Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1837/12.3TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Da conjugação do n.º2 do artigo 71º da nova LAT e do artigo 258 do Código do Trabalho, resulta que o conceito de retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, alarga-se a todas as prestações recebidas com carácter de regularidade, mesmo que estas, face à lei geral, não revistam natureza retributiva, e desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
2. No caso em apreço, apurou-se a regularidade da pagamento da prestação em causa (650,11€ x 12 meses) que inclui ajudas de custo, sem que se tenha apurado que este pagamento se destinava a compensar custos aleatórios do sinistrado – isto é custos de natureza acidental e meramente compensatória - prova que competiria à entidade empregadora, face à prova da regularidade daquele pagamento.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos de acção emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AA, entidade empregadora - BB, SA, e seguradora responsável Companhia de Seguros CC, S.A., foi proferida decisão nos seguintes termos: Absolvo as responsáveis de pagar ao sinistrado qualquer pensão, condenando-as apenas a pagar-lhe as seguintes quantias: - €2.140,07, a cargo da entidade patronal, a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporárias, atento o valor já pago pela Seguradora e constante de fls. 31 e ss; - €20,00, acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo pagamento, título de indemnização por transportes, sendo € 10,00 a cargo da Seguradora e € 10,00 a cargo da entidade patronal.

Entidade empregadora, inconformada, interpôs recurso, tendo para o efeito suscitado as nulidades da sentença, previstas nas alíneas a) b) e d) do artigo 668º do CPC. Sustenta, ainda, que as quantias recebidas pelo sinistrado a título de ajudas de custo não podem fazer parte da retribuição para efeitos de cálculo da indemnização por incapacidades temporárias.

Foram apresentadas contra-alegações, apenas, pela seguradora.
Colhidos os vistos legais.

Apreciando
 Fundamentos de facto 
Foram considerados provados, com base no acordo das partes na fase conciliatória e no resultado do exame por junta médica, os seguintes factos:
1. No dia 15.03.2011, quando prestava o seu trabalho de motorista de veículos pesados à sociedade BB, S.A., em execução de um contrato de trabalho entre ambos vigente, o sinistrado, ao carregar uma bobine, entalou e fracturou o dedo anelar da mão direita, de que lhe resultaram as lesões e sequelas descritas nos autos, de que se encontra curado sem desvalorização desde a data da alta em 30.08.2011.
2. À data do acidente, o(a) sinistrado(a) auferia a retribuição anual de € 18.982,78 (€710,00 x 14 (salário base) + €5,13 x 22 x 11 (subsídio de alimentação) + € 650,11 x 12 (outras remunerações).
3. A entidade patronal tinha a responsabilidade emergente do acidente de trabalho parcialmente transferida para a seguradora supra identificada, em função da remuneração de € 9.885,14 (€610,01 x 14 + € 1.345,00 x 1)
4. O sinistrado despendeu em transportes com deslocações a tribunal a quantia de Euros 20,00.

