Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18085/17.9T8LSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: ARRENDAMENTO
VENDA DE IMÓVEL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) O juiz não deve atuar o princípio do inquisitório (cfr. artigo 411.º do CPC), na obtenção de documento, se com a junção do mesmo se pretende provar facto subtraído ao conjunto dos factos a provar, por ter sido considerado assente, sem reclamação, nos termos do disposto no artigo 574.º, n.º2, do CPC.
II) A prova da declaração do titular da preferência ao obrigado à preferência, em conformidade com o disposto no artigo 416.º, n.º 2, do CC, não se encontra sujeita a forma legal, não dependendo da junção ao processo de documento escrito que a comprove.
III) As declarações de parte estão, ab initio, no mesmo nível que os demais meios de prova livremente valoráveis. A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade, pelo que, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.
IV) Quando o obrigado à preferência não tenha cumprido o dever de comunicação previsto no art.º 416.º, n.º 1 do CC, tenha-o cumprido defeituosamente (realizando a comunicação com um conteúdo diferente do devido e que não corresponda ao negócio ajustado com o terceiro, ou omitindo propositadamente algum aspeto relevante) ou, ainda, tenha cumprido a obrigação de dar preferência nos termos devidos, mas, tenha realizado o contrato projetado com o terceiro sem aguardar pela resposta do preferente (ou ignorando a sua vontade expressa de preferir), o titular do direito de preferência dispõe de meios processuais de tutela.
V) Entre esses meios contam-se a ação de responsabilidade civil (para ressarcimento de danos que o incumprimento definitivo ou o cumprimento defeituoso da comunicação para a preferência lhe tenha causado) e a ação de preferência (que lhe permite haver para si a coisa alienada).
VI) Não se mostra excluída a possibilidade de o titular da preferência instaurar outra ação judicial onde, porventura, pretenda o reconhecimento da ineficácia da comunicação para preferir, com vista a desencadear a obrigação de realização de nova comunicação, nos termos legalmente devidos.
VII) Nos termos do art.º 1091.º, n.º 1, al. a) do CC (na redação dada pela Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro), o direito de preferência atribuído ao arrendatário coincidia e estava limitado ao local arrendado, pelo que sendo arrendatário de parte do imóvel não sujeito ao regime de propriedade horizontal não poderia, nesse caso, o arrendatário beneficiar de direito relativamente ao locado, por não constituir um bem jurídico autonomizável, nem a todo o imóvel, em caso de venda ou dação em cumprimento.
VIII) A tutela da eventual confiança frustrada da autora – a quem foi comunicado o projecto de venda do imóvel arrendado e as cláusulas de contrato projectado, para querendo manifestar a vontade de preferir na aquisição - não se obtém pelo reconhecimento indevido de um direito de preferência que não obtém acolhimento legal.
IX) Relativamente aos concretos elementos que devam ser objecto de comunicação pelo obrigado à preferência, os mesmos só em concreto poderão ser considerados, muito embora entre eles deva figurar, inelutavelmente, a intenção de venda, o preço e as condições fundamentais que determinam o negócio. A identidade do comprador pode, ou não - o que só em concreto pode ser aferido - ser elemento necessário da comunicação.
X) Tal é particularmente evidente em arrendamentos como o presente, para fins não habitacionais, em que não está em questão um arrendamento para habitação, onde a tutela da casa de habitação não ocorre com a mesma premência.
XI) Nos termos do artigo 542.º do CPC, a litigância de má-fé abarca não só a lide dolosa, mas também, a lide temerária (esta última ocorrerá quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro, constituindo esta um “mais” relativamente à lide meramente imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, actuando culposamente, mas apenas com culpa leve).
XII) O julgador deve ser especialmente cauteloso e prudente na aferição das situações passíveis de constituírem litigância de má fé, apenas devendo determinar a condenação se se patentearem as condutas típicas e, bem assim, o dolo ou a grave negligência na sua prática.
XIII) Tendo a autora, após o recebimento da comunicação para preferir, avaliado do seu interesse, tendo desenvolvido diligências no sentido de aferir se encontrava os fundos necessários para comprar o imóvel, mas, não conseguindo angariar o dinheiro suficiente, não vindo a manifestar vontade de preferir no prazo que lhe foi assinalado e, tendo a autora, no dia 02-08-2017, após o decurso deste prazo, sabido que a escritura - que nos termos comunicados se deveria realizar até 31-07-2017 – ainda não se tinha realizado e, na sequência disso, instaurado a presente ação, para reconhecimento da ineficácia da comunicação operada, tendo feito o registo da mesma no registo predial em 03-08-2017 e prosseguido na lide, e apesar de não assistir fundamento para a procedência da sua pretensão, não litiga de má fé, por tais circunstâncias se encontrarem, ainda, no núcleo de exercitação admissível do direito de ação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL, identificada nos autos, intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., SUMMERCITY, S.A. e NBALANCE – SOLUÇÕES INTEGRADAS DE EMAGRECIMENTO, S.A., também identificadas nos autos, tendo pedido o seguinte:
“a) Deve a 1ª Ré ser condenada a abster-se de celebrar escritura pública de compra e venda do prédio urbano destinado a serviços sito na Rua …, …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de Coração de Jesus, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia com todo e qualquer adquirente, incluindo com qualquer uma das Rés, enquanto a Autora não for cabalmente notificada do (novo) projecto de venda e respectivas cláusulas e condições do negócio de venda do mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 416º a 418º do Código Civil, de modo a poder eventualmente exercer a preferência que lhe assiste;
Caso à data de prolação da sentença tenha já sido realizada a referida escritura pública de compra e venda, hipótese que se coloca, sem conceder:
b) Deve a comunicação remetida pela 1ª Ré à Autora em 5 de Julho de 2017 ser declarada ineficaz e de nenhum efeito, porque equivalente à falta de notificação, e em consequência, ser declarada nula a venda do prédio em apreço, com as legais consequências;
c) Devem, ainda e em qualquer caso, as Rés serem solidariamente condenadas a pagar custas e demais encargos com o processo e procuradoria condigna;”
Para fundamentar tais pedidos, alegou, em suma, que a primeira ré é proprietária do prédio urbano sito na Rua …, …, em Lisboa, e que por contrato de arrendamento celebrado em 27-05-2011, a referida ré deu de arrendamento duas fracções autónomas (totalidade do 2º andar e, inicialmente, 5 (cinco) lugares de estacionamento individuais sitos no Piso -2) a JM…, o qual é advogado e seu sócio, pelo que, em 15-07-2011, foi celebrado o contrato de cessão de posição contratual em lhe cede a sua posição de inquilino, tendo sido feitos vários aditamentos a tal contrato. Por carta datada de 05-07-2017, a 1ª Ré notificou-a para, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1091º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, querendo, exercer o direito de preferência na venda da totalidade do referido prédio, não tendo a autora exercido a preferência. A 3ª é arrendatária dos Pisos 0, 1, lado direito e frente, e do piso 4, bem como de 9 lugares de estacionamento no Edifício Classique e, nessa qualidade recebeu da 1.ª Ré, em 06 de Julho de 2017, a carta datada de 05 de Julho de 2017 através da qual foi notificada para, querendo e nas condições ali indicadas, exercer o direito de preferência na aquisição do Edifício Classique, nomeadamente que a escritura pública de compra e venda seria realizada até ao dia 31.07.2017, ficando o respetivo agendamento a cargo do vendedor. Tal ré no prazo que foi conferido, decidiu exercer o direito de preferência na aquisição. Posteriormente, a 1.ª ré comunicou à 3ª ré para comparecer no dia 04-08-2017, nas instalações que aquela ocupa na Avenida …., n.º … – ….º andar, em Lisboa, para a outorga da escritura pública de compra e venda do Edifício Classique. Tendo tomado conhecimento que a realização da escritura pública não teve lugar até ao dia 31.07, a autora enviou à 1ª ré, que a recebeu, com a data de 02-08-2017 a carta em que refere que fica a aguardar por novas condições e prazos entendendo que as condições do negócio que lhe foram comunicadas anteriormente deixavam de ser válidas e que tinha direito a ser novamente notificada para exercer o seu direito de preferência, o que lhe comunicou.
A autora procedeu ao registo da ação.
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A ré SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A. contestou, defendendo-se por exceção invocando que o direito de preferência invocado pela autora se mostra extinto por caducidade, não tendo aquela depositado o respetivo preço nesta ação, tendo a autora atuado em manifesto abuso de direito, porquanto, sabendo que não tinha exercido o seu direito de preferência e que não lhe agradava ser inquilina da Nbalance, decidiu impedir a concretização do negócio para fazer estrago sem o compromisso negocial, uma vez que não manifestou interesse em adquirir o imóvel nem depositou o preço, procedendo ao registo da presente ação para obstaculizar a realização da escritura pública.
Defendeu-se também por impugnação, pugnado pela improcedência total dos pedidos formulados pela autora devendo ser levantado o ónus por ela registado.
Deduziu reconvenção alegando, em suma, que ao intentar a presente ação e procedendo ao seu registo, a autora pretendeu evitar a celebração do negócio de compre e venda do imóvel mas não se dispôs a comprá-lo e deu causa à perda do negócio, pelo que, sofreu e sofrerá prejuízos financeiros daí decorrentes, que se traduzem nos juros vencidos e vincendos dos encargos bancários relacionados com o crédito com hipoteca e consignação de rendimentos que esta teve de suportar e que ficaram por liquidar com a não concretização da venda e nos juros do capital remanescente da satisfação do encargo bancário.
Concluiu, pedindo o levantamento do registo e a condenação da autora a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos causados a liquidar posteriormente e, ainda, a condenação daquela como litigante de má fé em multa e indemnização para reembolso das despesas que teve de suportar para se defender nestes autos.
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A ré NBALANCE – SOLUÇÕES INTEGRADAS DE EMAGRECIMENTO, S.A contestou e deduziu pedido reconvencional alegando, em suma, que desde logo manifestou interesse em exercer o direito de preferência e adquirir o prédio, ao contrário da autora que nem sequer solicitou à proprietária quaisquer informações sobre o prédio. Explica a relação entre a ré Summercity e a sociedade Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A., as quais pertencem ao mesmo grupo económico, sendo a autora membro do conselho fiscal desta última e representada nesse conselho pelo Dr. FC…, sócio e advogado na sociedade aqui autora. Alega ainda que a autora não tinha dinheiro para comprar o imóvel, quer a escritura se realizasse até dia 31.07.2017 quer se realizasse no dia 04.08.2017 e, por isso, não exerceu o direito de preferência. Em reconvenção, peticionou o seguinte:
“b) Que seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional, condenando-se a Autora, Reconvinda, a pagar à 3.ª Ré, Reconvinte, uma indemnização no valor de 26.679,24 Euros, pelos prejuízos já sofridos, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal, até integral e efetivo pagamento, desde a data da citação para contestar este pedido;
c) Condenando-se ainda a Autora a indemnizar a 3ª Ré pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, tudo a apurar em incidente de liquidação na própria ação ou em execução de sentença;
d) Condenar a Autora no pagamento das custas processuais.
Por mera cautela de patrocínio, e sem conceder,
e) Caso venha a julgar-se a presente acção procedente, por provada, seja a 1.ª Ré condenada no pagamento exclusivo da totalidade das custas processuais, por a elas ter dado causa.
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A ré SUMMERCITY, S.A., apesar de devidamente citada, não contestou.
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A autora veio apresentar réplica e responder à matéria excecionada.
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Foi realizada audiência prévia, na qual foi julgada improcedente a exceção de caducidade arguida pela ré SILCOGE e fixado o objeto litígio e os temas da prova.
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Realizada audiência de julgamento, em 19-06-2019, foi proferida sentença decidindo:
“1. Julgar totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolve as rés Silcoge – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., Summercity, S.A., e Nbalance - Soluções Integradas de Emagrecimento, S.A., dos pedidos contra elas formulados pela autora e, consequentemente, determina-se o imediato levantamento do registo da presente acção.
2. Julgar procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré Silcoge – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., condenando a autora a pagar-lhe a, a título de indemnização, a quantia que vier a ser liquidada após trânsito em julgado da sentença no respectivo incidente de liquidação.
3. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional constante da alínea a), do pedido formulado pela ré Nbalance - Soluções Integradas de Emagrecimento, S.A condenando a autora a pagar-lhe uma indemnização no valor de 18.000 (dezoito mil) Euros, pelos prejuízos já sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a sua a notificação para replicar, até integral e efetivo pagamento.
4. Julgar procedente o pedido reconvencional constante na alínea b) do peido deduzido pela ré Nbalance - Soluções Integradas de Emagrecimento, S.A, condenando a autora a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, quantia essa a ser liquidada após trânsito em julgado da sentença no respectivo incidente de liquidação.
5. Condenar a autora Plácido de Abreu e Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL., como litigante de má fé na multa no valor de 80 (oitenta) Ucs e a pagar à ré Silcoge – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., uma indemnização nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 543.º, do C.P.C, competindo a esta apresentar os elementos necessários à sua fixação nos termos do disposto no n.º 3, do mesmo artigo, após audição da autora”.
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Não se conformando com a referida sentença, dela apela a autora, formulando as seguintes conclusões:
“A. Da leitura da factualidade considerada provada e da respectiva fundamentação decorre que, com o devido respeito, existe uma manifesta ausência de exame crítico da prova produzida e falta de rigor na elaboração da sentença ora em crise;
B. A par da incorrecta selecção dos factos relevantes para a decisão da causa, inexiste uma análise crítica e ponderada dos documentos juntos aos autos, são desconsiderados testemunhos genuínos, credíveis e isentos e, bem assim, são desconsideradas declarações de parte suportadas e apoiadas pela restante prova produzida nos autos;
C. A redação da alínea R) dos Factos Provados deverá ser alterada para “A 3.ª Ré, no dia 18.07.2017, exerceu o seu direito de preferência na aquisição do Edifício Classique.” Pois isso resulta da confissão obtida em sede de declarações de parte do representante legal da 1.ª Ré, o qual, como consta da motivação da sentença ora em crise, confirmou que a carta remetida pela 3.ª Ré a exercer a preferência data de 18.07.2017;
D. Assim sendo, da conjugação dos factos constantes das alíneas Q) e R) (na redacção ora propugnada), é forçoso concluir pela caducidade do direito da 3.ª Ré no exercício da preferência, com as demais consequências daí decorrentes;
E. Na hipótese de se considerar que as declarações de parte não são suficientes para a prova do dia 18 de Julho de 2017 como a data de exercício da preferência por parte da 3.ª Ré – e perante a relevância absoluta deste facto para a boa decisão da causa, designadamente no que concerne ao pedido reconvencional deduzido pela 3.ª Ré – impunha-se que o Tribunal “a quo”, ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no art. 411.º do CPC, determinasse a junção aos autos da carta de exercício da preferência, o que não ocorreu;
F. A caducidade do direito de preferência é uma questão de conhecimento oficioso, competindo ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer;
G. Os factos considerados provados na alínea EE) dos Factos Provados estão incompletos face à prova produzida, devendo, em sua substituição, ser considerado provado que “A autora não conseguiu assegurar até ao dia 14 de Julho de 2017, data limite para o exercício do direito de preferência, o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€”, bem como ser acrescentado um novo facto relevante para a boa decisão da causa: “Após a data limite para o exercício do direito de preferência, a autora conseguiu assegurar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€ até 31 de Julho de 2017”;
H. A data relevante para aferir da capacidade de pagar o preço até 31 de Julho de 2017 era o dia 14 de Julho, data em que terminava o prazo para o exercício do direito de preferência, conforme oportunamente alegado pela Recorrente, sob pena de se assumirem obrigações de forma absolutamente leviana;
I. A prova da data em que a Recorrente aferiu da sua capacidade para adquirir o Edifício Classique resulta dos depoimentos das testemunhas RA…, que, com base nos contactos mantidos com a Recorrente à data dos factos, confirmou que esta pretendia “garantir os meios necessários em tempo de exercer o direito de preferência”, bem como da testemunha PM…, trabalhador do Banco Invest na área do crédito e autor da proposta de crédito apresentada à Recorrente por aquele banco, depoimentos estes que confirmam as declarações de parte prestadas pela Recorrente através do seu sócio JF…;
J. Resulta, também, do depoimento da testemunha JN…, o qual confirmou que a Recorrente não exerceu o direito de preferência porque “não tinha a certeza absoluta de conseguir o financiamento no prazo para o exercício da preferência conforme tinha sido dado” e, mais longe, confirmou também que, no final de Julho de 2019, mediante o seu financiamento, a Recorrente tinha capacidade financeira para a aquisição do imóvel em causa (entre outras, passagem 0:12:01:7 do respectivo depoimento);
K. A capacidade financeira da Recorrente para a aquisição foi, ainda, confirmada pela testemunha PC…, advogado e sócio da Recorrente, e bem assim, pelas declarações de parte da Recorrente, sendo certo que nenhuma prova em sentido contrário foi feita;
L. Os factos constantes das alíneas BBB) e DDD) dos Factos Provados deverão, por falta de prova bastante e por violação do disposto nos arts. 364.º e 393.º do CC, ser considerados não provados;
M. O Tribunal “a quo” bastou-se com declarações de parte e depoimentos de testemunhas, ambos prestados de forma manifestamente vaga e imprecisa e assentes em estimativas, para considerar provados factos que necessariamente são suportados por documentos na posse das Rés e que estas, por estratégia ou inércia, não juntaram aos autos;
N. De acordo com as regras do ónus da prova, competia às Rés fazerem prova dos respectivos prejuízos e, para o efeito, sendo tais prejuízos sustentados em contratos de abertura de crédito e facturas de assessoria financeira e legal, é manifesto que a sua demonstração é feita com respectivos documentos de suporte;
O. A não junção aos autos de documentos que titulem os prejuízos e gastos reclamados pelas Rés apenas poderá ter uma consequência: a ausência de prova de tais prejuízos e danos, a qual não pode ser colmatada com a relegação para liquidação em execução de sentença;
P. Os factos relativos à suficiência dos elementos para análise do negócio (arts. 27.º e 28.º da Réplica) ficaram demonstrados, por um lado, com base na prova documental junta aos autos, designadamente o anexo da notificação para o exercício do direito de pronúncia e, por outro, pelo depoimento das testemunhas já identificadas PC…, Pm… e RA…, corroborado pelas declarações de parte da Recorrente, impondo-se que seja considerado provado que “Para o referido em XX), a Autora tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio, designadamente, áreas das fracções do prédio, identificação dos arrendatários e prazos de vigência dos respectivos contratos de arrendamento, valores dos encargos para o Condomínio”;
Q. Quanto ao relacionamento da Recorrente com o Grupo Explorer, dos depoimentos das testemunhas RG… e AL…, conjugado com as declarações de parte da Recorrente – e sem qualquer prova produzida em sentido contrário – impõe que sejam considerados provados os seguintes factos:
“- A Autora, apesar de membro do Conselho Fiscal da Explorer Investments, entidade gestora do Explorer Real Estate I, nunca comentou, relatou, informou ou referiu àquela entidade, ou a qualquer entidade relacionada com mesma, qualquer facto relativo ao litígio em questão;
- E só depois da presente acção estar instaurada é que a Autora, informalmente por uma questão de transparência, informou a Explorer Investments que havia intentado uma acção contra a 2.ª Ré. “
R. Tais factos devem ser integrados na factualidade provada porque demonstram, com clareza, que a suspeita levantada pelo Tribunal “a quo” sobre a conduta da Recorrente e atentatória do seu bom nome é absolutamente infundada;
S. Mas mesmo que assim não se entendesse – o que não se concede – continuariam a ser absolutamente inadmissíveis, face à prova produzida, as considerações sobre “segundos interesses” subjacentes à actuação da Recorrente, as quais falecem desde logo pela falta de lógica;
T. A sentença em crise erra de forma profunda e grosseira na subsunção do direito aos factos, e assentou num pré-juízo que inquina todo o raciocínio jurídico subjacente à sua fundamentação: o de que a Recorrente não podia ter configurado a sua pretensão em juízo da forma como o fez, e devia ter proposto uma acção de preferência;
U. O Tribunal “a quo” fica refém do seu próprio pré-juízo, o qual tolda, prejudica e contamina a apreciação da prova e a aplicação do direito aos factos;
V. A posição do Tribunal implicaria graves distorções no comércio jurídico e uma prestação desequilibrada, com grave prejuízo para Recorrente, se fosse obrigada ao depósito do preço do prédio numa acção em que pretende – somente – a apreciação da (in)eficácia da comunicação remetida pela 1ª Ré SILCOGE para exercício do direito de preferência;
W. Tão arreigada convicção foi repercutida na desproporcionada condenação da Recorrente como litigante de má-fé, numa multa tanto de excessiva como de rara;
X. Está em causa nos presentes autos o facto de a 1ª Ré não ter comunicado, o “projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato”, conforme estatui o artigo 416º do Código Civil;
Y. Existe uma incerteza ou vaguidade quanto ao potencial comprador, mas sobretudo, a data até à qual era obrigatório o pagamento do preço deixou de o ser;
Z. O objecto do litígio não passa por saber se a Recorrente (não) exerceu o direito de preferência, e a questão controvertida consiste antes em saber se existem desconformidades que assentam sobre elementos essenciais do negócio: a identificação concreta do comprador e, em especial, a data (real) até à qual se podem reunir fundos para pagar o preço;
AA. A pretensão da Recorrente foi devidamente compreendida e delimitada no douto despacho saneador de 19 de Julho de 2018, que fixou objecto do litígio e teve o particular cuidado de fundamentar as razões dessa delimitação, no qual se lê o seguinte:
Considerando a causa de pedir invocada na petição e o pedido formulado a presente acção não se configura, manifestamente, como uma acção de preferência. A autora não pretende por via desta acção exercer o seu direito de preferência; não pretende provocar uma mudança na ordem jurídica existente; não se pretende substituir a qualquer adquirente do bem em causa. A exigência constante do art. 1410º do C. Civil no que tange ao depósito do preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção apenas tem aplicação quando está em causa uma acção de preferência. Assim sendo não será certamente o facto de a autora não ter depositado o preço devido que determinará a extinção do direito que a autora pretende fazer valer nesta. Nesta acção, considerando a causa de pedir e o pedido formulado, está em causa determinar se a comunicação que o obrigado à preferência deve dirigir, nos termos do artigo 416.º do Código Civil, ao preferente legal, e que no caso dirigiu, observou todos os requisitos legais, dado que como é sabido a comunicação levada ao conhecimento do titular da preferência deve conter todos os elementos essenciais à venda que possam influir na formação da vontade do preferente. Nesta acção pretende-se determinar se existiu ou não uma comunicação efectiva daqueles elementos ao titular da preferência, ou seja, à autora. É que se não existiu tal comunicação válida e eficaz a atitude da autora, traduzida em não ter exercido o direito de preferência no prazo que lhe foi assinalado na comunicação efectuada pela 1ª ré, não tem qualquer relevo em termos de caducidade do direito pois a comunicação não produziu efeitos. Se a comunicação for ineficaz não releva a atitude que o preferente venha a assumir, não se podendo entender que o facto de não ter exercido o direito no prazo indicado faz caducar aquele direito. É que se a comunicação para preferência não contiver todos os elementos essenciais à venda que possam influir na formação da vontade do preferente não obedece aos requisitos legais, pelo que é ineficaz. É que no fim de contas a notificação deficiente é equiparada à falta de notificação – veja-se A. Varela, RLJ ano 121, pg. 360. Em suma: os argumentos aduzidos pela 1ª ré para sustentarem a extinção do direito de preferência que a autora alega não se coadunam com a presente acção em que se pretende apurar se a notificação operada pela 1ª ré obedece ou não aos requisitos legais; se é ou não eficaz.”
BB. O entendimento plasmado na sentença, para além de profundamente errado, contraria expressa e frontalmente o douto despacho saneador, que transitou em julgado e não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes, pelo que se impunha-se ao Tribunal “a quo” julgar a acção “à luz” daquele despacho mas, refém do seu pré-juizo, o Tribunal afasta da problemática em julgamento a questão central da ineficácia da comunicação;
CC. Está em causa apreciar se seria relevante a Recorrente ter sabido, à data em que tinha de decidir se preferia, que a data de 31 de Julho de 2017 para realização da escritura (e pagamento do preço) seria flexível ou prorrogável, ou no final do dia, não imperativa;
DD. Em audiência de julgamento, perpassou a convicção de que essa data seria flexível, e foi referido que a escritura não se realizou devido ao registo da acção sobre o prédio, e não porque as partes, nomeadamente a vendedora, apenas tivessem interesse na realização do negócio até uma determinada data;
EE. O Tribunal “a quo” demite-se da análise das questões suscitadas, e enleado na sua errónea convicção, convola os presentes autos numa acção de preferência;
FF. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou indevidamente o disposto no artigo 1410º do Código Civil, pois face ao modo como se encontra configurada a acção pela Recorrente, não tem aplicação o regime da acção para preferência.
GG. O Tribunal “a quo” violou ainda o disposto no artigo 608º, n.º 2, do CPC, pois não se pronuncia de modo fundamentado sobre a questão da eficácia da comunicação dirigida à Recorrente, atento o facto de toda a sentença assentar a sua argumentação à luz de uma lógica da acção de preferência, que não tem aplicação ao caso concreto;
HH. Resulta dos artigos 1091º, n.º 1, a) e n.º 4, e artigo 416º do CC, um complexo de poderes/deveres dos titulares do direito de preferência, v.g. o direito do arrendatário tomar conhecimento da venda de certo imóvel, e o dever do proprietário informar os arrendatários, em notificação eficaz e completa quanto aos elementos essenciais do negócio;
II. O direito ao conhecimento do negócio antecede e é autónomo do direito de preferir e o despacho saneador confirma e delimita esse direito;
JJ. Porém, o pré-juízo do Tribunal é a tal ponto acentuado que não se coíbe de qualificar a acção intentada pela Recorrente como estranha, anómala, quase que irregular, atípica, o que configura uma grave violação do direito à acção consagrado no artigo 2º, n.º 2 do CPC;
KK. É que decorre da posição do Tribunal que mesmo verificando-se violações graves nas comunicações exigidas por lei dirigidas aos titulares de direito, apenas têm «direito» a reagir em juízo aqueles que queriam preferir no negócio, por substituição do adquirente;
LL. Tal entendimento elimina o dever do proprietário de remeter uma comunicação completa relativa ao negócio, e elimina o correspectivo direito ao seu conhecimento eficaz, para além de obstaculizar e dificultar a apreciação da pretensão da Recorrente;
MM. Ao decidir como fez, a decisão recorrida interpreta e aplica erradamente o disposto no nº 4 do artigo 1091º e no artigo 416º do Código Civil, o disposto no artigo 2º, n.º 2, do CPC e o disposto no artigo 20º, n.º 1, primeira parte, da CRP que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de considerar-se que o ordenamento jurídico português consagra a possibilidade de o titular de direito de preferência ver apreciada a violação do direito ao recebimento de uma comunicação para preferir que reúna os requisitos exigidos por lei;
NN. A preferência centra-se na ideia de que, em relação a determinado negócio jurídico que o sujeito vinculado a dar preferência se proponha celebrar com terceiro, o titular do correlativo direito tem a possibilidade de chamar a si o negócio, se disposto a contratar, em substituição do terceiro, nas mesmas condições em que este o faria;
OO. O obrigado deve comunicar previamente ao titular do direito de preferência o projecto de venda e respectivas cláusulas, ou incorre em responsabilidade civil;
PP. Nos direitos reais, o complexo de poderes/deveres dos titulares do direito de preferência é imperativamente modelado pela lei, e não pode ser posto em causa por modificações objectivas ou subjectivas dos pressupostos do negócio, sob pena de ineficácia;
QQ. Com base na carta datada de 5 de Julho, a Recorrente não teve a possibilidade de conhecer, em concreto, o futuro comprador do prédio e seu futuro senhorio, porque o podia comprar qualquer sociedade, desde que controlada pelo Explorer Real Estate Fund I;
RR. Não era indiferente à Recorrente a identificação concreta e exacta do terceiro comprador, sendo certo que a expressão “projecto” utilizada no art. 416.° do Código Civil abrange a identificação do terceiro;
SS. O terceiro adquirente não pode ser anónimo, nem constituir uma abstracção não explicitada, apenas existente na mente do obrigado a dar preferência, mas a 1ª Ré «deixa em aberto» a possibilidade de toda e qualquer terceiro vir a ser comprador;
TT. O Tribunal “a quo” ignorou ostensivamente a relevância da identificação concreta do adquirente na comunicação para preferir, violando o artigo 608º, n.º 2, do CPC;
UU. São essenciais todos os elementos ou factores do negócio susceptíveis de influenciar decisivamente a formação da vontade do titular da preferência, permitindo-lhe a ponderação consciente entre preferir ou abdicar do direito de opção que lhe assiste;
VV. A melhor doutrina entende que a data de celebração da escritura de venda constitui elemento imprescindível da comunicação, pois o preferente necessita de saber quando deve estar preparado para pagar o preço;
WW. No caso concreto, a Recorrente entendeu, cautelosamente, que até dia 31 de Julho de 2017 não tinha a certeza de conseguir reunir os fundos necessários para o pagamento do preço, vendo-se forçada a fazer um juízo de prognose que, afinal, não tinha razão de ser, uma vez que se veio a constatar que dispunha de mais tempo para o efeito;
XX. É de absoluta relevância ter ficado demonstrado que a data de pagamento do preço era considerada pela 1ª Ré como flexível, móvel, ajustável;
YY. A comunicação efectuada à Recorrente não identifica cabalmente o candidato à compra do prédio dos autos, e foi alterado o prazo de realização da escritura e pagamento do preço nela referido, pelo que é ineficaz;
ZZ. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 416.º a 418.º do Código Civil;
AAA. Um correcto entendimento da questão controvertida nos autos determinaria que o julgamento sobre o objecto do litígio recaísse sobre a questão da ineficácia da comunicação dirigida à Recorrente em 5 de Julho de 2017, e concluindo-se pela sua ineficácia, os pedidos reconvencionais formulados pelas Rés teriam, necessariamente, de soçobrar;
BBB. Mesmo concluindo-se pela eficácia da comunicação, sem conceder, o Tribunal incorre em novo erro de julgamento ao condenar a Recorrente nos pedidos reconvencionais formulados nos autos, pois as Rés não demonstraram os prejuízos invocados;
CCC. Não se pode confundir a dificuldade em liquidar prejuízos com a não produção de prova sobre os danos já indicados em valor líquido, e o Tribunal “a quo” não soube realizar esta distinção, relegando para execução de sentença a liquidação de danos não provados;
DDD. Ainda que assim não se entendesse, verifica-se um clamoroso erro de julgamento quanto ao pedido reconvencional da 3ª Ré deduzido nas alíneas b) e c) do petitório;
EEE. A alínea R) dos Factos Provados, nos termos acima defendidos, dá como provado, por confissão/declaração de parte da 1ª Ré que a 3ª Ré exerceu o direito de preferência apenas no dia 18 de Julho de 2017;
FFF. Tendo o Tribunal “a quo” tomado conhecimento, em plena de audiência de julgamento, de um facto de crucial relevância para os presentes autos, deveria oficiosamente verificado a (in)tempestividade do exercício desse direito, pois estava munido de meios de prova que apontavam (quando não confirmavam) no sentido de a preferência ter sido exercida pela 3ª Ré de forma extemporânea;
GGG. Admitindo como meio probatório do «exercício do direito de preferência» o depoimento/declaração de parte, como fez o Tribunal “a quo, não poderia deixar de considerar provado que tal facto apenas ocorreu no dia 18 de Julho de 2017;
HHH. Ou, se o Tribunal entendesse que a “mera” declaração/confissão de parte não era meio probatório suficiente, teria de ordenar a junção aos autos de documento que o comprovasse, nomeadamente, a comunicação escrita em que a 3ª Ré, alegadamente, informou exercê-la.
III. A caducidade do direito é de conhecimento oficioso, e a inércia do Tribunal relativamente a um facto de absoluta relevância para a boa decisão da causa, constitui violação do disposto nos artigos 6º, n.º 1, 411º e 579º do CPC, e artigo 364º do Código Civil.
JJJ. A 3ª Ré alegou ter sofrido danos no montante de 26.679,24 €, mas não juntou aos autos documentos que protestou juntar, o que não impediu o Tribunal “a quo” de condenar a Recorrente apenas com base no depoimento da testemunha CG…;
KKK. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 362º e 393º do Código Civil, e o disposto nos artigos 423º e 607º, n.º 4 e n.º 5 do CPC, que deveriam ter sido aplicados e interpretados no sentido de que a demonstração de prejuízos está sujeita a prova vinculada, nomeadamente, através de documentos, e que a prova testemunhal não é idónea ou processualmente apta à sua demonstração;
LLL. Verifica-se novo erro de julgamento quanto à condenação no pedido da alínea c) do pedido da 3ª Ré, pois resulta da decisão proferida sobre a matéria de facto que não ficou provado que “A 3.ª Ré, uma vez concretizada a aquisição do Edifício Classique, pretendia proceder à sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro”;
MMM. O Tribunal “a quo” não julgou provado um único facto donde se retire que a 3ª Ré também sofreria prejuízos em momento posterior à dedução do pedido reconvencional.
NNN. Sem conceder, ainda que o Tribunal “a quo” entendesse condenar a Recorrente naquele pedido, impunha-se excluir do âmbito da condenação as rendas que a 3ª Ré deixou alegadamente de receber e a mais valia alegadamente decorrente da eventual alienação do prédio, por não provados;
OOO. No que concerne à condenação da Recorrente como litigante de má-fé, o Tribunal “a quo” transformou os presentes autos num verdadeiro julgamento de intenções, pouco rigoroso no plano técnico-processual e totalmente contaminado por uma pré-convicção que afectou a correcta aplicação do direito à questão controvertida;
PPP. Porém, a presente acção merece a tutela do direito e nada tem de «atípico», e está a confirmá-lo o douto despacho saneador, que reveste absoluta relevância, porque proferido em apreciação da concreta pretensão da Autora, o que resulta da necessária sindicância do (anterior) juiz, que o decide positivamente, fixando de modo definitivo o objecto do litígio;
QQQ. A condenação da Recorrente assenta, em grande medida, no registo da acção sobre o prédio, mas esse registo é claramente previsto na lei, e revelava-se, no caso concreto, a única forma eficaz de impedir a violação do direito de que a Recorrente se arroga;
RRR. A Recorrente não pretendeu nunca utilizar a presente acção judicial para prosseguir um fim ou objectivo ilegal, não se verificando qualquer actuação dolosa com intenção causar danos a terceiros, a qual agiu com a diligência exigível na situação em concreto;
SSS. Se dúvidas houvesse, a prová-lo está que a Recorrente logo que recebeu a comunicação da 1ª Ré encetou diligências e contactos no sentido de reunir fundos para pagar o preço de venda, e ao contrário do que se decidiu em sede de matéria de facto, a Recorrente está hoje em condições de comprar o prédio dos autos, como eram já muito animadoras as pespectivas à data dos factos;
TTT. E logo que soube que a escritura não tinha sido realizada até 31 de Julho de 2017, comunicou à 1ª Ré que entendia ter havido uma alteração das condições essenciais do negócio, pelo que a presente acção foi intentada como último recurso;
UUU. A Recorrente não pode aceitar - e não aceita - não ter tido a mesma oportunidade de preferir nos termos e condições – afinal – concedidos à 3ª Ré, nomeadamente, a possibilidade de pagar o preço após a data de 31 de Julho de 2017, e intentou a presente acção com vista ao reconhecimento dessa igualdade de tratamento;
VVV. Ainda que se considere a pretensão da Recorrente juridicamente ousada, ela não integra o conceito de litigância de má-fé;
WWW. Em todo o caso, a 1ª Ré não alegou ou demonstrou em que medida a alegada litigância de má-fé da Recorrente causou uma atividade jurídico-processual acrescida, sendo certo que a indemnização se destina a compensá-la apenas por esse esforço acrescido;
XXX. Não resulta demonstrado que a configuração pela Recorrente da acção tal como o fez, em detrimento da acção de preferência, acompanhada do respectivo registo, acarretou para a 1ª Ré uma actividade processual acrescida que deva ser indemnizada;
YYY. Por outro lado, cumpria à 1ª Ré alegar e demonstrar os encargos acrescidos com a sua defesa na lide, mas o único putativo facto alegado nesta sede não resultou provado e, o que é mais, deu-se como não provado que a autora pretende tão só “destruir” o direito adquirido pela aqui 3ª Ré, pelo que não lhe pode ser arbitrada qualquer indemnização;
ZZZ. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou o disposto no artigo 542º, n.º 2 do CPC, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada, absolvendo-se a Recorrente do pedido de condenação como litigante de má-fé”.
