Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9677/06-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: SEGURO
PARTICIPAÇÃO DO SINISTRO
OMISSÃO
RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: O incumprimento da cláusula inserta em contrato de seguro que estipula ser de oito dias o prazo para o tomador de seguro participar por escrito o acidente, apenas faz incorrer este em responsabilidade perante a seguradora pelos eventuais perdas e danos que esta tenha sofrido, derivados de tal omissão, não implicando a desresponsabilização da seguradora pelo evento ocorrido.
(S.P.)
Decisão Texto Integral: 36



Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO

P, G H, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra M, G, e Companhia de Seguros.
Pediu a condenação solidária das rés a pagarem-lhe a quantia de €162.623,56, e juros, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do desmoronamento de parte do prédio onde tem instalado o Hotel, em consequência de escavações levadas a cabo pela segunda ré em terreno contíguo ao mesmo, a fim de ali construir um prédio da primeira ré, tendo a terceira ré segurado tais obras.
Alegou ainda que, em consequência do aludido desmoronamento, o hotel esteve vários meses impossibilitado de utilizar o jardim e a piscina, estando mesmo alguns períodos sem água, o que causou prejuízos à autora, quer ao nível da ocupação do hotel, quer na imagem do mesmo.
Regularmente citadas, as rés vieram contestar.
As rés M., e G, alegando que não podiam ser responsabilizadas por existir contrato de seguro e terem procedido à reparação dos danos directamente resultantes do desmoronamento, sendo exagerados os restantes prejuízos invocados.
A Companhia de Seguros, invocou que os danos em causa não estão abrangidos pelo contrato de seguro, em virtude de o sinistro não lhe ter sido comunicado, tendo vindo impugnar os prejuízos invocados, por desconhecimento dos mesmos.
A autora respondeu pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelos réus.
Realizou-se audiência preliminar, na qual se tentou infrutífera conciliação.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelas rés, o qual transitou em julgado, tendo ainda sido elaborada base instrutória, que não sofreu reclamação.
Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova produzida em audiência, tendo-se fixado a matéria de facto provada como dos autos consta.
Foi proferida sentença, onde se decidiu da seguinte forma:
Julgo a acção parcialmente procedente por provada nos termos sobreditos e, consequentemente, condeno solidariamente as rés, sendo a ré seguradora até ao limite do seguro, a pagarem à autora a quantia global de €67.992,50 (sessenta e sete mil novecentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida do valor dos oito aparelhos de ar condicionado danificados, a apurar em liquidação posterior, todo acrescido de juros legais desde a data da citação sobre €42.992,50 (quarenta e dois mil no-vecentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos) e o valor dos aparelhos de ar condicionado e sobre a totalidade desde a presente data e até integral pagamento.
No mais absolvem-se as rés do pedido.
Inconformadas com tal decisão vieram a Ré Seguradora e a A. recorrer da mesma, esta última através de recurso subordinado.
A Ré Lusitânia, apresentou as seguintes conclusões:
1.ª - A ORA RECORRENTE NÃO FOI CONSIDERADA PARTE ILEGÍTIMA NA PRESENTE ACÇÃO, NEM PODIA TER SIDO, JÁ QUE, COMO SEMPRE SE ENTENDEU, SEM SE ALEGAR A ILEGITIMIDADE, TINHA INTERESSE EM CONTRADIZER;
2.ª - À ORA RECORRENTE NUNCA FOI PARTICIPADO O ACIDENTE E SÓ DELE TEVE CONHECIMENTO AO SER CITADA PARA OS TERMOS DA PRESENTE ACÇÃO;
3.ª - SE BEM QUE SEJA CONTRATUALMENTE OBRIGATÓRIO QUE A PARTICIPAÇÃO DO ACIDENTE SEJA EFECTUADA NO PRAZO DE OITO DIAS, SE ESTE PRAZO FOI EXCEDIDO A SEGURADORA SÓ NÃO SERÁ RESPONSÁVEL PELO AGRAVAMENTO DOS DANOS RESULTANTES DO SINISTRO, COMO É JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA;
4.ª - O DESMORONAMENTO DO MURO E DA CALÇADA IDENTIFICADOS NA PRESENTE ACÇÃO, PODIAM TER SIDO REPARADOS NO PRAZO MÁXIMO DE 30 DIAS, COMO RESULTA DA PETIÇÃO INICIAL, SEM OPOSIÇÃO DAS 1.ª e 2.ª RR.;
5.ª. - "A RÉ PROCEDEU AOS SEGUINTES TRABALHOS: REMOÇÃO DE TODO O ENTULHO, CONSOLIDAÇÃO PROVISÓRIA DO TALUDE, REPARAÇÃO PROVISÓRIA DA PASSAGEM TÉCNICA DO HOTEL AFECTADA QUE PERMITISSE UTILIZÁ-LA COM O MÍNIMO DE SEGURANÇA";
6.ª - A OBRA SÓ FICOU COMPLETA NO MÊS DE OUTUBRO DO MESMO ANO PORQUE SEGUIU E ACOMPANHOU TODA A CONSTRUÇÃO DO EDIFÍCIO;
7.ª - RESULTA DO CONTRATO DE SEGURO, COMO SE ENCONTRA ESTIPULADO NO ARTIGO 2.° DAS CONDIÇÕES PARTICULARES DA APÓLICE, ESTAREM EXCLUÍDOS DA SUA COBERTURA "OS DANOS CONSECUTIVOS DA DESTRUIÇÃO DE CANALIZAÇÕES DE CABOS SUBTERRÂNEOS OU AÉREOS, LIMITANDO-SE A RESPONSABILIDADE DA COMPANHIA À INDEMNIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS ÀS REFERIDAS CANALIZAÇÕES OU CABOS";
8.ª - OS DANOS SOFRIDOS PELA A. POR VIRTUDE DA FALTA DE ÁGUA QUENTE E FRIA NÃO SÃO RESSARCÍVEIS PELA SEGURADORA ORA RECORRENTE;
9.ª – A A. NÃO DEMONSTRA OUTROS DANOS, QUER PATRIMONIAIS, QUER NÃO PATRIMONIAIS, QUE TIVESSEM RESULTADO SE AS OBRAS SE TIVESSEM CONCLUÍDO NO PRAZO DE 30 DIAS;
10.ª - A ORA RECORRENTE NÃO É RESPONSÁVEL POR DANOS RESULTANTES DE OBRAS QUE FORAM EFECTUADAS PARA ALÉM DO PERÍODO NORMAL EM QUE DEVERIAM TER SIDO COMPLETADAS;
11.ª - PARA ALÉM DISSO, SE AS OBRAS PARA REPARAÇÃO DAS COISAS REMOVIDAS ACOMPANHARAM A CONSTRUÇÃO DO EDIFICIO, TAL DEMORA RESULTOU DA NATUREZA DAS COISAS E DAS RELAÇÕES DE VIZINHANÇA E NÃO DO ACIDENTE;
12.ª - A ORA RECORRENTE NÃO SE ENCONTRA CONSTITUÍDA EM QUALQUER OBRIGAÇÃO PARA COM A AUTORA;
13.ª - AINDA QUE RESPONSABILIDADE HOUVESSE DA ORA RECORRENTE, O SEU VALOR DEVERIA SER DEDUZIDO DA FRANQUIA QUE CONTRATUALMENTE DEVE SER SUPORTADA PELO SEGURADO, DE 10% POR SINISTRO COM UM MÍNIMO NUNCA INFERIOR A ESC. 100.000$00;
14.ª - O METM.° JUIZ "A QUO" VIOLOU O DISPOSTO NO ARTIGO 494°. DO CÓDIGO CIVIL E NOS ARTIGOS 427.° E 440.° DO CÓDIGO COMERCIAL.

A A. não apresentou contra-alegações, tendo-se limitado a juntar as suas alegações relativas ao recurso subordinado, no âmbito das quais, exibiu as seguintes conclusões:
A) O Tribunal considerou apenas parcialmente provados os pontos 80 e 82 da Base Instrutória (BI), quando é certo que a prova testemunhal produzida impunha que aos mesmos fosse dada resposta de "provados".

B ) Quanto ao art. 80 da BI , disseram as testemunhas o seguinte:
A testemunha V A, cassete 7, lado A, a rotações 04.44:
P.: ... Entre 99 e 2002, a única quebra de ocupação que tivemos foi em 2001. Aliás, o diferencial entre 99 e 2002 é de 46% na ocupação. Crescimento, 46%. E isto, não há nenhuma justificação de gestão hoteleira para isto a não ser uma remodelação total da unidade. Nenhum hotel cresce 46% em quatro anos a não ser porque modificou completamente a sua postura no mercado. E o único ano em que realmente houve uma quebra na ocupação foi 2001.
E um pouco mais à frente, cassete 7, lado A, a rotações 07.27:
P.: .... 2001, tinham previsto algum aumento? Diz-se aqui que tinham previsto um aumento na estadia, de 6%?
R.: Olhe, eu diria mais. Acho, acho que a nossa expectativa estava acima disso. Provavelmente em dois anos nós esperávamos crescer cerca de 25, 27%. Superou bastante as nossas expectativas depois com o crescimento de 2002. Mas tínhamos expectativas de um crescimento de cerca de 10%/ano.
P.: .... E em vez disso, diminuiu, houve um decréscimo.
R.: Sim, sim.

A testemunha P S (cassete n° 4 — lado B, a rotações 02.20)

P.: e eu pergunto-lhe se esse aumento que tinham previsto seria na ordem dos 6%, 6% nas estadias em número de clientes, 6% é um número muito exagerado ?
R.: Não, não é .... Eu penso que não é um número exagerado porque o hotel antes estava velhote. Entretanto foi todo remodelado, os agentes vêm e se gostam, voltam...

A testemunha M H M (Cassete n° 6 — lado A, a notações 17.07)
P.: Estava previsto um aumento de estadias de 6%?
R,: Sim, 2001 foi um ano em que o hotel ia abrir completamente renovado. As expectativas eram grandes em termos de ocupação. Eram bastante grandes. O normal seria que em 2001 nós tivéssemos mais ocupação, mais vendas, mais receitas.
P.: E tivessem a ocupação de 2000 mais 6% ou 10 % ou 5%? Quanto? Mais ou menos?
R.: Mais. Nós tínhamos de ter algo significativo para provar exactamente que as obras que fizemos chamavam mais clientes. Foram obras efectivas, muito grande, o hotel deixou de ter um estilo antigo. Passou a ter um estilo completamente moderno, muito agradável. E portanto deixou de ser velho, passou a ser um hotel novo, remodelado. E isso estava em todos os nossos prospectos.
P.: Esperava-se com isso obter um aumento de ocupação de 6%?
R.: Exactamente, exactamente.

C) Quanto ao ponto 82, disseram textualmente as testemunhas, o seguinte:
A testemunha A C, cassete 3, lado B, a rotações 00.30:
P.: Não tem dúvidas em afirmar que a perda de "room nights" ficou a dever-se às deficientes condições de funcionamento do hotel.
R.: não tenho…

A testemunha H M (Cassete n.° 6 — lado A, a 18.31)
P.: Esta diminuição terá ficado a dever-se às deficientes condições de funcionamento do hotel, pergunto eu?
R.: Pode ser. Porque no ramo hoteleiro a palavra passa muito de boca em boca, é normal que houvesse clientes que se queixassem e isso vai parar às agências. E isso pode ter influenciado...
P.: E houve os tais operadores turísticos que deixaram de trabalhar?
R.: Exactamente e os operadores são uma parte muito grande do nosso volume de vendas.
P.: O facto do hotel ter o jardim danificado, o muro desmoronado, etc. ... teve como consequência ... poder-se-á atribuir de facto a diminuição de número de noites a essa circunstância? não houve outra coisa que tivesse ...?
R.: Não, não, nesse ano só iríamos ter coisas boas.

E disse ainda a mesma testemunha, em instância (cassete 6, lado A, a rotações 40.17)
P.: Acha que o agravamento dos quartos pode ter influído na procura no sentido da procura diminuir?
R.: O aumento dos preços? não, até porque começámos a procurar outro tipo de agências....

A testemunha V A (cassete 7, lado A, a rotações 08.28)
P.: ... então diga-me uma coisa. A diferença entre o número de "rooms nights" de 2001 e 2000 ficou realmente a dever-se à situação complicada do hotel. São 2701 noites a menos e...
R.: (voz do Sr. Dr. Juiz) — Já respondeu, já respondeu isso várias vezes. Segundo ele diz, não vê outra razão.
R.: (voz da testemunha) sim, não vejo outra razão....

D) Face à prova testemunhal supra transcrita, o Tribunal "a quo" deveria ter considerado provado o pontos 80° da BI, ou seja, que a Apelante tinha previsto para o ano seguinte, 2001, um aumento de cerca de 6% nas estadas relativamente ao ano anterior, ou seja, para o mesmo período de 2001, a Apelante tinha previsto 24.635 noites em quarto duplo (23.241 + 6%); e
E) deveria também o Tribunal "a quo" ter considerado provado o ponto 82.º da BI ou seja, que a diminuição de 2701 alojamentos em quarto duplo (24.635 — 21934= 2701) no ano 200 E se ficou a dever unicamente às deficientes condições de funcionamento do hotel.

F) Com efeito, nenhuma das testemunhas inquiridas indicou quaisquer outros motivos que pudessem ter justificado o decréscimo de ocupação no ano 2001, para alem das deficientes condições de funcionamento do hotel provocadas pelo acidente objecto dos autos pelo que errou o Tribunal "a quo" quando concluiu na sentença que "a própria autora, na mesma altura, levava a efeito obras de remodelação do hotel o que seguramente também afectava o índice de ocupação do mesmo."
G) As obras de remodelação que a Apelante levara a efeito no hotel terminaram no início de Maio de 2001 (resposta ao ponto 34° da BI), ou seja, antes do início do Verão e portanto, antes do período de maior afluxo de turistas ao hotel pelo que em nada afectaram o índice de ocupação do hotel.
H) Ficando provado que houve uma diminuição de ocupação de 2301 estadias e que essa diminuição ficou a dever-se às deficientes condições de funcionamento do hotel, o Tribunal deveria ter julgado integralmente procedente o pedido formulado pela Apelante, quanto a perda de receitas no ano 2001, no valor de 89.133,00 Euros (2.701 noites de alojamento x 33,00 Euros, sendo este o valor da receita média líquida auferida pelo hotel por cada cliente alojado – resposta ao ponto 90° BI).
I)Resulta de todo o supra exposto que foram incorrectamente julgados os pontos 80° e 82° da BI, para os quais os depoimentos atrás transcritos das testemunhas V A, P S, M M e A C a impunham uma decisão de "provado".
J) O Tribunal considerou "não provado" o ponto 35 e apenas parcialmente provado o ponto 36 da BI quando a prova testemunhal produzida impunha que tivesse sido dada a resposta de "provado" a toda esta matéria.
K) De facto, o Tribunal "a quo" considerou provado que a Apelante pagou ao empreiteiro a quantia referida no doc. de fls. 38 pelos trabalhos mencionados a fls. 321 e 322 dos autos (resposta ao ponto 36 da BI) mas errou ao considerar que não ficou provado que esses trabalhos foram causados pelo atraso na conclusão da obra ( cfr. sentença fls. 570).
L) Disseram textualmente as testemunhas quanto aos pontos 35 e 36 da BI:
A M cujo depoimento consta da cassete 1, Lado A, de rotações 000 até rotações 46.01, disse: (cfr. cassete n.º 1, lado A, a rotações 23.45)
P: Sabe se a P teve custos …
R: Com o empreiteiro, teve sim senhor, o empreiteiro exigiu ser compensado pelo trabalho a mais que teve para fazer a obra naqueles moldes.
P: portanto, toda a obra, pelo menos ...
R: foi, teve um acréscimo de mão-de-obra não me recordo de quanto, está escrito nos papeis e nas facturas mas o empreiteiro exigiu que se as condições que tinha contratado a empreitada não eram iguais, teve de empregar muito mais mão-de-obra para cargas e descargas, etc., inclusive paragem de obra, portanto ... a P teve de pagar valores a mais por causa disso:
P: portanto, a P pagou realmente valores a mais ...
R.: pagou realmente, eu próprio visei as facturas. Visei os autos de .... E fui eu que acompanhei essa parte. Não me pergunte quais foram os valores, lembro-me perfeitamente que exigiu, não em termos de construção propriamente dita nem em materiais, porque se gastou a mesma coisa mas por exemplo na manutenção daquela rampa também se gastou, arranjar aquela rampa e depois muito especialmente ....

M H M disse a este propósito o seguinte (cassete 4 lado B, a rotações, 43.36)
P.: Conhece uma factura de trabalhos imprevistos na piscina que foi paga pela P?
R.: Sim, conheço.
P.: Essa factura que está junta ao processo, refere-se a atrasos na conclusão da obra ou não? Sabe a que factura me estou a referir?
R.: Sim, lembro-me que na altura eles tiveram de pagar mais ao empreiteiro ... o pessoal dele teve de ficar mais tempo e lembro-me realmente.
P.: E quanto é que tiveram de pagar a mais ?
R.: não sei precisar.
P.: mas sabe que houve uma factura adicional que foi paga?
R.: eu sei que houve uma factura adicional (voz imperceptível).

E finalmente, a testemunha V A disse textualmente o seguinte (cassete 6, lado B, a 27.00)
P.: Pergunta-se aqui se pelo menos 3.300,00 teriam ficado a dever-se a estes trabalhos imprevistos na zona da piscina e balneários
R.: Sim ..
P.: Desses oito mil Euros, qual é a parte que se poderá imputar ... Pergunta-se aqui se dessa factura global, 3.300,00 Euros se pode imputar realmente aos atrasos verificados como consequência do desmoronamento.
R.: Sim, claramente, sim. Se considerarmos que a obra se atrasou um mês, sim.

M) A prova testemunhal supra transcrita, a prova produzida pelos documentos juntos, da qual resulta que foi paga uma factura adicional ao empreiteiro no valor de 8.036,00 Furos a título de trabalhos imprevistos (36° BI), o facto de ter ficado provado que houve um atraso de cerca de um mês na conclusão das obras de remodelação da piscina (34° da B.I.) e o facto da Apelante ter estimado que apenas parte desses trabalhos imprevistos (no valor de 3.328,01 Euros) se ficou a dever aos atrasos na conclusão dessas obras de remodelação, seriam elementos suficientes para o Tribunal ter considerado provados os pontos 35° e 36° da BI.
N) Resulta de todo o supra exposto que foram incorrectamente julgados os pontos 35° e 36° da BI, para os quais os depoimentos atrás transcritos das testemunhas A M, V A e M H M impunham uma decisão de "provado".
O) E ao dar resposta de "provado" aos pontos 35° e 36° da BI., o Tribunal teria de considerar como provado e procedente o pedido de condenação em 3328,01 Euros a título de custos adicionais com o empreiteiro.
P) O Tribunal errou ao considerar que não ficou provado quanto é que a Apelante gastou com a substituição dos oito aparelhos de ar condicionado que comprovadamente teve de substituir devido ao facto de terem ficado soterrados (resposta aos pontos 37°, 38°, 39°, 40° e 41° da B.I).
Q) Pese embora os depoimentos da generalidade das testemunhas inquiridas a esta matéria possa ter sido vaga e inconclusiva em virtude de nenhuma delas ter conhecimento directo e específico dos montantes gastos, o depoimento da testemunha V A é suficientemente verosímil e claro quanto a esta matéria, tendo dito textualmente o seguinte cfr. cassete 6, lado B, a rotações 28.26)
P.: Sabe quanto custou ao hotel a substituição desses oito aparelhos de ar condicionado? Há uma factura junta ao processo...
R.: Não tenho de memória mas sei que nós fizemos a substituição de todos esses aparelhos.... Salvo erro eram oito … e foram todos substituídos por máquinas novas.
P.: A factura é de 17.000,00 Euros, é o que está no processo e essa factura refere-se aos aparelhos de ar condicionado?
R.: Só pode ser isso. Foi o único investimento que fizemos nesse ano em ares condicionados. As obras anteriores tinham sido terminadas. Essa factura, se é desse ano, só pode ser dessa situação.

R) Resulta assim que foi incorrectamente julgado o ponto 41° da BI, impondo o depoimento atrás transcrito da testemunha V A, que fosse julgado "provado".
S) Ao ser julgado provado o ponto 41° da BI, deveria o Tribunal considerar determinado o valor gasto pela Apelante com a substituição dos aparelhos de ar condicionado e ter condenado as Apeladas ao pagamento da quantia de 17.157,66 euros.
T) Ao julgar como julgou, o Tribunal "a quo" errou na apreciação das provas produzidas e julgou incorrectamente os pontos 80°, 82°, 35°, 36° e 41° da Base Instrutória, requerendo-se que seja alterada a decisão do Tribunal "a quo" e que os mesmos sejam julgados "provados" ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.° 1 - a) do CPC, sendo seguidamente condenadas as Apeladas ao pagamento dos pedidos correspondentes.
U) A Apelada G, enviou um fax à Apelante cujo teor consta de fls, 61 e 62 (alínea S da Matéria de Facto Assente) no qual dizia textualmente o seguinte: " 3 – Relativamente às verbas referidas nas alíneas b) e e) do v/ fax de 24.07.2001 (doc. 17 da p.i.), no valor de 449.862$00, apresentem-nos os respectivos documentos de suporte, para que possamos dar indicação à nossa Direcção Financeira para proceder ao seu pagamento ".
V) O fax que a Apelante enviou em resposta à Apelada também se encontra especificado, constando da alínea r) dos Factos Assentes, neles reclamando a ora Apelante, nas alíneas b) e c), os gastos com a recuperação do jardim e com o fornecimento de um tanque de água, no valor de 449.862$00 (427.752$00+22.110$00).
X) Resulta assim que esta matéria consta dos factos assentes enumerados na sentença (cfr. fls. 558 dos autos) pelo que errou o tribunal quando na mesma sentença (a fls. 571) considerou que a apelante não produziu qualquer prova quanto a eles.
Z) Na verdade, constavam do processo todos os elementos necessários à condenação das Apeladas, elementos esses que por si só implicavam decisão diversa e que certamente por lapso manifesto, não foram tomadas em consideração pelo Senhor Juiz que julgou o processo, requerendo-se a reforma da sentença nesta parte, ao abrigo do disposto no art.º 669.º- 1, b) do CPC.