         Fundamentos de direito
         Comecemos por apreciar as invocadas nulidades de sentença
         Falta de assinatura do juiz - al.a) do n.º1 art.º 668 do CPC
    Resulta da sentença recorrida que foi aposta a assinatura electrónica, tal como consta no canto esquerdo da 1ª folha da sentença (fls.135), pelo que improcede, desde logo, a sua arguição.
         Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – aliena b) do mesmo normativo legal; e falta da apreciação da qualificação das ajudas de custo como retribuição - al.d) do n.º1 do mesmo art.º668
       Ora, como consta da sentença recorrida, os factos dados como provados decorrem do acordo das partes na fase conciliatória e do resultado exame por junta médica. Igualmente, constam da mesma sentença as normas legais da Lei n.º98/2009 em que se baseia a decisão proferida, e foi ainda entendido que a retribuição que serve de cálculo ao pagamento da indemnização arbitrada, abrange todas as prestações auferidas pelo sinistrado com carácter de regularidade. Assim sendo, carecem de fundamento as invocadas nulidades de sentença.  
          Importa, agora, apreciar a última questão suscitada, ou seja, em que medida, a entidade empregadora/Recorrente deve ou não ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização arbitrada ao Autor, em função dos valores pagos pela Recorrente a título de ajudas de custo. Com efeito, o que está causa é saber se, para além da indemnização pelas incapacidades temporárias já pagas pela Ré seguradora, em função da responsabilidade para si transferida, deverá a Recorrente pagar a quantia em que foi condenada na sentença recorrida a título indemnização por incapacidade temporária, com base nos valores relativas ao montante de 650,11 x 12meses - que a recorrente identifica como de ajudas de custo e que segundo o seu entendimento não fazem parte da retribuição do autor, ao abrigo do n.º2 do artigo 71º da Lei n.º98/2009, de 4.09.
         Mas também aqui se nos afigura que a recorrente carece de razão.
Na fase de conciliatória a Recorrente aceitou que o sinistrado além das quantias recebidas a título de retribuição-base e subsídio de alimentação auferia outras retribuições variáveis, cujo montante corresponde à média mensal de 650,11 € x 12 meses -fls.70 e 112 a 115, questiona, contudo, que tal quantia possa fazer parte da retribuição do sinistrado para efeitos de cálculo da indemnização por incapacidade temporária.
Vejamos
   Dispõe o n.º2 do artigo 71ºda LAT (Lei n.º98/2009): “Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebida com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.”.
Por outro lado, o Código do Trabalho, no seu artigo 258º, dispõe que a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie, mas exclui, expressamente, de tal conceito as ajudas de custas, nos termos do n.º1 a) do art.º260, do mesmo Código.
         Ora, da conjugação das normas citadas resulta que o conceito de retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, alarga-se a todas as prestações recebidas com carácter de regularidade mesmo que estas, face à lei geral, não revistam natureza retributiva, e desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, aludindo-se, assim, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações - n.º2 do artigo 71º da nova LAT. 
         No caso em apreço, apurou-se a regularidade da pagamento da prestação em causa (650,11€ x 12 meses) sem que se tenha apurado que este pagamento se destinava a compensar custos aleatórios do sinistrado – isto é custos de natureza acidental e meramente compensatória - prova que competiria à entidade empregadora, face à prova da regularidade daquele pagamento. Com efeito, a regularidade do pagamento da prestação em causa (€650,00,11X12meses) evidencia que aquele montante faz parte do orçamento normal do trabalhador, conferindo-lhe a expectativa regular do seu recebimento, conferindo-lhe a natureza retributiva, à luz do n.º2 do artigo 71º da Lei n.º98/2009. Sabendo que esta questão tem tido entendimentos diversos na jurisprudência, citamos um dos últimos acórdãos do STJ sobre a matéria, onde se decide no mesmo sentido, vide acórdão de 17.03.2010, no recurso nº436/09.1YFLSB-4ª publicado, em www. dgsi, quando refere: “Resultando provado que o sinistrado auferia, a título de ajudas de custo, valores fixos e diários – logo, independentes de quaisquer custos ou despesas aleatórias – devidos por cada dia de trabalho - no que se evidencia a sua correspectividade com o trabalho desenvolvido pelo trabalhador, seguramente mais penoso por estar deslocado - sem necessidade de qualquer comprovativo, é de concluir integraram tais valores o conceito de retribuição e, nessa medida, integrarem, igualmente, o cálculo das prestações reparatórias emergentes do acidente de trabalho.
Deste modo, face à comprovada regularidade da sua atribuição, concluímos pela natureza retributiva do montante em causa (€650,11 X12 meses), pago a título de outras remunerações, para efeitos do cálculo das indemnizações por incapacidade temporária, ao abrigo do n.º2 do art.º71, da Lei n.º98/2009 de 4-9.
        
         Decisão
         Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e confirma-se a sentença recorrida.
         Custas pela recorrente.
         Lisboa, 26 de Março de 2014.

         Paula Sá Fernandes
         Filomena Manso
         Duro Mateus Cardoso
Decisão Texto Integral: