontado com a necessidade de o provar para credibilizar o que refere. Na formulação de juízos acolhe-se a um terreno em que tudo pode provar ou infirmar a sua conclusão e em que a defesa do visado quase fica colocada na posição de provar a sua “inocência”. Digamos que em tal caso a ingerência dos poderes do Estado na liberdade de expressão se rege por parâmetros mais amplos (cfr. Urbino Rodrigues c. Portugal supra). Mas mantém-se a exigência de absoluta necessidade da ingerência nos termos do nº 2 do artigo 10º da Convenção.
No caso dos autos, a prova da convicção do arguido de que a corrupção efectivamente existia, convicção que era comum a diversos outros munícipes que lhe forneceram elementos quanto a tal, estando os próprios órgãos camarários preocupados com tal situação, determina se considere verificada a existência de uma base para a formulação do juízo que o torna proporcional ao exercício da liberdade de expressão e aos fins prosseguidos pelo reconhecimento deste direito.
Na verdade, se não pode provar-se a verdade da formulação de um juízo, o contexto da sua formulação é relevante para determinar a justificação da necessidade de ingerência no exercício do direito à liberdade de expressão (quanto à questão dos juízos de valor e sua protecção pelo artigo 10º, da Convenção, veja-se o aresto Feldek c. Eslováquia, de 12 de Julho de 2001, loc. cit.).
Visto o disposto no nº 2, do artigo 10º, da Convenção, a justificação da ingerência implica:
1. previsão legal dessa ingerência na ordem jurídica interna.
2. que essa previsão tenha como finalidade a protecção dos bens ou valores indicados na norma.
3. necessidade da ingerência para atingir essa finalidade.
A previsão legal é constituída pelas normas dos artigos 180º, 183º, 186º e 187º, do Código Penal.
Tais normas visam proteger a honra, consideração e direito ao dom nome, bens que se encontram previstos no artigo 10º, nº 2, da Convenção.
Importa saber da necessidade de ingerência para obter cabal protecção desse bens.
É certo que a imagem dos órgãos e serviços camarários é atingida pela formulação do juízo e que a protecção da honra ou dos direitos de outrem justificam a ingerência nos termos do nº 2, do artigo 10º. No entanto, tendo em atenção a natureza dos órgãos e serviços atingidos e o contexto de formulação, entende-se que a protecção da credibilidade dos serviços não constitui valor que prevaleça sobre a liberdade de expressão.
Por outro lado, numa sociedade democrática tais bens podem ser protegidos por mecanismos que não relevem da intervenção dos poderes do Estado e antes se situem no debate livre entre os cidadãos.
Em consequência, tal protecção não justifica a ingerência que a condenação penal constitui.
Mas não foram só os serviços da Câmara Municipal de Sintra os atingidos. Resultou provado que a consideração da assistente como política foi atingida pela prolação de afirmações negativas a respeito da sua capacidade para desempenhar o cargo de presidente da Câmara Municipal de Sintra e de debelar a situação de corrupção afirmada pelo arguido (NP).
A protecção da consideração da assistente enquanto política justifica a ingerência? Cremos que não.
A crítica da actuação política de outrem na gestão da coisa pública constitui talvez o cerne da liberdade de expressão. Se pode entender-se que a protecção da honra de uma pessoa torne necessária a ingerência na liberdade de expressão, relativamente a pessoas sem vida pública ou à vida privada das personalidades públicas que a não tenham exposto de motu próprio, não assim quanto aos aspectos políticos da actuação de personalidades públicas, para mais com responsabilidades políticas.
Nesse sentido o tribunal Europeu vem defendendo que “se a imprensa não deve ultrapassar os limites fixados, nomeadamente em vista da protecção de outrem, incumbe-lhe igualmente comunicar as informações e as ideias sobre as questões políticas e sobre outros temas de interesse geral. Quanto aos limites da crítica admissível, são mais largos quando se trata do político, agindo na qualidade de personalidade pública, do que quando se trata de um simples particular. O político expõe-se inevitável e conscientemente a um controle atento dos seus actos e gestos, tanto por parte dos jornalistas como do público em geral (…). O político tem naturalmente direito à protecção da sua reputação, mesmo fora do quadro da sua vida privada, mas a necessidade dessa protecção deve ser sopesada face ao interesse de livre discussão das questões políticas, devendo as excepções à liberdade de expressão merecer uma interpretação restritiva” (idem quanto à tradução).
Também quanto a esta perspectiva, relativa à pessoa da assistente, entendemos que a ingerência penal se não justifica. Tal não retira gravidade às imputações, para mais sem concretização fáctica que permita uma defesa clara. Porém, também aqui a sociedade democrática permite uma defesa que não passe pelo pesado ónus de intervenção dos poderes estatais no exercício da liberdade de expressão.
Em conclusão de tudo o que se disse, entende-se que, sendo as afirmações do arguido (NP) de molde a afectar a credibilidade da Câmara Municipal de Sintra e a consideração da assistente enquanto política, as mesmas devem ser qualificadas como encontrando-se no âmbito do exercício do direito à liberdade de expressão e que o modo desse exercício e as consequências dele não autorizam ingerência sancionatória penal.
Em consequência, o arguido (NP) deve ser absolvido.
3.2. Quanto à arguida (PS).
Quanto a esta arguida e à peça publicada, há que atentar desde logo em que tudo o que consta em matéria de texto são as perguntas da jornalista, a arguida (PS), e as respostas do entrevistado, o arguido (NP).
Não foi imputada nem se provou qualquer desconformidade entre o teor da entrevista e o das declarações prestadas pelo arguido (NP) à jornalista. Pelo contrário, provou-se que o texto publicado corresponde às declarações prestadas pelo arguido (NP).
Assim sendo, a actuação da arguida recai na previsão do artigo 31º, nº 4, da Lei de Imprensa (2/99, de 13 de Janeiro), que é do seguinte teor:
“Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas, prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, a menos que o seu teor constitua instigação à prática de um crime”.
Ou seja, a responsabilidade da arguida está excluída por a sua actuação se limitar à reprodução correcta de afirmações prestadas pelo arguido (NP) que se encontrava devidamente identificado como sendo o entrevistado.
Em consequência, a arguida deve ser absolvida.
3.3. Quanto ao arguido (JF).
Quanto ao arguido (JF) resultou provado que, enquanto director do jornal "O Crime", autorizou a publicação da entrevista, tomou a decisão de chamar a entrevista à primeira página da edição do jornal "O Crime" de 9 de Agosto de 2001, procedeu à escolha das fotografias do arguido (NP) e da assistente (EE), e à colocação do título “É das mais corruptas do país” entre a fotografia daquele arguido e a da assistente.
Quanto ao conhecimento do teor da entrevista, tal não determina qualquer responsabilidade do director do jornal, na medida em que estando correctamente reproduzidas as declarações, tal responsabilidade está excluída pelo nº 4, do artigo 31º, da Lei de Imprensa, nos mesmos termos que se referiram quanto à arguida (PS).
Cumpre apreciar a restante actividade de edição e de titulação a fim de saber se pode considerar-se que a mesma acrescenta algo ao teor das declarações e, na afirmativa, se tal acréscimo constitui actividade criminalmente punível, nomeadamente nos termos das normas que fundamentaram a pronúncia.
A apreciação em causa respeita a duas situações diferentes: a colocação das fotografias e a elaboração dos títulos.
A um primeiro momento de distinção de umas e de outros, deve seguir-se um outro de apreciação da sua interligação.
Os títulos não exorbitam do teor da entrevista, salientam algumas partes dela e difundem-nas com preferência a outras; mas é essa a sua função.
O próprio âmbito de interesse geral do tema, que já se abordou a respeito da actuação do arguido (NP), justifica a opção de o salientar.
Quanto à escolha das fotografias afigura-se ser a questão mais sensível e que mais pode traduzir uma intervenção especial do director e do jornal "O Crime".
Ou seja, a ligação entre a assistente e o tema da entrevista resulta claramente da inclusão da sua fotografia na primeira página (cfr. alínea AI) supra). Parece-nos, no entanto, que já resultava das próprias declarações do entrevistado. Nessa medida, são as próprias declarações do entrevistado que dão suporte a tal escolha e que determinam que a inclusão da fotografia seja uma maneira de ilustrar o texto e não de o acrescentar.