A Ré Seguradora apresentou contra-alegações, tendo sustentando dever o recurso subordinado ser julgado improcedente.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelas apelantes, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artgs. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC.
Vejamos então as questões que são suscitadas pelas recorrentes:

A – RECURSO PRINCIPAL

1. Responsabilidade da seguradora pelo facto do sinistro lhe ter sido comunicado para além do prazo previsto no contrato de seguro e sua irresponsabilidade pelos danos sofridos pela A. que tenham ocorrido para além do prazo de 30 dias em que deveriam ter-se completado as obras de reparação

2. Irresponsabilidade da seguradora pela falta de águas quentes ou frias e pelos danos resultantes da inundação, por via do art.º 2.º das Condições Particulares da Apólice

3. Redução do valor da franquia à condenação da seguradora

B – RECURSO SUBORDINADO

1. Impugnação da matéria de facto – respostas aos pontos 80.º, 82.º, 35.º, 36.º e 41.º, da Base Instrutória

2. Erro de julgamento – Indemnização pela reparação do jardim e custos com o fornecimento de tanque de água

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

Na sentença recorrida foram os seguintes os factos dados por provados:
1. A autora é uma sociedade comercial cuja actividade social consiste na gestão e exploração de unidades hoteleiras.
2. No âmbito dessa actividade, a autora é proprietária e titular da exploração da unidade hoteleira .
3. A unidade hoteleira supra referida encontra-se edificada em dois prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Cascais, estando registada a aquisição a favor da autora, como resulta da certidão predial junta a fls. 16 a 25.
4. A ré M, é dona e legítima proprietária do prédio urbano composto de lote de terreno para construção, com a área de 3.299,5 metros quadrados, estando este inscrito a seu favor , conforme certidão junta a fls. 26 a 29.
5. Este prédio confronta do lado norte com o Hotel L, composto de oito pisos com subcave, cave, rés-do-chão, primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto pisos, com área coberta de 1.700 metros quadrados e logradouro de 1.599,5 metros quadrados.
6. O prédio onde se situa o Hotel e o prédio da propriedade da referida ré são contíguos.
7. O Hotel dispõe de 118 quartos, sendo 4/5 individuais, 7 suites e os restantes duplos.
8. Em Janeiro/Fevereiro do 2001, a ré M, iniciou a construção de um novo edifício no prédio de que é proprietária.
9. Por sua vez, a autora estava em Fevereiro de 2001 a proceder a obras de requalificação das áreas de lazer (piscina, balneários e jardim) do seu prédio, bem como do isolamento dos terraços de cobertura.
10. A ré G, com actividade no âmbito da construção civil e obras públicas, tinha a seu cargo, em regime de empreitada, a construção do edifício no prédio da ré M.
11. O prédio onde se situa o Hotel e o prédio da propriedade da ré M, encontram-se separados, pelo lado sul do prédio da autora e respectivamente pelo lado norte do prédio da mesma ré, por um muro construído em tijolo e cimento, com cerca de 2,5 metros de altura, sobre o qual existe uma cerca de arame, com um metro de altura.
12. Em Março de 2001, no decurso das escavações que a ré M, , através da ré G, efectuava no prédio contíguo ao Hotel, surgiram fendas no muro de divisória, bem como na calçada que liga o muro ao Hotel, edificado no prédio da autora.
13. A autora enviou à ré G, o telefax do dia 15 de Março de 2001, junto a fls. 30, alertando-a para a situação, no qual afirmava textualmente que:
«Vimos por este meio informá-los que verificámos a existência de fendas de preocupantes dimensões no muro do nosso edifício, contíguo à vossa obra, e na calçada que liga esse muro ao nosso prédio.
«Como é do vosso conhecimento, para além de qualquer outra consequência desagradável, nesse muro encontram-se sustentados quadros eléctricos e tubagens de gás».
14. No dia seguinte, 16 de Março de 2001, a ré G, enviou à autora o fax de fls. 32, no qual, reconheceu a gravidade da situação, e informava que «na sequência da inspecção ontem efectuada entre o Director Geral do Hotel e o nosso encarregado principal, informamos que procedemos de imediato à mobilização dos materiais e meios humanos necessários aos trabalhos de escoramento do muro em questão, por forma a iniciarmos os mesmos o mais urgentemente possível».
15. Na madrugada do dia 18 de Março de 2001, o muro cedeu no limite do lado sul do prédio da autora desmoronando-se numa extensão da ordem de quinze a vinte metros.
16. Esse desmoronamento foi causado pelo aluimento de terras derivado das escavações efectuadas pela ré G, M..
17. Além do muro desmoronado, também ruiu uma parte de calcada (cerca de um metro da sua largura), numa extensão da ordem dos doze a quinze metros.
18. E tendo danificado o tubo de carregamento do depósito de gás, inutilizado o ramal de alimentação de água e danificado as tubagens de alimentação eléctrica.
19. A autora enviou à ré G um fax cujo teor consta de fls. 35, responsabilizando a ré pelo sucedido.
20. A ré G, enviou à autora um fax cujo teor consta de fls. 37, assumindo a responsabilidade pelo sucedido.
21. Na sequência da tal fax, realizou-se no local do desmoronamento, no dia 30 de Março de 2001 uma reunião, com a presença do Director do Hotel e do Engenheiro, estando presentes, em representação da ré, os Engenheiros V N F e P R.
22. A autora enviou à ré G um fax cujo teor consta de fls. 43 e 44, o qual foi recebido pela mesma.
23. A autora enviou à ré G, um fax cujo teor consta de fls. 46 e 47, o qual foi recebido pela mesma.
24. A ré G, enviou à autora um fax cujo teor consta de fls. 48 a 50, o qual foi recebido pela mesma.
25. A autora enviou à ré G, os faxes cujo teor consta de fls. 51, 52, 55, 56, 57, 58, 59 e 60, os quais foram recebidos pela mesma.
26. A ré G, enviou à autora um fax cujo teor consta do fls. 61 e 62.
27. O muro em falta foi construído efectivamente, pela ré G, durante os meses do Outubro e Novembro de 2001 e em meados do Novembro seguinte foi instalado o último troço de calçada e pintado o muro, tendo em meados do Novembro de 2001 a autora e a ré G, dado por concluída a obra de reparação do muro.
28. O Hotel fica situado , numa zona tranquila, com pouco tráfego.
29. A ré G, transferira para a ré Companhia de Seguros, a responsabilidade civil pela execução da empreitada através da sua apólice com o nº 130002665, nos termos que constam dos documentos de fls. 77 a 82.
30. Devido ao desmoronamento, na madrugada do dia 18 de Março de 2001, o hotel ficou privado do fornecimento de águas quente e fria, durante todo o dia e até à manhã do dia seguinte, o que causou transtornos aos clientes da autora.
31. Quando foi restabelecido o fornecimento de água, ocorreram inundações em alguns quartos, em virtude de torneiras deixadas abertas inadvertidamente pelos clientes da autora.
32. Dessas inundações resultou que diversos clientes tivessem sido transferidos para outros quartos.
33. As inundações atingiram alguns tapetes e pertences de clientes, como malas de viagem e o seu conteúdo.
34. Devido às perturbações no funcionamento do hotel, a autora teve de suportar custos salariais acrescidos, em virtude de necessitar de ter de prevenção, parte do seu pessoal, a fim do prevenir e dar solução a qualquer incómodo ao funcionamento do hotel, e, em relação ao mês subsequente ao desmoronamento, as maiores necessidades de vigilância constante, em virtude da passagem aberta no local onde antes existia o muro e a necessidade de garantir a segurança dos clientes, e para poder dar resposta às necessidades de mudança do acesso dos fornecedores ao hotel e dos funcionários do hotel às zonas de serviços (designadamente armazenamento do viveres, lavandaria e serviços do manutenção do jardim), em virtude de o acesso habitual lhes estar vedado, em consequência do desmoronamento do muro.