*
A ré SILCOGE - – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A. contra-alegou tendo concluído o seguinte:
“i. O conteúdo das alíneas R), EE) e BBB) da sentença recorrida devem continuar a integrar a lista dos factos provados.
ii. Os factos alegados nos artigos 27.º e 28.º da réplica devem manter-se na lista dos factos não provados.
iii. Com a dedução da presente ação, a Autora, invocando ser titular de um direito legal de preferência, pretendia que a 1.ª Ré fosse proibida de proceder à venda do imóvel que lhe pertence.
iv. O interesse tutelado pela atribuição de um direito legal de preferência, do qual emergem a comunicação para preferir e todos os respetivos requisitos formais e substantivos, é apenas o de proporcionar ao preferente a celebração de certo contrato em detrimento de um terceiro.
v. Daí que a tutela que a ordem jurídica confere ao titular é a de colocá-lo na posição de adquirente, caso a alienação do bem sobre o qual incide o direito ocorra sem que ao preferente tenha sido dada oportunidade de preferir, tutela cujo exercício coercivo se encontra vinculado à ação judicial prevista no artigo 1410.º do C.C.
vi. Por isso, os pedidos formulados pela Autora nestes autos nunca poderiam proceder, uma vez que consubstanciam o exercício impróprio do direito subjacente em molde que não é admitido pela nossa ordem jurídica.
vii. A improcedência desses pedidos não se traduz em qualquer violação do direito de ação, mas tão só a rejeição do modo como foi exercido esse mesmo direito de ação, por não se encontrar de acordo com o expressamente tipificado e determinado pelo ordenamento jurídico para salvaguarda dos direitos substantivos subjacentes.
viii. Nos termos do artº 416º, nº 1, do C.C. “Querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato.”, aqui se incluindo todas as condições objetivas que o preferente deverá respeitar se pretender exercer o seu direito.
ix. Outros elementos, mesmo que possam eventualmente ser importantes para o preferente, como seja, em alguns casos, a identidade do terceiro interessado na compra, não podem relevar nesta sede, pois, aquele tem direito a preferir em paridade de condições e não a impor ao obrigado o contrato que melhor corresponderia aos seus interesses ou às suas motivações subjetivas.
x. Ainda que se entendesse que a identificação do terceiro interessado é um elemento que deve integrar, desde o início, o conteúdo da comunicação prevista no artigo 416.º do C.C., não deixa de ser óbvio que esta exigência apenas pode respeitar e abranger os dados que são conhecidos pelo próprio obrigado à preferência, não lhe sendo exigível que informe daquilo que inexiste ou desconhece.
xi. Foi que ocorreu na presente situação, em que, tendo sido estabelecido nas negociações ocorridas entre a Summercity, S.A. e a 1.ª Ré, que poderia figurar como compradora aquela sociedade ou uma outra sociedade comercial de direito português, pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I, não poderia ser outra a informação contida na comunicação para preferir enviada à Autora.
xii. Por isso, a comunicação efetuada, relativamente à identidade do terceiro interessado na compra do imóvel em questão, informou o preferente, com rigor, dos termos do projeto de venda, uma vez que esse projeto contempla precisamente a indeterminação que consta da comunicação enviada à Autora.
xiii. A celebração do contrato em condições diversas daquelas que constavam do projeto comunicado poderá retirar eficácia à comunicação anteriormente efetuada, desde que a alteração verificada incida sobre elementos essenciais e tenha uma tal dimensão que se possa concluir, com segurança, que se os preferentes silentes houvessem conhecido as novas condições teriam aceite a preferência e exercido o seu direito.
xiv. É necessário demonstrar que essa alteração interfere com a vontade de preferir e que, se as novas condições tivessem logo constado da comunicação efetuada, os preferentes silentes teriam aceitado a preferência e exercido o seu direito.
xv. Só nestes casos é possível afirmar que a realização do contrato sob novas condições determina a ineficácia superveniente da comunicação efetuada.
xvi. Da posição tomada pela Autora ao longo do processo e da prova produzida resultou que a vontade da Autora era a de só exercer o direito de preferência se conseguisse assegurar o imediato financiamento necessário para proceder ao pagamento do preço, uma vez que a escritura pública poderia ser agendada para o primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo para preferir.
xvii. Daí que a circunstância do contrato objeto da preferência se realizar até ao dia 31 de Julho de 2017 ou no subsequente dia 4 de Agosto, sendo também essa a data em que o preço da venda deveria ser liquidado, se revela perfeitamente inócua para opção tomada pela Autora, como bem concluiu a sentença recorrida.
xviii. Não só não se fez prova da essencialidade da condição negocial alterada como ao invés resultou demonstrada a sua total irrelevância.
xix. Pelo que se deve concluir que a marcação da escritura para o dia 4 de Agosto de 2017 não determina a ineficácia superveniente da comunicação efetuada à Autora pela 1.ª Ré.
xx. A Autora enquanto arrendatária não habitacional de parte de um imóvel que não se encontra constituído em propriedade horizontal não é titular de um direito de preferência na venda de todo o prédio.
xxi. A comunicação para a preferência foi feita pela 1.ª Ré aos diversos arrendatários de partes do imóvel que se pretendia vender, por especial cautela, uma vez que, na altura, era bem conhecida a divisão de opiniões, quer na doutrina quer na jurisprudência, sobre a existência desse direito de preferência nas circunstâncias sobreditas.
xxii. A alteração legislativa, efetuada no artº 1091º do C.C. pela recente Lei n.º 64/2018, veio confirmar o entendimento que aquele direito de preferência não existia na nossa ordem jurídica.
xxiii. Relativamente à novidade da alegação da caducidade do direito da 3.ª Ré a preferir, não só não se provaram quaisquer factos donde se possa concluir que a 3.ª Ré tenha deixado caducar o seu direito de preferência, como não é admissível a questão ser suscitada em fase de recurso.
xxiv. Trata-se de uma questão nova que anteriormente nunca foi suscitada e que, por não ser do conhecimento oficioso do tribunal, uma vez que estamos perante a invocação de um prazo de caducidade em matéria que não escapa à livre disponibilidade das partes, não pode ser conhecida pelo tribunal de recurso.
xxv. Relativamente à impugnação da procedência do pedido reconvencional formulado pela 1.ª Ré, a prova realizada foi mais do que suficiente para demonstrar que a propositura desta ação com o seu imediato registo logrou impedir a venda do imóvel em questão e o inerente recebimento do preço que permitiria a liquidação das quantias cujo pagamento se encontrava garantido por uma hipoteca e uma consignação de rendimentos que oneravam o imóvel em causa e que, necessariamente, teriam que ser canceladas, uma vez que a venda projetada previa que o mesmo fosse transmitido livre de ónus e encargos.
xxvi. A Autora, também nesta parte das suas alegações, confunde, a necessidade de prova da existência de prejuízos, com a necessidade de demonstrar o valor desses mesmos prejuízos, de forma a que o Tribunal disponha dos elementos necessários para fixar os montantes indemnizatórios.
xxvii. É manifesto que a Autora interpôs a presente ação não só sabendo que a mesma estava condenada ao insucesso, mas em manifesto abuso do direito de litigar, visando através do seu registo impedir a 1.º Ré de vender à 3.ª Ré o imóvel em causa, razões pelas quais não podia deixar de ser condenada em multa e no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes da pendência desta ação, nos termos dos artigos 542.º, n.º 1, e 543.º do Código de Processo Civil.”.
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A ré NUTRI BALANCE – SOLUÇÕES INTEGRADAS DE EMAGRECIMENTO, S.A. contra-alegou tendo concluído o seguinte:
“1. O Tribunal a quo fez uma correcta análise das provas produzidas nos autos, fixando correctamente os factos e fazendo uma correcta interpretação e aplicação do Direito aos factos, razão pela qual a sentença deverá manter-se nos exactos termos em que foi proferida;
Em concreto:
2. Deverá manter-se como provado o facto R) da sentença, no sentido de que «A 3.º Ré, no prazo que foi conferido para o efeito, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício Classique» e não ser o mesmo alterado para «A 3.º Ré, no dia 18.07.2017, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício Classique», como reclama a Recorrente.
3. A alteração pretendida pela Recorrente não pode proceder, porquanto:
a. as declarações de parte do representante legal da 1.ª Ré foram gravadas e a Recorrente não indica os concretos meios probatórios constantes de registo de gravação nele realizado, omitindo as exactas passagens que impunham decisão diversa da recorrida sobre aquele ponto da matéria de facto impugnada, como exige o referido artigo 640 n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea a) do CPC. A falta de tal especificação determina, por si só, a rejeição do recurso nesta parte.
b. apenas foram requeridas declarações de parte do legal representante da 1.º Ré para o tema de prova 33, o qual nada tem que ver com os termos do exercício do direito de preferência pela 3.ª Ré (vide ata de audiência de julgamento, do dia 11.02.2019), pelo que nenhuma confissão existiu em relação aquele direito, nomeadamente nos termos e para os efeitos do artigo 466.º n.º 3 do CPC.
c. a Alínea R) dos factos provados na Sentença é uma decorrência da Alínea P) dos Factos Adquiridos por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do CPC, no Despacho Saneador, e como tal, estando já provado, com o valor de prova pleníssima, não podia ser contrariada por outras provas, como claramente resulta do que estabelece o artigo 607º, nº 5 do CPC. Nada havendo, pois, a juntar pelas Rés ou a determinar em acréscimo por parte Tribunal a quo nos termos do artigo 411.º do CPC, quanto à prova daquele facto.
d. o facto que a Recorrente pretendia agora ver considerado como provado, em vez do que consta na referida alínea R), é matéria não alegada por qualquer das partes, o que sempre obstaria à sua consideração, conforme o disposto nos artigos 5.º, 264.º e 664.º, todos do CPC.
4. Não corresponde à verdade que o facto considerado provado na alínea EE) esteja incompleto face à prova produzida e, muito menos, ficou provado que «Após a data limite para o exercício do direito de preferência, a Autora conseguiu assegurar dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00 € até 31 de Julho de 2017».
5. Diga-se, aliás, que ficou provado exactamente o contrário, como a própria Recorrente confessa no ponto SSS. das suas Conclusões quando refere «(…) ao contrário do que se decidiu em sede de matéria de facto, a recorrente está hoje em condições de comprar o prédio dos autos, como eram já muito animadoras as perspectivas à data dos factos», afirmação que foi reforçada pelo depoimento do sócio da Recorrente, Dr. PA…, quando, honestamente, confirmou ao Tribunal que, mesmo em 04.08.2017, a Recorrente não tinha o dinheiro para comprar o prédio.
6. Mais ficou provado, vide os depoimentos do Dr. RA… e Dr. PM…, que i) a ficha de informação normalizada (a designada “ficha técnica”) apenas foi emitida pelo Banco Invest em 14.08.2017 e que ii) a ficha técnica é um documento inicial, bem longe de significar qualquer aprovação ou concessão do financiamento à Recorrente.
7. De toda prova produzida, resulta que ao longo de todo o processo a Recorrente não reuniu o dinheiro para pagar o preço, nem até 14.07.2017, nem até 31.07.2017, nem em 04.08.2017, nem até Março 2018 (data da nova consulta da Recorrente ao Banco Invest), nem se provou tê-lo conseguido em qualquer data até hoje!
8. Pelo que inexiste razão ou fundamento válido, apresentado pela Recorrente, para que esse Venerando Tribunal proceda à alteração do facto constante da alínea EE), nem para introduzir o novo facto nos factos provados, nos termos peticionados pela Recorrente e descritos no ponto 4 supra.
9. Por outro lado, pretende a Recorrente que os factos BBB) e DDD) sejam dados como não provados, na medida em que a prova dos mesmos decorreu das declarações de parte e depoimentos de testemunhas, e não por via de documentos.
10. Mais uma vez, a Recorrente não tem qualquer razão!
11. No que se refere ao ponto DDD), que diz respeito ao pedido reconvencional apresentado pela 3.ª Ré, o douto Tribunal formulou a sua convicção com base no depoimento da Responsável Financeira da 3ª Ré, CL…, o qual se apresentou, no essencial, como um depoimento objetivo e credível e que veio corroborar os prejuízos directos já incorridos pela 3.º Ré.
12. Baseado no disposto no artigo 607.º nº 5 do Código de Processo Civil, a Meritíssima Juiz apreciou livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, apreendendo de forma lógica o conteúdo dos factos transmitidos pela testemunha, tendo por base o enquadramento do litígio e tudo o já adquirido nos autos.
13. É também da experiência comum, que a análise e efectivação do exercício do direito de preferência, num prazo de oito dias, num negócio que envolve perto de 7 milhões de euros, reclama a participação de assessoria financeira e jurídica, pelo que as afirmações produzidas por aquela testemunha são suficientes para dar como provados aqueles prejuízos.
14. Da conjugação e ponderação de todos estes elementos, foi decido pelo Tribunal a quo, que se mostrou provado que a 3º Ré teve prejuízos directos no montante de pelo menos €18.000,00 euros, relacionados com a assessoria contratada para a operação de aquisição do edifício Classique e que virá a suportar outros danos no futuro decorrentes da actuação da Recorrente.
15. Relativamente à (in)suficiência dos elementos para a análise do negócio, andou bem o Tribunal a quo ao determinar como facto não provado que “Para o referido em XX), a Autora tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio , designadamente, áreas das fracções do prédio, identificação dos arrendatários e prazos de vigência dos respetivos contratos de arrendamento, valores dos encargos para o Condomínio”.
16. Na verdade, as informações recolhidas pela Recorrente e enviadas para o Dr. RA… (cfr. Documento 1 junto com a Réplica) dizem apenas respeito às frações por si ocupadas no imóvel, o respectivo prazo de vigência do contrato de arrendamento e dos valores que pagava a título de encargos para o condomínio.
17. O que é bem diferente do que são os elementos necessários à viabilização do negócio.
18. Contrariamente à 3.ª Ré, a Recorrente não solicitou qualquer elemento de informação à 1ª Ré.
19. Aquilo que a Recorrente considera como tendo “acesso à informação relevante” não passa de uma “mera estimativa”, que, erradamente, parte das condições do seu contrato de arrendamento, para presumir valores e factos correspondentes a outras frações e arrendatários.
20. Acresce que, como resulta da experiência comum, a realização de um negócio de cerca de 7 milhões de euros, que ainda por cima só poderia ser feito pela Recorrente com recurso a financiamento por terceiros, não se faz com base em tão parca e tão pouco rigorosa informação.
21. Julgou bem o douto Tribunal a quo quando decidiu que a Recorrente não tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio.
22. Andou também bem o Tribunal a quo ao decidir dar como não provados os factos constantes nos artigos 151.º e 152.º da Réplica, nos termos em que constam da decisão da matéria de facto.
23. Com excepção dos depoimentos de RG… e AL…, não foi produzida qualquer prova sobre os contactos estabelecidos entre a Recorrente e o Grupo Explorer.
24. Ambas as testemunhas afirmaram que não participaram no processo que envolveu a venda do Edifício Classique e nenhuma delas soube esclarecer o Tribunal sobre se o Dr. FC…, em nome da Recorrente, lhes telefonou “antes” ou “depois” de intentar a presente ação judicial.
25. Mesmo que a Recorrente tivesse provado que aqueles telefonemas tinham sido feitos em momento posterior à propositura da ação, o que não se provou, nem se concede, tal não significaria que não o possa ter feito antes junto de qualquer outro elemento relacionado com a Explorer Investments ou entidade com ela relacionada.
26. Terá de soçobrar assim, também neste ponto, a pretensão da Recorrente.
27. A comunicação dirigida aos arrendatários em 05.07.2017 é plenamente válida e eficaz, respeitando o preceituado no artigo 416.º do Código Civil.
28. Desde que recebeu aquela carta, em 06.07.2017, até ao momento em que intentou a presente ação judicial, a Recorrente não questionou ou comunicou à 1.ª Ré qualquer desconformidade da comunicação relativamente à identificação do comprador (vide documentos 11 e 12 juntos com a p.i.).
29. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o comprador é identificado com precisão (nome, NIPC e sede) – a sociedade Summercity S.A. – ainda que, para o efeito da aquisição, esta sociedade pudesse utilizar uma sociedade veículo, de direito português, por si detida, com é habitual em operações desta natureza.
30. A Recorrente, enquanto sociedade de advogados, tem especiais competências para compreender a formulação utilizada na carta e confirmar a existência jurídica da sociedade compradora e do “veículo” por ela a utilizar para a referida aquisição.
31. Nada na comunicação da 1.ª Ré ficou por esclarecer que pudesse influenciar decisivamente a formação da vontade da Recorrente, enquanto titular do direito de preferência.
32. A Recorrente não exerceu o direito de preferência porque até ao fim do prazo que foi dado para o efeito, não logrou reunir os fundos necessários.
33. O facto da escritura pública de compra e venda ter sido agendada para 4 dias depois da data constante da carta de 05.07.2017, não constitui uma alteração das condições essenciais do negócio.
34. Conforme lembra, e bem, o Acórdão do STJ no processo 086424 (disponível em www.dgsi.pt) a propósito da não indispensabilidade da indicação da data concreta da escritura pública «considera-se que, em rigor, ela não é indispensável, ao menos como data precisa ou determinada: em regra, a marcação da escritura não se faz antes da comunicação ao preferente, por se desconhecer a sua resposta; só depois desta é que será razoável acertar essa data com o terceiro ou o preferente, conforme o caso; e ela dependerá ainda da disponibilidade dos serviços notariais e do cumprimento prévio de diversas formalidades».
35. A essencialidade dos termos do negócio deve ser aferida no caso concreto, ou seja, haverá que determinar se outorgar a escritura pública 4 dias depois do indicado na carta era relevante para a Recorrente tomar uma decisão diferente e exercer o direito de preferência.
36. A data relevante para a Recorrente (como para qualquer arrendatário) aferir da capacidade de pagar o preço, era o termo do prazo concedido para o exercício do direito de preferência, e não uma qualquer outra data subsequente em que eventualmente viesse a ter essa capacidade.
37. Como supra se disse, ficou provado que, mesmo em 04.08.2017, a Recorrente não conseguiu ter o dinheiro para pagar o preço, pelo que era indiferente ter sido comunicada uma data ou outra para a outorga da escritura, pois sempre a Recorrente não teria exercido o direito de preferência.
38. É, pois, falso que os pressupostos do negócio comunicados para efeitos de preferência tenham sofrido alterações significativas e que por isso a posição assumida nos autos pela Recorrente Autora mereça a tutela do Direito.
39. Com o registo da acção que ora se discute, a Recorrente teve como intenção impedir a realização do negócio entre a 1ª Ré e a aqui 3ª Ré e, por essa razão, é a conduta da Recorrente susceptível de se enquadrar como um ato ilícito e culposo, causador de danos na esfera jurídica da 3ª Ré, os quais que está obrigada a indemnizar.
40. Obrigação de indemnizar que se verifica em relação aos danos patrimoniais que já sofreu e que virá a suportar no futuro em consequência da atuação ilícita da Autora ao impedir a concretização do negócio, nos termos previstos nos artigos 556.º, 1, alínea b), 358.º do Código de Processo Civil e 569.º do Código Civil. Nomeadamente, os que resultariam da aquisição do edifício, com a consequente extinção automática do contrato de arrendamento decorrente da assumpção da qualidade de proprietária (deixando de pagar as rendas), e da sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro, inerentes à própria qualidade de proprietário.
41. Também aqui, andou bem o Tribunal a quo, ao condenar a Recorrente no pedido reconvencional apresentado pela 3.ª Ré.
42. Quanto à condenação da Recorrente como litigante de má fé, embora a 3.ª Ré não a tenha pedido, apenas se dirá que esse Venerando Tribunal saberá superiormente apreciar a censura feita pelo Tribunal a quo à conduta da Recorrente.
43. De todo o exposto resulta a improcedência in totum das conclusões do Apelante, porquanto a Douta sentença não merece reparo ou censura e deve ser integralmente mantida.
*
2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
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A) Da impugnação da matéria de facto:
1) Questão prévia – Do não conhecimento do objecto do recurso atinente à impugnação da matéria de facto quanto ao invocado sobre a al. R) dos factos provados, por incumprimento, pela apelante, do disposto no artigo 640.º do CPC:
2) Se a redação da alínea R) dos Factos Provados deve ser alterada para a seguinte: “A 3.ª Ré, no dia 18.07.2017, exerceu o seu direito de preferência na aquisição do Edifício Classique”?
3) Se se mostra violado o princípio do inquisitório – artigo 411.º do CPC – por o Tribunal não ter determinado a junção aos autos da carta de exercício da preferência ou se foi violado o disposto no artigo 364.º do CC?
4) Se a redação da alínea EE) dos factos provados (“EE) A autora não conseguiu angariar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00 € - e, consequentemente, exercer o direito de preferência”) deve ser alterada para a seguinte: “A autora não conseguiu assegurar até ao dia 14 de Julho de 2017, data limite para o exercício do direito de preferência, o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€” e se deve ser aditado à matéria de facto provada que: “Após a data limite para o exercício do direito de preferência, a autora conseguiu assegurar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€ até 31 de Julho de 2017”?
5) Se os factos constantes das alíneas BBB) e DDD) dos factos provados deverão ser considerados não provados?
6) Se deve ser aditado à matéria de facto provada que: “Para o referido em XX), a Autora tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio, designadamente, áreas das fracções do prédio, identificação dos arrendatários e prazos de vigência dos respectivos contratos de arrendamento, valores dos encargos para o Condomínio”?
7) Se devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
“- A Autora, apesar de membro do Conselho Fiscal da Explorer Investments, entidade gestora do Explorer Real Estate I, nunca comentou, relatou, informou ou referiu àquela entidade, ou a qualquer entidade relacionada com mesma, qualquer facto relativo ao litígio em questão (art. 151.º da réplica); e
- E só depois da presente acção estar instaurada é que a Autora, informalmente por uma questão de transparência, informou a Explorer Investments que havia intentado uma acção contra a 2.ª Ré. (art. 152.º da réplica)“?
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B) Do mérito da apelação da Autora:
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8) Se o tribunal recorrido interpretou e aplicou indevidamente o disposto no artigo 1410º do Código Civil?
9) Se o tribunal recorrido violou o disposto no artigo 608º, n.º 2, do CPC, não se tendo pronunciado “de modo fundamentado sobre a questão da eficácia da comunicação dirigida à Recorrente, atento o facto de toda a sentença assentar a sua argumentação à luz de uma lógica da acção de preferência, que não tem aplicação ao caso concreto”?
10) Se a decisão recorrida violou o disposto no nº 4 do artigo 1091º e nos artigos 416º e 418.º do Código Civil; no n.º 2 do artigo 2.º do CPC e no artigo 20º, n.º 1, primeira parte, da CRP?
11) Se ocorreu erro de julgamento na decisão recorrida ao condenar a recorrente no pedido reconvencional deduzido pela 1.ª ré?
12) Se ocorreu erro de julgamento, pelo Tribunal recorrido, quanto às alíneas b) e c) do pedido reconvencional da 3ª Ré?
13) Se foi violado o disposto no artigo 542º, n.º 2 do CPC e se deve a autora/recorrente ser absolvida do pedido de condenação como litigante de má-fé?
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3. Enquadramento de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
A) A 1ª Ré é proprietária do prédio urbano destinado a serviços sito na Rua …, …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de Santo António, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia.
B) Por contrato de arrendamento celebrado em 27 de Maio de 2011, a 1ª Ré deu de arrendamento duas fracções autónomas que correspondem à totalidade do 2º andar e, inicialmente, 5 (cinco) lugares de estacionamento individuais sitos no Piso -2 do referido prédio a JM….
C) JM… é advogado e sócio da aqui Autora, pelo que pouco depois, em 15 de Julho de 2011, foi celebrado o contrato de cessão de posição contratual em aquele cede a esta a sua posição de inquilino
D) Em 6 de Fevereiro de 2012 foi celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora (primeiro) aditamento ao Contrato de Arrendamento através do qual as partes acordaram alterar o mesmo na sequência da alteração do número de identificação de pessoa colectiva da Autora.
E) Em 24 de Outubro de 2013 foi celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora (segundo) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual as partes acordaram a alteração de algumas das condições do mesmo, estabelecendo uma extensão da duração do contrato acompanhada da redução temporária da remuneração mensal a liquidar pela Autora.
F) Em 15 de Junho de 2016, foi celebrado entre a 1ª Ré e a Autora (terceiro) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual aquela deu de arrendamento a esta o espaço com a área de 225,90 m2, situado no Piso 4, lado direito, do edifício supra identificado.
G) A par do Contrato de Arrendamento acima identificado, as 1.ª Ré e a Autora celebraram, ainda:
H) Em 15 de Novembro de 2012, um outro contrato de arrendamento através do qual a 1.ª Ré deu de arrendamento à Autora 1 (um) lugar de estacionamento individual (lugar 22) sito no Piso -3 do edifício em apreço,
I) Em 01 de Abril de 2013, um outro contrato de arrendamento através do qual a 1.ª Ré deu de arrendamento à Autora 1 (um) lugar de estacionamento individual (lugar 15) sito no Piso -3 do edifício em apreço.
J) Em 21 de Novembro de 2016, foi celebrado entre a 1ª Ré e a Autora (quarto) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual aquela deu de arrendamento a esta mais dois lugares de estacionamento.
L) Na presente data e por via dos contratos de arrendamento acima identificados e respectivos aditamentos, a Autora é arrendatária das seguintes fracções do prédio urbano propriedade da 1.ª Ré:
(i) Piso 2
(ii) Piso 4, lado direito;
(iii) Lugares para estacionamento n.ºs 36 do Piso -1, 30, 31, 32 e 33 do Piso -2, 14, e 16 do Piso -3 e 4 e 8 Piso -4; e
(iv) Arrecadação no Piso -4.
M) Por carta datada de 5 de Julho de 2017, a 1ª Ré notificou a Autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1091º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, para, querendo, exercer o direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano identificado em A).
N) Os termos e condições da projectada venda comunicados à Autora pela 1ª Ré através da referida carta são as seguintes, que por conveniência de exposição se transcrevem na parte que releva para os presentes autos: “Objecto de Alienação e Preferência: o Edifício Classique, supra identificado; Comprador: SUMMERCITY, S.A., sociedade comercial de direito português, com sede na Av. Eng.º Duarte Pacheco, n.º 7-7.º-A, Lisboa, inscrita no registo comercial de Lisboa, sob o número único de pessoa coletiva e de identificação fiscal 513263594, ou uma outra sociedade comercial de direito português pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I; Preço e Condições de Pagamento: O preço de alienação do Edifício Classique é de € 6.250.000,00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil euros). O preço será totalmente pago, com fundos imediatamente disponíveis, pelo Comprador, no ato da celebração da escritura de compra e venda; Data da Celebração da Escritura de Compra e Venda: O contrato definitivo de compra e venda será celebrado por escritura pública, até ao dia 31 de julho de 2017, em dia, hora e local sito em Lisboa, ficando o respectivo agendamento a cargo do Vendedor; Tendo em atenção o acima exposto, ficam V. Exas. notificados para, querendo, e nos termos da legislação em vigor, exercer o direito de preferência que Vos assiste, relativamente à aquisição do Edifício Classique, no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da data de recepção da presente carta.”
O) A Autora não exerceu o direito de preferência que lhe assistia.
P) A 3ª ré é arrendatária dos Pisos 0, 1, lado direito e frente, e do piso 4, bem como de 9 lugares de estacionamento no Edifício Classique, identificado na alínea A).
Q) E na sua qualidade de arrendatária recebeu também ela da 1.ª Ré, em 06 de Julho de 2017, a carta datada de 05 de Julho de 2017 através da qual foi notificada para, querendo e nas condições ali indicadas, exercer o direito de preferência na aquisição do Edifício Classique.
R) A 3ª Ré, no prazo que foi conferido para o efeito, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício Classique.
S) A 1.ª Ré comunicou à 3ª ré que deveria comparecer no dia 04 de Agosto de 2017, nas instalações que aquela ocupa na Avenida …, n.º … – ….º andar, em Lisboa, para a outorga da escritura pública de compra e venda do Edifício Classique.
T) Em 2 de Agosto de 2017, a 3.ª Ré procedeu à publicação de alterações ao seu objecto social através da AP. 13/20170802, acrescentando “Compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim” ao respectivo objecto social de “Prestação de serviços e tratamentos de nutrição e dietética. Todas as actividades acessórias e complementares destinadas ao tratamento não cirúrgico de excesso de peso, incluindo consultas médicas.”.
U) A autora enviou à 1ª ré, que a recebeu, com a data de 2 de Agosto de 2017 a carta junta a fls. 100/100 verso e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
V) A Sociedade Summercity, S.A. é controlada pelo Explorer Real Estate Fund.
X) O Fundo Explorer é gerido pela sociedade Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A.
Z) A sociedade 2.ª Ré Summercity e a sociedade Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A. tem sede na mesma morada.
AA) A Autora é membro do Conselho Fiscal da sociedade Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A. encontrando-se nomeada para o quadriénio 2016/2019.
BB) A Autora é representada no Conselho Fiscal da dita sociedade, pelo Dr. JF….
CC) A autora procedeu ao registo da presente acção na Conservatória do Registo Predial respectiva.
DD) A autora não exerceu o direito de preferência no prazo que lhe foi comunicado pela vendedora – oito dias.
EE) A autora não conseguiu angariar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00 € - e, consequentemente, exercer o direito de preferência.
FF) No dia 2 de Agosto de 2017, em contacto telefónico com um dos sócios da proprietária do imóvel, a autora tomou conhecimento que a escritura pública de compra e venda não tinha sido realizada no prazo fixado pela 1ª Ré para o efeito, isto é, até ao 31 de Julho de 2017.
GG) Nesse telefonema tal sócio da autora informou o quadro superior da 1ª Ré que, estando ultrapassado o prazo fixado pela 1ª Ré para a realização da escritura pública de compra e venda, as condições informadas na carta datada de 5 de Julho de 2017 deixavam de ser válidas, uma vez que, havendo novo prazo para a celebração da escritura, estar-se-ia perante novo negócio, com novas condições e pressupostos.
HH) Apesar de tal posição desse sócio da Autora, o seu interlocutor referiu que não era esse o entendimento da 1ª Ré e dos seus assessores jurídicos, indiciando deste modo que iriam prosseguir com a transacção.
II) Em face de tal posição, a autora entendeu dever comunicar formalmente à 1ª Ré a sua posição, o que fez por e-mail datado de 2 de Agosto de 2017, junto a fls. 99 e cujo teor se dá por reproduzido;
JJ) Pouco depois, ainda nesse mesmo dia 2 de Agosto de 2017, tendo a Autora tido conhecimento que a escritura pública de venda do prédio em apreço está já marcada para uma outra data, que não havia sido comunicada na carta de 5 de Julho remetida pela 1ª Ré, remeteu novo e-mail, junto a fls. 102 verso e cujo teor se dá por reproduzido.
LL) No contacto telefónico de 2 de agosto de 2017 foi dito à autora que a 3ª ré teria exercido o direito de preferência mas que o contrato definitivo e o pagamento do preço não teria tido ainda lugar.
MM) A Nutribalance tem vindo a ocupar vários pisos do prédio, tendo nos últimos dias solicitado à Autora autorização para visitar os 2º e 4º pisos que esta ocupa.
NN) A autora nunca manifestou perante a 1ª ré qualquer interesse em adquirir o prédio.
OO) Nunca lhe tendo solicitado quaisquer elementos ou informações sobre o prédio;
PP) Não tendo pedido autorização para visitar outros pisos do edifício por si ou através de qualquer avaliador.
QQ) O Edifício Classique compunha um conjunto de bens imóveis que a 1.ª Ré Silcoge decidiu alienar.
RR) Tendo negociado a sua alienação, em bloco, à aqui 2.ª Ré, a Sociedade Summercity, S.A.;
SS) Muito embora o preço do negócio tenha sido acordado na globalidade, houve a necessidade de atribuir um preço unitário a cada um dos bens imóveis a alienar;
TT) Sendo que ao Edifício Classique foi atribuído pelas Rés Silcoge e Summercity o preço de € 6.250.000,00.
UU) Assim que a Autora teve conhecimento da comunicação datada de 5 de Julho remetida pela 1ª Ré para exercício do direito de preferência iniciou diligências no sentido de reunir investidores e obter financiamento que lhe permitisse pagar o preço de venda comunicado;
VV) Por e-mails datados de 7 de Julho de 2017 a Autora contactou a Fund Box -Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A., dando conhecimento do negócio em que poderia ser exercida a preferência.
XX) O negócio foi considerado interessante e XX) foram solicitados elementos adicionais, que nessa mesma data foram remetidos à FundBox.
ZZ) Ainda nesse mesmo dia, a FundBox, na pessoa do Administrador, Prof. Dr. RA…, comunicou que já havia reunido com o Dr. AP…, Administrador do Banco Invest, S.A., a tentar financiar a aquisição pretendida pela Autora.
AAA) A Autora contactou ainda outro investidor, a Real Vida Seguros, S.A., que igualmente se mostrou interessada em apoiar a Autora na obtenção do financiamento necessário e se propôs a analisar o mesmo
BBB) Em consequência, a 1ª Ré sofreu, e irá sofrer por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o referido impedimento causado pela Autora e que se traduzem:
- Nos juros vencidos e vincendos dos encargos bancários da 1ª Ré que ficaram por liquidar, relativos à abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos datada de 15/01/2007 e actualizada em 27/03/2012 e 12/03/2015 a favor do Eurohypo (hoje Commerzabank Aktiengesellschaft) – cfr. registo predial do imóvel; e
- Nos juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€ 650.000 x 8%/ano);
CCC) A presente acção acompanhada do seu imediato registo, em oneração do imóvel da 1ª Ré e no momento em que se concretizava a respectiva venda impediu, e impedirá por tempo indeterminado, a 1ª Ré de transmitir o imóvel livre de ónus e encargos.
DDD) Para obter assessoria financeira e legal com a montagem da operação inerente à aquisição do Edifício Classique, a 3.ª Ré gastou quantia de, pelo menos, 18.000 euros.
EEE) Entre Julho e Agosto de 2017, o sócio gerente da 3.ª Ré, NG…, dedicou parte do seu tempo com o planeamento e preparação da operação de aquisição do Edifício Classique.
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
- A autora não conseguiu angariar o montante referido em EE) pelo facto de estar estabelecido o prazo de 31-07-2017 para celebração da escritura de compra e venda.
- O contacto telefónico ocasional informal com um quadro superior da 1ª Ré era habitual na relação de arrendatária e senhoria.
- A autora só no dia 02-08-2017 soube que a 3ª Ré teria exercido o direito de preferência.
- Nesse contacto não ficou claro para a Autora se a adquirente do prédio em causa seria a aqui 2ª Ré, SUMMERCITY, S.A., tal como foi comunicado na carta de 5 de Julho ou a 3ª Ré;
- Não é indiferente para a Autora ter por senhorio quem se dedica à gestão de activos imobiliários, ou quem, como é o caso da 3ª Ré, pretende adquirir o imóvel para a expansão do seu próprio negócio e não pretende ter inquilinos.
- A Autora tem interesse directo e inequívoco nesta transacção, como potencial compradora das fracções que hoje ocupa, como arrendatária, e do restante edifício, enquanto negócio puramente imobiliário;
- A autora apenas equacionou tal negócio depois de tomar conhecimento de que o novo proprietário iria a ser a NBALANCE, ora 3.ª Ré;
- O exercício do direito de preferência pela 3ª ré foi uma surpresa, e mais propriamente, um choque para a Ré Summercity e para o Fundo Explorer que a controla, uma vez que o Edifício Classique era um dos imóveis que compunham o lote que acordou comprar à Ré Silcoge com maior potencial de valorização e, por conseguinte, um daqueles que mais contribuíram para o preço global que aceitou pagar pelo negócio que celebrou com a Ré Silcoge.
- Por via do pedido formulado nestes autos a autora pretende tão só “destruir” o direito adquirido pela aqui 3ª Ré de comprar o Edifício Classique.
- Revertendo o projectado negócio à “estaca zero”, o que interessará também à 2.ª Ré e ao Fundo Explorer.
- O referido em XX) tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio, designadamente, áreas das fracções de que a Autora é arrendatária, prazo de vigência do contrato de arrendamento, valores das rendas pagas, encargos, etc.;
- Foi ainda contactado o Bankinter, embora o Prof. Dr. RA… tenha sido da opinião que, face ao prazo de 8 dias para pagamento do preço, não deveria ser possível conseguir aprovação da operação.
- A entidade referida em AAA) reconheceu que o espaço temporal para a decisão era muito reduzido;
- A Autora, apesar de membro do Conselho Fiscal da Explorer Investments, entidade gestora do Explorer Real Estate I, nunca comentou, relatou, informou ou referiu àquela entidade, ou a qualquer entidade relacionada com mesma, qualquer facto relativo ao litígio em questão;
- E só depois da presente acção estar instaurada é que a Autora, informalmente por uma questão de transparência, informou a Explorer Investments que havia intentado uma acção contra a 2.ª Ré.
- A 1ª Ré não conhece nenhum interessado em adquirir o imóvel em causa com o ónus que lhe foi imposto pela autora;
- Logo que teve conhecimento da presente acção, a entidade financiadora com quem a 3.ª Ré tinha acordado o financiamento de parte do preço recusou-se a concretizar a operação.
- Para os efeitos referidos em EEE) a 3ª ré despendeu a exacta quantia de 18.450,00 Euros;
- Com a negociação do financiamento bancário, a 3.ª Ré suportou, ainda, a quantia de 4.729,24 euros em custos bancários;
- Que o sócio gerente da 3.ª Ré, NG… gastou pelo menos 100 horas nas actividades referidas em EEE) em prejuízo da atividade que normalmente presta para a 3.ª Ré, que representou um dano para a empresa de cerca de 3.500,00 Euros;
- A 3.ª Ré, uma vez concretizada a aquisição do Edifício Classique, pretendia proceder à sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro.
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4. Enquadramento jurídico:
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A) Da impugnação da matéria de facto:
Alega a autora/apelante que deve ser alterada a redação das alíneas R), EE) dos factos provados, que devem ser aditados novos factos aos factos provados e que os factos incluídos nas alíneas BBB) e DDD) dos factos provados deverão ser considerados não provados.