É certo que a fotografia está incluída num título em sentido amplo do qual constam as expressões “(NP) acusa a Câmara de Sintra” e “É das mais corruptas do país”.
Quanto a tal dir-se-á que, por um lado, está explícito, mesmo no título, que a acusação se dirige à Câmara Municipal de Sintra. Por outro lado, se a fotografia da assistente aí está colocada, também o está a do arguido, uma de um lado e a outra do outro, com o mesmo tamanho, o que se afigura apto a afirmar graficamente a qualidade de opositores de um e de outro (quanto às afirmações a respeito da Câmara Municipal de Sintra) e não a apontar um visado.
Conclui-se, em consequência, que a actuação do arguido (JF) não tem autonomia penalmente relevante, por se limitar a editar e ilustrar uma entrevista em que as afirmações do entrevistado se encontram correctamente reproduzidas.
Em consequência, o arguido deve ser absolvido.
V) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. RESPONSABILIDADE CIVIL.
A assistente deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos e contra a sociedade proprietária do jornal "O Crime".
Constituem pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483º, nº 1, do Código Civil, a prática pelo lesante de um facto ilícito, a imputação do facto ao lesante a título de culpa, a existência de danos indemnizáveis e de nexo de causalidade entre o facto e os danos.
Atento o disposto no artigo 483º, nº 1, do Código Civil, a ilicitude civil do facto pode resultar da violação de um direito de outrem ou de norma legal destinada a proteger interesses alheios.
Quanto aos arguidos (JF) e (PS) e quanto à demandada civil Edições V.L., Lda, não se provou a prática de qualquer acto ilícito susceptível de os responsabilizar, visto o disposto no artigo 31º, nº 4, da Lei de Imprensa.
Quanto ao arguido (NP) provou-se que a sua conduta afectou a credibilidade da Câmara Municipal de Sintra e a consideração da assistente enquanto presidente da Câmara Municipal de Sintra.
Tem de apreciar-se se tal fundamenta a sua responsabilização civil, nos termos do artigo 487º, do Código Civil, pese embora não poder ser punido penalmente.
Adiante-se que entendemos que não.
A restrição da liberdade de expressão que já mencionámos abrange não só a sanção penal das condutas como a civil.
Ou seja, a ingerência em termos de restrição ou sanção que deve ser considerada, não é apenas a que se refere à responsabilidade penal, mas também a que se refere à responsabilidade civil.
Nesse sentido já se pronunciou o Tribunal Europeu (Roseiro Bento c. Portugal) afirmando: “É verdade que o requerente não foi objecto de sanção penal (…). No entanto, foi condenado no pagamento de indemnização ao queixoso. O Tribunal lembra que o que conta não é o carácter diminuto da sanção, mas o facto da condenação, mesmo quando tal condenação revista um carácter meramente civil” (idem quanto à tradução).”

8.2. Apreciando:

8.2.1. Da legitimidade das partes e do exercício do direito de queixa.
Suscita o recorrente (NP) a questão da legitimidade da intervenção da Doutora (EE) como assistente alegando o seguinte:
“1. Os queixosos são a CAMARA MUNICIPAL DE SINTRA e o PRESIDENTE DA CAMARA MUNICIPAL DE SINTRA.
2. A legitimidade para constituição como Assistente cabia, no presente caso, à Presidente da Câmara Municipal de Sintra, por ser esta a ofendida, ou seja, a titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação,
3. Por essa razão, aliás, atento o facto de o ofendido poder já não ocupar qualquer cargo à data em que deveria deduzir acusação particular
4. Aliás, para que fosse possível a constituição de Assistente de (EE), sempre seria necessário que a mesma o tivesse requerido.
5. De igual modo, a assistente não tinha também legitimidade para dedução da acusação particular, pois a mesma não é concretamente admissível.
6. Todas as procurações, juntas aos autos pela Assistente (EE), encontram-se assinadas por “A Presidente da Câmara Municipal de Sintra, (EE), em representação da Câmara Municipal de Sintra, mandatada para o efeito”, razão pela qual as mesmas são irregulares.
7. A irregularidade do mandato pode ser arguida a todo o tempo e conhecida oficiosamente pelo Tribunal; art.º 40º, nº1, do CPC.”
Lavra o recorrente em erro por não vislumbrar que os factos fixados para julgamento se desdobram em crimes de difamação contra a doutora (EE), que se sentiu ofendida na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Sintra, e em factos que constituem ofensa a pessoa colectiva de que seria ofendida a Câmara Municipal de Sintra, recorrendo do Acórdão por não ter considerado parte ilegítima para dedução do pedido cível a assistente (EE) e não ter declarado nula a sua constituição de assistente, uma vez que está em causa o crime de ofensa a pessoa colectiva.
Verifica-se, porém, que o arguido vem acusado de crime de difamação e que o pedido cível é deduzido a título pessoal pela pessoa singular (EE).
A legitimidade para a constituição de assistente e para a dedução do pedido cível tem de aferir-se pelo objecto da acusação, e à sua data, pelo que face ao teor da acusação deduzida e do pedido cível que nela se funda, a titular dos bens jurídicos lesados pelos factos imputados ao arguido era a assistente e subscritora do pedido cível.
Os termos em que a Doutora (EE) assinou as procurações tornam-se irrelevantes bastando que das mesmas conste o seu nome, atenta a dupla qualidade em que foi admitida a intervir face à factualidade descrita na pronúncia e sua qualificação jurídica e à data dos factos que são objecto de julgamento.
Nenhum reparo nos merece por isso, nessa parte, o Acórdão recorrido.
Por outro lado, e como bem observa a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste tribunal o recurso terá de ser rejeitado porque interposto de despacho proferido antes da decisão final, e sendo-lhe fixado o devido efeito devolutivo com regime de subida com o que viesse a ser interposto da decisão final, deveria ter sido objecto de nova interposição de recurso, desta feita, do acórdão final absolutório, e com especificação do interesse na sua apreciação, e conforme exigido nos termos do art.º 413º nº 5 do CPP que exigia ao recorrente, quanto ao recurso interlocutório retido, que especificasse “obrigatoriamente” nas conclusões se mantinha interesse na apreciação do recurso.
Assim, o recurso será consequentemente rejeitado dele nem se tomando conhecimento face à descrita questão processual penal prejudicial.

8.2.2. Quanto ao recurso que versa sobre a matéria de facto e formada convicção do tribunal.
Verifica-se que em relação aos factos, “quando da atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação ou oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras de experiência comum”. Neste sentido verbi gratia o Acórdão do TR de Coimbra, de 6 de Março de 2002, in Col.ª Jur.ª, ano XXVII, Tomo II, pág. 44.
Assim, “ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório (…) verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. Assim, só em caso de existência de provas, para se decidir em determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas incluindo as regras da experiência comum ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na decisão de primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do art.º 431º do CPP”, cfr. Ac. desta 5ª Secção do TR de Lisboa, sendo relator o hoje Conselheiro Vasques Dinis, de 22 de Novembro de 2005, no processo nº 3717/05.5.
Por outro lado, e conforme há muito entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, o recurso em matéria de facto previsto no nosso sistema processual, não se destina à obtenção de um segundo julgamento sobre tal matéria, mas antes está concebido, tão só, como um remédio jurídico destinado a corrigir eventual ilegalidade cometida, e no caso concreto ora em apreciação, do exame de todas as provas disponíveis não se verifica, nem se vislumbra, que o tribunal haja violado as regras de experiência comum ou da lógica, em que se funda a livre apreciação da prova, nem que haja violado qualquer das normas do direito probatório, o que recorrente também não invoca, tendo limitado a sua impugnação da matéria assente, na sua pessoalíssima e diversa interpretação da prova, exclusivamente fundada na negação dos factos assentes por provados ou não provados na decisão recorrida e que fossem contrários às suas pretensões sem contudo efectuar a conjugação e exame crítico da restante prova, pelo que a interpretação da prova efectuada pelo recorrente, nos termos expostos, não tem sequer a virtualidade de abalar o julgamento da matéria de facto indiciária efectuado em primeira instância, como declarado pelo Tribunal Constitucional, no processo nº 198/04, publicado in DR II Série, de 2 de Junho de 2004, onde se afirma que, a impugnação da decisão em matéria de facto terá de assentar na violação dos factos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma seria a inversão dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela de quem espera a decisão”.
Também no mesmo sentido, e como corolário dos entendimentos jurisprudenciais referidos, se afirmou no Acórdão de 15 de Maio de 2005, do TR de Évora, no qual é relator o Senhor Desembargador Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt, que:
“A impugnação da matéria de facto não se basta com a pretensão de se dar como provada a versão pretendida pelo recorrente, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre.
A impugnação da matéria de facto, além de se dever estruturar nos termos definidos pelo art.º 412º nºs 3 e 4 do CPP, terá de ser equacionada com a livre convicção do tribunal a quo, face ao princípio da livre apreciação da prova.
De outra forma, ficaria prejudicada a livre apreciação da prova pelo julgador que proferiu a sentença recorrida e prejudicada ficava a função da motivação da sua convicção e, por conseguinte a natureza do recurso como remédio jurídico e a independência do tribunal a quo na sua livre convicção”.
Teremos assim de acordo com a jurisprudência no mesmo citada, descrita supra, de decidir pela improcedência do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, uma vez que, perscrutada a fundamentada decisão recorrida, se não pode de forma alguma concluir pela existência de erro na apreciação da prova, nem de violação das regras da experiência comum nem sequer da violação dos princípios do direito probatório, pois do recurso interposto pela recorrente Doutora (EE) não se vislumbra mais do que uma mera e pessoal interpretação dos factos sem conjugação com a restante prova registada, ou seja, da prova registada a recorrente apenas retira aspectos parciais e não conjugados com a restante prova, e sem o consequente exame conjunto, do qual se não permite concluir que o tribunal, por contraposição, procedeu a uma errada valoração da prova.
Dos vícios de contradição insanável de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, cujo quadro legal disciplinador se encontra no disposto no art.º 410º nº 2 alíneas b) e c) do CPP, se exige que resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras de experiência comum.
Ora, tais vícios, como jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, apenas são atendíveis se resultarem, ostensivos, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum, e sejam perceptíveis por uma pessoa média, o que significa, além do mais, inadmissibilidade de apelo a elementos exteriores à mesma decisão.
O erro notório na apreciação da prova, vício previsto no art.º 410º nº 2 do CPP, é o erro que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, sem necessidade de recurso a elementos que não constem da própria decisão, por tão patente.
“Verifica-se erro notório quando se retira de um facto dado como provado, uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.
Mas, quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro.” In Código de Processo Penal, Anotado, Leal-Henriques e Simas Santos, II volume, página 740, Ed. Rei dos Livros 2004.
(…)
Por outro lado, por contradição entende-se o facto de afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas preposições contraditórias que não podem simultaneamente ser verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade.
Para os fins do preceito (alínea b) do nº 2 do art.º 410º do CPP) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.
Só existe pois contradição insanável da fundamentação, quando de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida, de forma suficiente, dada a colisão dos fundamentos invocados.
As contradições insanáveis que a lei considera para efeitos de renovação da prova são somente as contradições internas, rectius intrínsecas da própria decisão considerada como peça autónoma.”
(Cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, in Código de Processo Penal Anotado, II volume, página 739, 2ª Edição, 2004).
Observemos os argumentos aduzidos pela recorrente recorre apenas na parte pessoal da assistente em que a pronúncia foi julgada improcedente quanto ao crime de difamação.
A primeira questão prende-se com a afirmação de que apenas foi visada com as declarações em causa “enquanto política e presidente da câmara”, o que a recorrente não aceita quanto aos fundamentos da decisão recorrida.
Esta, por sua vez, descreve as circunstâncias em que tais declarações foram produzidas, sem que pretendessem visar pessoalmente a assistente mas tão só o seu desempenho político como presidente da câmara, sem que se possa vislumbrar, ao contrário do pretendido pela recorrente, que tais declarações a visavam como pessoa de menor seriedade, estabelecendo-se os parâmetros do contexto de tais declarações travadas entre candidatos opostos, que tinham sido em anterior acto eleitoral, sobre questão (a corrupção) que era objecto de discussão também naquela autarquia, como aliás em inúmeras outras, e como resulta das declarações da testemunha Dr. (FS), que confirma que a discussão em torno do tema da corrupção foi um dos temas da campanha eleitoral, que teve lugar posteriormente às declarações do arguido, tendo ainda segundo a referida testemunha (Dr. (FS)), num considerando puramente subjectivo e indemonstrável, sido tal tema que “desencadeou a alteração do voto do povo activo”. Deste testemunho resulta que a discussão em torno da questão da corrupção, assim como as declarações do arguido, que desde há muito tem intervenção política pública, não questionavam o comportamento da assistente como cidadã, nem lhe imputavam a prática ou suspeita de actos de corrupção, nem sob a forma de suspeita, visando tão só centrar a discussão pública sobre o funcionamento dos serviços camarários e a falta de protecção de valores como o património ambiental, cultural e outros.
Da fundamentação da decisão recorrida resulta que as declarações do arguido visavam a assistente Doutora (EE) tão só enquanto política e Presidente da Câmara por aquele a considerar ineficaz no desempenho das suas funções nomeadamente em debelar a situação de corrupção que o arguido entendia existir.
Recordemos o seguinte trecho da decisão recorrida:
Entendeu o tribunal que se não fez prova de que os arguidos tenham tido intenção de imputar à assistente a prática, fomento, permissão de actos de corrupção, nem sequer sugerir tal suspeita.
A decisão do tribunal a tal respeito teve em consideração, desde logo, o teor objectivo dessas declarações do qual não pode extrair-se que algum dos arguidos tenha querido formular um juízo a respeito da assistente para além daquele consistente em que não debelava uma situação de corrupção que o arguido (NP) entendia existir.
Por outro lado, nenhum outro elemento de prova que não o texto escrito dá alguma indicação que permita a interpretação de tal texto com o sentido mais amplo que o da sua letra.
Defende a assistente que o arguido (NP) nunca excluiu tal hipótese, nem nunca explicou ao público que não pretendia declarar tal.
Porém, só poderia extrair-se essa conclusão da ausência de explicação, se o teor das declarações fosse idóneo a produzir essa impressão junto dos leitores/telespectadores. Ora, como já referido, não se afigura que assim seja. A expressão utilizada relativamente ao sujeito a respeito de quem o juízo era formulado foi sempre “a Câmara de Sintra”, expressão que se refere a uma imputação aos serviços da Câmara Municipal de Sintra, não à pessoa singular que é Presidente num determinado momento. Certo é que a intenção de censura de actuação da política que era presidente da Câmara Municipal de Sintra, ora assistente, é manifesta. É-o, aliás, na entrevista pela censura de outros aspectos não relacionados com a existência de corrupção nos serviços, como as referências à Natureza, à Cultura ou à vida da sociedade civil.
Por tudo isso, entendeu-se como provada apenas a vontade de declarar/difundir a opinião sobre a existência de corrupção nos serviços e sobre a ineficiência da administração da assistente, do ponto de vista político e tão só desse ponto de vista.”
Acresce que, /ao contrário do pretendido pela recorrente, de que a referência ao debate político apenas poderia ser aceite caso o arguido fosse candidato às eleições que se seguiram, e que este não se apresentou a tal sufrágio como candidato,) nem era necessário ao arguido ser candidato em qualquer acto eleitoral para que as declarações tivessem surgido “no calor do debate político”, uma vez que o arguido é enquanto figura pública referenciado e conhecido pela sua participação política, tendo sido anteriormente candidato à presidência da Câmara Municipal de Sintra, não sendo exigível que a participação em debates políticos seja dependente da condição de ser candidato, bastando ser cidadão participativo para que se possa intervir em tais debates, direito que a República até concede aos monárquicos.
O resultado eleitoral, mesmo tomando em conta as já referidas declarações do Dr. (FS), não foi determinado pelas declarações do arguido, mas sim pela discussão de vários temas, dos quais o da corrupção terá sido o mais debatido, e mesmo que, como subjectivamente afirmado pela testemunha, tivesse sido este tema o “que desencadeou a alteração do voto do povo activo” e a consequente perda das eleições pela assistente, torna-se impossível estabelecer uma relação directa ou de causalidade adequada, entre as declarações do arguido, no âmbito do direito de expressão e de opinião exercido no calor do debate político, e o resultado eleitoral da candidatura da assistente, que obviamente reflecte a reflexão popular havida sobre o exercício do mandado sob vários aspectos e as alternativas ao eleitorado propostas.
Do exposto resulta que a matéria assente em AT) da matéria de facto assente por provada não mereça reparo quando afirma:

“AT) O arguido (NP) quis imputar à assistente responsabilidade política – e tão só esta – pela situação de corrupção que entendia existir na Câmara Municipal de Sintra, na medida em que a assistente era a presidente da Câmara Municipal de Sintra e entidade com a responsabilidade máxima na autarquia e na gestão dos respectivos serviços, e quis declarar que considerava ineficaz a gestão da assistente.”
A esta matéria não se opõem os testemunhos de (P), (LSB), (AE), (AL), (JS) ou outros, uma vez que do trecho já referido supra quanto ao conteúdo das declarações o arguido nunca se referiu à pessoa da assistente mas apenas quanto à Câmara Municipal de Sintra e aos respectivos serviços.
É evidente que os deveres do arguido enquanto cidadão da República lhe impunham o dever de cidadania de contribuir com a denúncia dos crimes ou factos irregulares de que tivesse conhecimento, tendo preferido, numa atitude algo dúbia, nomeadamente por entender não lhe ser exigível que fosse “delator”, (manifestando assim uma censura sobre os “denunciantes” por colaborarem com a justiça,) arrastar a discussão da questão para a praça pública com evidentes objectivos políticos e até ao processo criminal, como aliás pediu na televisão, com a expressão “venha o processo criminal”, para só neste precisar o sentido das suas declarações e trazer ao conhecimento do tribunal casos de irregularidades de que óbvia e naturalmente tinha conhecimento, num comportamento que podendo ser eticamente censurável não cabia na censura da lei penal.
E a este propósito chegamos à alegação da assistente de que o arguido não estava convencido de que a corrupção grassava, o que é contrariado pelo exame crítico da prova vertido na fundamentação da matéria de facto na decisão recorrida, como resulta do seguinte excerto:
30) Quanto ao referido em CE), nas declarações de todos os arguidos, no facto de o arguido (NP) que prestava as declarações ser munícipe de Sintra, ter sido candidato autárquico, o que credibiliza a sua qualidade como fonte daquelas declarações, tendo ainda em consideração o enorme acervo de documentos que foram juntos pelo arguido (NP) como fundando o entendimento que expressou nessa entrevista, dos quais disse que alguns (embora numa pequena parte) já tinha na altura da entrevista, a indicação de que há processos pendentes relativamente a eventual corrupção na Câmara Municipal de Sintra, a acta de fls. 716 a 718, as declarações de (FS) e (LP) quanto à existência anterior de rumores a respeito de eventual corrupção na Câmara Municipal de Sintra, o que tudo determinou que se não considerasse provada a ausência de fundamento para reputar como verdadeiras as afirmações.”
Não se vislumbra pois que dos meios de prova resultasse que o arguido (NP) ao prestar as declarações, sempre relativas à Câmara Municipal de Sintra, tivesse actuado com a convicção da “ausência de fundamento para reputar aquelas declarações como verdadeiras”, ou seja, não existe prova de que o arguido tivesse actuado dolosamente bem sabendo que não tinha fundamento para reputar como verdadeiras as declarações que prestou e que tais declarações correspondiam a uma falsidade.
O recurso quanto à matéria de facto, improcede, nos termos expostos por não ser possível fazer um exame crítico da prova diverso do fundamentadamente efectuado na decisão recorrida não merecendo por isso a mesma censura ou reparo.
Concluindo:
Tal como observado pela Excelentíssima Senhora Procuradora Geral Adjunta neste tribunal e citando o acórdão de 25 de Outubro de 2007, no processo nº 8108/07.9 disponível em www.dgsi.pt/jrl:
“1. A liberdade de expressão, nela incluindo o direito de crítica, é também uma forma de exercício de tão necessária participação activa na vida em sociedade democrática, podendo contudo criar situações de conflito com bem jurídicos como o da honra pessoal.
2. Nas sociedades democráticas, a crítica a personalidades conhecidas, v.g. que exercem funções no dirigismo desportivo, seja a nível nacional ou local, quando agem nessa qualidade, tem limites mais amplos (do que a de um particular), na medida em que os seus actos estão sujeitos a um controlo atento das pessoas que compõem a respectiva comunidade, na qual exercem as suas funções.”
“(…) Citando o mesmo autor (Costa Andrade), pode ler-se no recente Acórdão do STJ de 18 de Janeiro de 2006 “Mais entende aquele insigne Mestre de Coimbra que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do MºPº, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento. Por outro lado, entende-se que a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso, nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva.”
Revertendo ao caso dos autos, como refere o MºPº na sua resposta à motivação de recurso, “sendo as afirmações de (NP) de molde a afectar a credibilidade da Câmara Municipal de Sintra e a consideração da assistente enquanto política, as mesmas devem ser qualificadas como encontrando-se no âmbito do exercício do direito de liberdade de expressão e que o modo desse exercício e as consequências dele não autorizam ingerência sancionatória penal.”
Nestes termos tendo as declarações do arguido no âmbito da discussão política e no exercício do direito de liberdade de expressão, e tendo fundamento sério para, em boa-fé, as reputar verdadeiras, não são ilícitas por resultarem do exercício do direito à liberdade de expressão, podendo a crítica ser legitimamente exercida no contexto da luta política (cfr. Acórdão do TR de Coimbra de 31 de Janeiro de 1996, in CJ, XXI, 1º volume, página 242 e seguintes), apenas sendo ilícitos os juízos de valor quando enxovalham e rebaixam a pessoa visada à condição de quem não é sequer reconhecido como interlocutor, sendo-lhe atribuídas características que o singularizam como pessoa especialmente merecedora de repugnância.
Por exemplo, são ilícitos os juízos de valor expressos nas seguintes palavras ou expressões:
“A designação de um político como “traidor” (acórdão do STJ de 28 de Maio de 1985, in BMJ nº 347, página 198);
“A frase o exemplo do primeiro-ministro encoraja o banditismo no ministério da agricultura e pescas” ou a frase “trata-se de mais um caso de banditismo governamental” (acórdão do STJ de 6 de Novembro de 1985, in BMJ, nº 351, pág. 183);
“A designação de um arquitecto como “pulha”, sem qualquer conexão com o mérito da sua obra arquitectónica” (acórdão do STJ de 2 de Outubro de 1996, in CJ STJ IV ano, tomo 3º, pág. 147);
“A caricatura de um individuo (…) com uma farda que copia as usadas pelas forças do regime nazi alemão, encontrando-se em segundo plano a cabeça de um individuo amordaçado com a legenda “o carrasco de Auchentre”, em alusão ao carrasco de Auschwitz” (acórdão do STJ de 10 de Janeiro de 1990, in AJ nº 5).
Os acórdãos supra citados são extraídos do “Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem” de Paulo Pinto de Albuquerque, edição da Universidade Católica, de Dezembro de 2008, página 497.
Das declarações do arguido nos presentes autos não resulta qualquer adjectivação ou juízo de valor com um sentido idêntico ao das supra referidas expressões que enxovalhem ou rebaixem a pessoa da assistente.
A referência nas conclusões da recorrente ao acórdão do TEDH no caso Lindon (…) versus França, visa exactamente a referida delimitação entre a natureza de um mero debate político no exercício do direito de liberdade de expressão e o resvalar para a linguagem imoderada menos própria, ainda que o visado (no caso o Sr. Le Pen) seja conhecido pela sua virulência no discurso, pelas suas visões extremistas, à conta das quais já foi acusado de incitamento ao ódio racial, e pelos insultos a figuras públicas, o mesmo deve beneficiar da protecção concedida pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não sendo lícito tratá-lo da mesma forma com que o mesmo trata os seus adversários políticos.
Tal caso não é aplicável às declarações do arguido (NP) que em momento algum ultrapassou os limites do direito de expressão para invadir os domínios dos juízos de valor que visassem enxovalhar ou rebaixar pessoalmente a assistente.
Nestes termos será o recurso julgado improcedente e confirmada in totum a decisão recorrida.

Decisão:
Em conformidade com quanto fica exposto decide-se não conhecer do recurso interlocutório interposto pelo arguido Engenheiro (NP), e julgar improcedente o recurso interposto pela assistente Doutora (EE).
Custas pela recorrente nos mínimos.

Lisboa, 20/01/09

Ricardo Manuel Chrystello e Oliveira de Figueiredo Cardoso
Filipa Maria de Frias Macedo Branco