Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2404/16.8T8CSC.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONTAGEM
RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS
EQUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - De acordo com o disposto no artigo 306º nº 1 do Código Civil, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.

- No caso de responsabilidade civil por factos ilícito ou extracontratual, o artº 498º nº 1 do Código Civil, dispõe que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.

- O funcionário do réu BPP Bruno Cruz, actuou no exercício de funções com negligência no cumprimento das instruções que lhe foram dadas, no sentido da verificação presencial da assinatura nas livranças, o que é suficiente para que se possa afirmar que se encontram preenchidos os pressupostos do seu dever de indemnizar nos termos do artigo 483º do Código Civil e, desse modo, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil do réu BPP, como comitente (artigo 500º do Código Civil) pela conduta praticada pelo seu funcionário.

- Nas acções de responsabilidade civil extra-contratual, a causa de pedir é complexa, como complexa é normalmente a situação de facto de onde emerge o direito à indemnização, pressupondo, segundo as circunstâncias, a alegação de matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a conduta culposa ou uma situação coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuízos e o nexo de causalidade adequada entre o evento e os danos.

- A culpa exigida pelo artigo 483° n° 1 compreende o dolo e a negligência ou mera culpa, a falta de cuidado, a imprudência em face de determinados tipos de situação; enquanto que a ilicitude consiste num juízo de censura sobre o próprio facto, na culpa, esse juízo de reprovação incide sobre o agente em concreto, o qual podia e devia, nas circunstâncias, ter agido de modo diverso.

- A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.

- A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado situações ou momentos de prazer ou de alegria, bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor pessoal sofrida.

- A reparação judicial dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração, as circunstâncias apontadas no artigo 496º, nº 3 do Código Civil, e deve aproximar-se, quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566º do Código Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo tribunal.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


- RELATÓRIO


MF… instaurou acção declarativa de condenação, em processo comum, contra os réus B..., SA e JM…, pedindo que estes sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 44.170,00 euros, acrescida de juros de mora legais a contar da citação.

Em síntese, alegou que casou com o réu JM… em 30.08.1986, tendo-se divorciado em 21.11.2008. Antes do divórcio viveram separados um do outro durante cerca de seis anos.
A autora não prestou qualquer aval fosse a que título fosse e em qualquer tipo de título de crédito concedido pelo primeiro Réu à SC…, Unipessoal Lda. O réu JM…, conluiado com banco réu, imaginaram e puseram em marcha um projecto, o qual consistia e consistiu, em o segundo réu, falsificando a assinatura da autora apunha nos já referidos títulos de crédito duas hipotéticas assinaturas, uma de si próprio e outra da autora.
O réu JM… em conluio com o gerente da agência de Oeiras do primeiro réu, entregou nesta agência bancária uma livrança em branco, na qual apôs no verso os seguintes dizeres, “Bom para aval à Firma subscritora e assinou como JB…, acrescentando a seguir ainda na parte do verso da dita livrança as palavras, “Bom para aval a Firma subscritora”, apondo a seguir a assinatura da autora ou seja, FB….
Em data que a autora desconhece, a referida livrança veio a ser preenchida pelo primeiro réu, o qual colocou na mesma como data de emissão o dia 14/12/2005 e como data de vencimento 10/07/2009, momento em que a aqui autora já estava divorciada do segundo réu, referindo também o primeiro réu no dito preenchimento como montante do financiamento garantido pela uma vez mais citada livrança, a quantia monetária de € 218.506,98. Após a factualidade supra descrita, o réu B… SA, através da escritura de cedência de créditos, cede à C…, SA, além de outros créditos, como verba número cinquenta e dois, o montante aposto na referida livrança, pelo montante de 191.385,68.
Após a cessão de créditos, o cessionário C…, SA. na posse da livrança promoveu contra a autora e outros a acção executiva, cujo título executivo era a dita livrança.
No dia 24.11.2011, em sede dos autos de execução, foi decretada a penhora do imóvel pertencente à autora.
Em sede de oposição à execução, a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, declarou, além do mais:
“1– considera-se como muito provável (1) a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada de MF…, aposta no documento identificado como C1, não ser do seu punho”.
Nos autos de oposição à execução foi proferida sentença, que julgou a oposição à execução procedente e determinou a extinção da execução em relação à executada, a ora autora.
Todo este circunstancialismo causou danos à autora, de natureza patrimonial e não patrimonial.
Em consequência da aludida penhora de 24.11.2011, a autora viu impedido um projecto de venda do imóvel para pagar as dívidas. Em consequência da execução comum movida contra si, a autora deixou de pagar as prestações referentes à amortização do empréstimo contraído junto do B…, SA, no valor de € 600,00 euros mensais, até um total de € 8.000,07, que tiveram de ser pagas pela sua mãe. A mãe da autora continuou a proceder ao pagamento da prestação mensal junto do B…, SA, o que tem vindo a suceder desde Fevereiro de 2013, em consequência do que esta já despendeu a quantia de € 24.858,33. O que perfaz um total de € 32.858,40 suportado pela sua mãe.
A autora teve sofrimentos e passou por vergonhas, sendo os danos não patrimoniais avaliados em € 10.000,00.

O réu B…, SA, contestou, deduzindo a excepção peremptória de prescrição e peticionando a absolvição do pedido. Alegou que o fundamento jurídico em que se enquadra a causa de pedir da autora assenta no instituto da responsabilidade civil extracontratual, sendo que esta prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado tomou conhecimento do direito que lhe cabe, nos termos do artº 498º nº 1 do Cód. Civil. Mais alegou que a autora foi citada em 07.12.2010 no âmbito do Proc. n.º 8574/10.1 TBCSC, e que quando formulou a oposição à execução em 07.01.2011, alegou a falsidade do aval inscrito em tal livrança e requereu a realização de peritagem à assinatura, motivo pelo qual, desde a data da citação, estava ciente do direito que lhe assiste. Alegou ainda que tendo a acção dado entrada em 01.09.2016 e o réu B… sido citado em 07.09.2016, e sem que não tenha ocorrido qualquer acto interruptivo da prescrição, verifica-se que à presente data o direito de indemnização que a autora pretende fazer valer já se encontra extinto.
A livrança foi subscrita pela autora que acompanhou o réu JM… ao banco réu e este não tinha qualquer motivo para desconfiar que o casal estava separado de facto. Tendo plena consciência das condições do financiamento e garantias exigidas pelo réu B…, nunca a autora reportou ao réu B… que se encontrava separada de facto do co-réu. Os papéis entregues com vista à obtenção do financiamento e a livrança foram entregues pelo co-réu ao B… na presença da autora. Em momento algum a autora reportou ao réu B… que não pretendia avalizar a livrança ou que não o tinha feito. O réu B… não falsificou a assinatura da autora, nem tão pouco tinha conhecimento, ou sequer desconfiava que a assinatura ali aposta não era a da autora. Nada teria o réu B… a lucrar com tal actuação que apenas serviria para diminuir as garantias do crédito que concedeu e, no limite, impossibilitar o seu próprio ressarcimento.
O empréstimo concedido pelo réu B… à empresa JB…, Lda estava garantido por hipoteca sobre o imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o nº … (imóvel distinto do imóvel penhorado à autora, imóvel sito em Manique de Baixo e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º ...
Acresce que o imóvel indicado à penhora é o imóvel sobre o qual incidiu hipoteca do réu B… e não o imóvel pertencente à autora. Desconhece o réu B… em absoluto se o bem imóvel indicado à penhora se revelou insuficiente para pagamento da dívida cedida à C…, ou se tal se deveu única e exclusivamente a estratégia processual da C….
Não tendo qualquer intervenção nessa penhora, o réu B… também não poderá ser responsabilizado pela alegada impossibilidade de venda do imóvel pela autora.
O réu B… não é responsável pelas dívidas da autora à sua mãe; tais dívidas são resultado de obrigações assumidas pela autora junto do B… e às quais o réu B… é totalmente alheio.
Termina, pedindo que seja julgada procedente a excepção peremptória da prescrição do direito da autora, ou, caso assim não se entenda, deverá a acção ser julgada totalmente improcedente; deverá a autora ser condenada em litigância de má-fé, em valor que se deixa ao prudente arbítrio do tribunal, mas em montante não inferior a € 5.000,00.

O réu JM…, contestou, aderindo aos fundamentos de factos e de direito, alegado pelo réu B…, SA, nomeadamente, a excepção peremptória deduzida, e também peticionando a absolvição do pedido.

A autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição deduzida pelos réus, concluindo como na petição inicial.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
A)- Condenou os réus JM… e B…, SA, solidariamente, a pagar à autora, a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
B)- Absolveu os réus JM… e B… SA, do pedido de indemnização de danos patrimoniais formulado, no valor de € 34.170,40.

Não se conformando com a douta sentença, dela recorreram a autora MF… e o réu B…, SA.

Em 17 de Maio de 2018 foi proferido despacho a convidar a autora e o réu B…, SA a sintetizar as suas conclusões, o que fizeram.

CONCLUSÕES DA AUTORA
- Dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, todo o teor das alegações por si aduzidas, as quais já se encontram juntas aos autos em epígrafe enunciados.
- Delimitando o objecto do recurso promovido pela presente recorrente, importa saber se, face à factualidade constante nos presentes autos, o tribunal "a quo" aplicou bem, ou não o direito.
- Face à prova documental, que enforma os autos e a factualidade pública e notória, que também preenche aqueles, pergunta-se, o tribunal "a quo" aplicou bem o direito?
- Face ao aduzido nas alegações produzidas pela presente recorrente, estribadas na abundante documentação por si junta aos supra referidos autos, matéria dada como não provada pelo tribunal "a quo", deveria ter merecido decisão contrária.
- Aliás, como a recorrente referiu nas suas alegações, muitos factos públicos e notórios, que deveriam ter sido dado como provados nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil pelo tribunal "a quo" e não o foram, violando desse modo aquele preceito legal adjectivo, o que se alega para os devidos e legais efeitos.
- Ao decidir como decidiu e como abundantemente a recorrente demonstrou nas suas alegações de recurso, o tribunal "a quo" violou o previsto e estatuído no artigo 412º do Código de Processo Civil, artigo 165º, nº 1 do artigo 483º, nº 1 do artigo 487º2, artigo 500º e 563º, todos do Código Civil.
- Atento o que ficou expendido na conclusão que antecede, deve o Tribunal da Relação de Lisboa, atenta a previsão contida no artigo 662º do CPC alterar a matéria de facto no sentido de,
- Dar como provados os factos constantes nos pontos 25 a 28 inclusive, que a douta decisão ora em recurso deu, indevidamente, como entende a aqui recorrente, como não provados.
- Assim, devem os réus JB… e B…, S.A, hoje B…, SA serem condenados nos precisos termos peticionados na petição inicial à excepção,
10ª- Indiciadora da boa-fé da recorrente, a saber, somente até ao dia 31 de Janeiro de 2014, data a partir da qual a autora-recorrente, deixou de ter o imóvel de sua pertença desonerado de qualquer ónus, qual seja, da penhora sobre o mesmo efectuada pelo sobredito Banco réu.
11ª- Devendo os sobreditos demandados e recorridos como já foi alegado, serem condenados solidariamente em montante a liquidar em execução de sentença.

O réu B…, SA contra-alegou (fls 260 a 269), pedindo que seja negado provimento ao recurso, pugnando pela manutenção da sentença.
O réu JM… respondeu às alegações da autora, pedindo a improcedência das conclusões (fls 272 a 279).

CONCLUSÕES DO RÉU B…, SA
- O apelante entende que o tribunal a quo não decidiu bem relativamente à matéria de facto dada como provada (que não deveria integrar os factos provados), como também não fez uma correcta aplicação do direito (não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil que importariam uma obrigação de indemnizar).
- O apelante não se conforma e recorre da parte da sentença que o condena ao pagamento de € 10.000,00, à recorrida a título de danos não patrimoniais.
- O tribunal considerou como provado o ponto 21 da matéria dada como provada, com o que o apelante não se conforma.
- A realidade é outra como resulta do depoimento da testemunha MO… (20170918110328 3818045 2871348, minuto 18:34 a minuto 21:21), de onde se extrai o contrário do que se deu como provado no ponto 21 (vide motivação pág. 4 e 5 das alegações), requerendo que esse ponto seja eliminado da matéria de facto provada.
- Também tal se extrai dos documentos ¡untos aos autos, que não foi na sequência da execução que a autora entrou numa fase de grande sofrimento psicológico e depressão, necessitando da ajuda financeira da mãe, a saber: cheque de € 8.000,67 datado de 17.06.2009; nessa data o apelante não tinha cedido o crédito à C… (fls. 33), não existia acção executiva (fls. 47), nem o imóvel da recorrida (hipotecado ao B..) havia sido penhorado pela C… (fls.55).
- Não foi junto aos autos qualquer comprovativo de estado depressivo, nem qualquer relatório médico.
- Não tendo provado os alegados danos morais, também nunca se poderá ter por provado que foi na sequência da execução que a recorrida sofreu de depressão (inexiste nexo causal).
- A não ser eliminado o ponto 21 da matéria de facto terá, necessariamente de ser alterado, passando a ter a seguinte redacção, por inexistir nexo causal: "A autora passou por uma fase de sofrimento psicológico e depressão, com sentimentos de vergonha perante pessoas da sua relação de amizade e do seu conhecimento pessoal, o que lhe causou sofrimento".
- A apelante também não se conforma com a improcedência da excepção de prescrição invocada.
10ª- Porquanto: a recorrida foi citada na execução em 7.12.2010, apresentou oposição à execução em 07.01.2011 alegando falsidade do aval, o imóvel foi penhorado em 24.11.2011, em 12.03.2012 o réu JM… declarou ter sido ele a apor a assinatura na livrança, como se fosse da recorrida, o relatório pericial (de onde resulta como muito provável que a assinatura fosse da recorrida) é datado de 10.05.2013, o apelante apenas foi citado a 07.09.2016.
11ª- Termos em que há muito a recorrida conhecia o direito que lhe cabia, o qual, à data da citação do apelante nos presentes autos, já se encontrava prescrito nos termos do artº 498º n° 1 do CC, cuja declaração se requer com todas as legais consequências.
12ª- Quanto à inexistência de nexo causal para afastamento da condenação de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais há que sublinhar que:
13ª- O tribunal a quo sustenta que a autora apresentou prova parcial (mas não integral, sublinha a recorrente), erradamente por não se verificarem os pressupostos da obrigação de indemnizar.
14ª- Não há facto ilícito: não foi o apelante que colocou em causa o alegado direito ao crédito (que a recorrida não provou ter ficado prejudicado, não provou ter ficado impossibilitada de recorrer a crédito e que o tenha pretendido fazer), nem o bom nome da autora (o que também não se provou que tenha ficado prejudicado), porquanto foi a C… que promoveu a execução contra a autora (ponto 13 da matéria de facto provada).
15ª- Acresce que, mesmo que se considerasse — o que apelante rejeita por não ter resultado provado — que o funcionário do apelante BC… tenha sido negligente, a recorrida não logrou provar, como se disse, que foi ofendido o direito ao crédito e ao bom nome (alegação que a recorrida nem sequer faz, dizendo apenas ter sofrido psicologicamente e de depressão com sentimentos de vergonha).
16ª- Em momento algum resultou demonstrado que o direito ao crédito e ao bom nome tenha ficado prejudicado, muito menos que tendo ficado tal se possa imputar à apelante.
17ª- Acresce que a recorrida não sofreu qualquer penhora de vencimento, de saldos bancários, de créditos, não se viu impedida de aceder à totalidade dos seus rendimentos, nem de usufruir do imóvel. A penhora sobre o mesmo foi cancelada e a recorrida absolvida da execução.
18ª- E ainda que assim não se entenda (o que apenas se equaciona à cautela), sempre terá de se declarar que a quantia arbitrada a esse título - € 10.000,00 – é manifestamente exagerada e desproporcional à gravidade merecedora de tutela nos termos do artº 496° do Código Civil.
Termina, pedindo que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:
a.- Ser reapreciada a prova gravada e considerar-se não provada a matéria dada como provada, prevista no ponto 21; ou caso assim não se entenda deverá determinar-se a alteração do ponto   21 da matéria dada como provada, passando a ter redacção indicada nas conclusões do presente (ponto 19 das conclusões);
b.- Ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que reconheça, declare e julgue procedente a excepção peremptória extintiva de prescrição, invocada pelo recorrente, absolvendo-o da condenação a título de danos morais;
c.- Ou caso assim não se entenda, deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra absolva o Banco recorrente da condenação a título de danos não patrimoniais por não se encontrarem preenchidos os pressupostos de responsabilidade civil que importariam a obrigação de indemnizar;
d.- Ou caso assim não se entenda, deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que reduza o pedido de condenação, porquanto a condenação na quantia de € 10.000,00 não é consentânea com a matéria de facto provada nem com o disposto no artigo 496° do Código Civil.

A autora não respondeu às alegações do réu B…, SA.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO

A)- Fundamentação de facto
Mostram-se provados os seguintes factos:

Da petição inicial:
1.- MF… casou catolicamente com JM…, cf. assento de casamento n.º …/…, de ……..1986 da Conservatória do Registo Civil de Cascais, cf. averbamento nº 1 constante da cópia de assento de nascimento junto como Doc.3 (fls.29 e segs, que aqui se dá por reproduzido).
2.- Por decisão de 21.11.2008, da Conservatória de Cascais, foi o casamento acima mencionado declarado dissolvido por divórcio, cf. averbamento nº 3 constante da cópia constante do assento de nascimento junto como Doc.3, supra mencionado.
3.- O Réu JM… constituiu a JB…, Lda, com sede na Rua …, nº …, … – … S. Domingos de Rana, da qual foi gerente.
4.- Em representação da supra referida sociedade, negociou junto do Réu B…, SA a concessão de créditos titulados por livranças assinadas em branco, subscritas pelo gerente da sociedade JM….
5.- As livranças eram avalizadas pessoalmente pelo Réu e deveriam ser avalizados pela Autora. 6. O Réu JM… apôs no verso da livrança, a assinatura da Autora na livrança, escrevendo “Bom para aval à firma subscritora” e assinou como se a Autora se tratasse, assinando de seguida a sua assinatura, cf. livrança junta como Doc.4 (fls.31 e segs) que aqui se dá por reproduzido.
7.- A Autora não prestou pelo seu punho, qualquer aval nas livranças subscritas em nome da empresa do Réu JM…, para garantia de créditos.
8.- Em 12.03.2012, por intermédio de documento particular autenticado por termo notarial, cf. Doc.1 (fls.229) que aqui se dá por reproduzido, o Réu JB…, declarou que:
“1 A livrança do B… SA no montante de 218.506,98 (duzentos e dezoito mil, quinhentos e seis euros e noventa e oito cêntimos), que serve de título executivo na execução promovida por C…, SA, a qual com o número …/…, corre termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, foi única e exclusivamente, sem intervenção de mais ninguém, subscrita por si;
2– atento o que fica dito no número anterior, mais declara que, indevidamente e à revelia do seu ex-cônjuge, MF…, com o seu punho, apôs no verso do acima referido título executivo (Livrança) as palavras que a seguir se transcrevem “bom por aval a firma subscritora FB…”;
3– mais declara que, atenta toda a realidade fáctica que acima ficou exarada, a supra identificada MF…, não tem qualquer responsabilidade, seja de que natureza for, no preenchimento e subscrição da mais uma vez citada livrança.”.
9.- O relatório do exame de escrita, cf. Doc.10 (fls.73) que aqui se dá por reproduzido, concluiu que:
“1– Considera-se como muito provável a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada de MF…, aposta no documento identificado como C1, não ser do seu punho.”
10.- O funcionário do B…, SA, BC…, deveria ter solicitado à Autora a subscrição da livrança na sua presença, o que constituía a regra em vigor naquela instituição financeira.
11.- Em data posterior, a supra referida livrança veio a ser preenchida pelo Réu B…, SA, o qual colocou na mesma como data de emissão o dia 14.12.2005 e como data de vencimento 10.07.2009, e como montante do financiamento a quantia de € 218.506,98 euros, cf. Doc. 4 (fls.31) que aqui se dá por reproduzido.
12.- O Réu B…, SA, através da competente escritura de cedência de créditos, cedeu à C…, SA, além de outros créditos, como verba número cinquenta e dois, o montante aposto na livrança referida no artigo anterior, que foi cedido pelo montante de, 191.385,68 euros, cf. Doc.5 (fls.33) que aqui se dá por reproduzido.
13.- Após a cessão de créditos, a C…, SA, promoveu contra a JB…, a Autora e o Réu JM…, acção executiva com base no título de crédito livrança, tendo sido indicada a quantia exequenda de € 231.131,83 euros, ao qual foi atribuído o número …/…, que correu termos no então 4º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, cf. Doc.6 (fls.47) que aqui se dá por reproduzido.
14.- A Autora, na qualidade de executada, regularmente citada em 07.12.2010, deduziu oposição à execução, para o que despendeu a quantia de € 612,00 euros, cf. Doc.7 (fls.50 e segs) que aqui se dá por reproduzida.
15.- No dia 24.11.2011, no âmbito dos supra mencionados autos de execução, foi decretada a penhora do imóvel pertencente à Autora, sito na Rua …, lote …, actual nº …, …, … – … Alcabideche, cf. Doc.8 (fls.55) que aqui se dá por reproduzido, o qual tinha passado a fazer parte do património da Autora, por força de partilha realizada após o divórcio entre a Autora e o Réu, cf. ap. 4867 de 22.09.2009 constante da cópia da certidão do registo predial junta como Doc.12 (fls. 96) que aqui se dá por reproduzida.
16.- E ainda no âmbito dos supra mencionados autos de execução, a Autora requereu peritagem à letra e assinatura, tendo suportado a quantia de € 700,00 euros e a diligência sido realizada pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, cf. Doc.9 (fls.64 e segs) que aqui se dá por reproduzida.
17.- Por sentença proferida em 19.12.2013, cf. Doc.11 (fls.83) que aqui se dá por reproduzida foi a oposição à execução julgada procedente, sendo declarada extinta a execução quanto à Autora, ocorrendo também o cancelamento da penhora.
18.- Pela ap. 73 de 09.01.2004, mostra-se inscrita a aquisição de propriedade de moradia a favor do Réu JB… e a Autora MR…, no estado de casados no regime geral.
Pela ap. 74 de 09.01.2004, mostra-se inscrita a hipoteca voluntária a favor do B…, SA, até ao montante máximo assegurado de €255.683,00 euros, para garantia do empréstimo, à taxa de juro anual de 6,19%, acrescido de 4% em caso de mora a título de cláusula penal, com despesas até ao valor de € 7.600,00 euros, cf. cópia da certidão do registo predial junta como Doc.12 (fls.97) que aqui se dá por reproduzido.
19.- Em consequência da supra referida execução, a Autora passou a figurar no registo de incidente de incumprimento do Banco de Portugal relativamente ao crédito cedido pela Ré B…
20.- A Autora, em 2010/2011 estava desempregada e tinha a seu encargo quatro filhas, duas maiores e estudantes universitárias e duas menores, uma estudante do ensino Secundário e outra de três anos de idade.
21.- Em consequência da execução, a Autora entrou numa fase de sofrimento psicológico e depressão, com sentimentos de vergonha perante pessoas da sua relação de amizade e do seu conhecimento pessoal, o que lhe causou sofrimento.

B)-Fundamentação de direito

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, as questões colocadas e que este tribunal deve decidir, são as seguintes:
- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- A questão de direito.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO
(DA AUTORA)

A douta sentença considerou como não provados os seguintes factos:
25.- Em consequência da supra aludida penhora de 24.11.2011, a Autora viu impedido um projecto de venda do imóvel para pagar as dívidas.
26.- Em consequência da execução comum movida contra si, a Autora deixou de pagar as prestações referentes à amortização do empréstimo contraído junto do B…, SA, no valor de € 600,00 euros mensais, até um total de € 8.000,07 euros, que tiveram de ser pagas pela sua mãe, cf. cópia de cheque junta como Doc. 14 (fls.100) que aqui se dá por reproduzido.
27.- A mãe da Autora continuou a proceder ao pagamento da prestação mensal junto do B…, SA, o que tem vindo a suceder desde Fevereiro de 2013, cf. Doc. 13 e 55 (fls.104 e segs) que aqui se dá por reproduzido, em consequência do que esta já despendeu a quantia de € 24.858,33 euros.
28. O que perfaz um total de € 32.858,40 euros (€ 8.000,07 + € 24.858,33 euros) suportado pela sua mãe.

Estes factos foram alegados pela autora, respectivamente, nos artigos 34º, 35º, 40º, e 41º da petição inicial.
Pretende a autora, ora apelante, que se dê como provados todos aqueles factos. A sua pretensão baseia-se apenas no facto de “ a factualidade supra descrita cair no âmbito dos factos públicos e notórios, não necessitando de qualquer prova para serem dados como provados”.

A douta sentença fundamentou as respostas àquela matéria nos seguintes termos:
“Os factos não provados em 25) a 28) assentaram na falta de prova entre o nexo causal da execução e respectiva penhora e a falta de pagamento das prestações de um crédito contraído junto de outra instituição bancária, porquanto tendo a Autora recebido o imóvel em partilha realizada após divórcio, cf. ap. 4867 de 22.09.2009, dúvidas não restam que passou a recair sobre ela o encargo do pagamento das prestações do referido empréstimo, o que a mesma não poderia deixar de ter em conta, pelo que não tendo a penhora incidido sobre qualquer vencimento seu, não se alcança como prejudicou a mesma no cumprimento das suas obrigações pecuniárias com outra instituição bancária, sendo que a testemunha MR…, mãe da Autora, apesar de confirmar o pagamento das despesas no seu depoimento e de mencionar a depressão da filha, não indicou o motivo pelo qual o fazia, nem porque os documentos surgem em nome do Réu JB…, o que também não permitir estabelecer o nexo causal com a penhora ocorrida.
Do modo mesmo, a frustração do projecto de venda não ficou demonstrada, na medida em que o que resultou do depoimento da testemunha RA…, cuja razão de ciência assentou em ser a mediadora imobiliária que foi contactada para promover a venda do imóvel, foi que o valor comercial do imóvel não era suficiente para extinguir a hipoteca e o valor da penhora, motivo pelo qual entendia que o imóvel não deveria ir para venda, o que significa que não existia qualquer projecto de venda, motivo pelo qual foi o facto dado como não provado”.

Concordamos com a douta sentença, mas acrescentaremos outro tipo de considerações.
O artigo 412º do Código de Processo Civil (Factos que não carecem de alegação ou de prova), prescreve no seu nº 1 que “não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral”.
Não é claro este conceito no que se refere ao requisito da generalidade do conhecimento.
O conhecimento geral a que se refere o preceito é o conhecimento por parte da grande maioria dos cidadãos do país, que possam considerar-se regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação[1].
“Acha-se oportuna a indicação de que a ”notoriedade”, vista no facto x ou y, histórico, sociológico, etc., é a conhecida pelo juiz, sem que este necessite de recorrer a operações lógicas e cognitivas, como a juízos presuntivos; o facto apresenta-se notório ao juiz, porque ele o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado”[2].
“São notórios os factos de que o juiz e qualquer outro cidadão normalmente informado tem conhecimento, a nível do País. É, assim, a notoriedade algo que se insere na cultura geral dum pais e que se acentua se o conhecimento exceder as fronteiras nacionais”[3].
Rodrigues Bastos distingue entre facto notório e facto evidente: “este último corresponde à aplicação de verdades axiomáticas próprias das várias ciências; são factos que se apresentam ao juiz como provindos das fontes comuns do saber humano, tais como o conhecimento de que o calor dilata os corpos”[4].
              
No caso concreto, a autora alegou nos artigos 34º, 35º, 40º, e 41º da petição inicial um conjunto de factos que consubstanciam a existência de danos patrimoniais ali descritos, tendo tal matéria merecido resposta negativa.
Por isso, a sentença não condenou no pagamento daqueles danos patrimoniais, por falta de prova.
Não nos parece que, à luz dos princípios acima enunciados, se deva considerar tais factos, como factos notórios. Estes factos podem ser do conhecimento da apelante ou das pessoas que fazem parte do seu relacionamento, mas não o é, nem tem de ser, do tribunal, pelo que não pode ser tomado como facto notório.
Por todo o exposto, improcedem as conclusões da autora, ora apelante.

DO RÉU B…,SA
A douta sentença deu como provado no nº 21 da Fundamentação de facto que, “Em consequência da execução, a autora entrou numa fase de sofrimento psicológico e depressão, com sentimentos de vergonha perante pessoas da sua relação de amizade e do seu conhecimento pessoal, o que lhe causou sofrimento”.
E fundamentou aquela resposta nos seguintes termos:
“Os factos provados em 20) e 21) assentaram no depoimento da testemunha MR…, cuja razão de ciência assentou em ser mãe da autora e nessa qualidade acompanhar a sua vida, a qual deu conta de que acto contínuo à recepção da citação, a autora foi-se abaixo e ficou com uma depressão, pois tinha quatro filhas a seu cargo, sentindo dor e angústia pela situação, tendo dificuldade em encarar os vizinhos que fizeram comentários sobre a casa estar penhorada, tendo os amigos desaparecido, o que se afigurou como uma situação que segundo a normalidade da vida e experiência comum é de molde a suscitar esse tipo de sentimentos e condição psíquica, motivo pelo qual foram dados como provados os factos descritos”.

O facto provado nº 21 respeita aos danos não patrimoniais alegado pela autora.
Pretende o réu que o facto nº 21 seja considerado como não provado. Mais refere que, “ a não ser eliminado o ponto 21 da matéria de facto terá, necessariamente de ser alterado, passando a ter a seguinte redacção, por inexistir nexo causal: "A autora passou por uma fase de sofrimento psicológico e depressão, com sentimentos de vergonha perante pessoas da sua relação de amizade e do seu conhecimento pessoal, o que lhe causou sofrimento" – Cfr conclusão 8ª.

Vejamos o depoimento de MO…, mãe da autora.
O réu seleccionou o seguinte extracto daquele depoimento:
Advogado da Autora: Ora bem, a partir do momento … antes disso a D. F… era responsável, a partir do momento em que foi celebrada a escritura de partilhas entre ela e o ex-marido, ela é que ficou responsável pelo pagamento da prestação ao B…, verdade?
Testemunha: Verdade, verdade.
Advogado da Autora: Nessa altura a D. F… estava a trabalhar?
Testemunha: Ela não estava…
Advogado da Autora: Portanto não tinha rendimento nenhum?
Testemunha: Ela não tinha rendimento, ela não tinha rendimentos… Quem pagou o que estava em atraso fui eu. Tenho tudo, tenho uma pasta, podia-a ter trazido, tenho uma pasta, eu paguei no início logo do que estava em atraso oito mil e sete euros.
Advogado da Autora: Sim senhora. E como é que… nós no tribunal não sabemos aquilo que vai acontecer… (imperceptível) como é que ficou a D. F…?
Testemunha: A D. F… como sempre foi para baixo. Foi para baixo com uma depressão e se não fosse eu que a puxasse para cima e agarrasse o barco que ela tinha na mão que estava a afundar, ela tinha-se afundado, ela tinha-se afundado… porque ainda hoje, que eu desde essa altura paguei os oito mil logo, estava já… Advogado da Autora: em dívida… Testemunha: em dívida, em atraso e peguei logo nas prestações todas dela do Banco. Eu todos os meses quando recebo a minha pensão a primeira coisa que eu faço logo é pagar a prestação dela do banco para não haver mais problemas”.
Ouvido o depoimento da testemunha na gravação áudio, em síntese, disse que sempre teve bom relacionamento com o seu genro, o ora réu. O genro e a filha estiveram separados de facto antes do divórcio, talvez uns 6/7 anos. Ele nunca deu conhecimento da vida da sociedade à sua filha. A filha disse-lhe que nunca tinha entrado no B…, mas recebeu uma carta desse banco. Eu e a minha filha fomos ao banco a Oeiras por causa dessa carta. A minha filha não tinha rendimentos. Quem pagou as prestações em atraso ao B… fui eu. A livrança foi para o tribunal e ele sabia que a filha não tinha culpa nenhuma. A sociedade era dele e nós não tínhamos nada a ver com isso. A F… foi para baixo, com uma depressão e eu é que a puxei para cima para não afundar o barco, se não ela tinha-se afundado. Ela sofreu bastante. Pusemos a hipótese de vender a casa, mas desistimos, porque eu aguentei as prestações do B….
A casa tinha uma hipoteca e ficou com uma penhora. Ouve comentários de amigos e de vizinhos sobre o assunto.
O meu genro assinou a declaração referida em 8º dos factos provados, livre de qualquer coacção. Ele vendia as casas que construía, pagava ao banco e rasgava as livranças. Com este caso isso não aconteceu e ficámos surpreendidas. Mal a minha filha recebeu a carta de citação da execução, ponderámos fazer a queixa-crime contra o genro; só não o fizeram por causa das filhas e resolvemos esperar pela decisão do tribunal.

Análise crítica da prova
Ouvida a gravação áudio respeitante ao depoimento da testemunha, mãe da autora e sogra do réu José Manuel confrontando o mesmo com o extracto acima transcrito e ainda com a fundamentação da sentença, não temos dúvidas em manter o nº 21 da fundamentação de facto. O depoimento foi feito de forma convincente, serena e com conhecimento sobre toda a matéria que incidiu sobre o mesmo.

Assim, improcedem as conclusões 1ª a 8ª das alegações do banco réu.

A QUESTÃO DE DIREITO.

No que respeita à pretensão da autora relativamente ao pagamento dos danos patrimoniais, não tendo sido feita a prova dos factos nºs 25 a 28, a acção merece improceder nesta parte como foi o caso.

Quanto à pretensão do réu B…, SA, há que apreciar dois aspectos que constam das alegações e respectivas conclusões: (i) a prescrição e (ii) a inexistência do nexo causal para afastamento da condenação de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais.

A prescrição
O ré B…, SA e o réu JM… alegaram que a autora foi citada em 07.12.2010 no âmbito do Proc. nº …/…, e que quando formulou a oposição à execução em 07.01.2011, alegou a falsidade do aval inscrito em tal livrança e requereu a realização de peritagem à assinatura, motivo pelo qual, desde a data da citação, estava ciente do direito que lhe assiste.
Alegaram ainda que tendo a acção dado entrada em 01.09.2016 e o ré B…, SA sido citado em 07.09.2016 e o réu JM… posteriormente, e sem que não tenha ocorrido qualquer acto interruptivo da prescrição, verifica-se que à presente data o direito de indemnização que a autora pretende fazer valer já se encontra extinto.

A autora apresentou réplica, dizendo que apenas tomou definitivamente conhecimento do direito que lhe assiste, na sequência da notificação da sentença proferida em 19.12.2013, no âmbito do Proc. nº …/… do 4º Juízo Cível da Comarca de Cascais, a qual apenas transitou em julgado no dia 31.01.2014, pelo que em face da data da decisão proferida, a acção entrou em juízo antes do decurso do prazo de prescrição, a qual não se verificada.

A douta sentença julgou improcedente a invocada excepção de prescrição. O ré e apelante B…, SA recorre também nesta parte, pedindo que seja revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que reconheça, declare e julgue procedente a excepção peremptória extintiva de prescrição, invocada pelo recorrente, absolvendo-o da condenação a título de danos morais.

Cumpre decidir.
A douta sentença decidiu em notável síntese e de forma tão acertada que aqui a reproduzimos, por razões de brevidade e de simplicidade.:
Procurando apreciar a excepção suscitada, cumpre salientar que, nos termos do art. 306.º, n.º 1 do Cód.Civil, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Por sua vez, no caso de responsabilidade civil por factos ilícito ou extracontratual, o art. 498.º, n.º 1 do Cód.Civil, dispõe que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
No caso em apreço, com a citação para os termos da execução, a Autora ficou apenas a conhecer que lhe era imputado a assinatura de um título executivo que servia de base à execução, tendo a mesma no âmbito da oposição à execução deduzida, impugnado o mesmo e requerido os meios de prova tidos por convenientes, para infirmar tal imputação.
Do mesmo modo, com a declaração feita pelo Réu JM…, em 12.03.2012, produzida em data situada entre a dedução da oposição e o resultado da prova pericial, a Autora ficou apenas a saber que indiciariamente o Réu JM… se declarava o autor da sua assinatura, na medida em que tal falsidade ainda não tinha sido pericialmente confirmada.
Assim, apenas em Maio de 2013, data do relatório pericial (fls.79) ficou a Autora a saber que cientificamente, era muito pouco provável que a assinatura fosse da sua autoria.
Contudo, apenas com o trânsito em julgado da sentença final que decidiu a oposição à execução, ficou a Autora ciente de que o seu argumento obteve ganho de causa e que o facto por si alegado ficou definitivamente provado, na medida em que o julgador poderia ter desconsiderado tal meio de prova.
Na verdade, sendo os exames de escrita expressos numa escala de probabilidade, não raras vezes, carece o julgador de fazer intervir outros factos instrumentais para extrair uma conclusão, pelo que à escala de probabilidade, carece sempre de advir uma motivação acrescida, a qual apenas é fornecida com a sentença final.
Logo, apenas a partir da prolação da sentença e respectivo trânsito em julgado, ocorrido em 31.01.2014, ficou a Autora definitivamente conhecedora do direito que lhe assistia contra o autor do preenchimento da livrança.
Por conseguinte, à data da citação dos Réus para a acção, ainda não se mostrava decorrido o prazo prescricional para o exercício do direito.
Pelo supra exposto, julgo improcedente a excepção peremptória de prescrição deduzida”.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 9ª, 10ºª e 11ª das conclusões.

A inexistência do nexo causal para afastamento da condenação de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais.
A douta sentença condenou os réus JM… e B…, SA, solidariamente, a pagar à autora, a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

O apelante B…, SA defende a inexistência de nexo causal que afasta a condenação de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais. O direito ao crédito e ao bom nome da autora não ficou prejudicado e, ainda que assim se não entenda, a quantia arbitrada é manifestamente exagerada e desproporcional à gravidade merecedora de tutela nos termos do artigo 496º do Código Civil.

Cumpre decidir.
Segundo o disposto no nº 1 do 483º do C. Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Nas acções de responsabilidade civil extra-contratual, a causa de pedir é complexa, como complexa é normalmente a situação de facto de onde emerge o direito à indemnização, pressupondo, segundo as circunstâncias, a alegação de matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a conduta culposa ou uma situação coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuízos e o nexo de causalidade adequada entre o evento e os danos.
O facto tem de ser ilícito, ou seja, o agente infringe um dever jurídico através da violação dos direitos subjectivos de outrem, de que são exemplo os direitos de personalidade.
A culpa exigida pelo artigo 483°, n° 1 compreende o dolo e a negligência ou mera culpa, a falta de cuidado, a imprudência em face de determinados tipos de situação.
Enquanto que a ilicitude consiste num juízo de censura sobre o próprio facto, na culpa, esse juízo de reprovação incide sobre o agente em concreto, o qual podia e devia, nas circunstâncias, ter agido de modo diverso.
Quanto ao modo de apreciação da culpa, estipula o artigo 487° n° 2 que não deve atender-se in concreto à diligência habitual do autor do facto, mas in abstracto, ponderando as circunstâncias de cada caso e a diligência do homem médio, do bonus pater famíliae.
A prova da culpa pertence ao lesado (artigo 487° n° 1).

Sob este prisma provou-se o seguinte:
- Em consequência da supra referida execução, a Autora passou a figurar no registo de incidente de incumprimento do Banco de Portugal relativamente ao crédito cedido pela Ré B… – (19º).
- A Autora, em 2010/2011 estava desempregada e tinha a seu encargo quatro filhas, duas maiores e estudantes universitárias e duas menores, uma estudante do ensino Secundário e outra de três anos de idade – (20º).
- Em consequência da execução, a Autora entrou numa fase de sofrimento psicológico e depressão, com sentimentos de vergonha perante pessoas da sua relação de amizade e do seu conhecimento pessoal, o que lhe causou sofrimento - (21º).
- O funcionário do B…, SA, BC…, deveria ter solicitado à autora a subscrição da livrança na sua presença, o que constituía a regra em vigor naquela instituição financeira – (10º).

No caso sub judice, o funcionário do réu B… BC…, actuou no exercício de funções, com negligência no cumprimento das instruções que lhe foram dadas, no sentido da verificação presencial da assinatura nas livranças, o que é suficiente para que se possa afirmar que se encontram preenchidos os pressupostos do seu dever de indemnizar nos termos do artigo 483º do Código Civil e, desse modo, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil do réu BPP, como comitente (artigo 500º do Código Civil) pela conduta praticada pelo seu funcionário.
Mostrando-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, ambos os réus, constituíram-se na obrigação solidária de indemnizar - (artº 497º do Código Civil).

Vejamos agora a obrigação de indemnização em matéria de danos não patrimoniais.
A obrigação de indemnização em geral consiste na restauração natural ou, quando tal se revele impossível ou excessivamente oneroso para o responsável, a compensação em determinada quantia monetária, com a finalidade última de colocar o lesado mais próximo da situação em que se encontraria no momento presente, como se o dano não se tivesse verificado (vd. artigos 562° e 566° n°s 1 e 2).
Os danos não patrimoniais são aqueles que, pelo menos directamente, não são susceptíveis de avaliação pecuniária, reflectem valores de ordem moral, espiritual e, por isso, a obrigação de indemnização tem uma finalidade compensatória.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artº 496º, nº 1).
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (artº 496º, nº 3).
Embora sejam insusceptíveis de avaliação pecuniária bastante para contrapor às dores e sofrimentos, uma situação que, se não anule, ao menos atenue ou minore, de modo significativo os danos dela provenientes.
Compreende tais danos, no dizer acertado da douta sentença, o direito ao crédito e ao bom nome, que é um direito intrínseco de personalidade (artº 70º do Cód.Civil), pelo que ao ver-se a braços com o incumprimento de uma obrigação alheia, como se supostamente fosse própria, os réus ofenderam o bom nome da autora, que sofreu psicologicamente com o sucedido, sendo da experiência comum e normalidade da vida que sinta vergonha por essa situação perante pessoas da sua relação de amizade e que tal sentimento cause sofrimento.

É manifestamente exagerada a quantia de € 10.000,00?

O último argumento do réu B… contido nas suas conclusões diz respeito ao exagero manifesto de tal quantia, que é desproporcional à gravidade merecedora de tutela nos termos do artigo 496º do Código Civil.
Efectivamente, preceitua o nº 1 do artigo 496º do Código Civil que, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Trata-se de danos cuja dimensão não obedece aos critérios correntes de avaliação. O artigo 496º nº 1 limita-se a fornecer um critério com alguma elasticidade, mas inspirado numa razão objectiva, sobre a qual há-de assentar o juízo de equidade.
Nessa perspectiva, só são atendíveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Ora, um dano grave não é um dano exorbitante ou excepcional, mas é aquele que sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade.
É um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação.
Para a dor moral ou psíquica é impossível estabelecer escalas peremptórias: dentro do critério da gravidade, seguir-se-ão os ensinamentos da experiência humana em termos de afectividade e sentimento, segundo um prudente arbítrio de indemnização.
Importa, neste âmbito, encontrar o adequado quantitativo em dinheiro, através do qual se alcança um prazer de neutralizar a dor sofrida.
Nestes danos interfere em especial a natureza e intensidade do sofrimento causado e a sensibilidade do lesado e duração da dor. Pese embora registar-se uma evolução positiva na jurisprudência quanto aos montantes que ultimamente se têm fixado para ressarcir o lesado vítima de danos não patrimoniais, são ainda insuficientes e continuam a pecar, por defeito, com indemnizações muito baixas.
A compensação por danos não patrimoniais visa facultar ao lesado uma importância em dinheiro que seja adequada a propiciar alegrias, satisfações e bem-estar que lhe apaguem da memória o sofrimento físico ou moral, a dor espiritual e física, a vergonha que lhe foi provocada pelo evento danoso, quer seja passado, presente ou mesmo futuro.
A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.
A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado situações ou momentos de prazer ou de alegria, bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor pessoal sofrida[5]
Sem embargo do recurso a critérios pautados por um maior grau de objectividade, a solução da equidade, cujo prudente uso foi confiado pelo legislador aos tribunais que apreciam a matéria de facto, pode assentar na razoável ponderação dos elementos estruturais resultantes da matéria de facto provada. A equidade não se confunde com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro objectivismo do julgador.
A reparação judicial dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração as circunstâncias apontadas no artigo 496º nº 3 do Código Civil, e deve aproximar-se, quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566º do Código Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo tribunal.

É tempo de terminar e de responder à questão formulada e que resulta da conclusão 18ª das alegações do réu B… Mais uma vez, a douta sentença decidiu com muito acerto, ao referir que “o valor de € 10.000,00 euros peticionado, só peca por defeito, face à violência do que a autora teve de suportar pela conduta dolosa do 1º réu e conduta negligente do funcionário do 2 º réu, pelo que o mesmo deverá ser integralmente arbitrado”.
Nesta conformidade, improcedem as conclusões 12ª a 18ª das alegações do réu B…

CONCLUSÕES
- De acordo com o disposto no artigo 306º nº 1 do Código Civil, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.
- No caso de responsabilidade civil por factos ilícito ou extracontratual, o artº 498º nº 1 do Código Civil, dispõe que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
- O funcionário do réu B… BC…, actuou no exercício de funções com negligência no cumprimento das instruções que lhe foram dadas, no sentido da verificação presencial da assinatura nas livranças, o que é suficiente para que se possa afirmar que se encontram preenchidos os pressupostos do seu dever de indemnizar nos termos do artigo 483º do Código Civil e, desse modo, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil do réu B…, como comitente (artigo 500º do Código Civil) pela conduta praticada pelo seu funcionário.
- Nas acções de responsabilidade civil extra-contratual, a causa de pedir é complexa, como complexa é normalmente a situação de facto de onde emerge o direito à indemnização, pressupondo, segundo as circunstâncias, a alegação de matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a conduta culposa ou uma situação coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuízos e o nexo de causalidade adequada entre o evento e os danos.
- A culpa exigida pelo artigo 483° n° 1 compreende o dolo e a negligência ou mera culpa, a falta de cuidado, a imprudência em face de determinados tipos de situação; enquanto que a ilicitude consiste num juízo de censura sobre o próprio facto, na culpa, esse juízo de reprovação incide sobre o agente em concreto, o qual podia e devia, nas circunstâncias, ter agido de modo diverso.
- A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.
- A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado situações ou momentos de prazer ou de alegria, bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor pessoal sofrida.
- A reparação judicial dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração, as circunstâncias apontadas no artigo 496º, nº 3 do Código Civil, e deve aproximar-se, quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566º do Código Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo tribunal.

III-DECISÃO

Atento o exposto, julgam-se improcedentes ambas as apelações, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas das apelações da autora e do réu B…, por cada um dos apelantes.


Lisboa, 12-07-2018


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais 
Isoleta de Almeida Costa



[1]Rodrigues Bastos, “ Notas ao C.P.Civil”, 1972, vol. III, pág. 86 e Alberto dos Reis, “ C. P. Civil Anotado”, vol. III, pág. 261; Manuel de Andrade, “ Noções Elementares”, 1976, pág. 195.
[2]Ac. STJ de 12.11.1991, in BMJ 411- 574.
[3]Ac. STJ de2.7.7.98, in CJ STJ 2/98.161.
[4]ob. cit pág. 86 e 87
[5]Cfr. A. Varela, “ Das Obrigações em Geral”, 9ª edição, Vol. I, pág.628 e Dário Martins de Almeida, “ Manual dos Acidentes de
Viação”, pág. 275.