Sobre a temática da impugnação da matéria de facto, dispõe o artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil que:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No que toca à especificação dos meios probatórios, “quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. Ac. do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (cfr. Ac. do STJ de 26-05-2015, P.º n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
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1) Questão prévia – Do não conhecimento do objecto do recurso atinente à impugnação da matéria de facto quanto ao invocado sobre a al. R) dos factos provados, por incumprimento, pela apelante, do disposto no artigo 640.º do CPC:
Nas suas contra-alegações, a ré NBALANCE invocou o seguinte: “No caso em análise, a Apelante não indica os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre aquele ponto da matéria de facto impugnada, como exige o referido artigo 640 n.º 1 alínea b) do CPC.
Limita-se a dizer, de forma genérica, que tal resulta da confissão obtida em sede de declarações de parte do legal representante da 1.ª Ré.
Ora, as declarações de parte do representante legal da 1.ª foram gravadas, tendo ficado registadas no “H@bilus Média Studio”, do dia 11.02.2019, com início às 15:03:01 horas e fim às 15:19:04 horas.
Como dispõe o n.º 2 alínea a) do referido artigo 640º, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados – como é o caso das declarações de parte do legal representante da 1ª Ré – incumbe ao Recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
O que no caso concreto, a Apelante, duplamente não fez! Isto é, nem indicou as passagens da gravação (como estava obrigada, se queria ver o ponto apreciado), nem procedeu à transcrição das referidas declarações (…).
A Recorrente não satisfaz assim o ónus impugnatório quando omite qualquer referência às passagens da gravação em que fundamenta a posição discordante ao facto dado como provado e que impunha decisão diversa.
A falta de tal especificação determina, por si só, a rejeição do recurso nesta parte”.
Vejamos:
Como se viu, o artigo 640.º do CPC prescreve que, quando se impugne matéria de facto devem ser verificados os 3 requisitos enunciados nas várias alíneas do seu n.º 1:
- O recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – o que a recorrente fez, indicando a mencionada alínea R) dos factos provados;
- O recorrente deve consignar a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre a impugnação de facto – o que a recorrente também fez, indicando a redação alternativa que propõe para a dita alínea R);e
- O recorrente deve indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cfr. al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC).
É relativamente a este último requisito que a mencionada ré contesta verificar-se na alegação da recorrente.
Neste ponto, recordem-se as pertinentes considerações expendidas, a respeito do sentido interpretativo do mencionado requisito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, relatado pelo Cons. LOPES DO REGO). Aí se considerou, em particular, o seguinte:
“O actual CPC não trouxe consigo alteração relevante no ónus de delimitação e fundamentação do recurso em sede de matéria de facto, já que o nº 1 do artigo 640º:
– manteve, sob pena de rejeição do recurso quanto à matéria de facto, o ónus de indicação obrigatória dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (al. a) e de especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida (al. b), exigindo ainda ao recorrente que especifique expressamente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c);
- e à mesma rejeição imediata conduz, no actual CPC, a falta de indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de o recorrente poder apresentar a “transcrição dos excertos” relevantes.
Percorrendo, deste modo, os regimes processuais que têm vigorado quanto a este tema, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes.
Ora, se é certo que – relativamente ao cumprimento de tais ónus, primário e secundário – não se permite a formulação de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito: como é óbvio, a ausência de objecto delimitado e de fundamentação minimamente concludente da impugnação deduzida deverá ditar, de forma inevitável e em termos proporcionais, a liminar rejeição do recurso quanto à matéria de facto.
Pelo contrário, o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contem a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela: é que, por um lado, o conceito usado pela lei de processo (exacta indicação das passagens da gravação) é, até certo ponto, equívoco, pressupondo a necessidade de distinguir entre a (insuficiente) mera indicação e a indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados; por outro lado, por força do princípio da proporcionalidade, não parece justificável a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa - não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado (como ocorrerá normalmente nos casos, como o dos autos, em que tal indicação do recorrente das passagens da gravação, é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso).
Saliente-se que, na interpretação da norma que consagra este ónus de indicação exacta a cargo do recorrente que impugna prova gravada, não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao actual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de uma interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação - evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjectivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais.
Esta pretendida eliminação de factores de rigidez, formalismo exacerbado e prevalência da forma sobre o fundo – expressamente afirmada no preâmbulo da Proposta de Lei 113/XII - é aflorada, por exemplo, nas normas constantes dos arts. 146º, nº2, e 193º, impondo ao juiz o poder-dever de facultar o suprimento de vícios formais, devidos a culpa leve e cujo suprimento não perturbe o andamento do processo, bem como o de suprir oficiosamente o erro na mera qualificação jurídica do meio processual utilizado pela parte (praticado um acto em tempo e revestindo o mesmo os requisitos ou pressupostos essenciais, não deve obstar ao seu aproveitamento o simples facto de a parte o ter qualificado juridicamente de modo errado ou inadequado) ; veja-se ainda a possibilidade adicional e reforçada de suprimento prevista transitoriamente no art. 3º da Lei 41/2013.
Por outro lado, esta ideia base, segundo a qual não deve adoptar-se uma interpretação rígida e desproporcionadamente exigente de ónus ou cominações de natureza essencialmente formal ou secundária – devendo adoptar-se interpretação conciliável com as exigências de um princípio fundamental de proporcionalidade e adequação – vem encontrando acolhimento claro na jurisprudência recente deste Supremo, nomeadamente a propósito do grau de exigência e intensidade do ónus do recorrente que presentemente nos ocupa (…)”.
Ora, no caso em apreço, claramente se entende, da alegação da recorrente, em que é que a mesma baseia a impugnação – no teor do invocado depoimento de parte do legal representante da 2ª ré, PS…, e na afirmação produzida sobre o envio de carta a pretender exercer o direito de preferência, datada de 18-07-2017 – fazendo, aliás, menção à reprodução de tal facto, no âmbito da convicção do Tribunal sobre a matéria de facto.
E, de facto, em tal excerto da sentença recorrida verifica-se que consta a seguinte afirmação, como reportada ao depoimento de : “A Nutribalance mandou uma carta dentro do prazo de 8 dias a exercer o direito de preferência. Datada 18.07.2017”.
Verifica-se, em fase deste singelo excurso, que a apelante identificou claramente o ponto de facto que considera mal julgado, identificou o depoimento em que se baseou e que considerou mal valorado, no excerto que referenciou, bem como, o resultado probatório que entende que o Tribunal deveria ter alcançado, se o aludido meio de prova tivesse sido corretamente valorado.
Neste contexto, muito embora não tenha indicado a precisa passagem em que se louvou, afigura-se que, atendendo às finalidades supra enunciadas a respeito dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, se mostram adequadamente cumpridos os ónus de impugnação, podendo-se, sem dificuldade, alcançar o objeto, a concreta razão e o sentido preconizado pela recorrente com este segmento do recurso.
A questão prévia suscitada em face da contra-alegação da ré NBALANCE não logra, pois, obter procedência.
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2) Se a redação da alínea R) dos Factos Provados deve ser alterada para a seguinte: “A 3.ª Ré, no dia 18.07.2017, exerceu o seu direito de preferência na aquisição do Edifício Classique”?
Vejamos, pois, a isso nada obstando, as questões que, neste âmbito, foram suscitadas pela autora/apelante.
Considera a apelante que, em face da “confissão obtida em sede de declarações de parte do legal representante da 1.ª Ré”, resultou que a carta remetida pela 3.ª ré a exercer a preferência data de 18-07-2017.
Alegou a recorrente, neste sentido, que: “resulta da sentença ora impugnada que o Tribunal “a quo” registou, com base nas declarações e depoimento de parte da 1.ª Ré, que a “A Nutribalance mandou uma carta dentro do prazo de 8 dias a exercer o direito de preferência. Datada de 18.07.2017” – vd. capítulo da sentença dedicado à Convicção do Tribunal (fundamentação da resposta à matéria de facto da sentença). Se assim é e tendo em consideração que a 3.ª Ré, Nutribalance, recebeu a carta da 1.ª Ré para efeitos do exercício do direito de preferência no dia 06 de Julho de 2017 – cfr. alínea Q) dos Factos Provados com base nos documentos juntos à contestação da 3.ª Ré sob os n.ºs 3 e 4, designadamente do email de 06 de Julho de 2017 remetido pela 3.ª Ré à 1.ª Ré a solicitar informações na sequência da notificação para o exercício da preferência – então seria forçoso que o Tribunal “a quo” considerasse provado que “A 3.º Ré, no dia 18.07.2017, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício Classique.”, tirando depois as respectivas ilações jurídicas.
Entende a Recorrente que as declarações de parte são suficientes para a prova deste facto em concreto, porque se trata de matéria confessória como determina o n.º 3 do art. 466.º do CPC.
E, desenvolvendo a finalidade da sua alegação, menciona a recorrente o seguinte: “a contagem do prazo de 8 dias para exercer a preferência é feita de forma corrida e, nessa medida, tal prazo terminou no dia 14 de Julho de 2017. Logo, da prova produzida resulta que o direito de preferência por parte da 3.ª Ré foi exercido fora de prazo e, como consequência, caducou. Caducidade esta que é de conhecimento oficioso, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.11.2009: “A caducidade do prazo para exercer o direito de preferência é de conhecimento oficioso, não dependendo de alegação pelas partes, uma vez que estamos perante um direito real de aquisição, excluído da disponibilidade das partes.””.
Ora, preliminarmente à questão de saber se a mencionada alínea R) dos factos provados deve ter a redação proposta pela apelante, importa apreciar, antes de mais, se o ponto em questão, visado incluir na matéria de facto provada, corresponde a matéria de facto com efectivo interesse ou pertinência para a decisão do presente recurso.
É que, conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 663.º, n.º 2, do CPC, com o previsto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código, no presente recurso, este Tribunal conhece de todas as questões suscitadas, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Caso contrário, o conhecimento das questões prejudicadas mais não seria do que a prática de um acto inútil, não permitido à face do disposto no artigo 130.º do CPC.
Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2017 (Processo nº 4111/13.4TBBRG, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA), quando conclui que: “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”.
No mesmo sentido, considerou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-04-2019 (Processo 30502/16.0T8LSB.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE) o seguinte:
“O direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, assumirem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”.
No caso, como se viu, a recorrente visa a alteração da matéria de facto constante da alínea R), impugnando o julgamento realizado pelo Tribunal recorrido a este respeito, tendo em vista a consideração de que a ré NBALANCE manifestou pretender preferir no dia 18-07-2017.
E, nessa medida, concluiria, aplicando o Direito a tal factualidade no sentido de que, quando pretendeu preferir, verificava-se a caducidade da declaração de preferência da 3.ª ré – NBALANCE.
Sucede que compulsado o processo, analisados os articulados das partes, verifica-se que a autora não alegou tal factualidade nos autos e, dela, também não manifestou, antes da presente alegação de recurso, pretender aproveitar-se.
Nesta ação, considerando a causa de pedir invocada, está em questão saber se a comunicação para preferir enviada à autora, nos termos do artigo 416.º do CC, observou os requisitos legais, apurando-se se houve ou não uma comunicação efetiva dos elementos legalmente exigidos à autora.
Assim, a determinação da aludida data como data de exercício da preferência pela 3.ª ré não tem qualquer relevo para a configuração da causa de pedir e do pedido invocados pela autora, dado que, como se referiu em sede de despacho saneador, tal como configura a pretensão, a autora não visa exercer o mecanismo processual do artigo 1410.º do CC, não configurando a mesma como uma ação de preferência.
No CPC em vigor – contrariamente ao que sucedia com a matéria de facto inserida na Base Instrutória do anterior CPC de 1961, que deveria conter, como previa a alínea e) do n.º 1 do artigo 508º-A e do artigo 511º, a matéria de facto relevante para a decisão da causa segundo as várias situações plausíveis da questão de direito, e sobre a qual iriam incidir as diligências instrutórias -, na enunciação dos temas da prova não se prevê a quesitação de cada um dos enunciados de facto controvertidos, mas tão-somente se aponta genericamente a controvérsia entre as partes sobre as matérias principais, deixando para a decisão final a descrição dos factos que, relativamente a cada grande tema, tenham sido provados ou não provados.
Ou seja: Não obstante a redacção dada ao artigo 410.º do novo CPC, nos termos do qual a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a essa enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constantes dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respectivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do novo CPC, e não sobre os respectivos temas de prova enunciados.
De facto, em primeira linha, a prova incide sobre os factos alegados pelas partes. Quanto aos demais factos – complementares ou concretizadores dos que integram a causa de pedir invocada - e que resultem da instrução da causa, como aquele ora em presença, tais factos só poderiam ser introduzidos no processo no decurso do julgamento em primeira instância, mediante requerimento da parte ou oficiosamente, sendo que, neste último caso, cabe ao juiz anunciar às partes que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto.
Efectivamente, no vigente CPC, distinguem-se os factos essenciais e os factos instrumentais. Os primeiros são os que se mostram decisivos para a procedência da acção – podendo ser essenciais primários (alegados nos articulados) ou essenciais derivados (resultando da instrução da causa e tendo a feição de factos complementares ou concretizadores dos antes alegados) e, quanto a estes, têm de ser observado prévio contraditório para o seu aproveitamento para o processo (cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. b) do CPC). Os segundos não têm tal virtualidade (cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a) do CPC).
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2017 (processo 1335/13.8TBCBR.C1, relator MANUEL CAPELO):
“I- Os factos complementares ou concretizadores dos essenciais que compõem a causa de pedir nos termos do art. 5º do CPC, para poderem ser tomados em consideração pelo tribunal têm que ser considerados como provados na sentença e previamente a tal ser dado conhecimento às partes que irão ser acrescentados.
II- Para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”.
Em qualquer dessas circunstâncias, assiste à parte beneficiada pelo facto complementar e à contraparte a faculdade de requererem a produção de novos meios de prova para fazer a prova ou contraprova dos novos factos complementares (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, pp. 28-29).
É que: ”1.- Os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.
2.- Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam.
3. Sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo.
4. Reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
5. Os factos essenciais, a que se refere o art. 5º nCPC, têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção.
6. Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factualidade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação.
7. Só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-02-2016, Processo 2316/12.4TBPBL.C1, relator ANTÓNIO CARVALHO MARTINS).
No caso, a apelante não desencadeou qualquer mecanismo de ampliação fáctica, nem o mesmo foi utilizado oficiosamente pelo tribunal de 1.ª instância, pelo que está precludida a ampliação da matéria de facto com tal fundamento, em sede de apelação, o que corresponderia ao conhecimento de uma questão nova, não se destinando os recursos a criar decisões novas, mas a reapreciar questões já decididas.
Verifica-se que os pedidos formulados pelas partes, a causa de pedir onde os mesmos assentam, analisados de acordo com os articulados apresentados, apreciado o objeto da lide, aliás, de acordo com a configuração efectuada no despacho saneador prolatado – que não sofreu modificação no ulterior decurso da causa - e concatenados os factos selecionados em sede de Temas de Prova, a factualidade referente à data de envio da comunicação da 3.ª ré a preferir, não foi, senão em sede do presente recurso, suscitada e a mesma não tem pertinência para a apreciação das questões que, no mesmo, podem ser objecto de conhecimento.
De facto, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-11-2018 (Processo 212/16.5T8PTL.G1, rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE), “quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido”.
Assim, não tendo constituído o objecto da presente lide, a respectiva factualidade que pressuporia a apreciação de tal questão, teria que ter sido, tempestivamente, objeto de oportuna alegação, o que não sucedeu.
Note-se que a ampliação da matéria de facto (artigo 662º, n.º 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do artigo 5º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil).
Mas será que é admissível a consideração da factualidade em questão em conformidade com o disposto no artigo 5.º, n.º 1, al. a) do CPC?
Por via deste normativo, o juiz deve considerar os factos instrumentais que resultem da discussão da causa.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2016 (processo 272/13.0YXLSB.L1-2, relator EZAGÜY MARTINS): “Os factos instrumentais servem para a prova indiciária dos factos essenciais, porquanto através deles se poderá chegar, por via de presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes. Desempenham pois, em exclusivo, uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa”.
Ora, nenhuma destas funções se assinala perante a factualidade visada inserir na matéria de facto provada – como sugerido pela apelante – a respeito da al. R) dos factos provados.
E, nesta medida, não tendo sido oportunamente alegados, nem oportunamente considerados pelo Tribunal a quo, sujeito a contraditoriedade e prova, nos termos legais, não pode, agora, nesta sede, ser introduzida na matéria assente a factualidade ora mencionada pela autora/apelante.
Aliás, verifica-se que, tendo a ré NBALANCE alegado o que verteu no artigo 25.º da contestação que apresentou – afirmando que, no prazo que foi conferido para o efeito, ponderou e decidiu exercer o seu direito de preferência – a autora, perante uma tal alegação, não deduziu impugnação, o que levou a considerar provada tal matéria por acordo.
Na verdade, como se vê nos autos, perante o acordo da autora, que, em sede de réplica não impugnou tal factualidade, tal facto veio a ser vertido como assente no saneamento dos autos (em sede de prolação de despacho saneador, foram enunciados, como provados por documento e adquiridos por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do CPC, todos os factos elencados nas alíneas A) a AA) desse despacho (cfr. fls. 196 a 199), onde se inclui a alínea P) e, bem assim, a mencionada alínea R).
Assim, verificando-se assente tal matéria e não se englobando nos factos necessitados de prova – cfr. artigo 410.º do CPC – não teria a instrução do processo de produzir prova sobre tal factualidade.
Neste contexto, a modificação ora pugnada pela autora relativamente à alínea R) – assim como a própria alegação do caráter “conclusivo” do ali em parte vertido - não poderá proceder, sendo que, como se viu, tal equivaleria à indevida alteração de matéria oportunamente considerada assente, atenta a não oportuna impugnação de tal matéria pela autora e, concomitantemente, determinaria a consideração também indevida de matéria de facto não oportunamente introduzida – e nos termos em que isso é legalmente admitido - nos autos.
Nesta medida, conclui-se que não se mostra pertinente a reapreciação da matéria de facto objeto de impugnação, a respeito da mencionada alínea R) dos factos provados, pois que, mesmo que a mesma viesse a proceder integralmente de acordo com o invocado pela recorrente, isso seria insuscetível de conduzir a algum efeito jurídico útil para os presentes autos.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-09-2017 (Processo 12/14.7T8PRG.G1, rel. ANTÓNIO BEÇA PEREIRA), “não há lugar à reapreciação do julgamento da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente e que, por isso, colide com os princípios da celeridade, da limitação dos actos e da economia processual”.
O conhecimento do invocado pela recorrente a respeito da alteração da mencionada alínea R) dos factos provados mostra-se, pois, prejudicado, atenta a sua inconsequência.
Assim, declara-se prejudicado o conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto, atinente ao invocado pela recorrente, a respeito da alínea R) dos factos provados.
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3) Se se mostra violado o princípio do inquisitório – artigo 411.º do CPC – por o Tribunal não ter determinado a junção aos autos da carta de exercício da preferência ou se foi violado o disposto no artigo 364.º do CC?
Invoca também a apelante que:
“E. Na hipótese de se considerar que as declarações de parte não são suficientes para a prova do dia 18 de Julho de 2017 como a data de exercício da preferência por parte da 3.ª Ré – e perante a relevância absoluta deste facto para a boa decisão da causa, designadamente no que concerne ao pedido reconvencional deduzido pela 3.ª Ré – impunha-se que o Tribunal “a quo”, ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no art. 411.º do CPC, determinasse a junção aos autos da carta de exercício da preferência, o que não ocorreu;
F. A caducidade do direito de preferência é uma questão de conhecimento oficioso, competindo ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer”.
E, igualmente, considerou a apelante que “não obstante a matéria em discussão nos autos, verifica-se que nem a 1.ª Ré nem a 3.ª Ré juntaram aos autos a cópia da carta desta última a exercer o respectivo direito de preferência (…).
E essa demonstração apenas poderia ser feita de uma forma: mediante a junção aos autos do documento que comprova o exercício tempestivo do respectivo direito de preferência.
Com efeito, sendo o exercício do direito de preferência um acto jurídico de carácter formal, a sua prova apenas se poderia fazer mediante a apresentação de documento escrito, em concreto, mediante a apresentação da cópia da carta de exercício do direito de preferência remetida pela 3.ª Ré à 1.ª Ré.
Face à ausência de tal documento, não podia o Tribunal “a quo”, como fez, concluir que a 3.ª Ré, “no prazo que foi conferido para o efeito”, decidiu exercer o seu direito de preferência. Ao fazê-lo, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art. 364.º do Código Civil”.
Vejamos:
A consagração constitucional do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, nº4 da Constituição da Republica Portuguesa) envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza.
Como é jurisprudência constante do Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os Acórdãos do TC n.ºs 86/88, 157/2008 e 530/2008) o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras.
O direito à prova significa que as partes em conflito, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal e, ainda, o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como, o direito à contraprova.
Todavia, o direito à prova não é ilimitado.
O direito à prova não pode ser tomado por um direito absoluto na sua essência, e por isso, por vezes, terá de sofrer restrições.
Um dos limites que a lei impõe respeita, precisamente, ao momento da sua apresentação, prevendo-se no ordenamento processual civil português várias normas que estabelecem prazos para o exercício de direitos ou faculdades em matéria de prova, os quais, uma vez decorridos, determinam a preclusão da apresentação de meios de prova.
Isso ocorre, por exemplo, com a prova documental, em que a oportunidade da sua apresentação se encontra configurada nos termos da previsão do artigo 423.º do C.P.C.
O art.º 423º do C.P.C. regula tão só e apenas o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório.
As circunstâncias que tornam admissível a apresentação de documentos depois dos 20 dias que antecedem a audiência final têm de ser alegadas e provadas pela parte que pretende a junção do documento.
Visou-se com a restrição contida neste preceito (que difere da anterior redação do art.º 523º, nº 2) disciplinar a produção de prova, assegurando-se o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2019 (Processo 68/12.7TBCMN-C.G1, rel. CONCEIÇÃO SAMPAIO): “A falta de diligência da parte e a produção do chamado "efeito-surpresa" são incompatíveis com os parâmetros atuais do processo civil. Como o é a apresentação de um documento na audiência final com vista a provocar o seu adiamento. Um e outro estão correlacionados, pois que a diligência constitui um parâmetro de aferição da conduta da parte no desenvolvimento do processo”.
Na indagação da admissibilidade do documento, quando invocada a impossibilidade da prévia apresentação, o seu fundamento haverá de ser apreciado segundo critérios objetivos e de acordo com padrões de normal diligência, isto é, a diligência de um bom de família em face das circunstâncias do caso (art.º 487, nº2, do Código Civil).
Quando invocada a necessidade da sua junção em virtude de ocorrência posterior o grau dessa necessidade não tem de ser significativo, bastando que a apresentação do documento se revele útil como meio de prova.
Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-09-2018 (Processo 744/11.1TBFUN-D.L1-1, rel. RIJO FERREIRA), “da economia do preceito legal não se descortina uma especial intenção de reforçada excecionalidade; não é necessário que o documento cuja junção se pretende seja o único (ou principal) meio de prova, bastando que a apresentação do documento se revele útil como meio de prova”.
Assim, a ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa. E nesse contexto deverá ter-se em conta o regime legal relativamente ao apuramento dos factos relevantes.
“As partes apenas estão adstritas à alegação dos factos essenciais (artigos 5º, nº 1, 552º, nº 1, al. d), e 572º, al. c), do NCPC); mas o tribunal, para além desses, pode considerar os factos instrumentais e complementares ou concretizadores que resultem da discussão da causa (art.º 5º, nº 2, do NCPC). Ora será aquando da revelação desses factos decorrentes da produção de prova na audiência que poderá surgir a necessidade, no apontado sentido de utilidade, de confirmação desses factos mediante prova documental. E a essa situação se reportará, na generalidade dos casos, o conceito de ocorrência posterior” (assim, o mencionado acórdão da Relação de Lisboa de 25-09-2018).
Prescreve o artigo 411.º do CPC que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Apreciando este princípio – aliás, expresso noutros normativos legais (v.g. arts. 6.º, 7.º, 436.º, 452.º, 467.º, 490.º, 526.º, 590.º, n.º 2, al. c) e 3 e 607.º, nº 1) - , refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2019 (já supra citado) que:
“O processo é constituído por uma série de atos dirigidos a um fim - a decisão judicial que resolve o conflito entre as partes -, devendo obedecer a formas e requisitos adequados a esse escopo. Sem regras o processo fica sujeito à indisciplina das partes e cria insegurança, e presta-se a manobras que prejudiquem a obtenção da decisão em tempo razoável e útil.
Tem portanto o processo exigências técnicas, designadamente sujeitando as partes a um tecido de ónus necessários à boa administração da justiça.
Um dos princípios do processo civil é precisamente o da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual estas sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, que fazem a seu próprio risco.
O princípio do inquisitório traduz uma ideia de divisão subordinada de trabalhos, dominante em matéria probatória, entre o juiz e as partes (estas num primeiro plano).
Recebeu consagração legal no art. 411.º ao dispor que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
O princípio do inquisitório exerce atualmente, é certo, um importante papel no processo civil português mas, a nosso ver, funciona subordinado ao princípio do dispositivo, parecendo-nos excessiva a sua configuração como um sistema processual híbrido, que se coaduna em par em torno dos dois princípio).
O nosso sistema processual civil é norteado pelo princípio do dispositivo, competindo-lhe o “monopólio” dos factos e dos meios de prova.
Como escreve Mariana França Gouveia esteirada nos ensinamentos dos mais ilustres processualistas, “O princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público, neste âmbito, limita-se à correta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas. Assim, o exato limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a ação (e de se defender), como delimitam o seu objeto. O princípio dispositivo traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação, sobre os exatos limites do seu objeto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções perentórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transacionar). No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão.”
Compreende-se, assim, por que o princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade”.
Assim, se a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse” (assim, Nuno Lemos Jorge; “Os poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, in Julgar, nº 3, p. 70).
“Ou seja, o juiz não se encontra obrigado a proceder à inquirição de uma testemunha só porque a parte, que não apresentou oportunamente o rol, invoca a importância daquela inquirição para a descoberta da verdade. (….). Esse uso decorrerá da ponderação feita pelo juiz, em face das circunstâncias concretas que em cada caso se deparem; o que afasta a sua aplicação automática na sequência de simples requerimento, em sede de julgamento, de uma das partes (ou de ambas)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-03-2013 Processo 293/12.0TBVCT-J.G1, rel. ANA CRISTINA DUARTE).
Não pode, pois, o juiz ao abrigo do princípio do inquisitório suprir o incumprimento de formalidades essenciais pelas partes, permitir o atropelo de normas legais e postergar o princípio da auto-responsabilização das partes.
O disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias.
Assim, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-03-2018 (Processo 14/15.6T8VRL-C.G1, rel.        JOÃO DIOGO RODRIGUES):
“1- De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.
2- Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir.
3- Neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia”.
Ora, no caso, a autora não promoveu – tanto quanto é dada conta nos autos - a junção do documento que agora considera essencial, nada tendo oportunamente invocado.
Ponderados os termos da causa e a matéria já considerada provada por acordo, não se afigura que tivesse qualquer pertinência para a apreciação da causa a junção do mencionado documento, pois, como se disse já, tal matéria estava, aliás, subtraída ao conjunto de factos submetidos a julgamento e a prova (o mesmo foi considerado assente, em face do disposto no artigo 574.º, n.º2, do CPC).
Refira-se, ainda, que não se vislumbra ter ocorrido qualquer violação do artigo 364.º do CC, pois, ao contrário do invocado pela recorrente, não se afigura que a demonstração da vontade da 3.ª ré pretender preferir, apenas seja passível de ter lugar mediante a apresentação de prova documental.
Não existe previsão legal no sentido de que a prova da declaração do titular da preferência ao obrigado à preferência, em conformidade com o disposto no artigo 416.º, n.º 2, do CC, deva ter lugar apenas – e taxativamente - mediante prova documental (cfr., v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-05-2004, Processo 316/04, rel. TOMÁS BARATEIRO, admitindo que a manifestação da renúncia ao direito de preferência é válida independentemente de qualquer forma especial, podendo, inclusive ter forma não escrita).
Na realidade, nem tal taxatividade de prova documental ocorre relativamente à comunicação a que se reporta o n.º 1 do mesmo artigo 416.º do CC (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-03-2004, Processo 321/04, rel. ARTUR DIAS: “A comunicação referida no artº 416º do Código Civil não tem que obedecer a qualquer forma especial, mas tem de ser feita pelo obrigado a dar preferência, pessoal e directamente ao titular do respectivo direito, devendo conter os elementos essenciais para a motivação e determinação de contratar ou não”; também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-02-2016, Processo 115/12.2TBPNC.C2, rel. JORGE ARCANJO: “A comunicação para a preferência pode ser feita extrajudicialmente e o art.416º do C.Civ. não estatui qualquer forma especial, podendo sê-lo por qualquer meio” e, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-12-1993, Processo 0077422, rel. RIBEIRO DE ALMEIDA).
Em face do que vem exposto, conclui-se não se mostrar violado o disposto no artigo 364.º do CC – por faltarem os pressupostos da sua aplicação ao caso – nem, igualmente, o princípio do inquisitório probatório.
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4) Se a redação da alínea EE) dos factos provados (“EE) A autora não conseguiu angariar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00 € - e, consequentemente, exercer o direito de preferência”) deve ser alterada para a seguinte: “A autora não conseguiu assegurar até ao dia 14 de Julho de 2017, data limite para o exercício do direito de preferência, o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€” e se deve ser aditado à matéria de facto provada que: “Após a data limite para o exercício do direito de preferência, a autora conseguiu assegurar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€ até 31 de Julho de 2017”?
Invocou a apelante, a este respeito, que o facto vertido na alínea EE) dos factos provados, embora correcto, se encontra incompleto:
“Isto porque, de entre a selecção dos factos relevantes para a decisão da causa, o Tribunal “a quo” omite um facto de extrema relevância – a data em que a Autora, ora Recorrente, tinha de ter a certeza que conseguiria angariar o valor necessário para a compra do imóvel correspondia a 14 de Julho de 2017, data limite para esta exercer o seu direito de preferência.
É certo que a disponibilidade do dinheiro em causa apenas necessitaria de estar assegurada até 31 de Julho de 2017, data limite fixada pela 1.ª Ré para a outorga da escritura de compra e venda.
Contudo, como é bom de ver por qualquer declaratário normal colocado na situação da Autora, ora Recorrente, esta não poderia, no dia 14 de Julho, exercer o seu direito de preferência, assumindo o encargo de comprar o imóvel, sem ter a certeza que no dia 31 de Julho iria ter acesso ao valor necessário para cumprir as obrigações decorrentes de tal exercício.
Dito de outro modo, a data relevante para aferir da capacidade de pagar o preço até 31 de Julho de 2017 era o dia 14 de Julho, data em que terminava o prazo para o exercício do direito de preferência.
Esta factualidade foi alegada pela Recorrente, como resulta dos arts. 12.º da petição inicial e dos arts. 33.º, 34.º, 35.º, 79.º, 126.º a 128.º, 138.º e 139.º da réplica”.
Mais invocou a apelante que “foram produzidos vários meios de prova para a julgar demonstrada”, os quais, enunciou, nos termos que concretizou:
- O depoimento da testemunha RM…;
- O depoimento da testemunha PM…;
- O depoimento da testemunha JJ…;
- As declarações de parte da recorrente prestadas por JF…; e
- O depoimento da testemunha PM….
Sucede que, ao contrário do pretendido pela recorrente, não foi alegada, em momento algum nos articulados, a factualidade que a autora agora pretende introduzir nos autos, a título de “aditamento”.
Do art. 12.º da petição inicial e dos arts. 33.º, 34.º, 35.º, 79.º, 126.º a 128.º, 138.º e 139.º da réplica não resulta qualquer alegação no sentido de que, “após a data limite para o exercício do direito de preferência, a autora tenha conseguido assegurar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€ até 31 de Julho de 2017”, ou alguma alegação no sentido de que a autora tenha conseguido obter o dinheiro necessário para a compra do imóvel.
Referir “prazo exíguo para obter os fundos necessários”, “grande dificuldade em reunir até ao dia 31 de Julho de 2017 a quantia de € 6.250.000,00…”, decidir “fazer valer os seus direitos”, “dificuldade de reunir os meios financeiros necessários para poder exercer o seu direito de preferência resultou do reduzido período temporal concedido…”, “possibilidade de pagar o preço após a data de 31 de Julho de 2017”, mencionar que a autora “não conseguiu garantir que até à data limite fixada pela 1.ª ré (31.07.2017) iria ter acesso à quantia de € 6.250.000,00…” e “possibilidade de obter o financiamento necessário” já ser viável, não é, de todo, equivalente a considerar que a autora, após a data limite para o exercício do direito de preferência, tenha conseguido assegurar o dinheiro suficiente para a aquisição do imóvel.
Ora, a função do Tribunal da Relação, quando reaprecia matéria de facto impugnada, não é a de proceder a um novo julgamento dos autos.
O sistema de recursos visa a reponderação da decisão tomada, mas não o seu novo julgamento.
Conforme se enunciou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2012 (Processo 850/07.7TVLSB.L1.S2, rel. LOPES DO REGO): “O tribunal da Relação está vinculado a realizar uma reapreciação substancial da matéria do recurso de apelação, sindicando adequadamente, através da audição do registo ou gravação da audiência que necessariamente acompanha o recurso, a convicção adquirida pelo tribunal de 1.ª instância, formando sobre os pontos de facto impugnados a sua própria convicção, que pode ou não ser coincidente com a do juiz a quo. Tal não significa que deva ter lugar na Relação uma repetição ou renovação dos meios probatórios produzidos na 1.ª instância, através de um novo julgamento do caso quanto aos pontos da matéria de facto questionados”.
E assim compreende-se que, como se referiu, não deva o Tribunal ad quem conhecer – salvo das questões que oficiosamente lhe cumpra apreciar – de questão nova que não foi suscitada na 1.ª instância.
Conforme se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-07-2016 (Processo 156/12.0TTCSC.L1.S1, rel.     GONÇALVES ROCHA), “não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação”.
O conhecimento da questão de saber se a autora, após a data limite para o exercício do direito de preferência, conseguiu assegurar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€ até 31 de Julho de 2017, é uma questão nova, não resultante da alegação da autora enquanto o processo correu termos na 1.ª instância e, senão invocada nas suas alegações de recurso.
E, também aqui se verifica que não foi a factualidade a ela atinente “introduzida” no pleito em termos de poder ser conhecida por este Tribunal da Relação.
Por outro lado, quanto à modificação pretendida pela recorrente, não se vislumbra que o Tribunal tenha formulado algum juízo indevido ou incompleto do facto vertido na alínea EE) dos factos provados.
Em termos gerais, o Tribunal assinalou os critérios a que presidiu a sua análise da prova, fundamentando devidamente a formação da sua convicção, o que fez, da forma seguinte:
“A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto resultou da análise crítica e conjugada da prova documental junta aos autos, declarações de parte e inquirição de testemunhas.
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, salvo quando a lei dispuser diferentemente.
O que se fez, em sede de audiência de julgamento, foi todo um caminho de perceber e reconstituir, com a máxima fidelidade possível, o que se terá passado. Para tal foi imperioso proceder à conjugação de todos os elementos de prova e fazer recair sobre eles todo um trabalho de análise crítica sem deixar de fazer uso das regras da normalidade e da experiência, do conhecimento da natureza e comportamento humanos e do modo como interagem as pessoas perante determinadas situações de forma a apurar, quando se está perante os diversos depoimentos, por vezes apenas subtilmente contraditórios, o que é mais, ou menos verdadeiro.
Na apreciação crítica da prova assumem relevância, além das palavras ditas e seu significado, a maneira como elas são transmitidas. É importante valorar não só o que as pessoas dizem mas a forma como o dizem e a postura corporal que adoptam quando o fazem.
Na formação da convicção do tribunal assumem relevância as contradições, hesitações, inflexões de voz, parcialidade, hesitação, isenção, nervosismo, embaraço, o olhar algo confuso ou comprometido que às vezes se surpreende, ou olhar constantemente fixo um certo ponto, a coerência e clareza de raciocínio na explanação dos factos e outros que, porventura, o julgador apreenda da imediação dada pela produção de prova perante si.
É da análise conjunta de tudo isto que o julgador faz a sua apreciação da prova e forma a sua convicção final.
O juiz não está processualmente vinculado a efectuar uma enumeração mecânica de todos os meios de prova constantes dos autos ou indicados pelos sujeitos processuais mas apenas a seleccionar e a examinar criticamente os que serviram para fundamentar a sua convicção positiva ou negativa. Tal matéria é a que constitui objecto de prova e é juridicamente relevante para a procedência ou improcedência da acção o que, no processo civil, se encontra facilitado pela delimitação do objecto do litígio e dos temas da prova”.
E, depois de enunciar as principais referências resultantes da produção de prova realizada em julgamento, refere-se na sentença recorrida, em particular, o seguinte:
“Analisando de forma critica e conjugada toda a prova supra referida, sem esquecer a prova documental junta aos autos, resulta claro para o Tribunal que a autora não tinha nem neste momento tem o dinheiro necessário a exercer o direito de preferência na venda do prédio de que é arrendatária. É que, salvo o devido respeito, as meras intenções de financiamento ou de oferta de empréstimo de capital, não são suficientes para exercer o direito de preferência que, como resulta da lei, só se exerce com o deposito do preço e, para isso, é preciso tê-lo e não apenas promessas ou conversas de circunstância. E, quiçá, por isso, a autora não intentou uma acção de preferência mas sim a presente acção atípica (…)”.
Menciona a recorrente, a respeito do depoimento de RA…, que a credibilidade desta testemunha decorre do seguinte:
- “como comprovou no seu depoimento e como resulta dos documentos juntos aos autos (fls. 181 e 182), teve intervenção directa nos factos que lhe foram questionados”.
- “importa analisar o respectivo depoimento como um todo e do mesmo resulta que a “técnica” e forma utilizadas pelo Tribunal “a quo” para pedir esclarecimentos, bem como a estranheza demonstrada perante cada resposta da testemunha poderão estar na causa da avaliação feita, que é errónea. É que, saliente-se, a maioria das questões colocadas pelo Tribunal “a quo” tratou-se de esclarecimentos, o que fez com que a testemunha em causa repetisse tudo aquilo a que já tinha respondido por duas ou três vezes, fruto das instâncias dos diversos mandatários. As oportunidades dadas à testemunha para responder às questões colocadas foram constantemente interrompidas, o que implica uma quebra de raciocínio e conduz a respostas entrecortadas. Mas também resulta que, apesar disso, a testemunha respondeu, no espaço de tempo que lhe era dado, a todas as perguntas colocadas pelo Tribunal”.
Ora, estas alusões prendem-se com a forma da prestação do depoimento e inquirição da testemunha e não, obviamente, com qualquer questão atinente à valoração ou valia alcançada pelo Tribunal recorrido sobre o mesmo.
De todo o modo, não resulta da audição do referido depoimento que o poder de gestão da audiência atinente à inquirição desta testemunha tenha sido indevidamente usado pelo Tribunal a quo, sendo certo que, aliás, não foi levantada qualquer questão, no decurso da audiência de discussão e julgamento pelas partes, a este respeito.
Certo é que, pelos motivos que expressou e concretizou, não se mostra que o Tribunal recorrido tenha errado na formação da sua convicção probatória em torno das declarações prestadas pela referida testemunha RA… e, bem assim, em face da apreciação dos demais meios de prova, em particular, dos depoimentos das testemunhas PM…, JV…, PA… e do declarado por JF….
Na realidade, ouvidos todos os depoimentos e apreciada toda a prova documental produzida nos autos, verifica-se que os meios de prova produzidos não inculcam em sentido diverso da matéria de facto alcançada pelo Tribunal a respeito da alínea EE) dos factos provados, tendo por referência, a data aí pressuposta, ou seja, a data até à qual era admissível o exercício do direito de preferência.
E, muito embora, a data de 14-07-2017 seja referida na carta de 02-08-2017 remetida pela autora à ré SILCOGE, bem como, foi referenciada por JF…, no depoimento que prestou e conste do email que este remeteu a RA… em 07-07-2017 (cfr. fls. 182 dos autos), certo é que, sobre tal data não constava enunciado algum tema de prova, apenas constando, com atinência, do despacho saneador, os temas de prova n.ºs. 1) e 27), por referência ao prazo de 8 dias, aliás, tendo por base a alegação correspondentemente efetuada nos arts. 12.º da p.i. e 31.º da réplica (este último aludindo a 8 dias para “pagamento do preço”).
Aliás, para além disso, como decorre do primeiro parágrafo dos factos considerados não provados, não resultou apurado que a autora não conseguiu angariar o montante referido em EE), pelo facto de estar estabelecido o prazo de 31 de julho de 2017 para a celebração da escritura e, no que concerne à matéria de facto apurada, o Tribunal recorrido não merece censura na forma como redigiu a mencionada alínea EE) dos factos provados, pois, como resulta do aí consignado, a autora não logrou conseguir angariar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel e assim exercer o direito de preferência, logicamente, até à data em que isso lhe era possível de fazer.
Veja-se, por exemplo, que a testemunha JC… referiu que JF… lhe disse – já no dia 02-08-2017- que tinha tentado obter financiamento para a compra no prazo do exercício do direito de preferência, o que não tinha conseguido.
E, do mesmo modo, PA…, admitiu, no decurso do seu depoimento que, ainda em 04-08-2017, a autora não tinha conseguido obter o financiamento para a compra do imóvel, sendo que, também RA…, referiu que o pedido que fez junto do Banco Invest não teve sequência.
Aliás, a prova documental carreada para os autos não permite tirar diversa ilação, sendo que, em 07-07-2017, JF… menciona a RA… que não tem “obviamente” dinheiro para comprar o imóvel (cfr. email dessa data junto a fls. 182 dos autos), situação que a autora reitera na missiva remetida à 1ª ré, datada de 02-08-2017 (cfr. fls. 100).
Como elucidativamente se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017 (Processo n.º 1426/15.0T8BGC-A.G1, rel. ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA), “quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados (…)”.
Ou, por outras palavras:
“O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova). O recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017, Processo 501/12.8TBCBC.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).
Ora, como se assinalou, considerados todos os meios de prova, verifica-se que nenhuma das referências efectuadas pela recorrente a respeito da prova produzida - permite colocar em questão, de forma fundada e evidenciando algum concreto erro ou vício na formação da convicção -, o resultado probatório alcançado pelo Tribunal, em observância dos princípios da imediação e da oralidade e, alcançado, aliás, no exercício da sua livre apreciação probatória, a respeito da mencionada alínea EE).
Assim, de acordo com o exposto, o arguido pela recorrente, a este respeito, é improcedente.
*
5) Se os factos constantes das alíneas BBB) e DDD) dos factos provados deverão ser considerados não provados?
Alegou ainda a recorrente o seguinte:
“L. Os factos constantes das alíneas BBB) e DDD) dos Factos Provados deverão, por falta de prova bastante e por violação do disposto nos arts. 364.º e 393.º do CC, ser considerados não provados;
M. O Tribunal “a quo” bastou-se com declarações de parte e depoimentos de testemunhas, ambos prestados de forma manifestamente vaga e imprecisa e assentes em estimativas, para considerar provados factos que necessariamente são suportados por documentos na posse das Rés e que estas, por estratégia ou inércia, não juntaram aos autos;
N. De acordo com as regras do ónus da prova, competia às Rés fazerem prova dos respectivos prejuízos e, para o efeito, sendo tais prejuízos sustentados em contratos de abertura de crédito e facturas de assessoria financeira e legal, é manifesto que a sua demonstração é feita com respectivos documentos de suporte;
O. A não junção aos autos de documentos que titulem os prejuízos e gastos reclamados pelas Rés apenas poderá ter uma consequência: a ausência de prova de tais prejuízos e danos, a qual não pode ser colmatada com a relegação para liquidação em execução de sentença”.
Vejamos:
Na alínea BBB) dos fatos provados consta que: “Em consequência, a 1.ª Ré sofreu, e irá sofrer por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o referido impedimento causado pela Autora e que se traduzem: - Nos juros vencidos e vincendos dos encargos bancários da 1.ª Ré que ficaram por liquidar, relativos à abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos datada de 15/01/2007 e actualizada em 27/03/2012 e 12/03/2015 a favor do Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft) – cfr. registo predial do imóvel; e - Nos juros vencidos e vincendos do valor do capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€ 650.000 x 8%/ano)” e na alínea DDD) consta que: “Para obter assessoria financeira e legal com a montagem da operação inerente à aquisição do Edifício Classique, a 3.ª Ré gastou quantia de, pelo menos, 18.000 euros”.
Contudo, ao contrário do que invoca a recorrente, a prova dos factos em questão, não depende de qualquer meio de prova tipicamente previsto na lei, não sendo caso de aplicação do normativo ínsito no artigo 364.º (Exigência legal de documento escrito) do CC.
Do mesmo modo, também não ocorre relativamente aos factos em presença, violação do prescrito no artigo 393.º (Inadmissibilidade da prova testemunhal) do CC, preceito que prevê que não é admitida prova testemunhal se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito ou quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
Do que se trata nos aludidos factos, constantes das alíneas BBB) e DDD) é da matéria respeitante aos danos apurados relativamente à impossibilidade de conclusão do negócio entre a 1.ª e a 3.ª rés, nas esferas destas, estando concretizada na decisão de facto a fonte da convicção do Tribunal quanto ao facto provado em BBB) – prejuízo da 1.ª ré – e, bem assim, quanto ao facto provado em DDD) – prejuízo da 3.ª ré.
Verifica-se, efectivamente, que na decisão de facto, o Tribunal efectuou a concatenação de todos os meios de prova produzidos, o que, aliás, assinala no primeiro parágrafo da motivação, resultando evidente, pela análise de todos os meios de prova, que a origem do facto enunciado em BBB) resulta de várias fontes, ou seja, as declarações de parte de PS…, a consideração do que consta do registo predial do imóvel e, bem assim – como, aliás, o percebeu a autora – perante o testemunho prestado por JC….
O Tribunal de 1.ª instância, na motivação da decisão de facto, não tem que descrever, ad nauseam, todos os excertos de cada depoimento prestado na sua integralidade, mas deverá enunciar, singela e sucintamente, o elemento ou elementos decisivos para a formação da convicção alcançada sobre determinado facto.
No caso, e quanto ao facto em apreço, isso foi, de forma suficiente, alcançado na decisão recorrida, ainda para mais, quando os meios de prova pessoais foram objecto de gravação, o que, de algum modo, permite a sua reapreciação por um Tribunal superior e a verificação do cumprimento do aludido dever de enunciação da motivação da convicção probatória do julgador.
Certo é que, ao invés do que invoca a recorrente, não se vislumbra que o Tribunal recorrido se tenha apenas cingido a considerar as declarações de parte de PS….
Mas, diga-se, também nada obstaria a que o Tribunal o fizesse, sem que isso violasse qualquer normativo.
O meio de prova – declarações de parte – consignado no artigo 466.º do CPC encontra-se sujeito à livre apreciação do julgador.
E não existe qualquer inibição a que o juiz, se o entender, dê como provado um determinado fato apenas e só com base nas declarações prestadas por determinado representante de uma parte.
É que, a evolução do sistema processual em matéria probatória tem sido feita no sentido de alargar os poderes e a confiança que é depositada no juiz para que atue livremente na valoração da prova produzida, sendo limitados os casos em que há uma imposição legal sobre o sentido de tal apreciação.
Ou seja: É, cada vez mais, tido como meio de prova “tudo quanto se mostre capaz de testemunhar (através da percepção, do raciocínio ou da intuição do observador) a existência de um facto (positivo ou negativo) com interesse para a decisão da causa” (assim, Antunes Varela; J. M. Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, p. 469).
Ora, como afirma Luís Filipe Pires de Sousa (“As Malquistas Declarações de Parte -"Não acredito na parte porque é parte"; Julho de 2015, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2015/07/painel_1_articulados_audiencia_luissousa.pdf): “Num sistema processual civil cuja bússola é a procura da verdade material dos enunciados fáticos trazidos a juízo, a aferição de uma prova sujeita a livre apreciação não pode estar condicionada a máximas abstratas pré-assumidas quanto à sua (pouca ou muita) credibilidade mesmo que se trate das declarações de parte. Se alguma pré-assunção há a fazer é a de que as declarações de parte estão, ab initio, no mesmo nível que os demais meios de prova livremente valoráveis. A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade.
Sintetizando, diremos que: (i) as declarações de parte integram um testemunho de parte; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente.
Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.
Improcede, pois, o invocado pela autora sobre a não consideração de tais declarações de parte, como forma de fundamentação da convicção de um facto.
Volvendo ao facto provado em BBB), vê-se que a matéria em apreço constava questionada no tema da prova n.º 33.
O Tribunal considerou provado tal tema, na sua integralidade.
Contudo, não nos parece em face do julgamento efetuado e concatenados todos os meios de prova produzidos, que tal matéria tenha resultado integralmente assente, pois, por um lado, se é certo que não se demonstraram com precisão os valores de prejuízos referenciados – ainda que de forma genérica por PS… (não tendo “transitado” para o facto BBB) o valor de prejuízo referenciado por tal declarante) – o que, aliás, foi assinalado na parte final da motivação enunciada pelo Tribunal, certo é que, com segurança é apenas possível assumir que: “Em consequência, a 1.ª Ré sofreu e irá sofrer, por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o referido impedimento causado pela Autora e que se traduzem no valor do pagamento de juros decorrentes dos encargos bancários da 1.ª ré que ficaram por liquidar, relativos a abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos, datada de 15-01-2007, a favor de Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft – cfr. registo predial do imóvel”, não se tendo feita prova, designadamente, no sentido de qual o valor dos juros em falta ou da taxa de juro a que são contabilizados.
Na realidade, a vacuidade dos meios de prova produzidos não permite considerar que tenha decorrido da realização da “sobre-amortização” de € 650.000,00 pela ré SILCOGE – referenciada pela testemunha JC… – algum prejuízo para a referida ré, mesmo que decorrente da circunstância de “ter ficado sem a disponibilidade do referido capital”, nem, igualmente, qual o juro que, possivelmente, poderia ter sido perdido.
Contudo, como se disse, não era exigível para a demonstração integral de tal matéria que fosse junto aos autos o específico contrato de abertura de crédito mencionado na própria certidão permanente do registo predial e que, em conformidade com o que resulta dos depoimentos referidos, se mostra ter sido celerado entre a entidade ali consignada e a ré SILCOGE.
É que, conforme se assinala na doutrina e tal tem vindo a ser sancionado na jurisprudência, o contrato de abertura de crédito é um contrato meramente consensual, não sujeito na sua celebração a forma escrita – cfr. artigo 219.º do CC (cfr., entre outros, Engrácia Antunes; Direito dos Contratos Comerciais; Almedina, 2009, p. 502 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2012, Processo 132/12.2TBCVL-A.C1, rel. HENRIQUE ANTUNES).
Não estando a celebração de tal negócio sujeito a forma legal, não advém da consideração do vertido na alínea BBB) dos factos provados, nos termos acima referenciados, alguma violação dos mencionados artigos 364.º e 393.º do CC.
Assim, de acordo com o exposto, deverá, em conformidade, ser alterada a redação da mencionada alínea BBB) dos factos provados, que passará a ser a seguinte: “Em consequência, a 1.ª Ré sofreu e irá sofrer, por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o referido impedimento causado pela Autora e que se traduzem no valor do pagamento de juros decorrentes dos encargos bancários da 1.ª ré que ficaram por liquidar, relativos a abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos, datada de 15-01-2007, a favor de Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft) – cfr. registo predial do imóvel”.
E, do mesmo modo e consequentemente, deverá incluir-se na matéria de facto não provada, a seguinte referência:
(Não se provou que:) “- a 1.ª Ré tenha sofrido prejuízos pela actuação da autora consistentes nos juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação de encargo bancário (€ 650.000,00 x 8%/ano)”.
Quanto ao facto provado na alínea DDD), resulta evidente que a convicção probatória do Tribunal a quo se fundou no depoimento de CL…, diretora financeira da 3.ª ré e que referenciou o custo despendido pela 3.ª ré com a consultaria levada a efeito para a preparação da aquisição projetada. O valor ali consignado – em DDD) - é compatível com o referenciado no aludido depoimento.
Para a aludida convicção e demonstração probatória não era exigível a produção de qualquer outra prova, nem a junção de prova documental do respectivo e preciso custo.
Será que, contudo, o Tribunal não efectuou um correcto julgamento no apuramento de tal factualidade?
A resposta não pode deixar de ser negativa. De facto, ainda que louvando-se especificamente na mencionada testemunha CL…, certo é que, não foi produzida alguma contra-prova de tal testemunho, sendo o mesmo, na perspectiva em que o Tribunal recorrido o considerou, fundamento do aludido facto provado. E tanto basta para que o mesmo se considerasse assente como o foi, sendo certo que, o Tribunal teve, aliás, o cuidado de compatibilizar a prova do facto com o que decorreu do aludido depoimento.
E, também não colhe a afirmação de que a análise do Tribunal se louvou em “estimativas e afirmações pouco convictas”. O Tribunal recorrido assinalou, é certo, a impossibilidade – pelo motivo que referiu – de assentar convicção sobre o montante referido pela testemunha CL…, a respeito das “despesas administrativas” a que aquela aludiu.
Esta circunstância não inquina a possibilidade de o Tribunal formar convicção – aliás, ponderando as demais provas documentais e pessoais produzidas – na parte considerada como provada.
Assim, nenhuma das considerações expendidas pela recorrente permite abalar a convicção probatória alcançada, inexistindo motivo para a alteração da referida convicção e, consequentemente, para a alteração da redação do mencionado facto consignado na alínea DDD).
O referido a respeito da al. FF) dos factos provados pela autora não transitou para as conclusões que esta apresentou, mas, certo é que, ao contrário do invocado pela mesma, não se verifica em tal alínea dos factos provados algum vício ou incorreção, pois, de facto, o que dele consta escrito corresponde ao apurado (não carecendo, contudo, de ser efetuada a concretização referenciada pela autora, no que não se vislumbra alguma utilidade).
*
6) Se deve ser aditado à matéria de facto provada que: “Para o referido em XX), a Autora tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio, designadamente, áreas das fracções do prédio, identificação dos arrendatários e prazos de vigência dos respectivos contratos de arrendamento, valores dos encargos para o Condomínio”?
Relativamente a esta matéria, a autora/recorrente concluiu o seguinte:
“P. Os factos relativos à suficiência dos elementos para análise do negócio (arts. 27.º e 28.º da Réplica) ficaram demonstrados, por um lado, com base na prova documental junta aos autos, designadamente o anexo da notificação para o exercício do direito de pronúncia e, por outro, pelo depoimento das testemunhas já identificadas PC…, Pm… e RA…, corroborado pelas declarações de parte da Recorrente, impondo-se que seja considerado provado que “Para o referido em XX), a Autora tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio, designadamente, áreas das fracções do prédio, identificação dos arrendatários e prazos de vigência dos respectivos contratos de arrendamento, valores dos encargos para o Condomínio”;”.
Ora, apreciando o que foi vertido nos artigos 27.º e 28.º da réplica, verifica-se ter sido elaborado o tema da prova n.º 25) que, diga-se, não sofreu qualquer reclamação das partes.
Como assinala a 3.ª ré - NBALANCE – nas suas contra-alegações, verifica-se que o que foi alegado pela autora nos artigos 27.º e 28.º da réplica – e que deu origem ao tema da prova n.º 25) – é sensivelmente diverso do que a recorrente agora pretende incluir na matéria de facto provada.
Para além das discrepâncias salientadas na referida contra-alegação, verifica-se, desde logo, que não correspondência entre o alegado e o segmento, ora incluído na alegação da recorrente, seguinte: “Para o referido em XX), a Autora tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio…”.
Solicitar elementos adicionais não equivale a deter toda a informação considerada relevante.
Ora, considerando os elementos de prova produzidos, designadamente, os documentais mencionados pela recorrente – em particular o email de 07-07-2017, 14h13m., remetido por JF… a RA…, cujas circunstâncias por estes foram confirmadas, verifica-se que é possível concretizar os “elementos adicionais” a que se pretende referir a al. XX) dos factos provados.
Afigura-se, pois, que, não existindo embora qualquer motivo para a inclusão na matéria de facto provada da redação pretendida pela recorrente – não relevando, qualquer das invocações efetuadas pela recorrente na sua alegação, que respeitam a outras circunstâncias (relacionadas, segundo refere, com o “juízo infundado de censura…sobre a conduta da Recorrente e as suspeitas...sobre a existência de interesses paralelos como motivação dessa mesma conduta…”) que não aquela a que se dirigia o mencionado tema da prova -, invocações essas que, como se disse, não assentava no antes alegado e não foi objecto de tema da prova, certo é que, apesar disso, mostra-se pertinente a concretização da redação do aludido facto provado n.º XX) – eliminando-se, igualmente, o manifesto lapso que aí consta assente na referenciação à alínea XX) no “corpo” dessa alínea - , por forma a nele se concretizar – sem qualquer conteúdo conclusivo – quais os elementos adicionais que foram remetidos à FundBox, assim se conseguindo inteira fidelidade ao sucedido e ao apurado em sede de julgamento.
Em face disso, a redação do facto provado XX) deverá passar a ser a seguinte:
“XX) O negócio foi considerado interessante e foram solicitados elementos adicionais, que nessa mesma data foram remetidos – áreas: 2.º andar: 421,70 m2; 4.º andar direito: 225,90m2; cinco lugares de estacionamento individuais números 37 (piso -1), 30, 31, 32 e 33 (todos no piso -2); prazo: termo no dia 30 de Junho de 2019, renovável por períodos de dois anos salvo oposição à renovação com 180 dias de antecedência; renda mensal: € 12.157,92 (total), que se decompõe em € 7.508,48 (2.º andar), € 3.840,30 (4.º andar direito) e € 809,14 (estacionamento); comparticipação nos encargos comuns do edifício: € 1.457,10+ IVA (correspondente a € 2,25/m2 dos espaços do 2.º andar e do 4.º andar direito) - à FundBox.
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7) Se devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
“- A Autora, apesar de membro do Conselho Fiscal da Explorer Investments, entidade gestora do Explorer Real Estate I, nunca comentou, relatou, informou ou referiu àquela entidade, ou a qualquer entidade relacionada com mesma, qualquer facto relativo ao litígio em questão (art. 151.º da réplica); e
- E só depois da presente acção estar instaurada é que a Autora, informalmente por uma questão de transparência, informou a Explorer Investments que havia intentado uma acção contra a 2.ª Ré. (art. 152.º da réplica)“?
Concluiu a recorrente nas suas alegações que:
“Q. Quanto ao relacionamento da Recorrente com o Grupo Explorer, dos depoimentos das testemunhas RG… e AL…, conjugado com as declarações de parte da Recorrente – e sem qualquer prova produzida em sentido contrário – impõe que sejam considerados provados os seguintes factos:
“- A Autora, apesar de membro do Conselho Fiscal da Explorer Investments, entidade gestora do Explorer Real Estate I, nunca comentou, relatou, informou ou referiu àquela entidade, ou a qualquer entidade relacionada com mesma, qualquer facto relativo ao litígio em questão;
- E só depois da presente acção estar instaurada é que a Autora, informalmente por uma questão de transparência, informou a Explorer Investments que havia intentado uma acção contra a 2.ª Ré. “
R. Tais factos devem ser integrados na factualidade provada porque demonstram, com clareza, que a suspeita levantada pelo Tribunal “a quo” sobre a conduta da Recorrente e atentatória do seu bom nome é absolutamente infundada;
S. Mas mesmo que assim não se entendesse – o que não se concede – continuariam a ser absolutamente inadmissíveis, face à prova produzida, as considerações sobre “segundos interesses” subjacentes à actuação da Recorrente, as quais falecem desde logo pela falta de lógica”.
Neste ponto, verifica-se que o Tribunal fez incluir a matéria de facto não provada o que a autora tinha alegado nos artigos 151.º e 152.º da réplica e aos quais se referiam os termas da prova n.ºs. 29) e 30).
A recorrente considera que em face dos depoimentos de RG… e AG… se provou a factualidade correspondente.
Vejamos:
Consta da motivação da decisão recorrida designadamente, o seguinte:
“A testemunha RG…, disse conhecer o dr. FC… por ser presidente do conselho fiscal sociedade da Explorer Investements, empresa da qual é presidente. Não sabe se é o Dr. FC… ou a sociedade de advogados aqui autora que é a presidente do Conselho Fiscal da Explorer Investments. Disse que o Dr. FC… lhe comunicou que ia pôr um processo contra uma empresa em que nós somos “advisores”. Não sabe mais nada do assunto. Preocupou-se em frisar, sem ninguém perguntar concretamente, que nunca foram feitas pressões e que são completamente independentes.
AG…, advogado, amigo pessoal do Dr. FC… disse pensar que “Summer city” é uma sociedade veículo que há-de pertencer a um fundo de empresas que gere. A Explorer é uma sociedade de capital de risco que se dedica à gestão de fundos que pertencem a terceiros e que eventualmente pode gerir ou aconselhar outros fundos dirigidos por outras entidades ligadas a fundos imobiliários. O Dr. FC… é o presidente do conselho fiscal da Explorer. A testemunha é o presidente e afirmou ter sido ele que o indicou o Dr. FC… para presidente do conselho fiscal por ter de ser constituído por pessoas independentes (note-se que a testemunha afirmou que o Dr. FC… é seu amigo pessoal). A Explorer Real Found, é gerido pela Explorer. Não participou directamente na venda do imóvel. Só teve conhecimento quando o Dr. FC… iria propor uma acção que poderia envolver uma das sociedades rés no sentido de saber se havia algum inconveniente. A acção foi instaurada contra uma empresa participada por um fundo e não havia problema. Nunca lhe disse qual era o fundamento da acção. Tem ideia que tinha a ver com preferência e com prazos. Foi-lhe perguntado se a autora pode ter sido uma testa de ferro da Explorer. Se sabia alguma coisa desse assunto, ao que respondeu negativamente. Disse ser o advogado principal da Explorer. Explicou que nestes autos, é ré uma empresa do universo Explorer, por causa do nome Summer, utilizado nas sociedades veículo. Não participou em nada neste processo. A Explorer não compra nada para sim mas para investidores. Gerem os fundos. O depoimento desta testemunha veio confirmar o que foi dito a respeito do da anterior testemunha, ou seja, veio reforçar a ideia de qua há algo mais que está subjacente à propositura da presente acção que não foi referido. O depoimento desta testemunha veio também confirmar a existência de “ligações” entre a sociedade autora e o seu sócio Dr. FC… e a Explorer e empresas veículo do grupo. Tomou conhecimento da venda do lote de imóveis. Pelo que sabe, a Explorer não comprou o edifício da … (…)”.
Por seu turno, dos depoimentos das aludidas testemunhas – RG… e AG… – não resulta concludência nas afirmações que produziram.
Vejamos RG… sobre a comunicação da instauração da presente acção:
“Advogada: Então pergunto-lhe de uma forma mais lata. O Doutor FC… falou com o Sr. Doutor relativamente… disse-nos que o Doutor FC… falou de uma acção, o que é que ele disse em concreto? Se conseguir lembrar-se…
Testemunha: Que ia pôr… que ia pôr uma acção.
Advogada: Que ia pôr… ou pôs?
Testemunha: Que ia pôr ou que tinha posto, não me lembro, sinceramente.
Advogada: Uma acção contra?
Testemunha: Contra a Sociedade… contra uma das Sociedades que nós íamos comprar, se não estou em erro, não sei, eu… olhe… desculpe lá a minha ignorância, sinceramente, eu estou muito pouco envolvido neste assunto.
Advogada: Não tem mal, é só mesmo para nos dizer aquilo que sabe. Então pergunto-lhe o seguinte, alguma vez a Pares Advogados, ou melhor a Explorer solicitou à Pares Advogados, ou ao Doutor FC… que a representasse, que fosse sua testa de ferro, ou que fosse sua intermediária, ou auxiliar, com vista à impugnação de uma compra e venda?
Testemunha: De maneira nenhuma. Não é maneira… primeiro, eu tenho o Doutor FC… como uma pessoa de bem e totalmente independente senão não estaria obviamente, não seria Presidente do nosso Conselho Fiscal. Portanto, nunca ouvi uma sugestão dessas na minha vida do Doutor FC…. Portanto, a resposta inequívoca, não.
Advogada: Não? Nunca…
Testemunha: Nem, nem, mas nem … nem sequer a insinuar uma coisa desse género.
Advogada: Hum. E isto o Sr. Doutor, e a Explorer Investments? Alguma vez falou com alguém…até pode não ser o Doutor FC…, alguém da Pares Advogados no sentido de ser seu auxiliar com vista a impugnar a…
Testemunha: Oiça, nós somos 35 pessoas, se eu soubesse alguma das pessoas que trabalha comigo ou para mim, se tivesse uma sugestão dessas, por quem quer que seja, imaginaria que eu seria imediatamente informado, nunca fui informado de uma coisa dessas e não é a maneira como a Explorer trabalha, nem como… penso eu… que o Doutor FC… trabalharia, portanto, não (….).”
Testemunha: (…) queria esclarecer uma coisa, a Explorer gere e faz advising de 1.5 biliões de euros. Temos várias equipas definidas, só para justificar a minha ignorância. Temos várias equipas definidas e concretas para cada uma classe de activos e portanto, como Presidente do Conselho de Administração tenho as minhas responsabilidades que não é essa e… mas agora garanto-lhe uma coisa, a idoneidade e a maneira de nós trabalharmos…
Advogada: Isso não está em causa….
Testemunha: …enquanto Explorer é indiscutivelmente o chamado arm’s lengths, e portanto, não somos sujeitos a qualquer tipo de influência, aliás, se há alguma coisa a nossa Sociedade é conhecida no mercado por ser totalmente não influenciável e totalmente independente, seja de quem for.
Advogada: A minha questão então é, dentro do conhecimento que tem…
Testemunha: É que ouvi falar aqui … por isso é que eu estou a dizer que nós não somos qualquer… nunca somos sujeitos a qualquer pressão. E se conhece a nossa Sociedade saberá que isso é verdade.(…)
Testemunha: Exactamente. Mas nós não fazemos… mas posso-lhe garantir… mas posso-lhe garantir em nome do Engenheiro PSe…, que eu sou Presidente do Conselho de Administração e tenho 50% da Explorer Investments, que nós nunca faríamos pressões que não sejam correctas e perfeitamente transparentes, isso não existe na nossa casa.
Advogada: Sim, muito bem.
Testemunha: Posso-lhe garantir. (…)”
Do referido depoimento resulta a inexistência de conhecimento da situação concreta com a autora a respeito do questionado nos temas da prova n.ºs. 29) e 30), mas a afirmação – genérica e insustentada – de comportamento idóneo da sociedade Explorer e das pessoas que nela exercem funções e a negação de qualquer interposição em negócio. Claro está que estas circunstâncias não possibilitavam a formação de convicção positiva no Tribunal sobre os mencionados temas da prova e, nessa medida, bem se compreende o resultado alcançado pelo Tribunal.
Mas, vejamos o depoimento da outra testemunha mencionada pela recorrente, AG….
Esta testemunha, sobre a temática das relações entre a autora e a Explorer Investments, testemunhou – revelando inconstância, incerteza e, por vezes, salientando falta de concreto conhecimento - nos seguintes termos:
Advogada: A Plácido de Abreu, a Pares Advogados, já há documentos juntos aos autos, mas prefiro perguntar desta forma, exerce, ocupa algum cargo social dentro relativamente à Explorer Sociedade Capital de Risco?
Testemunha: Eu penso que a Plácido não, o Dr. JF…, pessoalmente é presidente do conselho fiscal da Explorer Capital de Risco.
Advogada: Tem a certeza Sr. Doutor? É porque há documentos e se for necessário eu confronto-o com a certidão …
Testemunha: Sr.ª Doutora …
Advogada: … não acha que pode ser ao contrário? Ou seja a Sociedade, a Plácido Abreu … Testemunha: … pode, pode ser efectivamente é uma possibilidade legal (…).
Advogada: Na pessoa do Dr. FC…, é que ocupa o …
Testemunha: O lugar, pode ser, isso aí não tenho presente, mas se me diz que é o que está, se é o que consta da certidão foi assim que foi designado e é uma, é uma maneira normal de se designar, não tinha isso presente, para mim o presidente do conselho fiscal …
Advogada: … é a pessoa física?
Testemunha: … a pessoa singular …
Advogada: Sim.
Testemunha: … porque obviamente a Sociedade teria que indicar alguém em nome pessoal para, para exercer o cargo é o Dr. JF… (…).
Advogada: Sr. Doutor, temos no processo um, uma carta que é digamos o que está na base deste processo, que é uma carta, uma notificação para o exercício de preferência, que identifica, com vista a uma projectada compra e venda, que identifica o Explorer Real State Fund, este é este fundo ou, ou este Explorer Real State, é um dos Fundos geridos pela Explorer Capital de Risco?
Testemunha: Eu, na minha memória, esse é um fundo dos aconselhados porque é um fundo do Luxemburgo, e portanto tem, nos termos legais pode ter um gestor e um, que está no Luxemburgo, e pode ter uma Sociedade que faz o Advisor, ou seja é, é a Sociedade que e no país onde esse fundo vai investir, aconselha a Sociedade gestora a fazer os investimentos e acompanha os investimentos quando realizados e depois também acompanha o desinvestimento, mas é na qualidade de conselheiro da Sociedade gestora, portanto, aliás como o nome indica obviamente há uma relação directa …
Advogada: Sim.
Testemunha: … com a Explorer, mas há uns Fundos que são geridos de acordo com a lei portuguesa pela Explorer, e há outros Fundos que são geridos de acordo com a lei do Luxemburgo, no Luxemburgo, por uma Sociedade gestora, e aconselhados em Portugal por um, pela Explorer, esse, esse enquadra-se pelos Fundos aconselhados pela Explorer, portanto.
Advogada: Sr. Doutor, teve conhecimento da, do processo de compra, de venda do imóvel onde actualmente são as instalações ou é o escritório da Pares Advogados?
Testemunha: Não, não participei, não participei directamente nesse processo. Eu tenho conhecimento desse processo quando o Dr. JF… me telefona a informar que a Pares, iria processar uma empresa, nem sei porque não sou, não …
Advogada: O que é que ele, nesse telefonema em concreto …
Testemunha: … isso foi, foi um telefonema a, a perguntar, porque ele era o presidente do conselho fiscal pelos vistos em nome pessoal, mas é o presidente do conselho fiscal em efectividade de funções, a informar por uma questão de lealdade institucional, que no melhor interesse da Pares, para mim Pares tem outro nome, iria propor uma acção que poderia envolver ou não a, uma Sociedade participada pela Explorer, e se institucionalmente tinha feito a mesma chamada ao Dr. RG…, na qualidade de presidente do conselho de administração. Se eu, como presidente da assembleia geral, via algum problema nesse, nessa propositura dessa acção. Ao que eu respondi que não, porque não era, para já, não era uma acção contra a Explorer, porque isso aí é que seria estranho do presidente do conselho fiscal, ou uma entidade ligada a ele colocasse uma acção contra a própria Sociedade de que ele era o presidente do conselho fiscal. Sendo uma participada de um Fundo, não via absolutamente problema nenhum. Compreendia perfeitamente, agradecia, agradecia a informação, mas que não via que isso fosse incompatível com o cargo que ele exercia e a independência que lhe era exigida e, portanto não, não via nada de extraordinário naquilo. Agradeci só o cuidado dele.
Advogada: Nesse telefonema o Dr. FC…, disse que ia propor ou que tinha proposto? Consegue precisar?
Testemunha: Isso agora já não consigo, já não lhe consigo, nem sei, já não lhe consigo precisar a data, lembro-me perfeitamente desse cuidado, que é um cuidado institucional e portanto, isso é algo que nos lembramos perfeitamente agora, se pedir a data não me consigo recordar.(…).
Advogada: Sr. Doutor, levantam-se aqui duas, duas questões que são o seguinte. levanta-se aqui a ideia de que a Pares Advogados poderá ter sido um auxiliar nesta acção intentada relativamente a esta questão da venda do prédio e da preferência. Da forma como foi concedida a preferência, que a actuação da Pares Advogados terá sido promovida ou auxiliada ou a Pares Advogados será uma testa de ferro da, do, da Explorer. Isto tem algum tipo de fundamento tendo em consideração aquilo que sabe sobre o assunto? Na qualidade de presidente do conselho de administração da Explorer?
Testemunha: Eu não sou presidente do conselho de administração …
Advogada: Ah, desculpe.
Testemunha: … eu sou presidente da assembleia geral.
Advogada: Da assembleia geral, da assembleia geral, tem razão.
Testemunha: É assim, eu sou testa de ferro para quê, com que propósito?
Advogada: Terá agido com… A Pares Advogados aqui está a agir como testa de ferro da Explorer, ou seja …
Testemunha: Pois mas como, com que propósito? Mas qual seria o interesse da Explorer?
Advogada: Um interesse de contestar esta, o exercício da preferência por parte de um dos arrendatários do prédio?
Testemunha: Porquê, então porque é que a Explorer não punha uma acção?
Advogada: Pronto Sr. Doutor, por isso é que eu lhe estou a perguntar se de acordo com o que sabe sobre o assunto, se este tipo de afirmação terá algum motivo, algum …
Testemunha: Eu, eu estou, eu estou a perguntar só porque, porque é que haveria de fazer isso e não pôr uma acção?
Advogada: A Explorer contestou, a Summercity, que era a entidade que, que iria comprar o imóvel, sabe se impugnou ou contestou este exercício de preferência por parte da, da Nutribalance?
Testemunha: Não sei, porque não fui advogado da Summercity, nesse processo.
Advogada: Mas sabe se há algum litígio na, promovido pela Explorer, relativamente a este prédio da Rua …?
Testemunha: Penso que não, do meu conhecimento não, não.
Advogada: E a existir seria do conhecimento do Sr. Doutor?
Testemunha: Em princípio seria, em princípio seria. Porque eu, enfim a Explorer, tem outros advogados porque é uma firma muito grande e, e eu sou, além de ser presidente da assembleia geral desde que ela foi constituída, sou advogado dos accionistas fundadores da Explorer. Antes da Explorer existir, fui eu que constituí a Explorer, portanto sou digamos assim o advogado principal, se me é permitido utilizar este expressão da Explorer, portanto teria conhecimento. Também eu estava-lhe a fazer, estava-lhe a fazer, estava a fazer a pergunta bem sabendo que o tribunal disse que eu estou aqui só para falar de factos e não para fazer perguntas aos senhores ilustres advogados, porque eu, conhecendo precisamente a Explorer, desde a sua constituição que já, já tem bastantes, 20, desde 2004, e antes já os conhecia os sócios, não estou a ver ninguém da Explorer, até atendendo à actividade regulada que tem a utilizar testas de ferro para o que quer que seja, portanto acho que era uma, era uma actuação totalmente descabida e ilegal que a, que a Explorer, nunca utilizaria testas de ferro para, para, para …
Advogada: Agir.
Testemunha: … para agir, não é, portanto se tivesse alguma acção a propor certamente a colocaria directamente e sem subterfúgios (…).