35. Os funcionários de manutenção e as empregadas de limpeza e dos quartos passaram a ter mais trabalho, sobretudo nas semanas subsequentes ao desmoronamento.
36. Os salários pagos pela autora, nos meses de Março a Outubro dos anos de 2000 e 2001, são os constantes do documento de fls. 67.
37. O termo das obras de remodelação no hotel da autora estava previsto para finais de Abril de 2001.
38. Com a queda do muro, ficou inviabilizada a passagem da viatura de transporte dos materiais de grande volume e da retirada do entulho, tendo passado a processar-se manualmente, com o recurso a carrinhos de mão, o que provocou atraso de cerca de um mês na conclusão dessas obras.
39. A autora pagou ao empreiteiro que executou as referidas obras de remodelação a quantia referida no documento de fls. 38, pelos trabalhos mencionados a fls. 321 e 322 dos autos, desconhecendo-se se esses trabalhos foram causados pelo desmoronamento dos presentes autos ou pelo atraso na conclusão das obras.
40. Devido à queda do muro, ficaram estragadas as partes exteriores, visíveis no documento de fls. 39, de oito aparelhos de ar condicionado, já antigos e usados, que aí se encontravam depositados.
41. Os oito aparelhos de ar condicionado, tinham sido retirados dos terraços que estavam a ser sujeitos a impermeabilização e porque eram aparelhos de exterior, podiam sem perigo de dano, estar armazenados a céu aberto.
42. A autora retirou-os dos terraços e armazenou-os provisoriamente na rampa de acesso à zona de serviços do hotel, encostados ao muro que mais tarde se desmoronou.
43. Devido ao desmoronamento, os aparelhos de ar condicionado ficaram soterrados e inutilizados.
44. Com a sua substituição, a autora gastou quantia concretamente não apurada.
45. No dia 30 do Março do 2001, ocorreu novo desmoronamento sobre a calçada que liga o muro ao Hotel e parte do passeio público ruiu.
46. O período de 1 de Março a 30 de Outubro de cada ano civil, é para a autora o período de maior procura dos serviços hoteleiros, denominados por épocas média e alta.
47. Durante a época alta, o hotel chega ter uma ocupação da ordem dos 80%.
48. A unidade Hotel está vocacionada para o chamado “turismo sénior”, sendo maioritariamente ocupada por grupos de turistas da terceira idade, normalmente das nacionalidades inglesa, holandesa e dinamarquesa e espanhola, que viajam até Portugal através de operadores turísticos dos seus países de origem e se instalam no Hotel em estadas de cinco a sete dias de duração média, e inclui uma zona de jardim e piscina muito apreciados pelos turistas, principalmente crianças e seniores, que permanecem nas zonas de lazer do hotel durante o dia, gozando o sossego e tranquilidade proporcionados por esses espaços.
49. Durante os meses de Junho a Setembro, tinha lugar um “barbecue” ao jantar, 2/3 vezes por semana, na área do jardim e piscina.
50. Por virtude da situação descrita, e para além do referido supra, a autora, até Outubro de 2001, não pôde utilizar o jardim para a realização de eventos como o referido “barbecue”, para programas de animação, etc..
51. A autora teve de dar conhecimento aos operadores estrangeiros da impossibilidade de utilização do jardim e piscina, à medida em que as obras da responsabilidade da ré G, se foram atrasando no tempo.
52. Os grupos de turistas que não foram cancelados e chegaram a estar alojados no hotel, apresentaram reclamações.
53. Alguns grupos a quem foi dado conhecimento da situação cancelaram a sua estadia no hotel.
54. A autora está em estreito contacto com operadores turísticos estrangeiros e com quem anualmente contrata a prestação de serviços através dos chamados “contratos de allotment” que são celebrados para as épocas baixa, média e alta de cada ano civil.
55. Pelo facto de a ré G se ter, desde logo, prontificado a reparar as consequências do acidente, a autora chegou a pensar que o muro seria reparado num prazo de um a dois meses e também não pensou que fosse gasto todo o tempo que decorreu até a reconstrução do muro.
56. Por isso, não comunicou aos operadores turísticos de imediato e com antecedência, todo o período que durou a impossibilidade de usar o jardim.
57. A imagem da autora perante os operadores turísticos estrangeiros ficou muito prejudicada com o facto de terem sido informados com escassa antecedência, da impossibilidade do uso da piscina e jardim nessa época de 2001.
58. Pelo menos dois operadores turísticos, de nacionalidade dinamarquesa e holandesa, deixaram, desde então, de contratar os serviços hoteleiros da autora, tendo um deles cessado actividade pouco depois.
59. Os referidos operadores turísticos representavam em 2000 e 2001 uma percentagem importante (18%) do volume de negócio da autora com operadores turísticos estrangeiros, o que provocou uma quebra da projecção do estabelecimento em países como a Holanda, Bélgica e Dinamarca.
60. Todas as sete suites do Hotel L se situam na prumada da ala sul do Hotel e outros sete quartos duplos situam-se igualmente na prumada da ala sul do hotel.
61. Todas as janelas destas unidades de alojamento eram viradas para o muro desmoronado.
62. Até à reconstrução do muro desmoronado, a autora só em último caso ocupava esses quartos e suites, e muitas vezes com redução do seu preço.
63. Pelo que esses alojamentos estiveram sem ocupação durante alguns períodos de tempo.
64. Para além disso, ainda existem cerca de quarenta quartos, nas alas norte e sul, com janelas também viradas para sul e das quais se avistava, em maior ou menor grau, a zona do muro desmoronado, embora não se tenha apurado que tal tenha sido causa para não se ocuparem os quartos ou para terem sido comercializados a preço inferior.
65. De 1 de Março a 31 de Outubro do ano 2000, a autora contabilizou 23.241 alojamentos e tinha previsto o seu aumento para o ano seguinte.
66. Em igual período do ano seguinte o hotel registou 21.934 alojamentos.
67. Pelo menos uma parte deste decréscimo ficou a dever-se às condições de funcionamento do hotel antes descritas.
68. Para cativar e compensar os clientes a autora, durante a maior parte do tempo compreendido entre o desmoronamento do muro e a sua reconstrução, seguiu um procedimento que é comum na actividade hoteleira e passou a oferecer a todos os clientes, à chegada, uma bebida e aperitivo, o que antes só fazia em relação a alguns grupos particulares, o que acarretou um custo da ordem dos € 0,60/0,70 por cliente.
69. A autora, por cada cliente alojado no hotel, auferiu no ano de 2001, em média, uma receita líquida de € 33,00 (“guest avarage”), consistindo essa receita, no lucro obtido no conjunto dos diferentes serviços prestados ao cliente: dormida, pequeno-almoço, refeições no restaurante, bar, barbecue, lavandaria e telefones.
70. A situação descrita afectou negativamente a imagem do hotel.
71. É da contratação com os operadores turísticos estrangeiros que resulta a divulgação do Hotel no estrangeiro, quer através de publicidade feita por estes nos países de origem, quer através da inclusão do nome e fotografia do hotel nos folhetos turísticos divulgados junto dos seus clientes.
72. O acidente que deu origem à presente acção nunca foi participado à ré Seguradora.
73. A ré procedeu aos seguintes trabalhos: remoção de todo o entulho, consolidação provisória do talude, reparação provisória da passagem técnica do hotel afectada que permitisse utilizá-la com o mínimo de segurança, cofragem enchimento, secagem e descofragem com vista à construção das muralhas em betão armado de sustentação definitiva do talude e das paredes interiores das caves dos edifícios em construção, preenchimento do vazio entre a parede exterior da muralha e a superfície a descoberto do hotel, compactação do material utilizado nesse preenchimento para prevenir futuros abatimentos e no final reposição definitiva do piso danificado do acesso técnico e das instalações afectadas.
74. A construção demorou alguns meses, tendo a mesma acompanhado a construção do edifício.
75. A ré também executou os trabalhos mencionados no documento de fls. 48 a 50.

2. De direito
Apreciemos agora as questões suscitadas pelas recorrentes no âmbito dos respectivos recursos.

A – RECURSO PRINCIPAL

1. Responsabilidade da seguradora pelo facto do sinistro lhe ter sido comunicado para além do prazo previsto no contrato de seguro e sua irresponsabilidade pelos danos sofridos pela A. que tenham ocorrido para além do prazo de 30 dias em que deveriam ter-se completado as obras de reparação

Sustenta a recorrente Seguradora que não lhe tendo sido participado o sinistro dentro do prazo contratualmente previsto para o efeito, a sua responsabilidade não abarcará danos resultantes do retardamento da reparação dos mesmos.
Vejamos.
Nos termos do disposto no art.º 427.º do Código Comercial, O contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas pela lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste código.
Ora, no que ao caso importa, consagra a cláusula 11.ª, n.º 1, al. a) das Condições Gerais do seguro celebrado entre a 2.ª e a 3:º RR: “1. O Tomador do seguro obriga-se, sob pena de responder por perdas e danos a:
a) participar o mais rapidamente possível, e por escrito num prazo de oito dias, a contar da data em que tomou ou devia ter tomado conhecimento de qualquer sinistro;
(…).”
Tal cláusula é assim equivalente à prevista no art.º 440.º do Código Comercial - que para uns é considerada como supletiva, para outros como imperativa, sendo que outros ainda consideram que a estipulação de cláusula derrogatória não implica a nulidade da mesma apenas a torna inoponível aos lesados.
Tendo presente este quadro factual, contratual e legal, há que concluir que o facto do Tomador do Seguro (a 2.ª Ré) não ter participado atempadamente o sinistro apenas a faz incorrer em responsabilidade perante a seguradora, pelos eventuais perdas e danos que esta tenha sofrido derivados de tal omissão.
Ora dos autos não resultam elementos, nem a ora recorrente os alegou na sua contestação, que consubstanciem a existência de perdas e danos que tenha sofrido por via de tal não comunicação tardia, sendo que a mera constatação de que a A. previa que os trabalhos destinados a reparar os prejuízos sofridos durariam 1 a 2 meses (vd. ponto 55 da matéria dada por provada) não é suficiente para balizar o espaço temporal em que tais reparações deveriam ocorrer, tratando-se aquela de mera conjectura da A..
Assim, há que concluir ser a Seguradora responsável, por via e nos termos do contrato de seguro celebrado, pelos danos derivados do sinistro ocorrido, não havendo razões para afastar essa responsabilidade derivada da omissão de participação daquele por parte da Tomadora do seguro.
Quanto à sua posição de não assumir a responsabilidade pelos danos sofridos pela A. que tenham ocorrido para além do prazo de 30 dias em que deveriam ter-se completado as obras de reparação, não lhe assiste também qualquer razão.
Com efeito, não ficou de modo algum demonstrado que as obras de reparação apenas demorariam um a dois meses (como se salientou já, apenas ficou provado que essa era a expectativa da A. e não mais do que isso – ponto 55 da matéria provada), sendo também certo que da apólice não consta existir qualquer limitação nesse sentido.
Acresce ainda que tal questão surge aqui como questão nova, dado não ter sido suscitada na fase de articulados pela ora recorrente, o que implica que aí não só não terá sido exercido o contraditório quanto à mesma, como também não foi objecto da decisão impugnada (por impossibilidade legal, dado que não foi suscitada e não é de conhecimento oficioso).
Assim, não poderia a mesma ser agora aqui apreciada neste tribunal de 2.ª instância (vd. artgs. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3 e 690.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Desta forma, há pois que concluir que esta questão terá de improceder.

2. Irresponsabilidade da seguradora pela falta de águas quentes ou frias e pelos danos resultantes da inundação, por via do art.º 2.º das Condições Particulares da Apólice

Sustenta a recorrente não poder ser responsabilizada pelos danos emergentes da danificação do tubo de carregamento do depósito de gás e da inutilização do ramal de alimentação de água - consubstanciados na circunstância de os clientes do hotel terem estado privados da utilização de águas quentes e frias e de terem visto os seus quartos inundados – pois que por via da apólice (art.º 2.º das Condições Particulares) a sua responsabilidade circunscrevia-se apenas ao valor do arranjo das tubagens danificadas.
Ora, analisando a referida apólice (fls. 77-83), verifica-se que efectivamente no ponto 2. das Condições Particulares, relativo às exclusões de responsabilidade da seguradora, se pode ler:
“Além das exclusões consignadas nas Condições Gerais, ficam também excluídas da cobertura quaisquer reclamações que tenham por origem as seguintes causas:
“- …
“- Os danos consecutivos da destruição de canalizações de cabos subterrâneos ou aéreos, limitando-se a responsabilidade da Companhia à indemnização pelos prejuízos causados às referidas canalizações ou cabos;
“...”
Daqui se retira que efectivamente se encontrava excluída da cobertura da indicada apólice, a responsabilidade por danos decorrentes da destruição das canalizações que não fossem a própria reparação das mesmas.
No caso, o prejuízo decorrente das mencionadas faltas de água e gás e posterior inundação, foram considerados em sede de danos não patrimoniais, por via da má imagem que terá dado da A. aos seus clientes, com possíveis reflexos no futuro do hotel.
Tendo sido peticionados e concedidos €25000,00, pelo total dos danos não patrimoniais sofridos pela A., tendo em conta que estes que ora analisamos não assumirão grande relevo no cômputo global, pois que se circunscrevem ao espaço temporal no máximo de dois dias e a um universo muito limitado de hóspedes, consideramos equilibrado reduzir em €2500,00 o valor da responsabilidade da Seguradora por tais danos não patrimoniais, os quais, quanto a ela, ficarão assim fixados em €22500,00.
Procede assim a presente questão.

3. Redução do valor da franquia à condenação da seguradora

Refere a apelante seguradora que ao valor fixado, como sendo da sua responsabilidade, deveria ter sido deduzido 10%, com um mínimo de 100.000$00 (€498,80), dado ser esse o quantitativo estipulado como franquia previsto na apólice.
Afigura-se-nos assistir razão à recorrente.
De facto, é possível ler-se nas Condições Particulares da apólice do seguro em causa: “Declara-se que esta apólice vigora com uma franquia, aplicável em todo e qualquer sinistro, de 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, com um mínimo de esc. 100.000$00.”
Assim, há que considerar que ao montante da indemnização pela qual a seguradora seja responsável, haverá que abater esse valor de franquia, que atentas as quantias em causa será de 10% do valor global que lhe seja arbitrado.
Procede assim também esta questão.

B – RECURSO SUBORDINADO
1. Impugnação da matéria de facto – respostas aos pontos 80.º, 82.º, 35.º, 36.º e 41.º, da Base Instrutória

Sustentou a recorrente A. que alguns dos pontos da base instrutória deveriam ter tido resposta distinta da que foi dada.
Assim, os pontos 80.º e 82.º deveriam ter sido inteiramente dados por provados, não devendo as respostas ter sido restritivas como foram; os pontos 35.º e 36.º, deveriam ter sido, o primeiro dado por provado e o segundo inteiramento por provado, sem restrições; finalmente, quanto ao ponto 41.º, pretende a recorrente que o mesmo seja dado por provado também sem qualquer restrição.
A possibilidade de modificação da matéria de facto fixada pelo Tribunal da 1.ª Instância, por parte deste Tribunal da Relação, está limitada às situações previstas no art.º 712.º do Código de Processo Civil(1).
Nas três alíneas do seu n.º 1, o referido preceito legal, indica quais as situações em que o Tribunal da Relação pode alterar a decisão de facto estabelecida na 1.ª instância, indicando-se por seu turno no n.º 1 do art.º 690.º-A, quais os procedimentos que os recorrentes devem assumir para que tal reapreciação possa verificar-se.
Assim, face ao estipulado neste último normativo, deverão os recorrentes especificar “quais os concretos pontos de facto que considera(m) incorrectamente julgados” (al. a), do n.º 1 desse último dispositivo), bem como “quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b) do mesmo normativo).
Estipula também o n.º 2 desse mesmo preceito legal que, no caso de ser invocado como fundamento do erro na apreciação das provas o depoimento testemunhal gravado, “… incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 522.º-C”.
No caso, há a referir que a recorrente deu cumprimento a tal estipulação legal, pois que indicou os dados inerentes ao início e fim da gravação dos depoimentos a que fez referência, respeitando por isso o disposto no citado art. 690.º-A.
Mas será que os elementos a que a recorrente faz alusão para sustentar a alteração das respostas dadas impõem tal tomada de posição, em moldes que não permitam outras respostas (designadamente as que foram dadas)?, isto é, será que os dados com que avança são susceptíveis de integrar qualquer das situações previstas no apontado art.º 712.º?
Começaremos por dizer que os meios de prova constantes dos autos, integram prova testemunhal e documental.
Qualquer desses meios de prova estavam sujeitos ao princípio da livre apreciação por parte do juiz julgador, dado que os docs. juntos têm a natureza de particulares, sendo que os factos que visavam comprovar não exigiam meio específico de prova (art.º 655.º).
Por via de tal princípio, o julgador aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só assim não sucedendo quando a lei exija, para a existência ou prova de qualquer facto jurídico, qualquer formalidade especial, a qual, nesse caso, não pode ser dispensada (n.º 2 do preceito).
No caso, como referimos já, os factos que foram dados como provados não careciam de qualquer meio de prova específico, donde que a avaliação de todos os elementos de prova apresentados era susceptível de ser apreciada livremente pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo.
Como refere Michell Taruffo (La Prueba de Los Hechos, Editorial Trotta, 2002, pág. 435 e ss.) “O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado ou não provado, possibilitando assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão”.
De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art.º 653.º, n.º 2).
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras de experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1.ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão.
A par destas considerações, haverá que ter presente que nos casos em que é impugnada a matéria de facto constante das respostas dadas a diversos pontos ou quesitos, tal como vem sendo defendido dominantemente pelos tribunais superiores, não se impõe ao Tribunal da Relação que dilucide, ponto por ponto, ou seja, individualmente, cada uma das aludidas respostas, se a decisão final, sobre todas elas, for coincidente (vide, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003 (2).
O que se deixa dito implica pois que se aprecie se o Tribunal a quo apreciou, ou não, de forma correcta ou válida tal prova, e especialmente no que concerne aos factos concretos insertos nos pontos acima referidos, e cuja resposta foi objecto de impugnação.
Da leitura da fundamentação da matéria de facto, elaborada pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, extrai-se que a convicção de tal tribunal quanto aos factos provados e não provados resultou da análise conjunta e crítica da prova produzida nos autos, isto é, documentos juntos e depoimentos das testemunhas inquiridas.
Nesse despacho, o Senhor Juiz especificou face a cada uma das respostas que deu à matéria da base instrutória, as razões que o levaram a dá- -las, indicando os depoimentos testemunhais e os documentos juntos que se lhe revelaram importantes.
Certo é que considerou que essa prova não foi suficientemente precisa para alicerçar a pretensão da ora recorrente no sentido de considerar ser de 6% a previsão do aumento das estadas no ano de 2001, e de a diminuição dos alojamentos nesse ano se ter ficado a dever unicamente às deficientes condições de funcionamento do hotel (pontos 80.º e 82.º).
A este propósito consideramos importante referir parte da fundamentação apresentada pelo Senhor Juiz: “N.º 82: o que resulta dos elementos de prova que acabam de ser referidos, em conjugação com o que se provou sob os n.ºs 58 a 69 e sob os n.ºs 73 e 74; de tudo é forçoso concluir que a situação resultante do acidente em apreciação os autos teve influência no decréscimo de ocupação do Hotel; é certo que o relatório do conselho de administração da autora, a fls. 385, refere o bom desempenho do Hotel, que teria superado os valores orçamentados (desconhecendo-se quais foram estes); no entanto, outros documentos da mesma autora, como os juntos com a petição inicial sob os n.ºs 26 e 27, são inequívocos quanto ao decréscimo da ocupação do Hotel durante o ano de 2001, por comparação com o ano anterior; assim, o conjunto dos elementos de prova referidos não deixa dúvidas sobre o que se provou; no entanto, deles não resultaram elementos concretos bastantes para determinar em que grau esse decréscimo foi causado pela situação resultante do acidente dos autos, desconhecendo-se se existiram outros factores que tenham contribuído para o mesmo, relacionados com o ano turístico, com os aumentos de preços verificados, etc..”
Da audição que fizemos aos depoimentos gravados, conjugado com os documentos constantes dos autos, mormente os indicados sob os n.ºs 26 e 27 juntos com a petição inicial, e ainda o relatório elaborado pela A. e constante de fls. 385 (que aliás cria uma certa contradição à demais prova, pois que faz referência ao bom desempenho do Hotel Londres no exercício de 2001), consideramos não haver razões para alterar as respostas que foram dadas pelo Senhor Juiz aos indicados pontos 80.º e 82.º da base instrutória.
Igualmente não se vêem razões para alterar as respostas dadas aos pontos 35.º, 36.º e 41.º, pois que todas elas se encontram devidamente fundamentadas e encontram suporte bastante na prova quanto a eles produzida.
Efectivamente quanto aos dois primeiros, foram inquiridas as testemunhas A M, J S, H M e V A, que revelaram não estarem devidamente inteiradas sobre tal matéria, sendo que o documento que poderia comprovar a factualidade inerente a esses pontos da base instrutória (35.º e 36.º), não é suficientemente esclarecedor. Com efeito, a factura em causa (doc. n.º 9 junto com a petição inicial, constante de fls. 38), apenas refere que a mesma se reporta a “trabalhos imprevistos executados na zona da piscina, balneários, cozinha e diversos nas V/instalações, de acordo com a nota discriminativa anexa.”
Ora, da leitura de tal factura e da nota discriminativa que lhe estaria anexa (constante de fls. 321 e 322) não resulta que esses trabalhos debitados à A. o tenham sido em resultado do sinistro ocorrido, tanto mais quanto é certo que quando aquele ocorreu, mostravam-se em curso obras na área de lazer contratadas pelo Hotel - Por sua vez, a autora estava em Fevereiro de 2001 a proceder a obras de requalificação das áreas de lazer (piscina, balneários e jardim) do seu prédio, bem como do isolamento dos terraços de cobertura (ponto 9 da matéria dada por provada). Ignora-se por isso a razão que esteve na base dos tais “imprevistos”.
Finalmente, quanto à resposta ao quesito 41.º, concorda-se igualmente com a resposta dada pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, pois não só as testemunhas não revelaram conhecimentos precisos sobre tal assunto, como também os docs. n.ºs 11 a 13 juntos com a petição inicial (fls. 40 a 43) não ilustram de forma alguma tratar-se de facturas referentes à venda e colocação de aparelhos de ar condicionado, sendo aliás estranho que as facturas de fls. 41 e 42, estejam datadas de 05/02/2001 e 08/02/2001, respectivamente, quando é certo que o sinistro só ocorreu em Março de 2001.
Por tudo o que se deixa dito, entendemos que face aos elementos de prova produzidos, surgem como justificadas as respostas que foram dadas aos apontados quesitos, tanto mais que cabe essencialmente a este Tribunal de recurso apurar da razoabilidade da convicção probatória de primeiro grau face aos elementos que lhe são apresentados nos autos, não competindo a esta segunda instância ir à procura duma nova convicção, antes sim procurar saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que os elementos existentes nos autos podem exibir perante si.
Como já salientámos, a fundamentação apresentada pelo Senhor Juiz surge-nos como equilibrada, sustentada em diversos elementos de prova, todos eles passíveis de serem considerados, não se descortinando razão para alterar as respostas à matéria de facto, como pretende a apelante.
Desta forma, entende-se ser de improceder a presente questão.

2. Erro de julgamento – Indemnização pela reparação do jardim e custos com o fornecimento de tanque de água

Considera a apelante existirem elementos probatórios bastantes nos autos para levarem a que as Rés sejam condenadas a indemnizá-la no valor de 449.862$00, sendo 427.752$00, resultantes dos gastos com a recuperação do jardim e 22.110$00, atinentes à aquisição de um tanque de água.
Baseia essa sua posição no facto de ter havido troca de correspondência entre a A. e a 2.ª Ré, que foi dada por assente (constante dos pontos R e S dos factos assentes).
Efectivamente na sentença, no tocante a estes danos, disse-se: “Custos com recuperação do jardim e custos com fornecimento de tanque de água:
“Sobre esta matéria nada se provou. Ou seja, não fez a autora prova, sequer de ter procedido a quaisquer obras de recuperação do jardim ou de ter tido necessidade de fornecimento do tanque de água.”
Como refere a recorrente, em sede de saneador foram dados como assentes sob as alíneas S e R (que constituem os pontos 25. e 26. da matéria de facto supra elencada) os seguintes factos:
A autora enviou à ré G, os faxes cujo teor consta de fls. 51, 52, 55, 56, 57, 58, 59 e 60, os quais foram recebidos pela mesma.
A ré G, enviou à autora um fax cujo teor consta do fls. 61 e 62.
No que ao caso importa há que ter presente que a A. em 24/07/2001 dirigiu à Ré “G” o fax constante de fls. 51/52, que refere:
“…
“Compensação por prejuízos directos causados pela queda do nosso muro:
“3 situações já identificadas:
“a)…
“b) Recuperação do jardim, materiais no valor de 427.752$00 (…);
“c) Fornecimento de tanque de água no valor de 22,110$00 (…).
“…”.
Face a tal fax a Ré “G”, respondeu à A. (também por fax), em 19/09/2001 (fls. 61/62), nos seguintes termos:
“…
“3 – Relativamente às verbas referidas nas alíneas b) e c), do Vosso fax de 24/07/2001, no valor de 449.862$00 (quatrocentos e quarenta e nove mil oitocentos e sessenta e dois escudos), apresentem-nos os respectivos documentos de suporte, para que possamos dar indicação à nossa Direcção Financeira para proceder ao seu pagamento;
“…”.
Ora da leitura desta troca de correspondência resulta para nós evidente que houve da parte da Ré “G” o reconhecimento dos danos e seu valor no tocante à recuperação do jardim e ao fornecimento do tanque, não havendo por isso razões para não condenar as Rés no pagamento de tais montantes.
A alusão ao pedido de envio de “documentos de suporte” – atenta a forma como se mostra redigido o fax - não significa que se tenha posto em dúvida o quantitativo apresentado pela A., antes sim que se revelava necessário para efeitos designadamente contabilísticos a apresentação de tal documentação.
Entendemos por isso que no âmbito da condenação das Rés, por indemnização por danos patrimoniais, haverá que adicionar o indicado quantitativo de esc. 449.862$00 (€ 2243,90) inerente à reparação do jardim e aquisição do tanque de água.
Assim, há pois que julgar esta questão procedente.

IV - DECISÃO

Desta forma, face a todo o exposto, acorda-se em dar parcial provimento a ambos os recursos e, concomitantemente, revogar em parte a sentença recorrida, nos seguintes termos:
a) Julgar a Ré Seguradora não responsável pelo pagamento à A. da quantia de €2500,00 do valor dos danos não patrimoniais inicialmente fixados, mantendo-se a sua responsabilidade quanto aos demais, absolvendo-se assim a mesma parcialmente daquele pedido;
b) Determinar que ao quantitativo pelo qual a Ré Seguradora seja responsável (até ao montante do capital seguro) seja deduzido o valor da franquia – 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, com um mínimo de esc. 100.000$00 (€498,80);
c) À condenação inicialmente fixada às RR. na sentença, adicionar a condenação no pagamento da quantia de €2243,90 por danos patrimoniais, referentes à reparação do jardim e à aquisição do tanque de água.

No mais, mantém-se a sentença recorrida.

Custas pelas duas recorrentes, em partes iguais.

Lisboa,
(José Maria Sousa Pinto)
(Maria da Graça Mira)
(João Vaz Gomes)
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1 Diploma a que nos referiremos de ora em diante, sempre que expressamente não indicarmos outro.
2 in Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.