Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1060/2008-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: INSOLVÊNCIA
FUNDAMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – Constitui ónus do requerente da insolvência a alegação e prova dos factos índices ou presuntivos da insolvência. Tais factos, enunciados nas diversas alíneas do artigo 20º, do CIRE, têm em conta a circunstância de, pela experiência, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.
II – Valor da dívida de montante elevado para efeitos de integração na alínea b) do n.º1 do artigo 20 do CIRE, constitui conceito subjectivo que deverá ser ponderado em função da natureza da actividade profissional exercida pelo requerido e dos rendimentos dela decorrentes, designadamente tendo por comparação o salário mínimo nacional.
(G.A.)
Decisão Texto Integral:       Acordam os Juízes da 2ª Secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:



1.RELATÓRIO


      BANCO SA, intentou a presente acção pedindo a declaração de insolvência de N, alegando para tanto que esta se encontra impossibilitada de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

      Fundamenta a sua pretensão, em síntese, no facto de deter um crédito sobre a requerida no montante global de 42.544,79€, não tendo esta procedido ao pagamento da livrança quando lhe foi apresentada a pagamento, nem posteriormente, não lhe sendo conhecidos quaisquer bens ou rendimentos da sua titularidade para além do recheio da sua residência e do seu escritório, e bem assim o resultado do rendimento do seu trabalho enquanto profissional liberal.

      A requerida devidamente citada, não deduziu oposição.

      Foi proferida sentença que indeferiu o pedido de declaração de insolvência de N.


      Inconformado, veio o REQUERENTE/AUTOR apelar da sentença, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES:

      I — O Digno Tribunal a quo na douta sentença recorrida declarou improcedente o pedido de insolvência da requerida por entender que da factualidade dada como provada, que não discriminou, não resulta o preenchimento dos factos índice no quais o aqui recorrente estribou aquele pedido e que são os vertidos no artigo 20.°, n.º 1, b) do CIRE, nem quaisquer outros previstos nas demais alíneas daquele preceito.

      II — O recorrente estribou o seu pedido nos dois factos índice previstos no citado preceito, alegando, por um lado, que o valor em dívida era de montante que permitia concluir pela presunção de insolvência da requerida e, por outro, que as circunstâncias que rodearam o incumprimento da obrigação também conduziam à mesma conclusão.

      III — O Digno Tribunal recorrido discordou do recorrente no que concerne à integração do facto índice referente ao montante da dívida, não se tendo pronunciado quanto ao preenchimento do facto índice relacionado com as circunstâncias do incumprimento.

      IV — Ora, está provado que a requerida deve ao requerente, à data da apresentação da p.i. de insolvência, a quantia global de € 42.544,79.

      V — Está igualmente provado que a obrigação teve origem no uso em benefício próprio da requerida, no ano de 1994 e anteriores, de quantias entregues à requerida para realização de actos compreendidos no exercício da sua profissão.

      VI — Mais está provado que a requerida, em 26.09.1994 e em 15.11.1994 comprometeu-se a liquidar a dívida em causa ao requerente, sem que o tenha feito até à data.

      VII — Ao contrário do entendimento vertido no douto aresto sub judice, ao recorrente parece-lhe ser notório que o montante em dívida tem uma expressão considerável quando reportado a um devedor individual, como é o caso, sendo certo que no ano de 1994 e anteriores (data em que a dívida nasceu) essa quantia representava um poder aquisitivo muito superior ao actual.

      VIII - A ordem de grandeza do montante em dívida integra assim a factualidade descrita na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.° do CIRE, permitindo concluir que a requerida se encontra impossibilitada de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

      IX — Mais entende o recorrente que, em qualquer caso, a idade e origem da dívida, bem como todas as vicissitudes porque passaram requerente e requerida, ao longo dos anos, no que concerne ao pagamento do crédito, permitem concluir pela impossibilidade de a requerida satisfazer pontualmente as suas obrigações, tratando-se esta de questão efectivamente colocada ao Tribunal a quo e sobre a qual este não se pronunciou.

      X - A douta sentença proferida é, por isso, nula, nos termos previstos no artigo 668.°, n.º 1, d) do CPC, assim devendo ser declarada na hipótese de não ser entendido que o montante da dívida, por si só, não permite concluir pela impossibilidade de a requerida satisfazer pontualmente o cumprimento das suas obrigações.


      Não foram apresentadas contra-alegações.

      Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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    OBJECTO DO RECURSO:[1]

      Emerge das conclusões de recurso apresentadas por BANCO, SA, ora Apelante, que o seu objecto está circunscrito às seguintes questões:


      1.) Nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devia apreciar (al. d), do nº 1, do art. 668º, do CPCivil).
      2.) Impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

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2.FUNDAMENTAÇÃO


    A.) FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA (por confissão):
              

      1.)  A Requerente é credora da Requerida pela quantia global de 42.544,79€, sendo portadora de uma livrança em tal montante, vencida em 9 de Janeiro de 2006 – artigos 1º e 2º da douta Petição.

      2.) A Requerida não procedeu ao pagamento do montante titulado pela livrança quando a mesma lhe foi apresentada a pagamento, nem posteriormente até ao momento presente – artigo 3º da douta Petição.

      3.)  A quantia em divida da Requerida à Requerente, na data da apresentação da Petição de Insolvência, era no montante de 42.544,79€ discriminada do seguinte modo:
        - em capital mutuado e em dívida 42.395€;
        - em juros moratórios calculados à taxa legal de 4% a quantia de 144,03€;
        - imposto de selo sobre os juros moratórios: 5,76€ - artigo 4º da douta Petição.

      4.)  A Requerente interpelou a requerida no sentido de efectuar o pagamento do montante em dívida, tendo-se esta abstido de o fazer até ao momento presente – artigo 5º da douta Petição.

      5.) Não são conhecidos à Requerida quaisquer bens ou rendimentos da sua titularidade para além do recheio da sua residência e do seu escritório e bem assim o resultado do rendimento do seu trabalho enquanto profissional liberal – artigo 6º da douta Petição.

      6.) A Requerente desconhece a existência de outros credores, e dentro destes, os 5 maiores – artigo 7º da douta Petição.

      7.)  A Requerida está incapacitada de obter crédito junto de qualquer outra instituição financeira – artigo 9º da douta Petição.
 
      8.) A livrança foi preenchida em 15.11.2004 e vencida em 09.01.2006, sem que até à data haja sido paga – artigo 10º da douta Petição. 

      9.) No ano de 1994 e anteriores, a sociedade comercial C, S.A. entregou à Requerida, que lhe prestava serviços de solicitadoria, diversas quantias no montante global de 9.773.254$00, a título de adiantamento de preparos para requisição de registos em diversas conservatórias do Registo Predial – artigo 11º da douta Petição.

      10.) A Requerida, porém, não efectuou tais registos e as referidas quantias não foram, entretanto, reembolsadas C – artigo 12º da douta Petição.

      11.) Para pagamento da quantia, em 26.09.2004 a Requerida celebrou com a C o Acordo de Regularização de Dívida e Promessa de Cessão de Créditos – artigo 13º da douta Petição.

      12.) Por via desse acordo a Requerida comprometeu-se a fazer as seguintes entregas à C: 2.000.000$00, em 30/09/1994; 3.000.000$00, em 30.11.1994; treze entregas mensais, iguais e sucessivas nos seguintes valores – 300.000$00, as onze primeiras, com início em 31.12.1994, 400.000$00 a décima segunda e 1.473.254$00 a décima terceira –artigo 14º da douta Petição.

      13.) Dessas entregas a Requerida apenas honrou a primeira, tendo ainda pago avulsamente a quantia de 1.388.000$00, não obstante as diversas interpelações efectuadas pela C no sentido de pagar as prestações remanescentes, vencidas e não pagas – artigo 15º da douta Petição.

      14.) Entretanto, a C, S.A. fundiu-se, por incorporação, na sociedade comercial C S.A., sucedendo nos direitos e obrigações daquela – artigo 16º da douta Petição.

      15.) Em face do incumprimento perpetrado pela Requerente e entendendo que os factos que estavam na base da dívida a regularizar consubstanciavam um crime de abuso de confiança, em 04.06.1999, a C, S.A. apresentou queixa crime contra a Requerida – artigo 17º da douta Petição.

      16.) O inquérito correu os seus termos pela 10.a Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, sob o n.º , tendo-se lhe seguido a fase de instrução que culminou, em meados de 2002, com a prolação de decisão de não pronúncia da arguida (aqui Requerida) — artigo 18º da douta Petição.

      17.) Posteriormente a C, S.A. fundiu-se, por incorporação na sociedade comercial B, S.A. – artigo 19º da douta Petição.

      18.) E, finalmente, o B, S.A. fundiu-se, por incorporação no BANCO , S.A., aqui Requerente – artigo 20º da douta Petição.

      19.) Em 15 de Novembro de 2004, numa derradeira tentativa de acordo para pagamento da dívida sobrante e respectivos juros, a Requerida comprometeu-se perante o BCP, S.A., aqui Requerente, a liquidá-la nos seguintes termos:
        - entrega de € 2.500,00, em 20.01.2005;
        - pagamento do remanescente em prestações mensais, iguais e sucessivas de € 600,0 com início em 08.02.2005, sendo a última prestação no montante que, à data do respectivo vencimento, se encontrasse em dívida ao aqui Requerente — artigo 21º da douta Petição.

      20.) Para garantia das obrigações por si assumidas, a Requerida entregou ao Requerente livrança caução por si subscrita, autorizando o Banco, em caso de incumprimento das obrigações assumidas pela Requerida na referida declaração, a proceder ao respectivo preenchimento pelo valor das responsabilidades em dívida, incluindo juros e outros encargos que fossem devidos e as despesas de selagem do próprio título, apondo-lhe as datas de emissão e vencimento e o local de pagamento que entendesse convenientes – artigo 22º da douta Petição.

      21.) Porque a Requerida não cumpriu com o acordado, o Banco Requerente procedeu ao preenchimento da livrança que colocou a pagamento sem que, aquela a haja pago - artigo 23º da douta Petição.

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    B.) O DIREITO:

     
      Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada, importa conhecer o objecto do recurso, circunscrito pelas respectivas conclusões.       
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    1.) NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÕES QUE O TRIBUNAL DEVIA APRECIAR (AL. D), DO Nº 1, DO ART. 668º, DO CPCIVIL).

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      Alega a Apelante que a sentença recorrida é nula, pois a idade e origem da dívida, ao longo dos anos, no que concerne ao pagamento do crédito, permitem concluir pela impossibilidade de a Apelada satisfazer pontualmente as suas obrigações, tratando-se esta de questão efectivamente colocada ao Tribunal a quo, e sobre a qual este não se pronunciou.
      Vejamos a questão.

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      É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – al. d), do n.º 1, do art. 668º, do CPCivil.
      Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660º, n.º 2, do CPCivil), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.[2]
      Efectivamente assiste inteira razão à Apelante quando refere que “o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a impossibilidade de a Apelada satisfazer pontualmente as suas obrigações”.
      Porém, tal omissão de decisão, na sentença recorrida, não configura a nulidade prevista na al. d), do n° 1 do art. 668°, do CPCivil.
      A omissão de pronúncia constitui uma nulidade de decisão judicial, prevista na al. d), do n° 1, do art. 668°, do CPCivil, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar (incumprimento do dever prescrito no n.º 2, do art. 660°, do CPCivil).
      A omissão de pronúncia está relacionada com o comando contido no n.º 2, do art. 660º, do CPCivil, exigindo ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
      Do princípio de que a sentença deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes exceptuam-se «aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
      Assim, por exemplo, se o tribunal se declara
incompetente para conhecer do pedido, em razão da matéria ou da hierarquia, não faria sentido que na sentença se pronunciasse ainda sobre as questões levantadas pelas partes quanto ao mérito da causa.
      O preceito correspondente do Código de 1939 continha um § único em que se tomava posição quanto ao problema da decisão implícita, considerando que a decisão explícita contida na sentença resolve também todas as questões que, dados os termos da causa, forem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso.[3]
      São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte.
      A omissão de pronúncia que a Apelante invoca – impossibilidade da Apelada satisfazer pontualmente as suas obrigações -, não consubstancia, porém, a nulidade da decisão judicial prevista na al. d) do nº 1 do art. 668º do CPCivil, pois tal questão mostrava-se prejudicada pelo facto do tribunal “a quo” não considerar a divida de montante considerável, e deste modo, não se mostrar verificado o facto índice vertido na alínea b), do n.º 1, do art. 20º, do CIRE.
      Concluindo, a omissão de pronúncia, referida na alínea d), do n.º 1, do art. 668º, do CPCivil, só acontece quando o julgador deixe por resolver questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
      Donde que o presente recurso improcede, quanto à imputação à sentença sob recurso da nulidade prevista na 1ª parte da alínea d), do nº 1, do art. 668º, do CPCivil (indevida omissão de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar).
      Destarte, não se verifica a nulidade arguida pelo Apelante.

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    2.) IMPOSSIBILIDADE DO DEVEDOR SATISFAZER PONTUALMENTE A GENERALIDADE DAS SUAS OBRIGAÇÕES.
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      O processo de insolvência é, nos termos da formulação legal, “um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente” (art. 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, - CIRE - aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março).
      Considera-se em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas – n.º 1, do art. 3º, do CIRE.
      Por sua vez, nas diversas alíneas do art. 20º, do CIRE, estão enunciados os comummente designados factos-índice ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.[4]
      Se o requerente provar qualquer um desses factos e o requerido não demonstrar que, apesar da sua ocorrência, inexiste a situação de insolvência, o tribunal declarará a situação de insolvência – n.ºs 3 e 5, do art. 30º, do CIRE.
      O Apelante fundou a sua pretensão na alegação da verificação do facto-índice enunciado na alínea b), do nº 1, do art. 20º, do CIRE, que dispõe que a “a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por qualquer credor, verificando-se a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
      Tal como o preceito está construído, incumbe ao requerente o ónus de alegação e prova do “facto índice” da verificação de incumprimento em duas situações:
      - de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; (…)”;
      - de uma ou mais obrigações que, pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; (…)”
      Ora, em primeiro lugar, atendendo a que a Apelada exerce uma actividade profissional liberal, a qual não é, na generalidade dos casos, mal remunerada, não se pode considerar o valor da divida de um montante elevado.
      Assim, pese embora se tratar de um conceito subjectivo, atendendo à actividade profissional exercida pela devedora, não se pode considerar que o valor da divida no montante de € 42.544,79 seja de considerar de um “montante” elevado.
      Em segundo lugar, mesmo que se considerasse que a divida era de montante elevado, mas exercendo uma actividade profissional remunerada, a qual gerará rendimentos superiores ao salário mínimo nacional, pois nada está alegado ou provado em contrário, não há por parte da Apelada uma impossibilidade de satisfazer pontualmente as suas obrigações.[5]
      É que estando provado que à Apelada são conhecidos, para além do recheio da sua residência e do seu escritório, o rendimento do seu trabalho enquanto profissional liberal, não há impossibilidade de esta satisfazer a generalidade das suas obrigações, e sempre os credores poderão requerer a penhora de tais bens para pagamento dos seus créditos.
      Só caso a Apelada não exercesse qualquer actividade profissional remunerada, ou tivesse uma remuneração de montante idêntico ou inferior ao salário mínimo nacional, é que haveria uma impossibilidade de satisfazer a generalidade das suas obrigações, o que não está demonstrado.
      Por outro lado, também não se pode entender que a idade e origem da dívida, permitem concluir pela impossibilidade de a Requerida satisfazer pontualmente as suas obrigações, pois além da livrança se ter vencido em 09.01.2006, isto é, um mês antes da entrada da acção em juízo, esta pode não ter sido paga por quaisquer outros motivos, que não o de estar impossibilitada de o fazer.    
      E, se a não pagou porque “não quis”, não se poderá dizer que está impossibilitada de cumprir as suas obrigações, e portanto, numa situação de insolvência.
      Por outro lado, estando provado que a Apelada tem rendimentos provenientes da sua actividade profissional, também não se poderá dizer que não pagou, porque “não pôde”.
      Concluindo, não se tendo por verificado o facto índice referido na alínea b), do n.º 1, do art. 20º, do CIRE, não há que declarar insolvente a Apelada, improcedendo, deste modo, o recurso interposto, sendo de confirmar a decisão proferida pelo tribunal “a quo”.

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3.DISPOSITIVO
          

    DECISÃO:

      Pelo exposto, Acordam os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de Apelação e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida.    

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      REGIME DE CUSTAS:

      Custas pelo Apelante, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido - art. 446.º, do CPCivil.



Lisboa,2008-03-06


(NELSON PAULO MARTINS DE BORGES CARNEIRO)


(ANA PAULA LOPES MARTINS BOULAROT)


(LÚCIA CELESTE DE SOUSA)

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[1] As conclusões das alegações do recorrente fixam o objecto e o âmbito do recurso – n.º 3, do art. 684.º e, n.º 1, do art. 690.º, do CPCivil.
  Todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
  Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

[2] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.°, pág. 670.
[3] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5º, pág. 58 e ss.
[4] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. I, pág. 131.
[5] O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b), do n.º 1, e no n.º 2, do art. 824.º, do CPCivil, na parte em que permite a penhora até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a divida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional - Acórdão n.º 177/02, de 2002.04.23, DR, I-A Série, n.º 150.