Testemunha: … deixe-me, deixe-me especificar. A Sr.ª Doutora referiu aí que a Explorer, compra imóveis. A Explorer não compra imóveis, quem compra imóveis são Sociedades veículos que não são dela, Explorer, são de Fundos por si geridos em nome de investidores, ou seja há investidores institucionais, nomeadamente Fundos de Pensões, Bancos, grandes, grandes fortunas que investem em Fundos e tomam participações, unidades de participação em Fundos, que são geridos profissionalmente e de forma independente pela Explorer, portanto a Explorer, não compra nada para si. A Explorer compra para investidores, portanto isso aí tem cada Fundo tem, tem evidentemente equipas que são as equipas que acompanham esse tipo de processos, que obviamente para os quais eu só sou chamado quando estou a actuar como advogado do Fundo em concreto … (…)
Advogada: Portanto, não tomou conhecimento desta operação nem na altura em que ela decorria…
Testemunha: Não tomei, tomei conhecimento quando foi as aquisições grandes do Fundo tomei, mas agora se me perguntar se foi o edifício A, B, C ou D, não sei dizer, isso não.
Advogada: Não sabe, portanto não sabe se este edifício em concreto foi comprado pela Explorer? (…)”.
Ora, também considerando este depoimento, se verifica ser o mesmo imprestável para a formação de uma convicção positiva sobre os temas da prova n.ºs. 29) e 30), pois, como resulta dos trechos sublinhados, a referida testemunha apesar de à pergunta – “Nesse telefonema o Dr. FC…, disse que ia propor ou que tinha proposto? Consegue precisar?” – ter respondido negativamente, certo é que, na resposta a anterior questão, com espontaneidade e maior concretização, referiu que JF… lhe tinha telefonado “a perguntar”… “a informar” por uma questão de lealdade institucional, “que no melhor interesse da Pares (…) iria propor uma acção que poderia envolver ou não a, uma Sociedade participada pela Explorer (…)”.
O tempo verbal utilizado e a alternativa de a ação poder incluir – certamente por disso depender da vontade do demandante – uma sociedade participada pela Explorer inculcam no sentido de que o telefonema teria sido em data anterior à da instauração da presente ação.
Não obstante, certo é que, na falta de outros elementos probatórios, os temas da prova n.ºs. 29) e 30) resultaram indemonstrados e, nessa medida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido, ao proceder do modo como procedeu, incluindo a correspondente matéria nos factos não provados, tenha incorrido em qualquer erro de julgamento.
Inexiste, pois, motivo para a alteração da matéria de facto pretendida pela recorrente a este respeito.
*
NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
A) A 1ª Ré é proprietária do prédio urbano destinado a serviços sito na Rua …, …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de Santo António, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia.
B) Por contrato de arrendamento celebrado em 27 de Maio de 2011, a 1ª Ré deu de arrendamento duas fracções autónomas que correspondem à totalidade do 2º andar e, inicialmente, 5 (cinco) lugares de estacionamento individuais sitos no Piso -2 do referido prédio a JM….
C) JM… é advogado e sócio da aqui Autora, pelo que pouco depois, em 15 de Julho de 2011, foi celebrado o contrato de cessão de posição contratual em aquele cede a esta a sua posição de inquilino
D) Em 6 de Fevereiro de 2012 foi celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora (primeiro) aditamento ao Contrato de Arrendamento através do qual as partes acordaram alterar o mesmo na sequência da alteração do número de identificação de pessoa colectiva da Autora.
E) Em 24 de Outubro de 2013 foi celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora (segundo) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual as partes acordaram a alteração de algumas das condições do mesmo, estabelecendo uma extensão da duração do contrato acompanhada da redução temporária da remuneração mensal a liquidar pela Autora.
F) Em 15 de Junho de 2016, foi celebrado entre a 1ª Ré e a Autora (terceiro) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual aquela deu de arrendamento a esta o espaço com a área de 225,90 m2, situado no Piso 4, lado direito, do edifício supra identificado.
G) A par do Contrato de Arrendamento acima identificado, as 1.ª Ré e a Autora celebraram, ainda:
H) Em 15 de Novembro de 2012, um outro contrato de arrendamento através do qual a 1.ª Ré deu de arrendamento à Autora 1 (um) lugar de estacionamento individual (lugar 22) sito no Piso -3 do edifício em apreço,
I) Em 01 de Abril de 2013, um outro contrato de arrendamento através do qual a 1.ª Ré deu de arrendamento à Autora 1 (um) lugar de estacionamento individual (lugar 15) sito no Piso -3 do edifício em apreço.
J) Em 21 de Novembro de 2016, foi celebrado entre a 1ª Ré e a Autora (quarto) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual aquela deu de arrendamento a esta mais dois lugares de estacionamento.
L) Na presente data e por via dos contratos de arrendamento acima identificados e respectivos aditamentos, a Autora é arrendatária das seguintes fracções do prédio urbano propriedade da 1.ª Ré:
(i) Piso 2
(ii) Piso 4, lado direito;
(iii) Lugares para estacionamento n.ºs 36 do Piso -1, 30, 31, 32 e 33 do Piso -2, 14, e 16 do Piso -3 e 4 e 8 Piso -4; e
(iv) Arrecadação no Piso -4.
M) Por carta datada de 5 de Julho de 2017, a 1ª Ré notificou a Autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1091º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, para, querendo, exercer o direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano identificado em A).
N) Os termos e condições da projectada venda comunicados à Autora pela 1ª Ré através da referida carta são as seguintes, que por conveniência de exposição se transcrevem na parte que releva para os presentes autos: “Objecto de Alienação e Preferência: o Edifício Classique, supra identificado; Comprador: SUMMERCITY, S.A., sociedade comercial de direito português, com sede na Av. Eng.º Duarte Pacheco, n.º 7-7.º-A, Lisboa, inscrita no registo comercial de Lisboa, sob o número único de pessoa coletiva e de identificação fiscal 513263594, ou uma outra sociedade comercial de direito português pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I; Preço e Condições de Pagamento: O preço de alienação do Edifício Classique é de € 6.250.000,00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil euros). O preço será totalmente pago, com fundos imediatamente disponíveis, pelo Comprador, no ato da celebração da escritura de compra e venda; Data da Celebração da Escritura de Compra e Venda: O contrato definitivo de compra e venda será celebrado por escritura pública, até ao dia 31 de julho de 2017, em dia, hora e local sito em Lisboa, ficando o respectivo agendamento a cargo do Vendedor; Tendo em atenção o acima exposto, ficam V. Exas. notificados para, querendo, e nos termos da legislação em vigor, exercer o direito de preferência que Vos assiste, relativamente à aquisição do Edifício Classique, no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da data de recepção da presente carta.”
O) A Autora não exerceu o direito de preferência que lhe assistia.
P) A 3ª ré é arrendatária dos Pisos 0, 1, lado direito e frente, e do piso 4, bem como de 9 lugares de estacionamento no Edifício Classique, identificado na alínea A).
Q) E na sua qualidade de arrendatária recebeu também ela da 1.ª Ré, em 06 de Julho de 2017, a carta datada de 05 de Julho de 2017 através da qual foi notificada para, querendo e nas condições ali indicadas, exercer o direito de preferência na aquisição do Edifício Classique.
R) A 3ª Ré, no prazo que foi conferido para o efeito, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício Classique.
S) A 1.ª Ré comunicou à 3ª ré que deveria comparecer no dia 04 de Agosto de 2017, nas instalações que aquela ocupa na Avenida …, n.º … – ….º andar, em Lisboa, para a outorga da escritura pública de compra e venda do Edifício Classique.
T) Em 2 de Agosto de 2017, a 3.ª Ré procedeu à publicação de alterações ao seu objecto social através da AP. 13/20170802, acrescentando “Compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim” ao respectivo objecto social de “Prestação de serviços e tratamentos de nutrição e dietética. Todas as actividades acessórias e complementares destinadas ao tratamento não cirúrgico de excesso de peso, incluindo consultas médicas.”.
U) A autora enviou à 1ª ré, que a recebeu, com a data de 2 de Agosto de 2017 a carta junta a fls. 100/100 verso e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
V) A Sociedade Summercity, S.A. é controlada pelo Explorer Real Estate Fund.
X) O Fundo Explorer é gerido pela sociedade Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A.
Z) A sociedade 2.ª Ré Summercity e a sociedade Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A. tem sede na mesma morada.
AA) A Autora é membro do Conselho Fiscal da sociedade Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A. encontrando-se nomeada para o quadriénio 2016/2019.
BB) A Autora é representada no Conselho Fiscal da dita sociedade, pelo Dr. JF….
CC) A autora procedeu ao registo da presente acção na Conservatória do Registo Predial respectiva.
DD) A autora não exerceu o direito de preferência no prazo que lhe foi comunicado pela vendedora – oito dias.
EE) A autora não conseguiu angariar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00 € - e, consequentemente, exercer o direito de preferência.
FF) No dia 2 de Agosto de 2017, em contacto telefónico com um dos sócios da proprietária do imóvel, a autora tomou conhecimento que a escritura pública de compra e venda não tinha sido realizada no prazo fixado pela 1ª Ré para o efeito, isto é, até ao 31 de Julho de 2017.
GG) Nesse telefonema tal sócio da autora informou o quadro superior da 1ª Ré que, estando ultrapassado o prazo fixado pela 1ª Ré para a realização da escritura pública de compra e venda, as condições informadas na carta datada de 5 de Julho de 2017 deixavam de ser válidas, uma vez que, havendo novo prazo para a celebração da escritura, estar-se-ia perante novo negócio, com novas condições e pressupostos.
HH) Apesar de tal posição desse sócio da Autora, o seu interlocutor referiu que não era esse o entendimento da 1ª Ré e dos seus assessores jurídicos, indiciando deste modo que iriam prosseguir com a transacção.
II) Em face de tal posição, a autora entendeu dever comunicar formalmente à 1ª Ré a sua posição, o que fez por e-mail datado de 2 de Agosto de 2017, junto a fls. 99 e cujo teor se dá por reproduzido;
JJ) Pouco depois, ainda nesse mesmo dia 2 de Agosto de 2017, tendo a Autora tido conhecimento que a escritura pública de venda do prédio em apreço está já marcada para uma outra data, que não havia sido comunicada na carta de 5 de Julho remetida pela 1ª Ré, remeteu novo e-mail, junto a fls. 102 verso e cujo teor se dá por reproduzido.
LL) No contacto telefónico de 2 de agosto de 2017 foi dito à autora que a 3ª ré teria exercido o direito de preferência mas que o contrato definitivo e o pagamento do preço não teria tido ainda lugar.
MM) A Nutribalance tem vindo a ocupar vários pisos do prédio, tendo nos últimos dias solicitado à Autora autorização para visitar os 2º e 4º pisos que esta ocupa.
NN) A autora nunca manifestou perante a 1ª ré qualquer interesse em adquirir o prédio.
OO) Nunca lhe tendo solicitado quaisquer elementos ou informações sobre o prédio;
PP) Não tendo pedido autorização para visitar outros pisos do edifício por si ou através de qualquer avaliador.
QQ) O Edifício Classique compunha um conjunto de bens imóveis que a 1.ª Ré Silcoge decidiu alienar.
RR) Tendo negociado a sua alienação, em bloco, à aqui 2.ª Ré, a Sociedade Summercity, S.A.;
SS) Muito embora o preço do negócio tenha sido acordado na globalidade, houve a necessidade de atribuir um preço unitário a cada um dos bens imóveis a alienar;
TT) Sendo que ao Edifício Classique foi atribuído pelas Rés Silcoge e Summercity o preço de € 6.250.000,00.
UU) Assim que a Autora teve conhecimento da comunicação datada de 5 de Julho remetida pela 1ª Ré para exercício do direito de preferência iniciou diligências no sentido de reunir investidores e obter financiamento que lhe permitisse pagar o preço de venda comunicado;
VV) Por e-mails datados de 7 de Julho de 2017 a Autora contactou a Fund Box -Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A., dando conhecimento do negócio em que poderia ser exercida a preferência.
XX) O negócio foi considerado interessante e foram solicitados elementos adicionais, que nessa mesma data foram remetidos – áreas: 2.º andar: 421,70 m2; 4.º andar direito: 225,90m2; cinco lugares de estacionamento individuais números 37 (piso -1), 30, 31, 32 e 33 (todos no piso -2); prazo: termo no dia 30 de Junho de 2019, renovável por períodos de dois anos salvo oposição à renovação com 180 dias de antecedência; renda mensal: € 12.157,92 (total), que se decompõe em € 7.508,48 (2.º andar), € 3.840,30 (4.º andar direito) e € 809,14 (estacionamento); comparticipação nos encargos comuns do edifício: € 1.457,10+ IVA (correspondente a € 2,25/m2 dos espaços do 2.º andar e do 4.º andar direito) - à FundBox.
ZZ) Ainda nesse mesmo dia, a FundBox, na pessoa do Administrador, Prof. Dr. RA…, comunicou que já havia reunido com o Dr. AP…, Administrador do Banco Invest, S.A., a tentar financiar a aquisição pretendida pela Autora.
AAA) A Autora contactou ainda outro investidor, a Real Vida Seguros, S.A., que igualmente se mostrou interessada em apoiar a Autora na obtenção do financiamento necessário e se propôs a analisar o mesmo
BBB) Em consequência, a 1.ª Ré sofreu e irá sofrer, por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o referido impedimento causado pela Autora e que se traduzem no valor do pagamento de juros decorrentes dos encargos bancários da 1.ª ré que ficaram por liquidar, relativos a abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos, datada de 15-01-2007, a favor de Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft) – cfr. registo predial do imóvel.
CCC) A presente acção acompanhada do seu imediato registo, em oneração do imóvel da 1ª Ré e no momento em que se concretizava a respectiva venda impediu, e impedirá por tempo indeterminado, a 1ª Ré de transmitir o imóvel livre de ónus e encargos.
DDD) Para obter assessoria financeira e legal com a montagem da operação inerente à aquisição do Edifício Classique, a 3.ª Ré gastou quantia de, pelo menos, 18.000 euros.
EEE) Entre Julho e Agosto de 2017, o sócio gerente da 3.ª Ré, NG…, dedicou parte do seu tempo com o planeamento e preparação da operação de aquisição do Edifício Classique.
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NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA NÃO PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
- A autora não conseguiu angariar o montante referido em EE) pelo facto de estar estabelecido o prazo de 31-07-2017 para celebração da escritura de compra e venda.
- O contacto telefónico ocasional informal com um quadro superior da 1ª Ré era habitual na relação de arrendatária e senhoria.
- A autora só no dia 02-08-2017 soube que a 3ª Ré teria exercido o direito de preferência.
- Nesse contacto não ficou claro para a Autora se a adquirente do prédio em causa seria a aqui 2ª Ré, SUMMERCITY, S.A., tal como foi comunicado na carta de 5 de Julho ou a 3ª Ré;
- Não é indiferente para a Autora ter por senhorio quem se dedica à gestão de activos imobiliários, ou quem, como é o caso da 3ª Ré, pretende adquirir o imóvel para a expansão do seu próprio negócio e não pretende ter inquilinos.
- A Autora tem interesse directo e inequívoco nesta transacção, como potencial compradora das fracções que hoje ocupa, como arrendatária, e do restante edifício, enquanto negócio puramente imobiliário;
- A autora apenas equacionou tal negócio depois de tomar conhecimento de que o novo proprietário iria a ser a NBALANCE, ora 3.ª Ré;
- O exercício do direito de preferência pela 3ª ré foi uma surpresa, e mais propriamente, um choque para a Ré Summercity e para o Fundo Explorer que a controla, uma vez que o Edifício Classique era um dos imóveis que compunham o lote que acordou comprar à Ré Silcoge com maior potencial de valorização e, por conseguinte, um daqueles que mais contribuíram para o preço global que aceitou pagar pelo negócio que celebrou com a Ré Silcoge.
- Por via do pedido formulado nestes autos a autora pretende tão só “destruir” o direito adquirido pela aqui 3ª Ré de comprar o Edifício Classique.
- Revertendo o projectado negócio à “estaca zero”, o que interessará também à 2.ª Ré e ao Fundo Explorer.
- O referido em XX) tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio, designadamente, áreas das fracções de que a Autora é arrendatária, prazo de vigência do contrato de arrendamento, valores das rendas pagas, encargos, etc.;
- Foi ainda contactado o Bankinter, embora o Prof. Dr. RA… tenha sido da opinião que, face ao prazo de 8 dias para pagamento do preço, não deveria ser possível conseguir aprovação da operação.
- A entidade referida em AAA) reconheceu que o espaço temporal para a decisão era muito reduzido;
- A Autora, apesar de membro do Conselho Fiscal da Explorer Investments, entidade gestora do Explorer Real Estate I, nunca comentou, relatou, informou ou referiu àquela entidade, ou a qualquer entidade relacionada com mesma, qualquer facto relativo ao litígio em questão;
- E só depois da presente acção estar instaurada é que a Autora, informalmente por uma questão de transparência, informou a Explorer Investments que havia intentado uma acção contra a 2.ª Ré.
- A 1ª Ré não conhece nenhum interessado em adquirir o imóvel em causa com o ónus que lhe foi imposto pela autora;
- Logo que teve conhecimento da presente acção, a entidade financiadora com quem a 3.ª Ré tinha acordado o financiamento de parte do preço recusou-se a concretizar a operação.
- Para os efeitos referidos em EEE) a 3ª ré despendeu a exacta quantia de 18.450,00 Euros;
- Com a negociação do financiamento bancário, a 3.ª Ré suportou, ainda, a quantia de 4.729,24 euros em custos bancários;
- Que o sócio gerente da 3.ª Ré, NG… gastou pelo menos 100 horas nas actividades referidas em EEE) em prejuízo da atividade que normalmente presta para a 3.ª Ré, que representou um dano para a empresa de cerca de 3.500,00 Euros;
- A 3.ª Ré, uma vez concretizada a aquisição do Edifício Classique, pretendia proceder à sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro.
- A 1.ª Ré tenha sofrido prejuízos pela actuação da autora consistentes nos juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação de encargo bancário (€ 650.000,00 x 8%/ano).
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C) Do mérito da apelação da Autora:
*
8) Se o tribunal recorrido interpretou e aplicou indevidamente o disposto no artigo 1410º do Código Civil?
Quanto à aplicação do Direito na decisão recorrida, concluiu a recorrente na sua apelação, nomeadamente, o seguinte:
“X. Está em causa nos presentes autos o facto de a 1ª Ré não ter comunicado, o “projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato”, conforme estatui o artigo 416º do Código Civil;
Y. Existe uma incerteza ou vaguidade quanto ao potencial comprador, mas sobretudo, a data até à qual era obrigatório o pagamento do preço deixou de o ser;
Z. O objecto do litígio não passa por saber se a Recorrente (não) exerceu o direito de preferência, e a questão controvertida consiste antes em saber se existem desconformidades que assentam sobre elementos essenciais do negócio: a identificação concreta do comprador e, em especial, a data (real) até à qual se podem reunir fundos para pagar o preço;
AA. A pretensão da Recorrente foi devidamente compreendida e delimitada no douto despacho saneador de 19 de Julho de 2018, que fixou objecto do litígio e teve o particular cuidado de fundamentar as razões dessa delimitação (…).”
BB. O entendimento plasmado na sentença, para além de profundamente errado, contraria expressa e frontalmente o douto despacho saneador, que transitou em julgado e não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes, pelo que se impunha-se ao Tribunal “a quo” julgar a acção “à luz” daquele despacho mas, refém do seu pré-juizo, o Tribunal afasta da problemática em julgamento a questão central da ineficácia da comunicação;
CC. Está em causa apreciar se seria relevante a Recorrente ter sabido, à data em que tinha de decidir se preferia, que a data de 31 de Julho de 2017 para realização da escritura (e pagamento do preço) seria flexível ou prorrogável, ou no final do dia, não imperativa;
DD. Em audiência de julgamento, perpassou a convicção de que essa data seria flexível, e foi referido que a escritura não se realizou devido ao registo da acção sobre o prédio, e não porque as partes, nomeadamente a vendedora, apenas tivessem interesse na realização do negócio até uma determinada data;
EE. O Tribunal “a quo” demite-se da análise das questões suscitadas, e enleado na sua errónea convicção, convola os presentes autos numa acção de preferência;
FF. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou indevidamente o disposto no artigo 1410º do Código Civil, pois face ao modo como se encontra configurada a acção pela Recorrente, não tem aplicação o regime da acção para preferência”.
Como se vê, a apelante considera que o Tribunal interpretou e aplicou indevidamente o disposto no artigo 1410.º do CC, por “face ao modo como se encontra configurada a ação pela Recorrente, não tem aplicação o regime da acção para preferência”.
Na sentença recorrida teceram-se, nomeadamente, as seguintes considerações:
“(…) A autora intentou a presente acção declarativa, sob a forma comum contra as rés formulando o pedido nos seguintes termos:
“a) Deve a 1ª Ré ser condenada a abster-se de celebrar escritura pública de compra e venda do prédio urbano destinado a serviços sito na Rua …, …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de Coração de Jesus, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia com todo e qualquer adquirente, incluindo com qualquer uma das Rés, enquanto a Autora não for cabalmente notificada do (novo) projecto de venda e respectivas cláusulas e condições do negócio de venda do mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 416º a 418º do Código Civil, de modo a poder eventualmente exercer a preferência que lhe assiste;
Caso à data de prolação da sentença tenha já sido realizada a referida escritura pública de compra e venda, hipótese que se coloca, sem conceder:
b) Deve a comunicação remetida pela 1ª Ré à Autora em 5 de Julho de 2017 ser declarada ineficaz e de nenhum efeito, porque equivalente à falta de notificação, e em consequência, ser declarada nula a venda do prédio em apreço, com as legais consequências; c) Devem, ainda e em qualquer caso, as Rés serem solidariamente condenadas a pagar custas e demais encargos com o processo e procuradoria condigna;”
Nos presentes autos, resulta provado que a primeira é proprietária do prédio urbano destinado a serviços sito na Rua …, …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de Santo António, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia.
Por contrato de arrendamento celebrado em 27 de Maio de 2011, a 1ª Ré deu de arrendamento duas fracções autónomas que correspondem à totalidade do 2º andar e, inicialmente, 5 (cinco) lugares de estacionamento individuais sitos no Piso -2 do referido prédio a JM…, advogado e sócio da aqui Autora, pelo que pouco depois, em 15 de Julho de 2011, foi celebrado o contrato de cessão de posição contratual em aquele cede a esta a sua posição de inquilino.
Foram feitos vários aditamentos a tal contrato, sendo que o celebrado em 15 de Junho de 2016, acordou-se que a primeira ré deu de arrendamento à autora o espaço com a área de 225,90 m2, situado no Piso 4, lado direito, do edifício supra identificado.
A par do Contrato de Arrendamento acima identificado, as 1.ª Ré e a Autora celebraram, ainda vários contratos de arrendamento de lugares de garagem no mesmo edifício.
Por via dos contratos de arrendamento acima identificados e respectivos aditamentos, a Autora é arrendatária das seguintes fracções do prédio urbano propriedade da 1.ª Ré:
-Piso 2
-Piso 4, lado direito;
-Lugares para estacionamento n.ºs 36 do Piso -1, 30, 31, 32 e 33 do Piso -2, 14, e 16 do Piso -3 e 4 e 8 Piso -4; e
- Arrecadação no Piso -4.
Por carta datada de 5 de Julho de 2017, a 1ª Ré notificou a Autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1091º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, para, querendo, exercer o direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano identificado em A).
Os termos e condições da projectada venda comunicados à Autora pela 1ª Ré através da referida carta são as seguintes, que por conveniência de exposição se transcrevem na parte que releva para os presentes autos:
“Objecto de Alienação e Preferência: o Edifício Classique, supra identificado; Comprador: SUMMERCITY, S.A., sociedade comercial de direito português, com sede na Av. Eng.º Duarte Pacheco, n.º 7-7.º-A, Lisboa, inscrita no registo comercial de Lisboa, sob o número único de pessoa coletiva e de identificação fiscal 513263594, ou uma outra sociedade comercial de direito português pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I; Preço e Condições de Pagamento: O preço de alienação do Edifício Classique é de € 6.250.000,00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil euros). O preço será totalmente pago, com fundos imediatamente disponíveis, pelo Comprador, no ato da celebração da escritura de compra e venda; Data da Celebração da Escritura de Compra e Venda: O contrato definitivo de compra e venda será celebrado por escritura pública, até ao dia 31 de julho de 2017, em dia, hora e local sito em Lisboa, ficando o respectivo agendamento a cargo do Vendedor; Tendo em atenção o acima exposto, ficam V. Exas. notificados para, querendo, e nos termos da legislação em vigor, exercer o direito de preferência que Vos assiste, relativamente à aquisição do Edifício Classique, no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da data de recepção da presente carta.”
A 3ª ré é arrendatária dos Pisos 0, 1, lado direito e frente, e do piso 4, bem como de 9 lugares de estacionamento no Edifício Classique.
E na sua qualidade de arrendatária, no prazo que foi conferido para o efeito, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício Classique.
A 1.ª Ré comunicou à 3ª ré que deveria comparecer no dia 04 de Agosto de 2017, nas instalações que aquela ocupa na Avenida …, n.º … – ….º andar, em Lisboa, para a outorga da escritura pública de compra e venda do Edifício Classique.
A autora enviou à 1ª ré, que a recebeu, com a data de 2 de Agosto de 2017 a carta junta a fls. 100/100 verso e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
A autora não conseguiu angariar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00 € - e, consequentemente, exercer o direito de preferência.
No dia 2 de Agosto de 2017, em contacto telefónico com um dos sócios da proprietária do imóvel, a autora tomou conhecimento que a escritura pública de compra e venda não tinha sido realizada no prazo fixado pela 1ª Ré para o efeito, isto é, até ao 31 de Julho de 2017.
A autora nunca manifestou perante a 1ª ré qualquer interesse em adquirir o prédio.
Nunca lhe tendo solicitado quaisquer elementos ou informações sobre o prédio;
Não tendo pedido autorização para visitar outros pisos do edifício por si ou através de qualquer avaliador.
O Edifício Classique compunha um conjunto de bens imóveis que a 1.ª Ré Silcoge decidiu alienar.
Tendo negociado a sua alienação, em bloco, à aqui 2.ª Ré, a Sociedade Summercity, S.A.
Muito embora o preço do negócio tenha sido acordado na globalidade, houve a necessidade de atribuir um preço unitário a cada um dos bens imóveis a alienar;
Ao Edifício Classique foi atribuído pelas Rés Silcoge e Summercity o preço de € 6.250.000,00.
Ora, considerando o pedido formulado pela autora e os factos supra referidos, verifica-se que, pela presente acção aquela não pretende exercer o direito de preferência na compra do imóvel mas apenas que o Tribunal determine que a proprietária do prédio a notifique novamente para exercer o direito de preferência por considerar que houve alteração das condições que lhe foram comunicadas na supra referida carta, alterações essas que se traduzem no facto de data para a realização da escritura publica de compra e venda ter sido agendada para o dia 04.08.2017 e não até ao dia 31.07.2017 conforme lhe fora comunicado.
Em suma, a instauração da presente acção e o registo da mesma não permitiram a realização da escritura pública de compra e venda do prédio supra referido.
Cumpre então apreciar e decidir se assiste razão à autora.
Como já se referiu, a autora era arrendatária de vários pisos e garagens do prédio aqui em causa e foi-lhe comunicada atempadamente e nos termos legais as condições de venda do imóvel, sendo-lhe assim facultada a possibilidade (diga-se que juridicamente discutível) de exercer o direito de preferência sobre a venda da totalidade do prédio, que, à data, e ao que se sabe ainda agora, não estava nem está constituído em propriedade horizontal.
Como adiante se verá, o exercício do direito de preferência por parte dos arrendatários em prédios não constituídos em propriedade horizontal, não era liquida na jurisprudência tendo culminado com uma alteração legislativa que veio dar razão à facção maioritária. Mas, como se referiu, não está aqui verdadeiramente em questão, pelo menos numa primeira análise, saber se a autora tinha ou não o direito de preferência sobre a venda da totalidade do prédio do qual era arrendatária apenas em parte.
O que está provado é que a proprietária e senhoria fez todas s comunicações legais para que a autora pudesse exercer o direito de preferência, sendo a questão fulcral aqui a analisar a de saber se a não realização da escritura até ao dia 31.07.2017 pode ter como consequência legal o peticionado pela autora tendo em conta os factos provados.
Salvo o devido respeito, entende-se que não assiste à autora qualquer razão, sendo que de toda a sua postura processual ao logo desta acção e da prova produzida resulta que a mesma não tem condições para exercer o direito de preferência, desde logo porque não tem o dinheiro necessário para depositar o preço do valor do prédio conforme resulta da fundamentação de facto.
Aliás incumbia à autora alegar e provar que no dia agendado para a realização da escritura estava em condições de exercer o direito de preferência e só não o fez porque estava convencida de que a escritura de compra e venda tinha sido realizada até 31.07.2017.
Resulta não provado que “a autora não conseguiu angariar o montante referido em EE) pelo facto de estar estabelecido o prazo de 31 de Julho de 2017 para celebração da escritura de compra e venda.”
Para que a sua pretensão fosse considerada, salvo melhor opinião incumbia à autora, não só provar tal facto mas também alegar e provar que se lhe tivesse sido comunicado que a escritura teria lugar no dia 04.08.2017, ou seja, com três dias uteis, de intervalo, nessa altura, estava em condições de preferir e de depositar o preço devido.
No entanto, como é notório, não só não fez tal prova como intentou a presente acção na qual não manifesta o seu interesse em preferir mas tão só e apenas que o Tribunal determine que a ré proprietária do imóvel lhe envie nova notificação para exercer o direito de preferência.
Tal como resulta claro dos depoimentos das testemunhas, a autora não tinha nem tem o capital necessário à compra do prédio nem se provou que essa falta de capital se tivesse ficado a dever à convicção de que a escritura se realizaria até ao dia 31.07.2017 e que até essa data a autora não tinha conseguido financiamento.
É que, salvo melhor opinião, se a autora estivesse em condições de exercer a preferência na compra do imóvel a 04.08.2017 não se percebe como as testemunhas por si apresentadas vieram a Tribunal afirmar que, posteriormente, já em 2018, se encetaram novas tentativas de financiamento mas apenas de parte do montante do preço.
Salvo o devido respeito, se autora estivesse realmente interessada e em condições de exercer o direito de preferência com as consequências legais que do mesmo decorrem teria interposto uma acção de preferência com os mesmos fundamentos e não somente a presente acção.
No fundo, a presente acção não tem como fim avaliar se foi violado o direito da autora a preferir na compra do imóvel de que era arrendatária mas apenas se ela tem direito a ser novamente notificada para exercer tal preferência e, posteriormente, após ponderar, optar ou não pelo seu exercício.
O direito de preferência do arrendatário funda-se no disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 1091.º do Código Civil.
À data do envio da carta à autora para exercer o direito de preferência sobre a venda do prédio era a seguinte a redação do artigo 1091º: “1 - O arrendatário tem direito de preferência:
a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos;
b)Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado.
2 - O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º
3 - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º.
4 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º” Actualmente, a redacção de tal artigo é a seguinte: “1 - O arrendatário tem direito de preferência: a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes; b) Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado. 2 - O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º 3 - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º. 4 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção. 5 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes. 6 - No caso de venda de coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417.º, o obrigado indica na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto. 7 - Quando seja aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º, a comunicação referida no número anterior deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo. 8 - No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições: a) O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão; b) A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior; c) A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado. 9 - Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade.”
Assim, à data a que se reportam os factos, o arrendatário tinha direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos.
Ao direito de preferência do arrendatário aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos. 416.º a 418.º e 1410.º do Código Civil.
Estabelece o artigo 1410º, do Codigo Civil que:
“1 - O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.
2. O direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial.”
Diverge a doutrina a propósito da natureza do direito de preferência. Vaz Serra conclui tratar-se de um direito real de aquisição (Rev. Leg. Jurisp, Ano 103.º, p. 471). No Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9-2-73, in BMJ, n.º 224, pp. 236 e 237, qualifica-se o direito de preferência como um direito meramente obrigacional, embora com eficácia real.
Importa determinar se o legal preferente teve ou não conhecimento, e em que prazo, das condições essenciais do negócio.
Prevê o art.º 416.ºnº1 do Código Civil que querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.
É certo que o titular do direito de preferência só tem que desencadear o seu exercício desde que tome conhecimento dos elementos essenciais do negócio que são: o projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato (art.º 416.ºnº1 do Código Civil) e dos elementos essenciais da alienação (art.º 1410.º do mesmo código) (cfr Ac. do STJ in http://www.dgsi.pt/JSTJ00015083 ).
No entanto, tal deve aferir-se em cada caso concreto, não se podendo, salvo melhor opinião, estabelecer regras estanques independentemente das circunstancias concretas de cada situação. Entende o Tribunal que pode existir uma variação no que se consideraram elementos essenciais ou cláusulas do contrato que devam ser comunicadas ao titular do direito de preferência. Isto, como é obvio, sem descurar que tal são todos os elementos do negócio capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, todos os elementos reais do contrato que possam ter importância no estabelecimento de uma decisão num sentido ou noutro (cf. ac. da R.L., de 26-2-2004 e ac. do S.T.J. de 11-1-2011).
Esses elementos têm sido considerados como a identificação da pessoa do adquirente quando o titular do direito de preferência for um comproprietário ou um arrendatário, o preço, o tempo e a forma de pagamento.
Foi produzida prova de que foi dado conhecimento à autora da totalidade dos elementos assinalados. A única divergência diz respeito, como o amplamente salientado, à data da celebração da escritura, a qual, como resulta provado, foi agendada decorridos três dias úteis sobre a data limite constante na carta de comunicação enviada à autora.
Como resulta do supra exposto, no caso concreto, não se pode considerar que tal tenha tido qualquer influencia na decisão de exercer ou não exercer o direito de preferência, dado que, com base nesse fundamento e se realmente o quisesse exercer a autora teria dado entrado a uma acção de preferência..
A autora não conseguiu provar que não exerceu o seu direito de preferência apenas e por causa da marcação da data da escritura três após o termo do prazo que lhe foi comunicado na carta enviada pela ré Silcoge. (…).”.
Decorre dos trechos sublinhados da decisão recorrida, quais os principais fundamentos em que a mesma se louvou para se concluir como se concluiu em sede do dispositivo da sentença.
Ora, como resulta evidente do segmento ora transcrito, ao contrário do pugnado pela recorrente, não fez o Tribunal recorrido aplicação ou interpretação indevida do disposto no artigo 1410.º do CC.
Com efeito, ao invés do que entende a recorrente, verifica-se plena compatibilidade entre o objecto do processo – enunciado em sede de prolação do despacho saneador – e as questões que foram objecto de conhecimento na sentença recorrida.
Não se vislumbra que a decisão tenha assentado em qualquer “pré-juízo” ou numa “ideia pré-concebida” do Tribunal recorrido e muito menos que a mesma se prenda com a circunstância de a autora ter deduzido a pretensão que deduziu. O que se assinala é, de forma clara, objectiva e fundamentada – quer na sentença recorrida, quer já no despacho saneador - é que a ação em apreço não se configura como uma acção de preferência, mas uma ação onde se visa aferir se a comunicação ao preferente foi corretamente – ou seja, nos termos legais – efectuada, concluindo-se na decisão recorrida que foi dado conhecimento à autora de todos os elementos essenciais ao projecto de venda comunicado.
As alusões efetuadas na decisão recorrida à acção de preferência, regulada no artigo 1410.º do CC, para além de perfeitamente cabíveis no escopo das questões que incumbia ao Tribunal decidir, destinam-se a complementar as precedentes considerações do Tribunal recorrido, no sentido da ausência de prova da pretensão que deduziu e no facto de nenhuma circunstância inibir a recorrente de pretender actuar a preferência que lhe tinha sido oportunamente concedida.
Não se vislumbra, pois, alguma contrariedade ao despacho saneador proferido – e à enunciação do objecto do processo que nele foi efectuada, aliás, em conformidade com o estatuído no artigo 596.º, n.º 1, do CPC – não tendo, aliás, sido arguida qualquer nulidade da sentença proferida, por qualquer eventual conhecimento indevido de questões não devesse conhecer (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC) – nem alguma “convolação” do objecto do processo para ação de preferência.
Diga-se que o Tribunal recorrido, com total lisura e objectividade, conclui no sentido da improcedência da pretensão da autora, depois de um longo e detido excurso, quer ao nível do apuramento dos factos, quer ao nível da aplicação do Direito aos factos, muito embora não deixe de expressar o que, no seu entender, não lhe poderia deixar de causar perplexidade (como a circunstância de a autora, podendo, não ter, desde logo, seguido o caminho da ação de preferência, em que teria que depositar o inerente preço e, bem assim, como a circunstância visada pela presente ação não ter como “fim avaliar se foi violado o direito da autora a preferir na compra do imóvel de que era arrendatária mas apenas se ela tem direito a ser novamente notificada para exercer tal preferência”…).
De tal apreciação não decorre a violação de alguma prescrição legal.
É certo que a doutrina tem assinalado que a tutela do preferente se obtém, em regra, por via de uma ação de preferência ou, então, por via de uma pretensão indemnizatória.
“Existem várias hipóteses de incumprimento dos deveres emergentes da relação de preferência que configuram uma violação do direito de preferir que assiste ao arrendatário.
