Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9741/2007-1
Relator: JOSÉ GABRIEL SILVA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - Se o artigo 1 do CCJ afirma que as custas compreendem a taxa de justiça e os encargos, e que os processos estão sujeitos a custas, salvo se forem isentos por lei, a conclusão a tirar é que a oposição à execução, sendo naturalmente um processo, está sujeito a custas, e se a petição de oposição é de direito uma petição inicial, as regras de pagamentos de custas, neste particular, tomam como referência aquelas que dizem respeito às petições iniciais, tomada como categoria própria para efeitos de custas.
II - Têm aqui aplicação as regras do artigo 23 do CCJ, que diz que para promoção de acções, incidentes e recursos é devido o pagamento da taxa de justiça inicial auto-liquidada nos termos da tabela em anexo, e do artigo 24, nº 1, alíneas a e b, que dizem que o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça referida no artigo anterior é entregue ou remetido ao Tribunal com a apresentação: a) Da petição ou requerimento do autor, exequente ou requerente; b) Da oposição do réu ou requerido.
III – O Estado tem imprimido à legislação uma subsequente abertura, no sentido de não limitar estritamente os efeitos de não pagamento de taxas de justiça, à imediata e irrevogável impossibilidade de aceder à Justiça, antes, tem desenhado mecanismos mais flexíveis, de modo a que o não pagamento se não torne por si obstáculo inultrapassável ao acesso aos Tribunais, permitindo pagamentos para além dos prazos que servem de referência, multiplicando as possibilidades de as partes cumprirem essa contra-prestação, ainda que suportando o ónus da dilação de pagamento.
FG
Decisão Texto Integral: 1) Relatório.

1.1) Os Agravantes deduziram oposição à execução (em 7.9.06) que lhes foi movida pelo Agravado, baseada a mesma em título que não sentença judicial.

1.2) O requerimento de oposição não foi enviado ao Tribunal através de meios de tele- processamento (vd. fls. 2 e 3).

1.3) Na parte final de tal requerimento pode ler-se o seguinte:
"Valor: o da execução.
Vão: Procuração, 3 documentos e duplicados, sendo que, nos termos do artigo 17, nº 1, do CCJ, a taxa de justiça devida é auto-liquidada pelo exequente." – fls. 3 verso.

1.4) Em seguida foi proferido despacho que recorrendo aos artigos 23, nº 2 do CCJ e 150, nº 3, 150-A, nº 1 e 3 do CPC, entendeu ordenar o desentranhamento do requerimento da oposição – fls.29 dos autos.

1.5) Desse despacho foi interposto recurso (que é de agravo), tendo sido apresentadas as conclusões devidas, que se transcrevem:
a) Os ora recorrentes não omitiram, simplesmente, o pagamento da taxa de justiça. Antes, fizeram a interpretação do art°. 17° do c.c.j. da forma que se lhes afigurou a correcta, fazendo constar expressamente tal interpretação no final do requerimento de oposição que apresentaram.
b) Sobre tal interpretação não foram os recorrentes notificados de qualquer despacho, fosse em que sentido fosse.
c) Nem sequer, para efeitos do disposto no art. 486-A, designadamente, do seu nº 3, do c.p.cv., atenta, até, a remissão prevista no art. 150°—A, nº 2, do mesmo diploma.
d) Em vez disso, o Tribunal “a quo”, fazendo uma incorrecta e deficiente interpretação dos factos e da lei, aplicou, indevida e de forma incompatível, os art°s. 150°—A, n°s. 1 e 3 e 150°, n° 3, referidos.
e) Isto, na precisa medida em que, tratando-se do equivalente a uma contestação, pelo menos, sempre teria de ser facultada aos recorrentes a hipótese de pagarem a taxa de justiça alegadamente em falta, acrescida de igual montante, tal como previsto no cit. art°. 486°—A, n° 3, do c.p.cv.
f) E, ainda que se entendesse que a dita oposição configura uma petição inicial, também o desentranhamento não poderia ter tido lugar, por a mesma não ter sido enviada através dos meios electrónicos aí previstos.
g) Daí resultando que, ao decidir como decidiu, o Tribunal "a quo" violou designadamente, para além dos artigos 17 do CCJ, 817, nº 1, "a contrario", do DL 38/2003 de 8 de Março e 486-A do CPC, os artigos 150 e 150-A deste diploma".

1.6) Não se registaram contra-alegações.

1.7) Correram e foram colhidos os vistos legais.

2) Em termos de circunstancialismo de facto a matéria relevante é aquela que sinteticamente se expôs no relatório, que se cinge aliás à tramitação processual havida, para onde se remete em termos de simplicidade e economia processual.

3) Deduzida execução, os executados deduziram oposição à execução, que ora corresponde aos anteriores embargos de executado.
Estes, foram sendo considerados uma contra-acção à execução (pelos seus objectivos), conformando-se como verdadeira acção declarativa, pela sua natureza, estrutura e disciplina processual.
Eram, como a oposição o é, um apenso declarativo à execução, adjacente mas independente dela, justificando o primeiro factor a repercussão que o seu resultado poderia ter na procedência eventual da execução, enquanto o segundo factor, baseava a sua plena identidade de acção declarativa, não se confundindo uma e outros.
Assim vistas as coisas, a peça processual de embargos deduzida pelos embargantes era a petição inicial dessa particular acção, e a resposta consequente dos embargados, a respectiva contestação.
Como a única coisa que mudou nesta tipologia essencial, foram os nomes, temos que o que se dizia para os embargos, se pode dizer para a oposição à execução.

3.1) Se o artigo 1 do CCJ afirma que as custas compreendem a taxa de justiça e os encargos, e que os processos estão sujeitos a custas, salvo se forem isentos por lei, a conclusão a tirar é que a oposição à execução, sendo naturalmente um processo, está sujeito a custas, e se a petição de oposição é de direito uma petição inicial, as regras de pagamentos de custas, neste particular, tomam como referência aquelas que dizem respeito às petições iniciais, tomada como categoria própria para efeitos de custas.

3.2) Têm aqui aplicação as regras do artigo 23 do CCJ, que diz que para promoção de acções, incidentes e recursos é devido o pagamento da taxa de justiça inicial auto-liquidada nos termos da tabela em anexo, e do artigo 24, nº 1, alíneas a e b, que dizem que o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça referida no artigo anterior é entregue ou remetido ao Tribunal com a apresentação:
a) Da petição ou requerimento do autor, exequente ou requerente;
b) Da oposição do réu ou requerido.

3.3) Como já se referiu, o Autor da oposição (Opoente) referiu na sua petição inicial de oposição que "…nos termos do artigo 17, nº 1, do CCJ, a taxa de justiça devida é auto-liquidada pelo exequente."
Adoptando assim uma interpretação própria daquele dispositivo, concatenada com a sua visão da economia processual que a seus olhos adopta a oposição à execução, veiculando por esta via, que ao não pagar a taxa de justiça inicial, o fazia por interpretação técnica do preceito, e não por mero esquecimento.
3.4) Uma vez que a entrega em Tribunal da p.i. dos Opoentes tomou a modalidade prevista no artigo 150, nº 1, al. a) do CPC, e visto o dito acima, deviam aqueles ter tomado em conta a injunção do artigo 150-A, nº 1, do CPC.
O segmento inicial do nº 2 do artigo 150-A do CPC, refere que "Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial", o que nos leva por remissão ora ao disposto no artigo 467, nº 3, ora ao disposto no artigo 474, alínea f, do CPC.
Mas essa limitação não impede, em área que não seja ocupada pelas previsões próprias atinentes à p.i. (atrás citadas), em socorrermo-nos da previsão desse mesmo artigo 150-A, nº 2, do CPC, uma vez que trata de situação processual a jusante daquelas que são pressupostos daquelas duas disposições, que se encontram elas, por referência, a montante da acolhida por este último.

3.5) O artigo 467, nº 3, do CPC, indica que o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça inicial, por isso que a secretaria deve recusar o recebimento da petição inicial, se esta não fôr acompanhada de tal documento – artigo 474, alínea f, do CPC.
Caso se não apresente tal documento (devendo apresentar-se), mas ainda assim se receba a p.i. (não tendo a secretaria recusado esta) – disposições próprias da p.i. —, então aplicar-se-á a área de previsão do artigo 150-A, nº 2, do CPC.

3.5.1) Isto em casos em que pura e simplesmente o apresentante da p.i. não tenha apresentado o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, sem qualquer menção adicional.
No nosso caso não foi isso que aconteceu, como se viu.
O apresentante não apresenta documento porque não pagou, e não pagou porque entendeu que não devia pagar (vd. argumentação supra).
Uma vez que se pode tirar, por inferência, um regra geral que consubstancia um prazo de dez dias para apresentação daquele documento, apoiando-nos no referido artigo (150-A), mas também nas regras que compõem os artigos 467, nº 4, 486-A, nº 1, 512-B e 690-B todos do CPC, então, caso a p.i. seja entregue directamente em Tribunal e não se faça acompanhar do aludido comprovativo, não sendo ademais recusada pela secretaria, e aberta conclusão ao Juiz, com a informação do não pagamento ou falta de comprovativo dele, deve a parte ser notificada para que no prazo de dez dias proceda ao pagamento, comprovando-o documentalmente, com a expressa cominação da sanção a aplicar em caso de não acatamento, como o diz a última parte do nº 2, do artigo 150-A, do CPC.

3.6) Poderá acrescentar-se que, nestes últimos tempos, conquanto o Estado tenha mantido a orientação fulcral de exigir a quem recorre aos serviços de Justiça, o pagamento, por contra-prestação, dos que são concretamente disponibilizados (em termos gerais e sem prejuízo do instituto do apoio judiciário, ou abrigando uma natural evolução de isenções objectivas e subjectivas, em sede de Código de Custas Judicias), aliás de acordo com a distinção dos conceitos de taxa e de imposto elaborados pelo Direito Fiscal, tem imprimido à legislação uma subsequente abertura, no sentido de não limitar estritamente os efeitos de não pagamento de taxas de justiça, à imediata e irrevogável impossibilidade de aceder à Justiça, antes, tem desenhado mecanismos mais flexíveis, de modo a que o não pagamento se não torne por si obstáculo inultrapassável ao acesso aos Tribunais, permitindo pagamentos para além dos prazos que servem de referência, multiplicando as possibilidades de as Partes cumprirem essa contra-prestação, ainda que suportando o ónus da dilação de pagamento, impondo custos acrescidos ou mesmo multas, como tem facilitado os meios de pagamento, fazendo uso dos últimos mecanismos informáticos disponíveis, para essa facilitação.
Deste modo, apenas os mais relapsos, não terão acesso ao Sistema de Justiça por não pagamento (não já, por e apenas não pagamento atempado) das taxas de justiça devidas.
Um exemplo rápido, de pormenor, para além das reformas mais estruturantes ou visíveis que chegaram ao CPC e ao CCJ.
O artigo 124 deste último diploma (com a redacção imprimida pelo DL 320-B de 2000, de 15.12) sofreu alterações que lhe foram impostas pela Lei 53-A de 2006, datada de 29.12, que permitiu a emissão da Portaria 1433-A/06 de 29.12, de modo a eliminar o nº 1, e modificando, nomeadamente, o seu nº 2, com o intuito declarado de flexibilizar e facilitar os pagamentos das taxas iniciais e subsequentes.
Mas tal progressão foi de novo acentuada, agora pela emissão da Portaria 1375/07 de 23.10, mantendo-se um objectivo manifesto de franquear dificuldades burocráticas, ou delongas desnecessárias.

Tudo aponta, sob um ponto de vista sistemático e sistémico, que a interpretação a dar a normas que regulem o pagamento de taxas de justiça iniciais e subsequentes, e as consequências do seu não pagamento ou não pagamento a tempo, tenha em conta este pensamento Legislativo, que aponta para a maximização das possibilidades de acesso à Justiça, comportando tais regras uma esfera normativa acrescidamente permissiva, o que não acontecia tão declaradamente, antes, no nosso espaço processual civil.

4) Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em prover o recurso de agravo interposto, ainda que por fundamentos não coíncidentes com os apresentados pelos Recorrentes, revogando-se a decisão agravada, devendo ser substituída por outra, que ordene a notificação dos Opoentes, para procederem ao pagamento da taxa de justiça inicial devida pela apresentação da p.i. de oposição à execução, com a expressa cominação relatada na previsão da última parte do artigo 150-A, nº 2, do CPC.
Não são devidas custas.
Notifique-se.
DN.
Lisboa, aos 29 de Janeiro de 2008.
José Gabril Silva
Maria do Rosário Barbosa
Maria do Rosário Gonçalves