Na verdade, quando o obrigado à preferência não tenha cumprido o dever de comunicação previsto no art.º 416.º, n.º 1; ou, tenha cumprido defeituosamente esse dever, realizando a comunicação com um conteúdo diferente do devido e que não corresponda verdadeiramente ao negócio ajustado com o terceiro, ou omitindo propositadamente algum aspeto relevante; ou, ainda, tenha cumprido a obrigação de dar preferência nos devidos termos, mas tenha realizado o contrato projetado com o terceiro sem aguardar pela resposta do preferente ou ignorando a sua vontade expressa de preferir, o titular do direito de preferência dispõe de respetivos meios de tutela.
Os meios de tutela à disposição do preferente são essencialmente de dois tipos: o arrendatário tem direito a ser ressarcido dos danos que o incumprimento definitivo ou o cumprimento defeituoso da comunicação para a preferência lhe tenha causado, através de ação de responsabilidade civil, podendo ainda, intentar uma ação judicial, maxime, ação de preferência, que lhe permite haver para si a coisa alienada (…).
O recurso à denominada ação de preferência não se pode confundir com o regime estabelecido para o processo judicial de notificação para a preferência, previsto e regulado no art.º 1028.º do CPC. De facto, a primeira é desencadeada pelo preferente e o segundo é desencadeado pelo sujeito passivo, no cumprimento do seu dever de comunicação para a preferência previsto no art.º 416.º do CCiv e permite uma definição célere e clara da situação jurídica em apreço. Por sua vez, o disposto no n.º 2, in fine e no n.º 4 do art.º 1028.º do CPC, que atribui ao preferente o bem sujeito à preferência mediante a adjudicação, no caso de não ter sido celebrado o contrato no prazo previsto legalmente. Tal especificidade constitui um momento possível deste processo judicial de notificação mas não necessário, contrariamente à ação de preferência que verifica-se sempre que o pedido do preferente é procedente.” (assim, Mariana Queirós Almeida; O Direito de Preferência do Arrendatário; Universidade do Minho, 2018, pp. 80-81).
De todo o modo, a presente ação – não configurada como uma ação de preferência - prosseguiu termos e foi objeto de competente apreciação, não tendo, aliás, sido proferida alguma decisão formal, com atinência exclusiva à falta de pressupostos processuais, mas, inclusivamente, foi conhecido o mérito da pretensão deduzida pela autora.
Não se mostra, pois, violado o normativo invocado pela recorrente.
Improcede, pois, o invocado pela recorrente a este respeito, não se vislumbrando ter ocorrido alguma violação do disposto no artigo 1410.º do CC.
*
9) Se o tribunal recorrido violou o disposto no artigo 608º, n.º 2, do CPC, não se tendo pronunciado “de modo fundamentado sobre a questão da eficácia da comunicação dirigida à Recorrente, atento o facto de toda a sentença assentar a sua argumentação à luz de uma lógica da acção de preferência, que não tem aplicação ao caso concreto”?
Invoca também a recorrente que ocorreu violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, tendo concluído o seguinte:
“GG. O Tribunal “a quo” violou ainda o disposto no artigo 608º, n.º 2, do CPC, pois não se pronuncia de modo fundamentado sobre a questão da eficácia da comunicação dirigida à Recorrente, atento o facto de toda a sentença assentar a sua argumentação à luz de uma lógica da acção de preferência, que não tem aplicação ao caso concreto;
NN. A preferência centra-se na ideia de que, em relação a determinado negócio jurídico que o sujeito vinculado a dar preferência se proponha celebrar com terceiro, o titular do correlativo direito tem a possibilidade de chamar a si o negócio, se disposto a contratar, em substituição do terceiro, nas mesmas condições em que este o faria;
OO. O obrigado deve comunicar previamente ao titular do direito de preferência o projecto de venda e respectivas cláusulas, ou incorre em responsabilidade civil;
PP. Nos direitos reais, o complexo de poderes/deveres dos titulares do direito de preferência é imperativamente modelado pela lei, e não pode ser posto em causa por modificações objectivas ou subjectivas dos pressupostos do negócio, sob pena de ineficácia;
QQ. Com base na carta datada de 5 de Julho, a Recorrente não teve a possibilidade de conhecer, em concreto, o futuro comprador do prédio e seu futuro senhorio, porque o podia comprar qualquer sociedade, desde que controlada pelo Explorer Real Estate Fund I;
RR. Não era indiferente à Recorrente a identificação concreta e exacta do terceiro comprador, sendo certo que a expressão “projecto” utilizada no art. 416.° do Código Civil abrange a identificação do terceiro;
SS. O terceiro adquirente não pode ser anónimo, nem constituir uma abstracção não explicitada, apenas existente na mente do obrigado a dar preferência, mas a 1ª Ré «deixa em aberto» a possibilidade de toda e qualquer terceiro vir a ser comprador;
TT. O Tribunal “a quo” ignorou ostensivamente a relevância da identificação concreta do adquirente na comunicação para preferir, violando o artigo 608º, n.º 2, do CPC”.
Apreciando:
Estatui o mencionado artigo 608.º, n.º 2, do CPC, a propósito dos termos do julgamento a efetuar na sentença, que: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Refere a recorrente que o Tribunal violou este normativo por não se ter pronunciado – na sua perspetiva – sobre a questão da eficácia da comunicação dirigida à Recorrente para preferir.
Ora, ocioso é referir que é precisamente o contrário que se alcança da leitura da decisão recorrida:
“Mas, como se referiu, não está aqui verdadeiramente em questão, pelo menos numa primeira análise, saber se a autora tinha ou não o direito de preferência sobre a venda da totalidade do prédio do qual era arrendatária apenas em parte.
O que está provado é que a proprietária e senhoria fez todas s comunicações legais para que a autora pudesse exercer o direito de preferência, sendo a questão fulcral aqui a analisar a de saber se a não realização da escritura até ao dia 31.07.2017 pode ter como consequência legal o peticionado pela autora tendo em conta os factos provados.
Salvo o devido respeito, entende-se que não assiste à autora qualquer razão, sendo que de toda a sua postura processual ao logo desta acção e da prova produzida resulta que a mesma não tem condições para exercer o direito de preferência, desde logo porque não tem o dinheiro necessário para depositar o preço do valor do prédio conforme resulta da fundamentação de facto (…).
No fundo, a presente acção não tem como fim avaliar se foi violado o direito da autora a preferir na compra do imóvel de que era arrendatária mas apenas se ela tem direito a ser novamente notificada para exercer tal preferência e, posteriormente, após ponderar, optar ou não pelo seu exercício.(…).
Importa determinar se o legal preferente teve ou não conhecimento, e em que prazo, das condições essenciais do negócio.
Prevê o art.º 416.ºnº1 do Código Civil que querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.
É certo que o titular do direito de preferência só tem que desencadear o seu exercício desde que tome conhecimento dos elementos essenciais do negócio que são: o projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato (art.º 416.ºnº1 do Código Civil) e dos elementos essenciais da alienação (art.º 1410.º do mesmo código) (cfr Ac. do STJ in http://www.dgsi.pt/JSTJ00015083 ).
No entanto, tal deve aferir-se em cada caso concreto, não se podendo, salvo melhor opinião, estabelecer regras estanques independentemente das circunstancias concretas de cada situação. Entende o Tribunal que pode existir uma variação no que se consideraram elementos essenciais ou cláusulas do contrato que devam ser comunicadas ao titular do direito de preferência. Isto, como é obvio, sem descurar que tal são todos os elementos do negócio capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, todos os elementos reais do contrato que possam ter importância no estabelecimento de uma decisão num sentido ou noutro (cf. ac. da R.L., de 26-2-2004 e ac. do S.T.J. de 11-1-2011).
Esses elementos têm sido considerados como a identificação da pessoa do adquirente quando o titular do direito de preferência for um comproprietário ou um arrendatário, o preço, o tempo e a forma de pagamento.
Foi produzida prova de que foi dado conhecimento à autora da totalidade dos elementos assinalados. A única divergência diz respeito, como o amplamente salientado, à data da celebração da escritura, a qual, como resulta provado, foi agendada decorridos três dias úteis sobre a data limite constante na carta de comunicação enviada à autora.
Como resulta do supra exposto, no caso concreto, não se pode considerar que tal tenha tido qualquer influencia na decisão de exercer ou não exercer o direito de preferência, dado que, com base nesse fundamento e se realmente o quisesse exercer a autora teria dado entrado a uma acção de preferência..(…).
Ou seja: O tribunal analisou, como deveria, a questão de saber se a comunicação efetuada à autora – pela carta de 05-07-2017 que a 1.ª ré lhe remeteu – produzia os efeitos que são legalmente exigidos a uma comunicação para o exercício de direito de preferência e, nomeadamente, se no caso concreto, os elementos comunicados permitem, ainda assim, que pudesse proceder a sua pretensão de lhe ser remetida nova comunicação, contendo o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato – cfr. artigo 416.º, n.º 1, do CC - pela proprietária do edifício em questão nos autos, sobre a venda projetada.
Na decisão recorrida disse-se, como se vê supra, que os elementos que têm sido considerados como necessários comunicar ao titular do direito de preferência são a identificação da pessoa do adquirente quando o titular do direito de preferência for um comproprietário ou um arrendatário, o preço, o tempo e a forma de pagamento e, depois de se ter mencionado na sentença quais os elementos que foram comunicados, conclui-se que “foi produzida prova de que foi dado conhecimento à autora da totalidade dos elementos assinalados”.
O tribunal questiona como “única divergência” e analisa tal diferendo, no que respeita à "à data da celebração da escritura”. É que, na realidade, do elenco dos factos que não se apuraram consta enunciado, que não resultou provado que não tenha ficado “claro para a Autora se a adquirente do prédio em causa seria a aqui 2.ª Ré, SUMMERCITY, S.A., tal como comunicado na carta de 5 de Julho ou a 3.ª Ré”, não se tendo, igualmente, demonstrado que não fosse indiferente “para a Autora ter por senhorio quem se dedica à gestão de ativos imobiliários, ou quem, como é o caso da 3.ª Ré, pretende adquirir o imóvel para a expansão do seu próprio negócio e não pretende ter inquilinos”, nem que, “a autora apenas” tenha equacionado “tal negócio depois de tomar conhecimento de que o novo proprietário iria a ser a NBALANCE, ora 3.ª Ré”.
Ora, resultando indemonstrados todos os fatos relacionados com a identidade da entidade que se propunha comprar, não nos parece que o Tribunal recorrido estivesse vinculado a produzir outra indagação ou explanação, para além das que efetuou, sendo certo que, o resultado é, neste ponto, compatível com a ausência de relevância probatória daquela factualidade não demonstrada: a improcedência da pretensão deduzida pela autora.
Na realidade, o Tribunal conheceu – como deveria – da eficácia da comunicação que foi feita à recorrente e, apreciando-a, concluiu que a mesma produziu os efeitos devidos.
Assim, não se mostra ter ocorrido qualquer violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
*
10) Se a decisão recorrida violou o disposto no nº 4 do artigo 1091º e nos artigos 416º e 418.º do Código Civil; no n.º 2 do artigo 2.º do CPC e no artigo 20º, n.º 1, primeira parte, da CRP?
Prosseguindo na sua alegação, concluiu também a recorrente que:
“(…) HH. Resulta dos artigos 1091º, n.º 1, a) e n.º 4, e artigo 416º do CC, um complexo de poderes/deveres dos titulares do direito de preferência, v.g. o direito do arrendatário tomar conhecimento da venda de certo imóvel, e o dever do proprietário informar os arrendatários, em notificação eficaz e completa quanto aos elementos essenciais do negócio;
II. O direito ao conhecimento do negócio antecede e é autónomo do direito de preferir e o despacho saneador confirma e delimita esse direito;
JJ. Porém, o pré-juízo do Tribunal é a tal ponto acentuado que não se coíbe de qualificar a acção intentada pela Recorrente como estranha, anómala, quase que irregular, atípica, o que configura uma grave violação do direito à acção consagrado no artigo 2º, n.º 2 do CPC;
KK. É que decorre da posição do Tribunal que mesmo verificando-se violações graves nas comunicações exigidas por lei dirigidas aos titulares de direito, apenas têm «direito» a reagir em juízo aqueles que queriam preferir no negócio, por substituição do adquirente;
LL. Tal entendimento elimina o dever do proprietário de remeter uma comunicação completa relativa ao negócio, e elimina o correspectivo direito ao seu conhecimento eficaz, para além de obstaculizar e dificultar a apreciação da pretensão da Recorrente;
MM. Ao decidir como fez, a decisão recorrida interpreta e aplica erradamente o disposto no nº 4 do artigo 1091º e no artigo 416º do Código Civil, o disposto no artigo 2º, n.º 2, do CPC e o disposto no artigo 20º, n.º 1, primeira parte, da CRP que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de considerar-se que o ordenamento jurídico português consagra a possibilidade de o titular de direito de preferência ver apreciada a violação do direito ao recebimento de uma comunicação para preferir que reúna os requisitos exigidos por lei (…);
UU. São essenciais todos os elementos ou factores do negócio susceptíveis de influenciar decisivamente a formação da vontade do titular da preferência, permitindo-lhe a ponderação consciente entre preferir ou abdicar do direito de opção que lhe assiste;
VV. A melhor doutrina entende que a data de celebração da escritura de venda constitui elemento imprescindível da comunicação, pois o preferente necessita de saber quando deve estar preparado para pagar o preço;
WW. No caso concreto, a Recorrente entendeu, cautelosamente, que até dia 31 de Julho de 2017 não tinha a certeza de conseguir reunir os fundos necessários para o pagamento do preço, vendo-se forçada a fazer um juízo de prognose que, afinal, não tinha razão de ser, uma vez que se veio a constatar que dispunha de mais tempo para o efeito;
XX. É de absoluta relevância ter ficado demonstrado que a data de pagamento do preço era considerada pela 1ª Ré como flexível, móvel, ajustável;
YY. A comunicação efectuada à Recorrente não identifica cabalmente o candidato à compra do prédio dos autos, e foi alterado o prazo de realização da escritura e pagamento do preço nela referido, pelo que é ineficaz;
ZZ. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 416.º a 418.º do Código Civil (…)”.
Será assim?
Novamente relembrando o que ficou expresso na decisão recorrida, aí se lê, com atinência para a apreciação da questão em apreço, o seguinte:
“(…) Ora, considerando o pedido formulado pela autora e os factos supra referidos, verifica-se que, pela presente acção aquela não pretende exercer o direito de preferência na compra do imóvel mas apenas que o Tribunal determine que a proprietária do prédio a notifique novamente para exercer o direito de preferência por considerar que houve alteração das condições que lhe foram comunicadas na supra referida carta, alterações essas que se traduzem no facto de data para a realização da escritura publica de compra e venda ter sido agendada para o dia 04.08.2017 e não até ao dia 31.07.2017 conforme lhe fora comunicado.
Em suma, a instauração da presente acção e o registo da mesma não permitiram a realização da escritura pública de compra e venda do prédio supra referido.
Cumpre então apreciar e decidir se assiste razão à autora.
Como já se referiu, a autora era arrendatária de vários pisos e garagens do prédio aqui em causa e foi-lhe comunicada atempadamente e nos termos legais as condições de venda do imóvel, sendo-lhe assim facultada a possibilidade (diga-se que juridicamente discutível) de exercer o direito de preferência sobre a venda da totalidade do prédio, que, à data, e ao que se sabe ainda agora, não estava nem está constituído em propriedade horizontal.
Como adiante se verá, o exercício do direito de preferência por parte dos arrendatários em prédios não constituídos em propriedade horizontal, não era liquida na jurisprudência tendo culminado com uma alteração legislativa que veio dar razão à facção maioritária. Mas, como se referiu, não está aqui verdadeiramente em questão, pelo menos numa primeira análise, saber se a autora tinha ou não o direito de preferência sobre a venda da totalidade do prédio do qual era arrendatária apenas em parte.
O que está provado é que a proprietária e senhoria fez todas [a]s comunicações legais para que a autora pudesse exercer o direito de preferência, sendo a questão fulcral aqui a analisar a de saber se a não realização da escritura até ao dia 31.07.2017 pode ter como consequência legal o peticionado pela autora tendo em conta os factos provados.
Salvo o devido respeito, entende-se que não assiste à autora qualquer razão, sendo que de toda a sua postura processual ao logo desta acção e da prova produzida resulta que a mesma não tem condições para exercer o direito de preferência, desde logo porque não tem o dinheiro necessário para depositar o preço do valor do prédio conforme resulta da fundamentação de facto.
Aliás incumbia à autora alegar e provar que no dia agendado para a realização da escritura estava em condições de exercer o direito de preferência e só não o fez porque estava convencida de que a escritura de compra e venda tinha sido realizada até 31.07.2017.
Resulta não provado que “a autora não conseguiu angariar o montante referido em EE) pelo facto de estar estabelecido o prazo de 31 de Julho de 2017 para celebração da escritura de compra e venda.”
Para que a sua pretensão fosse considerada, salvo melhor opinião incumbia à autora, não só provar tal facto mas também alegar e provar que se lhe tivesse sido comunicado que a escritura teria lugar no dia 04.08.2017, ou seja, com três dias uteis, de intervalo, nessa altura, estava em condições de preferir e de depositar o preço devido.
No entanto, como é notório, não só não fez tal prova como intentou a presente acção na qual não manifesta o seu interesse em preferir mas tão só e apenas que o Tribunal determine que a ré proprietária do imóvel lhe envie nova notificação para exercer o direito de preferência.
Tal como resulta claro dos depoimentos das testemunhas, a autora não tinha nem tem o capital necessário à compra do prédio nem se provou que essa falta de capital se tivesse ficado a dever à convicção de que a escritura se realizaria até ao dia 31.07.2017 e que até essa data a autora não tinha conseguido financiamento.
É que, salvo melhor opinião, se a autora estivesse em condições de exercer a preferência na compra do imóvel a 04.08.2017 não se percebe como as testemunhas por si apresentadas vieram a Tribunal afirmar que, posteriormente, já em 2018, se encetaram novas tentativas de financiamento mas apenas de parte do montante do preço.
Salvo o devido respeito, se autora estivesse realmente interessada e em condições de exercer o direito de preferência com as consequências legais que do mesmo decorrem teria interposto uma acção de preferência com os mesmos fundamentos e não somente a presente acção.
No fundo, a presente acção não tem como fim avaliar se foi violado o direito da autora a preferir na compra do imóvel de que era arrendatária mas apenas se ela tem direito a ser novamente notificada para exercer tal preferência e, posteriormente, após ponderar, optar ou não pelo seu exercício.
O direito de preferência do arrendatário funda-se no disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 1091.º do Código Civil.
À data do envio da carta à autora para exercer o direito de preferência sobre a venda do prédio era a seguinte a redação do artigo 1091º: “1 - O arrendatário tem direito de preferência:
a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos;
b)Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado.
2 - O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º
3 - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º.
4 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º”.
Actualmente, a redacção de tal artigo é a seguinte:
“1 - O arrendatário tem direito de preferência:
a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes;
b) Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado.
2 - O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º
3 - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º.
4 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção.
5 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes.
6 - No caso de venda de coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417.º, o obrigado indica na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto.
7 - Quando seja aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º, a comunicação referida no número anterior deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo.
8 - No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições:
a) O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão;
b) A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior;
c) A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado.
9 - Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade.”
Assim, à data a que se reportam os factos, o arrendatário tinha direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos.
Ao direito de preferência do arrendatário aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos. 416.º a 418.º e 1410.º do Código Civil.
Estabelece o artigo 1410º, do Codigo Civil que:
“1 - O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.
2. O direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial.”
Diverge a doutrina a propósito da natureza do direito de preferência. Vaz Serra conclui tratar-se de um direito real de aquisição (Rev. Leg. Jurisp, Ano 103.º, p. 471). No Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9-2-73, in BMJ, n.º 224, pp. 236 e 237, qualifica-se o direito de preferência como um direito meramente obrigacional, embora com eficácia real.
Importa determinar se o legal preferente teve ou não conhecimento, e em que prazo, das condições essenciais do negócio.
Prevê o art.º 416.ºnº1 do Código Civil que querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.
É certo que o titular do direito de preferência só tem que desencadear o seu exercício desde que tome conhecimento dos elementos essenciais do negócio que são: o projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato (art.º 416.ºnº1 do Código Civil) e dos elementos essenciais da alienação (art.º 1410.º do mesmo código) (cfr Ac. do STJ in http://www.dgsi.pt/JSTJ00015083 ).
No entanto, tal deve aferir-se em cada caso concreto, não se podendo, salvo melhor opinião, estabelecer regras estanques independentemente das circunstancias concretas de cada situação. Entende o Tribunal que pode existir uma variação no que se consideraram elementos essenciais ou cláusulas do contrato que devam ser comunicadas ao titular do direito de preferência. Isto, como é obvio, sem descurar que tal são todos os elementos do negócio capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, todos os elementos reais do contrato que possam ter importância no estabelecimento de uma decisão num sentido ou noutro (cf. ac. da R.L., de 26-2-2004 e ac. do S.T.J. de 11-1-2011).
Esses elementos têm sido considerados como a identificação da pessoa do adquirente quando o titular do direito de preferência for um comproprietário ou um arrendatário, o preço, o tempo e a forma de pagamento.
Foi produzida prova de que foi dado conhecimento à autora da totalidade dos elementos assinalados. A única divergência diz respeito, como o amplamente salientado, à data da celebração da escritura, a qual, como resulta provado, foi agendada decorridos três dias úteis sobre a data limite constante na carta de comunicação enviada à autora.
Como resulta do supra exposto, no caso concreto, não se pode considerar que tal tenha tido qualquer influencia na decisão de exercer ou não exercer o direito de preferência, dado que, com base nesse fundamento e se realmente o quisesse exercer a autora teria dado entrado a uma acção de preferência..
A autora não conseguiu provar que não exerceu o seu direito de preferência apenas e por causa da marcação da data da escritura três após o termo do prazo que lhe foi comunicado na carta enviada pela ré Silcoge.
Aliás, resulta claro e inequívoco da prova produzida que nem naquela altura, nem posteriormente, a autora tinha o dinheiro suficiente para exercer tal direito, caso contrário as testemunhas, por si apresentadas, não teriam dito o que disseram.
Abstendo-se o Tribunal aqui de analisar se a lei conferia ou não o direito de preferência à autora enquanto arrendatária dos pisos para exercício de profissão liberal, o certo é que a ré proprietária do imóvel entendeu que a autora tinha tal direito e, como tal, lhe fez a comunicação dos elementos essenciais do negócio para que, caso o quisesse, o exercesse.
Em sentido contrário à actuação da autora vide Ac. do STJ de 24-5-18, no processo nº1832/15, de cujo sumário consta que:
“Atento o teor do art. 1091º, nº 1, al. a), do CC, o direito de preferência conferido ao arrendatário está confinado ao andar ou à parte do prédio que constitui o objeto concreto do contrato de arrendamento, o qual, para ser transacionável, deve estar juridicamente autonomizado;
O arrendatário de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal, não tem direito de preferência sobre a totalidade do prédio, nem sobre a parte arrendada”.
No mesmo sentido, Ac. do STJ de STJ 18.10.201.
Concluindo, entende-se que uma vez que a proprietária do imóvel entendeu que a autora era titular do direito de preferência na venda do mesmo, dando-lhe conhecimento das condições essenciais do negócio para vir, caso quisesse, exercê-lo, não pode agora alegar que não considera a existência de tal direito.
Como já por várias vezes se referiu no âmbito da presente acção e quanto aos pedidos formulados pela autora, verifica-se que, considerando todas as circunstâncias fácticas apuradas sem esquecer que os factos relativos às ligações existentes entre a sociedade aqui autora, ao seu sócio JF… e às sociedades Explorer e Summercity, os mesmos têm de improceder na totalidade (…)”.
A recorrente considera que a decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto no n.º 4 do artigo 1091.º do CC, no artigo 416.º do CC, no artigo 2.º, n.º 2, do CPC e no disposto no artigo 20.º, n.º 1, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa, “que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de considerar-se que o ordenamento jurídico português consagra o direito de o titular de direito de preferência ver apreciado, autonomamente, a eventual violação do direito ao recebimento de uma comunicação para preferir que reúna todos os requisitos exigidos por lei”.
Ora, a recorrente incorre num equívoco entre a impossibilidade de instauração de demanda como a presente – com vista a ser declarado que a comunicação feita à autora não cumpriu os requisitos legais, enunciados no artigo 416.º do CC – com a improcedência da correspondente pretensão assim deduzida.
É que, de facto, não se vislumbra que à autora tenha sido coartado qualquer direito de ação, na medida em que, de facto, a lide iniciou-se, desenrolou-se, com o saneamento da causa e o subsequente julgamento e culminou na decisão proferida, sem que, no seu decurso tenha ocorrido alguma violação do princípio constitucional ínsito no artigo 20.º, n.º 1, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa.
Este preceito constitucional prescreve que, “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”.
Como explicam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada; Tomo I, 2.ª ed., 2010, p. 435, nota XIII): “A Constituição, embora não garanta o acesso indiscriminado a juízo (Ac. n.º 416/99), recorta, com grande amplitude (…) as pretensões subjectivas defensáveis em tribunal, ao garantir a via judiciária a todos aqueles – pessoas singulares ou colectivas – que através dela pretendam defender, não apenas os seus direitos fundamentais ou demais direitos em geral, mas também os seus interesses legalmente protegidos (embora (…),  a titularidade do direito de acesso aos tribunais não pressuponha a efectiva titularidade do direito ou interesse legalmente protegido invocado) (…)”.
A autora apresentou uma pretensão – fundada na eventual violação do direito daquela ao recebimento de uma comunicação para preferir que reúna os requisitos exigidos por lei - , que deu origem a um processo judicial, o qual seguiu os trâmites legalmente previstos e, onde, após julgamento, o órgão jurisdicional devido procedeu à apreciação da mesma, o que fez de forma fundamentada, emitindo a competente sentença. Não se vislumbra, pois, ter existido alguma postergação do princípio ínsito no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
Mas, também não se infere que tenha sido violado o normativo do artigo 2.º, n.º 2, do CPC, pois, de facto, ao direito invocado pela autora correspondeu o exercício de uma pretensão processual, que, como se viu, seguiu os seus termos, de harmonia com a forma de processo prevista para tal pretensão no ordenamento jurídico português.
Isso não foi, de algum modo, postergado pelo Tribunal recorrido.
Certo é que, como se teve ocasião de referir, não se afiguram impertinentes as considerações expendidas a respeito da motivação subjacente à demanda e à configuração que a mesma obedeceu, relativamente à pretensão da autora expressa nos autos, procurando, antes, o Tribunal apreciar se a pretensão da autora podia alcançar algum sentido útil, na economia da “nova comunicação” para o exercício de direito de preferência gizada pela autora.
Não se vê, pois, que se tenha existido alguma violação do direito à ação, pois, o direito invocado pela autora foi, na realidade, objeto de apreciação.
Relativamente às demais normas consideradas violadas pela recorrente, adiante-se desde já que não se vislumbra qualquer violação.
É que, se bem se atentar na decisão recorrida, o Tribunal recorrido, em sede de aplicação do Direito aos factos, assinalando a qualidade de arrendatária da recorrente, relativamente a vários pisos e garagens do edifício em questão nos autos, refere que lhe foi comunicada “atempadamente e nos termos legais as condições de venda do imóvel, sendo-lhe assim facultada a possibilidade (diga-se que juridicamente discutível) de exercer o direito de preferência sobre a venda da totalidade do prédio que, à data…não estava nem está constituído em propriedade horizontal”.
Depois de se aludir à questão do exercício do direito de preferência por parte de arrendatários de prédios não constituídos em propriedade horizontal, analisa-se na decisão recorrida a questão de saber se a não realização da escritura de venda – entre a 1.ª ré e o projectado comprador –poderia ter como consequência legal o peticionado pela autora, “tendo em conta os fatos provados”, concluindo o Tribunal recorrido por uma resposta negativa.
De todo o modo, o Tribunal não deixa de aquilatar a pretensão da autora – ora recorrente - à luz das normas contidas no artigo 1091.º do CC – considerando a evolução temporal da sua redação, nos termos que concretiza – e a aplicação que, decorrendo do seu n.º 4, na redação em vigor à data dos factos, se faz para as normas contidas nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º do CC.
Ora, não se afigura que, tais normativos tenham sido, de algum modo, violados na sua interpretação e consideração no caso em apreço.
Na realidade, como bem o salienta o Tribunal recorrido, era juridicamente discutível que a autora, em Julho de 2017, fosse titular de algum direito de preferência que lhe devesse ser comunicado para eventual exercício.
Vigorava a redação do artigo 1091.º do CC, conferida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e anterior à que foi dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, acima transcrito e que conferia direito de preferência ao arrendatário que o fosse há mais de 3 anos, relativamente a compra e venda do local arrendado.
Discutia-se se não estando o prédio constituído em propriedade horizontal, mas em propriedade plena, se ainda assim, o arrendatário de apenas parte do edifício, gozaria ou não do direito de preferência.
O direito de preferência atribuído ao locatário habitacional de imóvel ou de fração autónoma, em caso de compra e venda ou dação em cumprimento da coisa locada foi consagrado legalmente, pela primeira vez, com a Lei n.º 63/77, de 25 de agosto.
Com efeito, prescrevia seu art.º 1.º: “1-O locatário habitacional de imóvel urbano tem o direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do mesmo. 2-O locatário habitacional de fração autónoma de imóvel urbano goza do direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento da respetiva fração”.
A justificação para a concessão desse direito ao arrendatário consta da exposição de motivos que acompanha esse diploma legal, e que constitui a fonte histórica do artigo 47º, nº 1 e 2 do RAU (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro), aí se referindo: "No domínio dos direitos e deveres sociais, dispõe a Constituição da República que ao Estado compete, além do mais, adotar uma política de acesso à habitação própria (artigo 65º, nº 2 da Constituição). Poderá contribuir para a referida política, ainda que em grau reduzido, conferir aos arrendatários habitacionais direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento dos imóveis respetivos".
Assim, a resposta à questão de saber se a preferência do arrendatário na compra e venda ou dação em cumprimento da totalidade de imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, ocupando o locatário apenas uma parte desse imóvel, merecia uma resposta positiva, no âmbito do regime previsto no art.º 47.º, n.º 1, do RAU (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro), sucessor do regime instituído pelo pela Lei 63/77, que manteve, em termos idênticos, a mesma solução: “O arrendatário de prédio urbano ou de sua fração autónoma tem direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano” (assim, o art. 47.º, n.º 1, do RAU).
Face às designações utilizadas pelo legislador para conferir o direito de preferência, “prédio urbano” e “fração autónoma” no citado art.º 47º n.º 1, transmitindo a ideia de que a preferência era limitada ao local arrendado, mas apenas nos casos de venda de prédio já constituído em propriedade horizontal, e o facto de o seu n.º2 admitir expressamente o recurso à licitação entre dois ou mais preferentes, sustentou-se o direito de preferência do arrendatário de uma parte do imóvel não constituído em propriedade horizontal relativamente a todo o imóvel em caso de venda ou dação em cumprimento (neste sentido, se pronunciava Aragão Seia, RAU Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 1998, pp. 261-262 e o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no seu Acórdão de 12-11-2009, Proc. n.º 1842/04.3TVPRT).
Assim, nesta redação legal, se o prédio foi arrendado em frações embora não juridicamente autónomas, a preferência de cada arrendatário não podia incidir sobre a parcela que arrendou por a mesma não poder ser, em si mesma, objeto do negócio de venda ou dação em cumprimento. Mas poderia exercer, em concorrência com os outros arrendatários, também preferentes, aquele direito precedido da via dos artigos 1464.º e 1465.º do Código de Processo Civil.
Na redação dada ao artigo 1091.º, n.º 1, al. a) do CC pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro o arrendatário tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos, mas eliminada que foi a referência a “prédio urbano” e “fração autónoma”, tal como era plasmada no art.º 47º n.º 1 do RAU, bem como a ausência de disposição idêntica à do seu n.º2, que previa a licitação entre arrendatários e não transposta para a mencionada redação do art.º 1091.º do C. Civil, verifica-se que o legislador tomou posição sobre a anterior querela doutrinária e jurisprudencial, limitando e fazendo coincidir o conteúdo do direito de preferência ao local arrendado, não a todo o prédio em caso de arrendamento de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal.
Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-03-2015 (Processo 9065-12.1TCLRS.L1-6, rel. TOMÉ RAMIÃO): “É certo que foi mantida a referência a “local arrendado” enquanto objeto da preferência. Mas a finalidade desta manutenção e inclusão no art.º 1091.º do C. Civil aponta apenas no sentido de excluir quaisquer dúvidas quanto à extensão do objeto do direito de preferência do arrendatário, designadamente nos casos em que o arrendado habitado pelo inquilino é uma fração autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal.
Na realidade, flui da alínea a), do n.º1, do C. Civil, que a obrigação de preferência do senhorio só existe em caso de venda ou dação em cumprimento do local arrendado, pelo que o correspondente direito de preferência também só pode ser exercido em relação ao local arrendado. E, não estando o prédio constituído em propriedade horizontal, o local arrendado não goza de autonomia jurídica, não constitui um bem jurídico autónomo. Logo, o senhorio, no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio, tem por objeto todo o prédio, único bem jurídico que pode ser individualizado, não uma parte desse imóvel.
Por isso, nessa circunstância, não se pode falar em direito de preferência do arrendatário, ou da atribuição de um direito de execução difícil, mas de um não direito”.
A esta alteração legislativa se refere Abílio Neto (Código Civil Anotado, 16.ª Edição, 2009, p. 970) dizendo: “Confrontando este regime com o pretérito (art.ºs 47.º a 49.º do RAU), há duas alterações merecedoras de registo: primeiro, o prazo mínimo de duração do contrato para conferir o direito de preferência passou de 1 para 3 anos,...; segundo, deixou de se fazer menção ao “arrendatário de prédio urbano ou de sua fração autónoma” (art.º 47.º/1 do RAU) e de prevenir a hipótese de que, “sendo dois ou mais os preferentes, abre-se entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante” (art.º 47.º/2 do RAU), o que pode ser havido como significando que só o arrendatário de fração autónoma goza do direito de preferência, e não o arrendatário de um  fogo em prédio não submetido ao regime de propriedade horizontal, o qual deixa de exercer a preferência em relação à totalidade do prédio, só então podendo haver “ dois ou mais preferentes”, ou seja, nesta matéria ter-se-á optado por uma solução intermédia entre a consagrada no RAU e a defendida por alguns, que rejeitavam toda a preferência do arrendatário”.
Interpretação idêntica era defendida por Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge (Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, 2009, p. 435): “Com efeito, a preferência consagrada no art.º 1091.º  do C. C., por ser legal, reveste-se de natureza excecional e injuntiva, obrigando o intérprete a confiná-la imperativamente aos casos expressamente contemplados na lei. Acresce que não se pode perder de vista a (tendencial) coincidência entre o objeto do direito de preferência com o do direito que a justifica”. E justificam este princípio de coincidência no novo texto legal, acrescentando que perante estes elementos interpretativos “parece, pois, apontar no sentido de que o arrendatário de locado que apenas ocupa parte do imóvel não constituído em propriedade horizontal não tem preferência na venda ou dação em cumprimento de todo o prédio, já que tal direito não cabe na letra da alínea a) do n.º1 do art.º 1091.º do CC, a qual se refere unicamente ao “local arrendado”, nem satisfaz o apontado princípio da coincidência (…) a desconsideração de tal princípio levaria, no limite, à concessão do direito de preferência do locatário que arrendou o telhado para colocação de um cartaz publicitário ou uma antena retransmissora (!), dado que tal arrendamento encontra-se agora sujeito à disciplina do arrendamento urbano”.
Na mesma linha, José Pedro Carneiro Cadete (Da Preferência do Arrendatário Habitacional; Universidade do Porto, Faculdade de Direito, 2011, p. 12) conclui que: “Atualmente, portanto, a questão da preferência de um arrendatário de fração sobre a totalidade do prédio não constituído em propriedade horizontal já não se coloca, tendo vingado a tese de Oliveira Ascensão: se o local arrendado não for um bem juridicamente autonomizável, não há lugar ao exercício da preferência”.
Assim, à luz daquele regime jurídico decorrente do art.º 1091.º do C. Civil (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro), o direito de preferência atribuído ao arrendatário coincidia e estava limitado ao local arrendado, pelo que sendo arrendatário de parte do imóvel não sujeito ao regime de propriedade horizontal não poderia, nesse caso, o arrendatário beneficiar desse direito relativamente ao locado, por não constituir um bem jurídico autonomizável, nem a todo o imóvel, em caso de venda ou dação em cumprimento.
Assinalando, com exaustiva fundamentação este sentido interpretativo do mencionado preceito legal, referiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018 (Processo 3131/16.1T8LSB.L1.S1, rel. ABRANTES GERALDES) o seguinte:
“O direcionamento da preferência para a alienação do “local arrendado” (elemento gramatical) e a simultânea eliminação da regra cuja aplicabilidade pressupunha a concorrência da preferência de arrendatários de partes não autónomas de prédio não constituído em propriedade horizontal, levaram a maioria da doutrina e a jurisprudência maia recente a considerar que o legislador pretendeu restringir o direito de preferência a titulares de arrendamentos cujo objeto coincidisse com o da alienação.
O facto de o obrigado à preferência, no caso de venda de diversos prédios ou de frações autónomas, ter de se sujeitar ao mecanismo do art. 417º do CC, que permite definir um valor para o prédio ou fração que esteja arrendada não contraria o que se disse anteriormente.
O legislador manteve a solução tradicional, que, em virtude da natureza dos bens alvo da preferência e da transação acordada (coisas juridicamente autónomas), dá ao obrigado à preferência e ao preferente a possibilidade de modelarem o exercício da preferência. Já a eliminação do preceito que regulava a (frequente) concorrência na preferência entre arrendatários de partes diversas de prédio não submetido à propriedade horizontal, significa que, para o legislador, desapareceu o problema que estava vocacionado para resolver.
2.7. A referida solução encontra três reforços que têm a sua base no plano legislativo.
a) O NRAU teve como precedente legislativo mais imediato a Proposta de Lei n.º 140/IX (“Ante-projecto de decreto-lei autorizado que aprova o regime dos novos arrendamentos urbanos”, no DAR, II série A, n.º 5/IX/3, suplemento de 30-9-04), o qual continha um preceito que pretendia eliminar pura e simplesmente o direito de preferência dos arrendatários na alienação dos prédios arrendados.
Nos termos do anexo a essa Proposta de Lei, o art. 1096º do CC passaria a ter a seguinte redação: “nos arrendamentos urbanos regidos pela presente secção, nenhuma das partes tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do direito da outra, salvo preceito expresso em contrário.”, objetivo que, segundo a justificação, corresponderia a “uma velha aspiração destinada a libertar a riqueza imobiliária, permitindo a transparência requerida pela efetividade de um mercado.”
Como se refere no acórdão recorrido, Menezes Cordeiro, impulsionador de tal projetada reforma, explicitou o seu entendimento, no artigo “A modernização do Direito português do arrendamento urbano”, em O Direito, 136º, II-III, pp. 235-253, do seguinte modo: “muito importante é o desaparecimento da apertada teia de preferências, antes existente – 1096º. Desde o período liberal, são pacíficos os inconvenientes dos gravames que recaem sobre a propriedade. Meros sobrecustos não produtivos, as preferências exprimiam-se por abundante litigiosidade, complicando os negócios e entravando a livre circulação da propriedade.” (p. 251).
É este antecedente que explica de algum modo a razão de ser que esteve subjacente à modificação do texto legal, a qual, sem abolir por completo o direito de preferência, procurou contrariar o sentido que a jurisprudência e a doutrina maioritárias extraíam do regime anterior.
b) O segundo e principal argumento assenta no art. 7º, nº 3, da Lei nº 42/17, de 14-6, nos termos do qual “os arrendatários de imóvel em que esteja situado estabelecimento ou entidade reconhecidos como de interesse histórico e cultural ou social local gozam de direito de preferência nas transmissões onerosas de imóveis, ou partes de imóveis, nos quais se encontrem instalados, nos termos da legislação em vigor”.
Este diploma foi aprovado já depois de ter sido interposta a presente ação, mas deixa bem evidente a necessidade que foi sentida de assegurar uma tutela específica para os arrendamentos que apresentam as especificidades previstas na citada norma, diferenciando-a da tutela geral que é alcançada pelo regime do direito legal de preferência regulado no art. 1091º do CC.
Com tal medida o legislador procurou prosseguir o objetivo de tutelar especificamente as chamadas “lojas históricas” que naturalmente, na maior parte dos casos, estão instaladas em edifícios situados nos grandes centros urbanos sobre os quais ainda não incide ou não pode incidir (por falta dos requisitos legais mínimos) o regime da propriedade horizontal.
Com a previsão de um direito de preferência cujo objeto acaba por ser mais extenso do que o local físico sobre que incide o arrendamento o legislador procurou evitar que, através da venda do prédio a terceiros, se operasse indiretamente a extinção das atividades que, tendo valor histórico cultural ou social local, deverão ser preservadas. Deste modo, contrabalançou os efeitos que o incremento de negócios imobiliários (que em alguns casos atinge proporções de uma verdadeira “bolha imobiliária”) vem provocando no mercado de arrendamento urbano tradicional.
c) Importa ainda anotar uma outra intervenção legislativa que nesta data ainda está em curso, mas cujo relevo para o caso nos parece desde já manifesto, sendo reveladora de que a versão do art. 1091º do CC que foi introduzida pela Lei nº 6/06, com o sentido que anteriormente foi enunciado, não satisfaz plenamente os interesses dos titulares de contratos de arrendamento com fim habitacional que incidem sobre espaços não autónomos de prédios urbanos.
Na sessão de 18-7-18 da Assembleia da República foi aprovada uma Lei (Decreto nº 233/XIII) na sequência de uma iniciativa parlamentar que preconizava o “aprimoramento do exercício do direito de preferência pelos arrendatários” (Projeto de Lei nº 848/XIII/3ª) e que com aquela aprovação pretendeu transformar-se em diploma que “garante o exercício do direito de preferência pelos arrendatários”.
Segundo tal iniciativa, o art. 1091º do CC passaria a ter a seguinte redação:
“1. O arrendatário tem direito de preferência na compra e venda…do local arrendado, ainda que inserido em prédio não sujeito ao regime da propriedade horizontal …”.
E segundo o nº 8, “sem prejuízo do previsto no nº 10, se o local arrendado objeto do exercício do direito de preferência … se inserir em edifício não sujeito ao regime da propriedade horizontal e caso não tenha sido entretanto requerida junto da entidade competente a constituição da propriedade horizontal, nos termos dos arts. 1417º e ss., deve o preferente, no prazo de 180 dias a contar da data da compra do local arrendado, propor ação judicial de divisão de coisa comum …”.
Com tal medida pretendia-se estabelecer a possibilidade de naqueles casos de prédios não constituídos em propriedade horizontal ser exercida a preferência sobre o local arrendado, para o que se tornaria necessária uma operação jurídica complementar de divisão de coisa comum, com estabelecimento do regime de propriedade horizontal que permitisse a autonomização do local arrendado como fração autónoma.
Foi, no entanto, recusada a sua promulgação pelo Presidente da República com os fundamentos descritos na mensagem publicada no DAR II Série-A, nº 151.
Na sequência e com o objetivo de serem introduzidas melhorias do texto legal, o referido diploma foi sujeito a nova discussão de que resultou a aprovação de um novo texto constante do Decreto nº 248/XIII que se encontra publicado no Diário da Assembleia da República de 9-10-18 e que, no essencial, traduz o seguinte:
I - Previsão do direito de preferência para os arrendatários de prédios urbanos há mais de 2 anos;
II - No caso de venda de coisa juntamente com outras deve o obrigado à preferência indicar o preço que é atribuído ao locado;
III - No caso de contrato de arrendamento para fim habitacional relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições:
- O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão;
- A comunicação prevista no n.º 1 do art. 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior;
- A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado;
- Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade (…)”.
Este diploma referido no mencionado aresto é a já referida Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro.
Em igual sentido e no âmbito da mesma versão do mencionado artigo 1091.º, n.º 1, al. a) do CC, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2018 (Processo 1832/15.0T8GMR.G1.S2, rel. MARIA DO ROSÁRIO MORGADO) que: “Atento o teor do artigo 1091.º, n.º1, al. a), do CC, o direito de preferência conferido ao arrendatário está confinado ao andar ou à parte do prédio que constitui o objeto concreto do contrato de arrendamento, o qual, para ser transacionável, deve estar juridicamente autonomizado. O arrendatário de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal, não tem direito de preferência sobre a totalidade do prédio, nem sobre a parte arrendada”. (Na mesma linha, também, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-01-2016, Processo 9065/12.1TCLRS.L1.S1, rel. TAVARES DE PAIVA).
Concluindo em idêntico sentido, também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2019 (Processo 3818/17.1T8VNG.G1.S2, rel. TOMÉ GOMES) se entendeu que: “I. O artigo 1091.º, n.º 1, alínea a), do CC, na redação dada pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, não atribui o direito de preferência legal ao arrendatário de parte específica de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal. II. A interpretação daquele normativo nesse sentido decorre do recorte textual que lhe foi dado pela referida Lei, divergente do dantes configurado no artigo 47.º, n.º 1, do RAU, e da eliminação do n.º 2 deste artigo, apoiando-se ainda no propósito do legislador de 2006, corroborado pelas ulteriores medidas legislativas adotadas pelas Leis n.º 42/2017, de 14-06, e n.º 64/2018, de 29/10. III. Tal interpretação não viola os princípios constitucionais da confiança, da segurança jurídica e da primazia material postulados pelo princípio do Estado de direito democrático, nem os princípios da igualdade, da proporcionalidade ou o conteúdo essencial dos direitos de propriedade privada e de acesso à habitação própria, consagrados, respetivamente, nos artigos 2.º, 3.º, 13.º, n.º 1, 17.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 62.º, n.º 1, e 65.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição”.
Era, pois claro que, à data da comunicação remetida pela 1.ª ré à autora – 05-07-2017 -, data esta relevante para aferir da titularidade de direito de preferência na esfera da autora, não disporia a autora de qualquer direito de preferência sobre a venda projectada, pois, o arrendamento em questão incidia sobre uma parte não autónoma de prédio urbano.
De todo o modo, certo é que, a 1.ª ré endereçou à autora a correspondente comunicação.
E, neste ponto, conclui-se na sentença recorrida que “entende-se que uma vez que a proprietária do imóvel entendeu que a autora era titular do direito de preferência na venda do mesmo, dando-lhe conhecimento das condições essenciais do negócio para vir, caso quisesse, exercê-lo, não pode agora alegar que não considera a existência de tal direito”.
A questão que cumpriria colocar seria a de saber se, pelo envio pela 1.ª ré, de carta mencionando a existência de um direito de preferência na esfera da autora que, na realidade, aquela – como se viu, à face da melhor interpretação da lei - não disporia, se gerou algum direito na esfera da autora, ou seja, uma tutela específica da sua confiança?
Sobre o ponto, em semelhante situação, o já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018 concluiu negativamente, em suma, considerando que, “direitos desta natureza terão de assentar em pressupostos mais fortes, de natureza objetiva, e não tanto em meras atuações dos sujeitos no âmbito de relações preliminares à concretização de qualquer negócio. Pela sua própria natureza um direito real de aquisição, com eficácia erga omnes, deve ser sustentado numa situação jurídica que ao mesmo conduza e não tanto na avaliação de aspetos de natureza meramente subjetiva, tanto mais que se trata de direito real que nem sequer está sujeito a registo que permita acautelar terceiros”.
Ou seja: A tutela da eventual confiança frustrada da autora não se obtém pelo reconhecimento indevido de um direito de preferência que não obtém acolhimento legal.
E, nessa medida, tal aferição conduziria, sem mais, ao decesso da pretensão da autora.
Mas, não obstante este aspeto - que, diga-se, decerto, faria também naufragar a pretensão de reconhecimento de preferência que a autora eventualmente intentasse - certo é que, a presente ação, sem se situar no campo da tutela da alguma responsabilidade pré-contratual, visa alcançar um objectivo prévio: O de se reconhecer que não foram comunicados à “preferente” todos os requisitos legalmente exigidos, desencadeando-se com a ação a imposição ao obrigado à preferência de uma “nova comunicação”.
Como decorre do exposto, a obrigação de a 1.ª ré proceder a “nova comunicação” seria, neste contexto, desprovida de sentido, pois, envolveria o reconhecimento de uma vinculação decorrente de um direito que, como se viu, não assiste na esfera da autora.
Mesmo na hipótese de o obrigado à preferência ter celebrado o negócio projetado sem esperar o decurso do prazo para a autora se pronunciar, mesmo aí a violação não teria a ver com a comunicação efectuada, mas com o incumprimento da obrigação de proceder segundo os cânones da boa fé.
Como refere Cheok Ian Lei (A Tutela do Direito de Preferência; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Julho de 2017, p. 86) “uma vez constituído o direito de preferência, o obrigado à preferência está obrigado a agir de boa fé, ou seja, tem a obrigação de não comprometer o efeito útil e a integridade do direito de preferente. Assim, no caso de o obrigado à preferência, após a realização da comunicação, celebrar o contrato projetado com terceiro sem esperar a declaração do preferente, o que está em causa é uma violação do dever de agir de boa fé e não da obrigação de comunicar”.
Mas, independentemente do referido, consideremos a questão tal como suscitada pela recorrente.
Que requisitos eram esses a que deve presidir a comunicação do negócio projetado pelo obrigado à preferência?
De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 416.º do CC, querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.
Assim, “a lei substantiva civil obriga o titular da coisa, objecto da preferência, a comunicar ao preferente, judicial ou extrajudicialmente, o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato, tendo este o prazo de oito dias para exercer o direito sob pena de caducidade (…). A expressão "conhecimento dos elementos essenciais da alienação", de que se faz depender o início do prazo para o exercício do direito de preferência, deve ser entendida no sentido de que são essenciais todos aqueles factores capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, todos os elementos reais do contrato que possam ter importância para o estabelecimento de uma decisão num sentido ou noutro” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-02-2003, Processo: 0250463, rel. OLIVEIRA ABREU).
Ou seja, dito de outro modo: O aviso para preferir deve conter todos os elementos que, face ao interesse objectivo do titular do direito de preferência, sejam necessários para uma correcta formação da vontade de exercer ou não a opção de preferência.
Sobre a natureza desta comunicação lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2018 (Processo: 14589/17.1T8PRT.P1.S1, rel. CABRAL TAVARES) que: “O dever de comunicação para preferência resulta da vontade, da vontade séria, do obrigado à preferência a contratar – «Querendo vender a coisa», diz-se no nº 1 da art. 416º («Se quiser vender a coisa», no nº 1 do artigo seguinte) – e supõe a sua realização expressa num projeto concreto, articuladamente delineado, que deverá ser transmitido ao preferente. Tal comunicação não pode qualificar-se como convite a contratar, devendo por este entender-se apenas um ato tendente a provocar uma proposta, resumindo-se a um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar ou não a proposta. Quando os requisitos exigidos no nº 1 do art. 416º não tenham na comunicação sido observados (qualificada a inobservância como essencial, em termos de habilitar a decisão do preferente, quanto ao exercício do direito), não valerá ela para os efeitos previstos nesse artigo, abrindo caminho ao preferente, em caso de alienação, para a propositura da ação prevista no citado art. 1410º. Desde que os requisitos enunciados no nº 1 do art. 416º do CC estejam preenchidos, ou seja, desde que a comunicação para preferência contenha os elementos necessários à decisão do preferente, aquela deve, em princípio, ser qualificada como uma proposta de contrato (…).
E à mesma proposta é, nesta medida, aplicável o disposto no artigo 224.º do CC (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-05-2010, Processo: 229/10.3YRLSB-7, rel. MARIA DO ROSÁRIO MORGADO).
Relativamente aos concretos elementos que devam ser objecto de comunicação pelo obrigado à preferência, os mesmos só em concreto poderão ser considerados, muito embora entre eles deva figurar, inelutavelmente, a intenção de venda, o preço e as condições fundamentais que determinam o negócio.
A identidade do comprador pode, ou não - o que só em concreto pode ser aferido - ser elemento objecto (necessário) da comunicação.
Neste ponto, por exemplo, refere Cheok Ian Lei (A Tutela do Direito de Preferência; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Julho de 2017, pp. 42-46), citando as diferentes posições doutrinais, “é necessário que a informação fornecida ao preferente seja verdadeira e completa. Por esta razão, a lei rodeia de cuidados o conteúdo da comunicação, por forma a que assegure não só o simples cumprimento da obrigação de comunicar mas também o adequado cumprimento dessa obrigação (…).
Na realidade, no que diz respeito ao conteúdo indispensável da comunicação para preferência, existe uma diversidade na doutrina. Isto é, encontramos autores que consideram que o obrigado à preferência deve, de acordo com o sentido literal do art.416.º, n.º1, do Código Civil, comunicar o projeto de venda e as cláusulas do respectivo contrato contrato; por outro lado, também encontramos autores que consideram que o obrigado à preferência só deve comunicar os elementos da venda que possam influenciar o preferente a exercer ou não o seu direito de preferir.
Para além disso, quanto à identificação do terceiro interessado, há autores que consideram que o obrigado à preferência deve, em todas as situações, comunicar a identidade do terceiro interessado; igualmente, há outros autores que consideram que o deram que o obrigado à preferência só deve, em algumas situações, comunicá-la; todavia, também encontramos autores que rejeitam a identificação do terceiro interessado (…).
Na realidade, o art. 416.º, n.º1, do Código Civil refere-se às «cláusulas do respectivo contrato», quer dizer, a lei refere-se às cláusulas do projeto de contrato. O que está em causa é um projeto de contrato e não um contrato celebrado, assim, é evidente que a comunicação deve ser realizada antes da celebração do negócio com terceiro.
Isto quer dizer, no que diz respeito ao conteúdo da comunicação, a lei (tanto o art.416.º, n.º1, do Código Civil, como o art.1028.º, n.º1, do novo CPC) não faz referência às cláusulas que sejam relevantes, na perspectiva do preferente, para a sua decisão de exercer ou não o seu direito, nem menciona a necessidade da identificação do terceiro com quem o obrigado à preferência negociou a alienação, mas apenas faz referência ao projeto de venda e às cláusulas do projeto de contrato (…).
Se considerarmos que o obrigado à preferência só tem a obrigação de comunicar as cláusulas que sejam relevantes para o preferente decidir se pretende ou não exercer o seu direito, as questões que se suscitam são: como pode o obrigado à preferência, para além do próprio preferente, saber quais as cláusulas que são relevantes para este tomar a decisão? Para além das informações que fazem parte das cláusulas do contrato projetado, se o obrigado à preferência deve integrar na comunicação as informações que não constam das cláusulas do contrato projetado mas também são relevantes para o preferente tomar a decisão?
Na verdade, todas estas dúvidas podem ser resolvidas por lei. Isto é, o art.416.º, n.º1, do Código Civil já determina o objeto da comunicação para preferência, que é o projeto de alienação e as cláusulas do contrato projetado, sem mais nem menos. Isto quer dizer, a norma não faz referência a quaisquer informações que sejam relevantes, na perspectiva do preferente, para a sua formação da vontade de exercer o seu direito, assim, a nosso ver, estas não devem ser consideradas como objeto da comunicação.
Como já referimos, o pressuposto de constituição do direito de preferência é a decisão do obrigado à preferência de contratar com certo terceiro em determinadas condições. Esta decisão é um facto interno que acontece no pensamento do obrigado à preferência, assim, é razoável que a lei obrigue este a informar o preferente da sua decisão de contratar. E ainda, uma vez que o preferente só pode exercer o seu direito caso se disponha a celebrar o contrato em igualdade de condições com terceiro, é necessário que a comunicação contenha o projeto de alienação e as cláusulas do contrato projetado.
Quanto às informações que possam eventualmente ser relevantes para o preferente, este só tem direito a preferir em igualdade de condições e não tem direito a impor ao obrigado à preferência a celebração do contrato que melhor corresponderia aos seus motivos ou aos seus interesses. Isto quer dizer, as motivações subjetivas que levam o preferente a exercer o seu direito não têm relevância jurídica, e assim, o interesse do preferente, para que decida o exercício ou não do seu direito, em conhecer a identidade de terceiro interessado também não é protegido por lei.
Neste sentido, a nosso ver, quanto ao conteúdo indispensável da comunicação, uma vez que o direito do preferente é um direito a preferir em igualdade de condições ajustadas entre o obrigado à preferência e o terceiro,, e também como é difícil exigir que o obrigado à à preferência adivinhe os pensamentos individuais do preferente, é razoável que restrinja o conteúdo indispensável da comunicação para preferência apenas àquilo que é objetivo: o projeto de alienação e as cláusulas do contrato projetado, e não àquilo que é subjetivo: as informações que, para certos preferentes, em certas situações, possam ser consideradas relevantes para a sua decisão de preferir, tanto a identidade do terceiro interessado com quem o obrigado à preferência negociou o contrato projetado, como o objetivo que aquele terceiro pretende contratar”.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-03-2007 (Processo: 458/03.6TBVGS.C1, rel. GARCIA CALEJO): “Nos termos do artº 416º, nº 1, do C. Civ., aplicável ao direito de preferência do comproprietário, por força do disposto no artº 1409º, nº 2, o vendedor que queira vender uma coisa objecto de preferência “deve comunicar ao titular do direito o projecto da venda e as cláusulas do respectivo contrato”. Significa isto que o vendedor de um bem vinculado ao exercício do direito de preferência deve informar o titular desse direito dos elementos da projectada venda, com vista a possibilitar a este uma decisão ponderada sobre o ensejo de exercer, ou não, a preferência. Entre esses elementos deve figurar o preço e as respectivas condições de pagamento, visto que estes componentes dão conteúdo e contornos ao negócio, possibilitando ao titular do direito a decisão (consciente) de exercer, ou não exercer, o direito. A identidade do adquirente pode não constituir elemento essencial da comunicação a ser feita ao preferente, devendo tal elemento ser equacionado consoante as circunstâncias de cada caso.
Tal é particularmente evidente em arrendamentos como o presente, para fins não habitacionais, em que não está em questão um arrendamento para habitação, onde a tutela da casa de habitação não ocorre com a mesma premência, do que nos casos de arrendamentos para a habitação.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-03-2011 (Processo 1113/06.0TBPVZ.P1.S1, rel. MOREIRA ALVES): “Em princípio e em geral – sobretudo se não se trata de arrendamento para habitação –, não pode dizer-se que o titular do direito de preferência (arrendatário) tenha interesse essencial em saber a identificação do adquirente, que será o seu novo senhorio, tanto que o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador (cf. art. 1057.º do CC)”.
Não obstante o referido e pressupondo que não existiria óbice legal à consideração da autora como titular de direito de preferência, o que, aliás, foi igualmente o caminho seguido pela decisão recorrida, verifica-se que, de facto e mesmo nessa hipótese, à autora foram comunicados os elementos que o proprietário deveria ter comunicado a um arrendatário que fosse titular de um direito de preferência.
Como resulta dos factos provados em M) e N):
- Por carta datada de 5 de Julho de 2017, a 1ª Ré notificou a Autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1091º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, para, querendo, exercer o direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano identificado nos autos; e
- Os termos e condições da projectada venda comunicados à Autora pela 1ª Ré através da referida carta são as seguintes:
“Objecto de Alienação e Preferência: o Edifício Classique, supra identificado;
Comprador: SUMMERCITY, S.A., sociedade comercial de direito português, com sede na Av. Eng.º Duarte Pacheco, n.º 7-7.º-A, Lisboa, inscrita no registo comercial de Lisboa, sob o número único de pessoa coletiva e de identificação fiscal 513263594, ou uma outra sociedade comercial de direito português pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I;
Preço e Condições de Pagamento: O preço de alienação do Edifício Classique é de € 6.250.000,00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil euros). O preço será totalmente pago, com fundos imediatamente disponíveis, pelo Comprador, no ato da celebração da escritura de compra e venda;
Data da Celebração da Escritura de Compra e Venda: O contrato definitivo de compra e venda será celebrado por escritura pública, até ao dia 31 de julho de 2017, em dia, hora e local sito em Lisboa, ficando o respectivo agendamento a cargo do Vendedor;
Tendo em atenção o acima exposto, ficam V. Exas. notificados para, querendo, e nos termos da legislação em vigor, exercer o direito de preferência que Vos assiste, relativamente à aquisição do Edifício Classique, no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da data de recepção da presente carta.”
Ora, ao contrário do invocado pela autora – v.g. artigo 69.º da p.i. – na carta em questão fornece-se, clara e objectivamente, a identificação do projectado comprador: SUMMERCITY, S.A., sociedade comercial de direito português, com sede na Av. Eng.º Duarte Pacheco, n.º 7-7.º-A, Lisboa, inscrita no registo comercial de Lisboa, sob o número único de pessoa coletiva e de identificação fiscal 513263594, ou uma outra sociedade comercial de direito português pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I.
Da alternativa – perfeitamente circunscrita - objecto da comunicação operada resulta que o comprador gizado era a sociedade Summercity ou uma outra sociedade do mesmo grupo económico, pelo que, o destinatário da mencionada comunicação estava em condições de conhecer quem se projectava para comprador do negócio gizado.
Ou seja: Em termos de adequação da posição da autora e do negócio que se projectava era tomou conhecimento da pessoa ou pessoas colectivas que se aprestavam a comprar, não sendo exigível, atentas as circunstâncias, que a 1.ª ré tivesse de ter efectuado qualquer outra concretização (tanto mais que, como se disse, a autora também não solicitou qualquer esclarecimento nesse sentido).
É que, de facto, não é tutelável, por si só, o conhecimento de todo e qualquer detalhe a respeito da pessoa que pretende comprar, parecendo-nos que, num arrendamento para fins não habitacionais, bastará a comunicação da identidade da entidade que se apresta para comprar. Aliás, a autora não consegue identificar qual é a circunstância concreta que lhe faltaria conhecer e que seria determinante para basear a sua decisão noutro sentido que não aquele que ocorreu (a não manifestação de vontade para preferir). Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-02-2013 (Processo: 997/12.8TVLSB.L1-7, rel. MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA), “a informação relativa à identidade do adquirente por parte do vendedor, mesmo em determinado tipo de contratos, não tem de envolver todos os detalhes que o titular da preferência repute subjectivamente relevantes para a decisão de preferir”, os mesmos têm de ser os suficientes para permitir a tomada de uma decisão esclarecida.
É que, como referiu Antunes Varela (anotação ao Acórdão do STJ de 22-02-84, in Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3776, p. 348 e seg.) a indicação do terceiro interessado na aquisição pode justificar-se por “uma exigência do princípio geral da boa-fé, e não por se tratar de um elemento essencial (por natureza) da alienação”.
No caso, não se vê que a boa fé negocial exigisse mais do que a menção que foi utilizada pela 1.ª ré.
Para além disso, constava expressa da referida carta, a motivação da mesma, bem como, a finalidade a que a mesma se dirigia, daí constando enunciados o “objecto de alienação e preferência”, o “comprador”, o “preço e condições de pagamento”, a “data da celebração da escritura de compra e venda” e ainda a menção a “outras condições”, assim como, claro está, o prazo no qual a autora deveria manifestar a sua vontade.
Certo é que, o teor da referida missiva não motivou na autora alguma interpelação ou esclarecimento sobre o seu conteúdo, nem a invocação de omissão de alguma das prescrições legalmente exigidas.
Ora, tendo sido recebida no dia 06-07-2017 – cfr. facto provado constante da al. O) e da al. DD) -, a autora dispunha até ao dia 14-07-2017 – considerando o prazo de 8 dias assinalado na mencionada carta de 05-07-2017 (cfr. artigos 224.º, 279.º e 416.º, n.º 2, do CC) - para manifestar a sua vontade de pretender ou não preferir.
Nesse período, porém, a autora nada fez para com a 1.ª ré, não tendo respondido à carta que esta lhe tinha remetido, não tendo exercido o direito de preferência correspondente.
O seu eventual direito não foi, assim, exercido no tempo em que tal poderia ter tido lugar, tendo caducado.
Isso mesmo foi reconhecido pela autora, pelo menos, até ao momento em que, no dia 02-08-2017 interpela a 1.ª ré no sentido de indagar se o negócio se tinha realizado (cfr. factos provados sob as alíneas FF) e GG) ), pois, não tinha obtido as condições financeiras suficientes para a compra do imóvel.
Contudo, diga-se que, não obstante a estreita relação entre a disposição de fundos necessários para a compra e a manifestação de vontade de exercício da preferência, tais factos jurídicos não coincidem, nem são entre si dependentes.
Assim, a autora poderia, se assim o entendesse, manifestar a sua vontade de preferir, independentemente de reunir ou não as condições financeiras para o fazer até ao termo do prazo para a manifestação da vontade de preferir.
“O prazo para exercício do direito de preferência conta-se desde a data em que é recebida a comunicação” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-11-2009, Processo: 3330/07.7TBALM.L1-8, rel. ANTÓNIO VALENTE).
Certo é que, sublinhe-se, a autora deixou decorrer integralmente o referido prazo – de 07-07-2017 até 14-07-2017 - sem manifestar a intenção de pretender preferir, a qual, na realidade, apenas assinalou na missiva que remeteu à primeira ré em 02-08-2017, ou seja, já muito depois de decorridos os 8 dias que lhe tinham sido assinalados para o efeito.
Neste sentido, a comunicação referenciada no facto provado em LL) não tem o efeito de alterar a posição jurídica da autora que, nessa data – 02-08-2017 – já não beneficiava do prazo que lhe tinha sido concedido para manifestar o seu interesse por preferir no negócio de compra e venda do imóvel dos autos.
E, com clareza, expressa-se na decisão recorrida o entendimento formulado, que ora se mostra, integralmente, de subscrever: Relativamente à data celebração da escritura, a mesma não veio a ser celebrada até 31-07-2017, mas esta circunstância, por si só, é insuficiente para fundamentar a procedência de uma pretensão de preferência, pois, para tal seria necessária a demonstração no sentido de que a autora, então, ainda estaria em condições de preferir, tendo sido preterida, apesar de ter condições para celebrar o negócio.
Como se refere na decisão recorrida: “(…) no caso concreto, não se pode considerar que tal [o facto de a escritura pública ter sido apenas agendada para 04-08-2017 – cfr. alínea S) dos factos provados – e não até 31-07-2017], tenha tido qualquer influência na decisão de exercer ou não exercer o direito de preferência, dado que, com base nesse fundamento e se realmente o quisesse exercer a autora teria dado entrado a uma acção de preferência” (considerando que assim teria sido preterida de preferir) e, bem assim porque, como se salientou, em qualquer dessas datas – 31-07-2017 ou 04-08-2017 – há muito que tinha decorrido o prazo para a autora manifestar, querendo, a sua vontade de preferir, vontade essa que não expressou até 14-07-2017 e que, na prática, constituiria pressuposto necessário para poder continuar como legitimamente interessada no âmbito do negócio de aquisição do imóvel dos autos.
Como se refere na decisão recorrida: “A autora não conseguiu provar que não exerceu o seu direito de preferência apenas e por causa da marcação da data da escritura três após o termo do prazo que lhe foi comunicado na carta enviada pela ré Silcoge”.
É que, como se disse, uma coisa não é dependente da outra. A manifestação de vontade de preferir era autónoma de qualquer alteração – posterior – sobre a data mencionada na missiva de 05-07-2017, aliás, também suscitada em momento ulterior ao decurso de todo o prazo em que à autora era possibilitada a manifestação da aludida vontade de pretender preferir.
Em face de tudo o que se referiu, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha violado algum dos mencionados artigos 1091.º, n.º 4, do CC e 416.º a 418.º do CC.
Improcede, pois, a questão em apreço.
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11) Se ocorreu erro de julgamento na decisão recorrida ao condenar a recorrente no pedido reconvencional deduzido pela 1.ª ré?
A respeito do conhecimento efetuado pelo Tribunal recorrido sobre o pedido reconvencional da 1.ª ré, formula a recorrente as seguintes conclusões:
“AAA. Um correcto entendimento da questão controvertida nos autos determinaria que o julgamento sobre o objecto do litígio recaísse sobre a questão da ineficácia da comunicação dirigida à Recorrente em 5 de Julho de 2017, e concluindo-se pela sua ineficácia, os pedidos reconvencionais formulados pelas Rés teriam, necessariamente, de soçobrar;
BBB. Mesmo concluindo-se pela eficácia da comunicação, sem conceder, o Tribunal incorre em novo erro de julgamento ao condenar a Recorrente nos pedidos reconvencionais formulados nos autos, pois as Rés não demonstraram os prejuízos invocados;
CCC. Não se pode confundir a dificuldade em liquidar prejuízos com a não produção de prova sobre os danos já indicados em valor líquido, e o Tribunal “a quo” não soube realizar esta distinção, relegando para execução de sentença a liquidação de danos não provados”.
Ora, diga-se, liminarmente que, como se viu, a questão da eficácia da comunicação remetida à autora em 05-07-2017 foi, em boa verdade, objecto de análise e apreciação pelo Tribunal a quo, tendo concluído que a mesma produziu, oportunamente, os efeitos que, com a mesma se gizaram.
Será que ocorreu erro de julgamento no que respeita ao conhecimento dos pedidos reconvencionais?
Vejamos, sucessivamente, o pedido reconvencional da 1.ª ré e, na questão seguinte, o da 3.ª ré.
Refere-se na decisão recorrida a este respeito que:
“Alega, em suma, a ré Silcoge que, ao intentar a presente acção e procedendo ao seu registo, a autora pretendeu evitar a celebração do negócio de compra e venda do imóvel mas não se dispôs a comprá-lo e deu causa à perda do negócio. Em consequência disso, sofreu e sofrerá prejuízos financeiros daí decorrentes, que se traduzem nos juros vencidos e vincendos dos encargos bancários relacionados com o crédito com hipoteca e consignação de rendimentos que esta teve de suportar e que ficaram por liquidar com a não concretização da venda e nos juros do capital remanescente da satisfação do encargo bancário.
Acaba pedindo o levantamento do registo da acção e a condenação da autora a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos causados a liquidar posteriormente e, ainda, a condenação daquela como litigante de má fé em multa e indemnização para reembolso das despesas que teve de suportar para se defender nestes autos.
Analisando os factos provados e o acima exposto, quanto à manifesta improcedência dos pedidos da autora, considera-se assistir razão a esta ré quanto à verificação dos prejuízos os quais não podem ainda ser contabilizados em virtude de o Tribunal não dispor dos elementos necessários e de, em virtude, de o negócio não se ter concretizado, não ser possível ainda apurá-los. Efetivamente, na sequência da actuação da autora, ao interpor e registar a presente acção, sofreu a autora prejuízos, prejuízos de que autora devia estar ciente, sendo-lhe devido um conhecimento acrescido em virtude da actividade a que se dedica.
Nos termos do disposto no nº3, do artigo 566º do Código Civil ainda que o autor tenha alegado e provado os factos que revelam a existência e a extensão dos danos, se o montante exacto não puder ser averiguado, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados. Isto significa que caso não seja possível fixar o valor exacto dos danos a indemnizar, tal não exclui o direito à atribuição de uma indemnização.
Pelo menos numa primeira fase, caberá ao tribunal a sua fixação segundo um juízo de equidade face às circunstâncias do caso concreto.
Ocorre, todavia, que no caso concreto, não tem o Tribunal os elementos necessários a fixar uma indemnização de acordo com tais parâmetros. Sendo uma matéria especifica relacionado com o mercado imobiliário e estando envolvidos empréstimos bancários, juros respectivos e consequentes perdas monetárias decorrentes não concretização do negócio na data acordada, não está o Tribunal em condições de fixar qualquer indemnização. Também é de salientar que durante o período que decorreu desde a data da não realização da escritura, provavelmente a ré Silcoge recebeu rendas dos inquilinos dos imóveis, cujo montante se desconhece e devem ser consideradas para efeitos de atribuição de uma indemnização.”.
Cumpre desde já assinalar que ocorreu a alteração da matéria de facto que foi enunciada pelo Tribunal recorrido na alínea BBB) dos factos provados.
Decorre desta alteração que, em parte, o pedido reconvencional formulado pela 1.ª ré deixou de ter base de sustentação no seu conhecimento, pois, de facto, não se apurou que a mesma tenha tido algum prejuízo ou encargo com a satisfação de encargo bancário, designadamente, com pagamentos relacionados com alguns “juros vencidos” ou “vincendos”.
Assim, a oportuna liquidação – a que se refere o ponto 2 do dispositivo da sentença - não poderá fazer-se senão, por referência ao facto provado na alínea BBB) tal como resulta do presente Acórdão.
Quanto ao mais, assinala-se uma ingerência da autora na esfera das rés reconvintes, decorrente da dedução de uma pretensão – e do registo do correspondente ónus no registo predial (fls. 159 e al. CC) dos fatos provados) – não tutelada pelo Direito, pelo que, tal intervenção é de ter como ilícita, determinando, de forma adequada, a frustração – senão para sempre, pelo menos, no tempo gizado - o negócio de venda que a 1.ª ré se propunha efetuar (inicialmente com a 2.ª ré e, após o exercício de preferência, pela 3.ª ré, com esta), sem motivo ou justificação para tal, pelo que, atuando sem justificação, tal conduta é geradora de responsabilidade, pelos danos assim causados, em conformidade com o disposto nos artigos 483.º e ss. e 562.º e ss. do CC.
Assumida a obrigação de indemnizar da autora, a questão que vem suscitada é, tão-só, a de saber se as pretensões reconvencionais, ao invés da sua liquidação dever ocorrer em sede de liquidação, não deveriam antes ter sido julgadas improcedentes, por não terem sido apurados danos?
Estabelece-se no art. 564º, do Código Civil que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (n.º 1).
Por sua vez, a obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria "se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação" - art. 562º do Código Civil.
Não sendo isso possível ou quando a reconstituição natural não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – art. 566º, nº1, do Código Civil.
Há ainda que convocar as disposições contidas nos artigos 564.º, n.º 2 e 566.º, n.º 3 do CC e no artigo 609.º, n.º 2, do CPC.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 564.º, n.º 2, do CC, “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Pressuposto para a consideração deste normativo é, claro está, o prévio apuramento dos pressupostos de indemnização, incluindo a verificação de danos.
Nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do CC, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
E deriva do artigo 609.º, n.º 2, do CPC que: “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte em que seja líquida”.
A respeito de norma paralela no precedente CPC, Alberto dos Reis (Código de Processo Civil anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pp. 70-71) expendeu o seguinte: “O tribunal encontra-se perante esta situação: verificou que o réu deixou de cumprir determinada obrigação ou praticou certo facto ilícito; quer dizer, reconhece que tem de o condenar; mas o processo não lhe fornece elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face destes factos, nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença”.
A opção entre o julgamento por critérios de equidade ou por condenação genérica dependerá, conforme descrito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-2017 (Processo 685/03.6TBPRG.G1.S1, rel. HELDER ROQUE) do seguinte critério: “Encontrando-se acertada a existência de um dano indemnizável, mas não o montante exato do mesmo, a fixação da indemnização, segundo critérios de equidade, só será de excluir se não for possível ao tribunal, por total carência de elementos, determinar os limites dentro dos quais se deve fazer a avaliação, ou seja, quando o tribunal não puder estabelecer o exato montante do dano, sendo, no entanto, ainda viável que o autor possa avançar com outros elementos para esse fim. Só quando não é possível efetuar a liquidação ou concretização, no decurso da ação, é que o juiz profere sentença de condenação, em prestação genérica de indemnização, em conformidade com o estipulado pelo art. 609.º, n.º 2, do CPC.”.
No caso, apurou-se que a 1.ª ré sofreu, e irá sofrer por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o impedimento causado pela autora e que se traduzem no valor do pagamento de juros decorrentes dos encargos bancários da 1.ª ré que ficaram por liquidar, relativos a abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos, datada de 15-01-2007, a favor de Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft) – cfr. registo predial do imóvel (cfr. alínea BBB) dos factos provados).
Para além disso, verificou-se que, a presente acção acompanhada do seu imediato registo, em oneração do imóvel da 1ª Ré e no momento em que se concretizava a respetiva venda impediu, e impedirá por tempo indeterminado, a 1ª Ré de transmitir o imóvel livre de ónus e encargos (cfr. alínea CCC) dos factos provados).
Ora, claramente se verifica que a indemnização destes danos não é passível de ser efetuada em termos exatos inexistindo, de momento, os elementos necessários para fixar uma indemnização, quer em termos exatos, o que, na falta de possibilidade de apurar limites equitativos (cfr. artigo 4.º, al. a) do CC), determina que o apuramento da indemnização apenas seja possível de fazer em sede de incidente de liquidação (cfr. artigo 358.º e ss. do CPC).
Como se escreveu na decisão recorrida: “Sendo uma matéria especifica relacionado com o mercado imobiliário e estando envolvidos empréstimos bancários, juros respectivos e consequentes perdas monetárias decorrentes não concretização do negócio na data acordada, não está o Tribunal em condições de fixar qualquer indemnização. Também é de salientar que durante o período que decorreu desde a data da não realização da escritura, provavelmente a ré Silcoge recebeu rendas dos inquilinos dos imóveis, cujo montante se desconhece e devem ser consideradas para efeitos de atribuição de uma indemnização”.
Neste âmbito, não se vislumbra ter ocorrido erro de julgamento na decisão proferida pelo Tribunal recorrido, no que concerne à apreciação do pedido reconvencional deduzido pela 1.ª ré, muito embora, na decorrência da atendibilidade das consequências da alteração do facto provado em BBB) - tal como resulta do supra apreciado sobre a impugnação da matéria de facto – deva ser alterado o ponto 2 do dispositivo da sentença, que passa a ser o seguinte: “2. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré Silcoge – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., condenando a autora a pagar-lhe, a título de indemnização pelos prejuízos consistentes no pagamento de juros decorrentes dos encargos bancários da 1.ª ré que ficaram por liquidar, relativos a abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos, datada de 15-01-2007, a favor de Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft), a liquidar após trânsito em julgado da sentença, no respetivo incidente de liquidação, absolvendo a autora, quanto ao mais peticionado no pedido reconvencional da 1.ª ré”.
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12) Se ocorreu erro de julgamento, pelo Tribunal recorrido, quanto às alíneas b) e c) do pedido reconvencional da 3ª Ré?
Invoca a recorrente que ocorreram erros de julgamento relativamente à pretensão reconvencional da 3.ª ré, tendo concluído:
“DDD. (…) verifica-se um clamoroso erro de julgamento quanto ao pedido reconvencional da 3ª Ré deduzido nas alíneas b) e c) do petitório;
EEE. A alínea R) dos Factos Provados, nos termos acima defendidos, dá como provado, por confissão/declaração de parte da 1ª Ré que a 3ª Ré exerceu o direito de preferência apenas no dia 18 de Julho de 2017;
FFF. Tendo o Tribunal “a quo” tomado conhecimento, em plena de audiência de julgamento, de um facto de crucial relevância para os presentes autos, deveria oficiosamente verificado a (in)tempestividade do exercício desse direito, pois estava munido de meios de prova que apontavam (quando não confirmavam) no sentido de a preferência ter sido exercida pela 3ª Ré de forma extemporânea;
GGG. Admitindo como meio probatório do «exercício do direito de preferência» o depoimento/declaração de parte, como fez o Tribunal “a quo, não poderia deixar de considerar provado que tal facto apenas ocorreu no dia 18 de Julho de 2017;
HHH. Ou, se o Tribunal entendesse que a “mera” declaração/confissão de parte não era meio probatório suficiente, teria de ordenar a junção aos autos de documento que o comprovasse, nomeadamente, a comunicação escrita em que a 3ª Ré, alegadamente, informou exercê-la.
III. A caducidade do direito é de conhecimento oficioso, e a inércia do Tribunal relativamente a um facto de absoluta relevância para a boa decisão da causa, constitui violação do disposto nos artigos 6º, n.º 1, 411º e 579º do CPC, e artigo 364º do Código Civil.
JJJ. A 3ª Ré alegou ter sofrido danos no montante de 26.679,24 €, mas não juntou aos autos documentos que protestou juntar, o que não impediu o Tribunal “a quo” de condenar a Recorrente apenas com base no depoimento da testemunha CG…;
KKK. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 362º e 393º do Código Civil, e o disposto nos artigos 423º e 607º, n.º 4 e n.º 5 do CPC, que deveriam ter sido aplicados e interpretados no sentido de que a demonstração de prejuízos está sujeita a prova vinculada, nomeadamente, através de documentos, e que a prova testemunhal não é idónea ou processualmente apta à sua demonstração;
LLL. Verifica-se novo erro de julgamento quanto à condenação no pedido da alínea c) do pedido da 3ª Ré, pois resulta da decisão proferida sobre a matéria de facto que não ficou provado que “A 3.ª Ré, uma vez concretizada a aquisição do Edifício Classique, pretendia proceder à sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro”;
MMM. O Tribunal “a quo” não julgou provado um único facto donde se retire que a 3ª Ré também sofreria prejuízos em momento posterior à dedução do pedido reconvencional.
NNN. (…) impunha-se excluir do âmbito da condenação as rendas que a 3ª Ré deixou alegadamente de receber e a mais valia alegadamente decorrente da eventual alienação do prédio, por não provados”.
Apreciando:
A 3.ª ré deduziu pedido reconvencional concluindo pela condenação da autora a:
“(…) b) (…) pagar à 3.ª Ré, Reconvinte, uma indemnização no valor de 26.679,24 Euros, pelos prejuízos já sofridos, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal, até integral e efetivo pagamento, desde a data da citação para contestar este pedido;
c) Condenando-se ainda a Autora a indemnizar a 3ª Ré pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, tudo a apurar em incidente de liquidação na própria ação ou em execução de sentença”.
A sentença recorrida veio a, nomeadamente:
“3. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional constante da alínea a), do pedido formulado pela ré Nbalance - Soluções Integradas de Emagrecimento, S.A condenando a autora a pagar-lhe uma indemnização no valor de 18.000 (dezoito mil) Euros, pelos prejuízos já sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a sua a notificação para replicar, até integral e efetivo pagamento.
4. Julgar procedente o pedido reconvencional constante na alínea b) do peido deduzido pela ré Nbalance - Soluções Integradas de Emagrecimento, S.A, condenando a autora a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, quantia essa a ser liquidada após trânsito em julgado da sentença no respectivo incidente de liquidação.”.
Na sentença recorrida lê-se, a respeito da apreciação do pedido reconvencional da 3.ª ré, o seguinte:
“(…) A ré Nutribalance - Soluções Integradas de Emagrecimento, S.A., em sede de pedido reconvencional, peticiona o seguinte:
“b) Que seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional, condenando-se a Autora, Reconvinda, a pagar à 3.ª Ré, Reconvinte, uma indemnização no valor de 26.679,24 Euros, pelos prejuízos já sofridos, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal, até integral e efetivo pagamento, desde a data da citação para contestar este pedido;
c) Condenando-se ainda a Autora a indemnizar a 3ª Ré pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, tudo a apurar em incidente de liquidação na própria ação ou em execução de sentença;
d) Condenar a Autora no pagamento das custas processuais.
Por mera cautela de patrocínio, e sem conceder,
e) Caso venha a julgar-se a presente acção procedente, por provada, seja a 1.ª Ré condenada no pagamento exclusivo da totalidade das custas processuais, por a elas ter dado causa.”
Quanto a este pedido reconvencional, utilizam-se os mesmos argumentos que serviram para fundamentar o anterior. É de salientar que embora a ré Nutribalance não provou o valor dos prejuízos concretos que peticiona – 26.697,24€ - mas logrou provar que teve despesas no valor de pelo menos 18.000,00€ com todo o processo de formalização do exercício do direito de preferência (assessoria financeira e legal planeamento e preparação da operação de aquisição do Edifício Classique) e ainda os prejuízos que suportou e suporta em virtude da não concretização do negócio derivado da conduta da autora, os quais ( estes últimos) devem ser, na medida do possível e com os limites do que é legalmente possível, apurar, futuramente, em sede de liquidação.
Cumpre salientar que o ónus da prova dos prejuízos sofridos e efectivamente já apurados estava a cargo das rés, pelo que, quanto ao pedido reconvencional formulado na alínea a), não tendo a ré Nutribalance provado que no negociação do financiamento bancário, a 3.ª Ré suportou, a quantia de 4.729,24 euros em custos bancários, não há lugar a qualquer indemnização a este título.
Também não resultou provado que o sócio gerente da 3.ª Ré, NG… gastou pelo menos 100 horas nas actividades referidas em EEE) em prejuízo da atividade que normalmente presta para a 3.ª Ré, que representou um dano para a empresa de cerca de 3.500,00 Euros, pelo que também, aqui, não pode proceder o pedido desta ré.
Apenas se provou que este despendeu tempo na preparação do projecto, o que, certamente, faria parte das suas funções de sócio gerente (…)”.
Na mesma sentença consta ainda referido, embora em sede de motivação da decisão de facto que:
“De salientar ainda que quanto aos prejuízos decorrentes da interposição e registo da presente acção, não lograram as rés Nutribalance e Silcoge provar o montante exacto dos mesmos, sendo certo que, pese embora se verifiquem prejuízos para aquelas rés decorrentes da não concretização do negócio, há a ter em conta que as rendas continuaram a ser pagas durante o período da pendência da presente acção, ou pelo menos não há noticia de que as mesmas não o tenham sido, e também as oscilações de mercado e o possível lucro que poderiam ter obtido com a concretização do negócio e a realização de mais valias, pelo que, o prejuízo concreto sofrido por cada uma dessas rés tem de ser aferido em sede de liquidação.”.
Ora, neste ponto, afigura-se assistir razão à recorrente.
Na realidade, do elenco dos factos apurados não resultam evidenciados factos que permitam sustentar a condenação a que se reporta o ponto 4 do dispositivo, não se tendo provado quaisquer circunstâncias que permitam concluir que a 3.ª ré venha a suportar algum prejuízo no futuro, para além da indemnização liquidada no ponto 3 do dispositivo.
Com efeito, mostra-se insustentada em alguma concreta factualidade a condenação da autora a indemnizar a 3.ª ré “pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela”.
Por outro lado, também não existem factos apurados que permitam concluir que se computam quaisquer prejuízos atinentes a rendas deixadas de receber e a mais-valias que a 3.ª ré venha a perder.
Aliás, como bem assinala a autora, resulta da decisão proferida sobre a matéria de facto que não ficou provado que “a 3.ª Ré, uma vez concretizada a aquisição do Edifício Classique, pretendia proceder à sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro”.
É que, como se disse, pressuposto necessário para a existência de uma condenação genérica é o de apuramento de danos resultantes da atuação do responsável pela indemnização.
No caso, apenas no que respeita ao ponto 3 do dispositivo da sentença recorrida – já em valor liquido – se mostra possível e fundada a condenação da autora.
Assim, de facto, no que concerne à al. c) do pedido reconvencional deduzido pela 3.ª ré, a pretensão soçobra.
Relativamente à al. b) do pedido reconvencional da 3.ª ré, pelas razões já expendidas no âmbito da apreciação desta apelação, não procede a pretensão da autora.
Na realidade, a procedência da pretensão em apreço da recorrente pressuporia uma alteração à alínea R) dos factos provados, a qual, como decorre do exposto, não logrou obter provimento e, no mais, não se verifica- pela motivação já acima tecida – violação dos normativos legais invocados pela autora.
Assim, em consequência, as demais conclusões expendidas pela recorrente na sua alegação – de FFF. a KKK. – não procedem.
Nesta medida, mostra-se de revogar a decisão recorrida, na parte em que condenou a autora a pagar uma indemnização à 3.ª ré “pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, quantia essa a ser liquidada após trânsito em julgado da sentença no respectivo incidente de liquidação”, mantendo-se, no mais – e no que concerne ao julgamento do pedido reconvencional deduzido pela 3.ª ré, a condenação enunciada no ponto 3 do dispositivo.
*
13) Se foi violado o disposto no artigo 542º, n.º 2 do CPC e se deve a autora/recorrente ser absolvida do pedido de condenação como litigante de má-fé?
Finalmente, considera a apelante que deverá ser absolvida da condenação como litigante de má fé, tendo formulado as seguintes conclusões:
“(…) OOO. No que concerne à condenação da Recorrente como litigante de má-fé, o Tribunal “a quo” transformou os presentes autos num verdadeiro julgamento de intenções, pouco rigoroso no plano técnico-processual e totalmente contaminado por uma pré-convicção que afectou a correcta aplicação do direito à questão controvertida;
PPP. Porém, a presente acção merece a tutela do direito e nada tem de «atípico», e está a confirmá-lo o douto despacho saneador, que reveste absoluta relevância, porque proferido em apreciação da concreta pretensão da Autora, o que resulta da necessária sindicância do (anterior) juiz, que o decide positivamente, fixando de modo definitivo o objecto do litígio;
QQQ. A condenação da Recorrente assenta, em grande medida, no registo da acção sobre o prédio, mas esse registo é claramente previsto na lei, e revelava-se, no caso concreto, a única forma eficaz de impedir a violação do direito de que a Recorrente se arroga;
RRR. A Recorrente não pretendeu nunca utilizar a presente acção judicial para prosseguir um fim ou objectivo ilegal, não se verificando qualquer actuação dolosa com intenção causar danos a terceiros, a qual agiu com a diligência exigível na situação em concreto;
SSS. Se dúvidas houvesse, a prová-lo está que a Recorrente logo que recebeu a comunicação da 1ª Ré encetou diligências e contactos no sentido de reunir fundos para pagar o preço de venda, e ao contrário do que se decidiu em sede de matéria de facto, a Recorrente está hoje em condições de comprar o prédio dos autos, como eram já muito animadoras as pespectivas à data dos factos;
TTT. E logo que soube que a escritura não tinha sido realizada até 31 de Julho de 2017, comunicou à 1ª Ré que entendia ter havido uma alteração das condições essenciais do negócio, pelo que a presente acção foi intentada como último recurso;
UUU. A Recorrente não pode aceitar - e não aceita - não ter tido a mesma oportunidade de preferir nos termos e condições – afinal – concedidos à 3ª Ré, nomeadamente, a possibilidade de pagar o preço após a data de 31 de Julho de 2017, e intentou a presente acção com vista ao reconhecimento dessa igualdade de tratamento;
VVV. Ainda que se considere a pretensão da Recorrente juridicamente ousada, ela não integra o conceito de litigância de má-fé;
WWW. Em todo o caso, a 1ª Ré não alegou ou demonstrou em que medida a alegada litigância de má-fé da Recorrente causou uma atividade jurídico-processual acrescida, sendo certo que a indemnização se destina a compensá-la apenas por esse esforço acrescido;
XXX. Não resulta demonstrado que a configuração pela Recorrente da acção tal como o fez, em detrimento da acção de preferência, acompanhada do respectivo registo, acarretou para a 1ª Ré uma actividade processual acrescida que deva ser indemnizada;
YYY. Por outro lado, cumpria à 1ª Ré alegar e demonstrar os encargos acrescidos com a sua defesa na lide, mas o único putativo facto alegado nesta sede não resultou provado e, o que é mais, deu-se como não provado que a autora pretende tão só “destruir” o direito adquirido pela aqui 3ª Ré, pelo que não lhe pode ser arbitrada qualquer indemnização (…)”.
Vejamos:
O artigo 8.º do CPC enuncia que “as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado” no artigo 7.º do mesmo Código.
“A litigância de má-fé surge (…) como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais” (assim, Menezes Cordeiro; Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa «In Agendo», 2006; Almedina, 2006, p. 26, nota 2).
A particular gravidade que assume o abuso processual acontece porque lesa, não apenas a contra-parte, mas, devido ao carácter publicístico do processo, também e sobretudo, a própria administração da Justiça.
O artigo 542 º do CPC censura três comportamentos substantivos contrários à boa fé e um comportamento processual do litigante violador da boa fé devida:
A conduta substantiva sancionável pode consistir:
1) Na dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deva ignorar (artigo 542.º, n.º 2, alínea a));
2) Na alteração da verdade dos factos ou na omissão de factos relevantes para a decisão da causa (artigo 542.º, n.º 2, alínea b));
3) Na grave omissão do dever de cooperação (artigo 542º, n.º 2, alínea c)).
Em termos de atuação processual sanciona-se o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, por qualquer das partes, a fim de:
i) conseguir um objetivo ilegal;
ii) impedir a descoberta da verdade; ou
iii) protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (artigo 542, n.º 2. alínea d)).
A delimitação da responsabilização por litigância de má fé impõe sempre uma apreciação casuística sobre a integração dos comportamentos sinalizados no âmbito de alguma das previsões contidas no mencionado n.º 2 do artigo 542.º.
A ilicitude pressuposta pela litigância de má-fé distancia-se da ilicitude civil (artigo 483º CC) não apenas porque se apresenta como um ilícito típico (descrevendo-se no artigo 542.º do CPC, analiticamente, as condutas que o integram), mas também porque, ao contrário do que sucede com o ilícito civil, se encontra dependente da verificação de um elemento subjectivo, sem o qual o comportamento da parte não pode ser tido como típico e, consequentemente, como ilícito, aproximando-se nesta medida muito mais do ilícito penal (assim, Paula Costa e Silva; A litigância de má-fé, Almedina, 2008, p. 620).
O litigante tem de atuar imbuído de dolo ou culpa grave. O elemento subjetivo será então considerado não apenas ao nível da culpa, mas também em sede de tipicidade.
Releva a má-fé subjetiva - quando a parte que atua de má-fé tem consciência de que lhe não assiste razão - e, em face das dificuldades em apurar a verdadeira intenção do litigante, essa consciência deve manifestar-se perante a violação ou inobservância das mais elementares regras de prudência.
Se o comportamento da parte preencher objetivamente a previsão de alguma das alíneas do artigo 542º, nº 2, do CPC, mas não se patentear o elemento subjetivo, o mesmo não poderá ser qualificado como litigância de má fé. Não haverá lide dolosa nem temerária.
Refira-se, a este propósito, que a reforma do processo civil de 1995-1996 (operada pelo Decreto-Lei n.º. 329-A/95, de 12 de dezembro, Lei n.º 6/96, de 29 de fevereiro e Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro) veio alargar a figura da litigância de má-fé, passando a abarcar não só a lide dolosa, mas também, a lide temerária (esta última ocorrerá quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro – assim, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto; Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pp. 194-195, dando conta de que a lide temerária constitui um “mais” relativamente à lide meramente imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, atuando culposamente, mas apenas com culpa leve).
A lide temerária pode, pois, ser sancionada como litigância de má fé.
Assim, “hoje (…), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização” (nesta linha, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2014, Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1, rel. SALAZAR CASANOVA).
O dolo supõe o conhecimento da falta de fundamento da pretensão ou oposição deduzida – dolo substancial direto – ou a consciente alteração da verdade dos factos ou omissão de um elemento essencial – dolo substancial indireto – podendo ainda traduzir-se no uso manifestamente reprovável dos meios e poderes processuais (cfr. Menezes Cordeiro; Da Boa Fé no Direito Civil, 2ª Reimpressão, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 380).
Por seu turno, “há negligência grave, fundamentadora de um juízo de litigância de má-fé, quando o litigante procede com imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um” (assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2001, Processo 01A3692, rel. AFONSO DE MELO).
Finalmente, diga-se que “a lei processual castiga a litigância de má-fé, independentemente do resultado. Apenas releva o próprio comportamento, mesmo que, pelo prisma do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada. O dano não é pressuposto da litigância de má-fé” (cfr. Menezes Cordeiro; Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa «In Agendo», 2006, p. 26, nota 2). Assim, a condenação não depende dos resultados com a conduta reprovável do tipo das referidas no artigo 542.º, n.º 2, do CPC, serem ou não atingidos (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2019, Processo 6646/04.0TBCSC.L1.S2, rel. CATARINA SERRA).
Contudo, o julgador deve ser especialmente cauteloso e prudente na aferição das situações passíveis de constituírem litigância de má fé, apenas devendo determinar a condenação se se patentearem as condutas típicas e, bem assim, o dolo ou a grave negligência na sua prática.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Processo 280/18.5T8OAZ.P1, rel. RITA ROMEIRA): “A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; O autor deve ser condenado como litigante de má-fé se nega factos pessoais que vieram a ser declarados provados”.
Ou seja: “(…) a ousadia de apresentação duma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2015, Processo 3067/12.5TBTVD.L1-2, rel. SOUSA PINTO).
Na sentença recorrida, para além das genéricas considerações atinentes ao enquadramento da questão, a apreciação da litigância da autora e a sua condenação são fundamentadas do seguinte modo:
“(…) Tendo e conta o que foi exposto, a matéria factual apurada considerada na sua totalidade entende o Tribunal que a autora fez um uso reprovável do direito ao interpor a presente acção nos moldes em que o fez.
Salvo melhor opinião, sendo a autora uma sociedade de advogados sobre ela recaia um dever acrescido de actuar nos moldes supra referidos sem ultrapassar a fronteira estabelecida pela boa fé processual e abuso de direito.
No caso concreto, a autora sabia ou devia saber que o meio idóneo a fazer valer o seu alegado direito de preferência, seria a interposição da acção respectiva. Passados que estão quase dois anos sobre a data e que recebeu a notificação para exercer o direito de preferência que a ré Silcoge lhe atribuiu, a autora continuou com a presente acção sabendo que por via dela continuava a impedir a realização da escritura de compra e venda com os inerente prejuízos que isso acarretou e acarreta para os envolvidos e que, por meio desta acção, nunca poderia exercer o seu alegado direito de preferência, pretendendo com a presente acção ser novamente notificada para o exercer e posteriormente decidir se o quer ou não exercer, mantendo assim em suspenso todo o negócio.
Da prova produzida e da sua análise conjunta resulta que a autora não tinha à data marcada para a realização da escritura o dinheiro para exercer o seu alegado direito de preferência na compra do imóvel. E a autora sabia disso quando interpôs a acção e ao longo do julgamento transpareceu que também agora não dispunha do dinheiro. A ter o mesmo e se realmente estava interessada em comprar o prédio porque razão não interpôs uma acção de preferência!?
As razões por certo serão do conhecimento da autora, não competindo ao Tribunal, nesta sede tecer considerações sobre elas.
O facto objectivo e concreto é que a autora interpôs a presente acção em manifesto abuso do poder de litigar que está constitucionalmente consagrado mas fê-lo, ofendendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, pelo fim económico ou social do direito, ferindo o sentimento de justiça. Assim, tendo em conta o exposto , e o disposto no artigo 27º, nº3, do Regulamento das Custas Processuais, o Tribunal condena autora a pagar uma multa de 80 (oitenta) UCs como litigante de má fé. Relativamente à indemnização peticionada pela ré Silcoge quanto ao reembolso das despesas a que a má fé da autora a obrigou a fazer, incluindo honorários, à qual tem direito ao abrigo do disposto no nº1,do artigo 543º, do C.P.C., considerando que os autos não contêm elementos que permitam, neste momento, fixar o montante de tal indemnização, determino que seja dado cumprimento ao disposto no nº3, do supra referido artigo 543º, do C.P.C, devendo a ré apresentar as despesas que suportou com a contestação da presente acção nos termos do disposto na al. a), do nº1, de tal artigo.”.
A conduta processual que é sancionada na decisão recorrida prende-se com a instauração e prosseguimento da demanda nos presentes autos, colocando a questão de saber se ocorreu o denominado “abuso do direito de ação”.
Esta figura surge sempre que um meio processual é usado de forma abusiva ou para fins diversos dos previstos, podendo verificar-se, quer no acesso ao tribunal propriamente dito, com a interposição de uma ação ou de uma providência cautelar, quer na própria defesa, no âmbito da contestação, invocação de exceções, pedidos de reconvenção e no recurso.
“O direito de ação, com proteção constitucional, é atualmente entendido, de modo pacífico, como um direito público totalmente independente da existência da situação jurídica para a qual se pede a tutela judiciária, afirmando-se como existente, ainda que ela, na realidade, não exista; a afirmação basta à existência do processo, com o consequente direito à emissão da sentença. Salvo casos excecionais, sendo o direito de ação inerente ao Estado de direito e um veículo para a discussão do direito material subjetivo, não é por se decidir na ação que este direito afinal não existe que deixa de se reconhecer que o direito de ação foi plena e corretamente exercido. Situações excecionais, justificativas de responsabilidade, são aquelas em que o direito de ação é exercido com abuso de direito, de que é afloramento a litigância de má fé, e as que caraterizam a culpa in agendo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-11-2016, Processo 982/14.5T8PRT.P1, rel. FILIPE CAROÇO).
É, aliás, discutível a sua autonomização do instituto da litigância de má fé (cfr. sobre a temática Susana Antas Videira Branco et al.; “A avaliação do regime da litigância de má-fé em Portugal”, in Revista Direito GV, São Paulo, n.º 19, 10 (1), Jan.-Jun. 2014, pp. 347-363).
Independentemente disso, a jurisprudência tem concretizado algumas situações em que a instauração ou o prosseguimento de uma ação consubstanciam “abuso de direito de ação”.
Assim, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-10-2018 (Processo 528/11.7TVPRT.P1, rel. FERNANDA ALMEIDA), salientou-se que, “o abuso de direito no campo processual, numa perspetiva macroscópica, pode aferir-se tendo em conta, designadamente, os seguintes índices:
- o exercício gratuito do direito com o único e manifesto propósito de negar interesses dos outros, revelando-se, em contrapartida uma falta de interesse objetivo para o exercente (ex. a vingança e a pura finalidade de prejudicar terceiros);
- a afirmação de interesses próprios mas em que se patenteia uma lesão ponderosa (mas de todo escusada) de interesse alheio (ainda que não dolosa);
 - o exercício do direito desviado do interesse que lhe é imanente e que justificou a sua atribuição, sendo abusiva qualquer situação subjetiva processual que se desvie manifestamente desse interesse;- a ação por má vontade ou para pressionar o lesado (ex., a ação sem fundamento relativa a um imóvel e registo da mesma, com isso podendo impedir a comercialização do imóvel, causando danos em cadeia);
- o pedido manifestamente vexatório ou desprovido de qualquer propósito real”.
Por seu turno, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-09-2019 (Processo 423/19.1T8PVZ.P1, rel. FERNANDA ALMEIDA) considerou-se: “Verifica-se abuso de direito de ação quando agente, de má-fé, e ciente do facto de que não tem o direito de pleitear, usa a justiça como se realmente possuísse tal direito ou utiliza os meios judiciários sem causa razoável ou provável”.
Outras situações retiram-se da jurisprudência, a saber:
- Acórdão da Relação de Évora de 13-06-1985 (in BMJ n.º 350, p. 405): “(…) Toda a pretensão (como toda a defesa) manifestamente inviáveis constituem abuso de direito de acção (…)”;
- Acórdão da Relação do Porto de 12-06-2008 (Processo 0716047, rel. FERREIRA DA COSTA): “Deve ser condenado como litigante de má fé em multa e indemnização a favor da ré, o autor (engenheiro civil) que invocou ter sofrido um acidente de trabalho e se provou que se lesionou a jogar futebol”;
- Acórdão da Relação de Coimbra de 23-11-2004 (Processo 3064/04, rel. HELDER ALMEIDA): “Constitui abuso de direito, pela desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo respectivo exercício a outrem, a notificação de todos os Notários do País, através da Direcção Geral dos Registos e Notariados, da providência cautelar, que proíbe o requerido de utilizar uma determinada procuração ou qualquer fotocópia autenticada em qualquer escritura notarial”; e
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2004 (Processo 04B882, rel. MOITINHO DE ALMEIDA): “Constitui abuso de direito o comportamento da recorrente que, sem qualquer interesse e depois de ter confirmado a qualidade de sucessor de determinada pessoa, vem recorrer da decisão que a considerou habilitada”.
No caso da alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC - “Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”, como refere Susana Teresa Moreira Vilaça da Silva Barroso (O Abuso de Direito de Ação; Faculdade de Direito da Universidade do Porto, julho de 2016, p. 40), “o conceito de “não devia ignorar” tem uma carga demasiado subjetiva e demasiado pessoal que impossibilita a sua aplicação direta.
É que o enfoque da norma não está na manifesta falta de fundamento, critério mais ou menos objetivo se entendido na perspetiva do “homem médio”, “bonus pater família” etc., mas sim no facto da falta de fundamento “não dever ser ignorada”. Ora esta nuance devolve à norma um caráter de subjetividade que lhe vem introduzir dificuldades interpretativas. Onde está a linha que separa até onde é “aceitável ignorar” e a partir de onde deixa de o ser.
Dito de outra forma, até onde é razoável aceitar estarmos perante o exercício genuíno do direito de ação ou do direito de defesa, e a partir de onde se pode razoavelmente assumir que o agente conhecia (ou devia conhecer) a falta de fundamento?
É esta dificuldade interpretativa de imputação de conhecimento presumido que dificulta a arguição da culpa do agente, e torna a norma inaplicável, inócua e esvaziada de conteúdo. Isto no âmbito do instituto da má-fé, já não do abuso do direito.
Já quanto à alínea “c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação” o problema interpretativo situa-se ao nível da definição de “omissão grave”. A partir de onde é que a omissão é grave?
Por exemplo, a falta de resposta a 3 notificações do tribunal para apresentação de documento essencial constitui omissão grave, ou é justificável (…)?”.
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a sentença recorrida imputa à autora- sociedade de advogados sobre quem recaía um “dever acrescido” –o incumprimento de dever ter utilizado um meio idóneo para fazer valer o seu alegado direito de preferência, que, na perspetiva do Tribunal recorrido seria a ação de preferência.
Importa ter presente que o dever de boa-fé processual é imposto especificamente aos advogados pelo artigo 90.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, não promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação da lei ou descoberta da verdade), devendo agir de forma leal (cfr. artigo 108.º do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Contudo, aqui a autora não atua especificamente nas suas vestes de sociedade de advogados, mas sim, na qualidade de “putativa” preferente – por ser titular de uma posição jurídica de arrendatária no imóvel dos autos - a quem, aliás, a 1.ª ré entendeu enviar uma comunicação àquela para, querendo, preferir.
Ora, ao contrário do que intuiu o Tribunal recorrido sobre a intenção da autora ao interpor a presente ação, certo é que, foi dado como não provado que “a autora apenas equacionou tal negócio [de aquisição do imóvel] depois de tomar conhecimento de que o novo proprietário iria a ser a NBALANCE, ora 3.ª Ré” e, bem assim, não se provou que a autora, “por via do pedido formulado nestes autos” pretenda “tão só “destruir” o direito adquirido pela aqui 3.ª Ré de comprar o Edifício Classique”.
Aliás, a autora, após recebida a comunicação de 05-07-2017 avaliou do seu interesse subjetivo em manifestar-se interessada em preferir, tendo desenvolvido diligências no sentido de aferir se encontrava os fundos necessários para comprar o imóvel, mas, não conseguindo angariar o dinheiro suficiente, não veio a manifestar vontade de preferir (cfr. facto provado em DD) ) no prazo em que o poderia ter feito, assinalado na carta de comunicação e coincidente com o referenciado no artigo 416.º do CPC.
Esta circunstância, aliada aos momentos temporais – extremamente curtos, em face aos passos desenvolvidos - como a autora terá “resolvido” desencadear a presente ação – sabendo no dia 02-08-2017 que a escritura de venda do imóvel ainda não tinha sido celebrada (cfr. facto provado na alínea FF) ) e tendo, após telefonema e comunicação escrita remetida nesse dia à 1.ª ré – cfr. factos constantes das alíneas GG), HH), II), JJ) e LL) dos factos provados – dado entrada em juízo à petição inicial dos presentes autos no dia imediatamente seguinte (03-08-2017, pelas 11:38:22 – cfr. fls. 105v.º) e tendo promovido, pelas 13:32:11 desse mesmo dia 03 o competente registo da ação na conservatória do registo predial (cfr. fls. 126) – inculcam claramente no sentido de que não houve outra intenção senão a de “paralisar” o negócio que as 1.ª e 3.ª rés se aprestavam para celebrar.
E, se é certo que, tipicamente, o meio para fazer efetivar o “seu” “direito de preferência” seria a interposição de uma ação de preferência nos termos regulados no artigo 1410.º do CC, certo é que, como se viu, poderia ter sido configurada a instauração de uma ação que configurasse uma outra pretensão (v.g. indemnizatória), ou mesmo uma providência cautelar que visasse acautelar a mencionada “preferência”. A opção da autora foi, todavia, a de interposição da presente ação que, assim configurada, seguiu os seus termos até final.
A circunstância de a autora ter demandado sem razão, como afinal se veio a apurar, não faz intuir ou supor que o tenha feito de forma dolosamente infundada.
Mas, será que houve grave negligência da sua parte, pelo facto de ter deduzido um pedido que não veio a obter procedência e, preponderantemente, pela circunstância de ter prosseguido com a demanda – como refere a decisão recorrida, “passados que estão quase dois anos sobre a data em que recebeu a notificação para exercer o direito de preferência”?
Neste ponto, afigura-se que a autora procurou defender o seu entendimento jurídico sobre a temática da forma que lhe terá parecido a melhor, o que, outrem certamente colocado na mesma posição, procuraria atuar, sem se vislumbrar – ainda para mais porque, embora preponderante, se poderia configurar, como admissível e não descabida, a interpretação jurídica (que, aliás, a 1.ª ré procurou acautelar com a comunicação de 05-07-2017) de se pretender reconhecer à arrendatária (autora) ter direito de preferência na venda de todo o imóvel onde se encontrava o locado (ainda para mais porque, como se equacionou – sem, contudo, se obter resposta positiva – se aventar a possibilidade de “geração” de um direito a preferir por parte da autora, que assentaria numa possível tutela da confiança).
O facto de a autora ter, ou não, o dinheiro necessário para pagar o preço de venda do imóvel, tal como lhe foi comunicado pela 1.ª ré - embora seja, claro está, um pressuposto para a aquisição – não intui, nem inculca – ao contrário do que se refere, sem concretização, na decisão recorrida - que haja má fé na litigância havida. Certo é que, de facto, a autora não teve (e, por si, também não reuniu) o mencionado preço, que, desde logo, por não se estar perante uma ação de preferência, não teve que ser depositado à ordem do processo de preferência.
Ora, nestes moldes, a instauração e o prosseguimento da lide pela autora - embora, como se vê sem assistir fundamento para a procedência da sua pretensão – encontram-se ainda no núcleo de exercitação admissível do direito de ação.
A condenação da autora como litigante de má fé não pode, pois, subsistir devendo, neste conspecto, ser revogada a decisão do Tribunal recorrido, devendo a autora ser absolvida do contra si peticionado, a este título.
*
A responsabilidade tributária incidirá sobre a apelante e sobre as apeladas, na proporção do decaimento havido, o qual, se fixa em 1/3 para a autora, 1/3 para a 1.ª ré e 1/3 para a 3.ª ré – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em:
a) Julgar prejudicado o conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto, atinente ao invocado pela recorrente, a respeito da alínea R) dos factos provados;
b) Modificar a decisão da matéria de facto, no tocante à redação das alíneas XX) e BBB) dos factos provados e à inclusão determinada na matéria de facto não provada, em conformidade com o supra referido;
c) Alterar o ponto 2 do dispositivo da sentença, que passa a ter o seguinte teor: “2. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré Silcoge – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., condenando a autora a pagar-lhe, a título de indemnização pelos prejuízos consistentes no pagamento de juros decorrentes dos encargos bancários da 1.ª ré que ficaram por liquidar, relativos a abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos, datada de 15-01-2007, a favor de Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft), a liquidar após trânsito em julgado da sentença, no respetivo incidente de liquidação, absolvendo a autora, quanto ao mais peticionado no pedido reconvencional da 1.ª ré”;
d) Revogar a decisão recorrida, na parte em que condenou a autora a pagar uma indemnização à 3.ª ré “pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, quantia essa a ser liquidada após trânsito em julgado da sentença no respectivo incidente de liquidação”, mantendo-se, no mais – e no que concerne ao julgamento do pedido reconvencional deduzido pela 3.ª ré, a condenação enunciada no ponto 3 do dispositivo da sentença recorrida;
e) Revogar a condenação da autora como litigante de má fé, absolvendo-a do contra si peticionado a este título; e
f) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Custas pela apelante e pelas apeladas, na proporção do decaimento havido, o qual, se fixa em 1/3 para a autora, 1/3 para a 1.ª ré e 1/3 para a 3.ª ré.
Notifique e registe.
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Lisboa, 20 de fevereiro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes