Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
748/15.5T8OER.L1-7
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE VIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: IRecai sobre a ré seguradora o ónus da prova de que, há mais de 20 anos, aquando da celebração do contrato de seguro de vida coletivo, vigoravam condições gerais com determinadas cláusulas de exclusão e que estas foram comunicadas ao aderente.

IIO que está em causa num seguro de vida como o dos autos é a cobertura do risco de incumprimento contratual devido ao óbito; o facto de o óbito ter sido causado pelo sinistrado (e pessoa segura) sob o efeito do álcool só não dá lugar ao pagamento do capital seguro se estiver abrangido por cláusula de exclusão, pois tal facto não significa que a responsabilidade transferida ou o risco coberto seja de natureza criminal


(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


I.Relatório:


Úrsula ..., Alexander Henrique ... e Frederik Manuel ..., autores nos autos à margem que moveram contra ... – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A., Banco ... Português, S.A. e Banco de ... ..., S.A., notificados da sentença de 30/03/2017 que julgou a ação totalmente improcedente e com ela não se conformando, interpuseram o presente recurso.

Os autores intentaram a ação alegando, em síntese, que o falecido marido da 1.ª autora, para garantia do pagamento do capital devido num contrato de mútuo celebrado com o réu BII em 1994, celebrou, na qualidade de pessoa segura, com a 1.ª R. um seguro de vida em que era tomador e beneficiário até ao valor do capital em dívida o BII, sendo beneficiários do excedente os herdeiros; que em 2013, o marido da autora sofreu um acidente de viação e faleceu, tendo os autores participado o sinistro à seguradora ré, que se recusou a efetuar os devidos pagamentos.

Terminaram pedindo:
a)A condenação da 1.ª ré a cumprir o estipulado no contrato de seguro, isto é, a pagar o capital seguro de € 7.510,17 (sete mil, quinhentos e dez euros e dezassete cêntimos), nos seguintes termos: a quantia de € 6.906,54 (seis mil, novecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) ao 2.º réu; e a quantia de € 603,63 (seiscentos e três euros e sessenta e três cêntimos), em comum, aos autores;
b)A condenação das 2.ª e 3.ª rés, não só a absterem-se de cobrar aos autores as prestações mensais acordadas pelo contrato de mútuo, como também a restituírem-lhes as prestações que lhes debitaram desde 07.08.2013, que à data da propositura da ação ascendem a € 1.717,70 (mil, setecentos e dezassete euros e setenta cêntimos) e ainda todas as que vierem a debitar-lhes posteriormente à instauração da presente ação;
c)A condenação da 2.ª e da 3.ª rés a pagarem aos autores os juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia de € 1.717,70 (mil, setecentos e dezassete euros e setenta cêntimos), que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento, bem como os juros, a igual taxa, que se vencerem sobre as prestações do mútuo que vierem a ser-lhes debitadas após a instauração da presente ação.

As rés contestaram. A seguradora, dizendo que os autores nunca remeteram os documentos necessários à análise do sinistro e de eventuais causas de exclusão. Os bancos, invocando que o seguro podia ter sido contratado com qualquer seguradora e que os prémios estão a ser legitimamente cobrados.

O processo seguiu o seu curso e, após julgamento, foi proferida sentença absolutória, com a qual os autores não se conformaram, tendo interposto o presente recurso, com as seguintes conclusões:
«1.Vem o presente recurso interposto da douta sentença final, na parte em que a mesma considerou provado um contrato de seguro no qual estava inserida cláusula de exclusão de responsabilidade da Seguradora e que, apesar de se tratar de um contrato de adesão e de não ter sido provada a comunicação ao falecido especificamente do conteúdo da mesma cláusula, entendeu que esta não pode ser considerada excluída do contrato.
2.Na douta sentença recorrida, foi considerado provado que o contrato de seguro em causa nos presentes autos (doravante o CONTRATO) se acha titulado pela apólice que constitui o doc. 4 que instrui a contestação da 1.ª R., junto a fls. 319/ 328.
3.No requerimento que apresentaram nos autos durante a Audiência Prévia, os Autores reafirmaram que “a apólice 61190 não foi entregue aquando da celebração da adesão ao seguro, nem à pessoa segura nem aos A.A., tendo a 1.ª R. entregue àquela apenas um certificado individual de seguro com o n.º 71795570, do qual não constam as condições gerais do contrato de seguro”.
4.Durante a audiência de julgamento, foi analisada em detalhe a apólice junta aos autos pela 1.ª R. a fls. 319/ 328, tendo sido possível constatar que, pelas razões expostas no corpo das presentes alegações, o doc. 4 que instrui a contestação da 1.ª R. não podia, em caso algum, ser a apólice que titula o CONTRATO.
5.O que foi confirmado no douto despacho de 28.06.2016, no qual se lê: “…não foi junta a apólice que titula o contrato com base no qual são formulados os pedidos de condenação (…) Pelo exposto, determino a notificação da R. para juntar aos autos cópia da apólice de seguro com referência ao contrato dos autos”.
6.A 1.ª R., notificada do referido despacho, reconheceu que existiu uma apólice, mas que não logrou encontrá-la nos seus arquivos, tendo junto novamente o doc. 1 que instrui a sua contestação, acrescentando ser este  “o único documento de que a R. dispõe para titular essa apólice”.
7.Tendo sido reconhecido nos autos que neles não se encontra a apólice que titula o CONTRATO, não devia ter sido considerado provado que o doc. 4 que instrui a contestação da 1.ª R. é a apólice que titula o CONTRATO.
8.Consequentemente, também não devia ter sido considerado provado que ao CONTRATO era aplicável a cláusula de exclusão contida no artigo 6.º, n.º 1, das “Condições Gerais”.
9.Mas, mesmo considerando, por mera hipótese, que o CONTRATO integrava a referida cláusula de exclusão, importa referir que não foi “feita prova da comunicação ao falecido do teor das cláusulas gerais, designadamente da cláusula de exclusão da cobertura” (cfr. pág. 16 da sentença, 1.ª e 2.ª linhas).
10.Face ao artigo 3.º, n.º 1, do D.L. n.º 72/2008 – ao contrário do que foi entendido pela douta sentença recorrida –, o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) não se aplica à formação do CONTRATO, sendo-lhe aplicável, atenta a data da adesão do falecido ao mesmo, o disposto nos artigos 425.º a 462.º do Código ... e o disposto no D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro (Cláusulas Contratuais Gerais), designadamente a alínea a) do seu artigo 8.º.
11.Assim, tendo ficado provado que a cláusula de exclusão de responsabilidade da Seguradora não foi comunicada ao falecido, tal cláusula sempre terá de ser considerada excluída do CONTRATO (neste sentido, cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2008, Pº 07B4690 e o recente acórdão do STJ de 29.11.2016, proferido no Pº n.º 1274/15.8T8GMR.S1, parcialmente transcritos no corpo das presentes alegações).
12.A douta sentença recorrida entendeu que: “Ainda que se conclua pela presença de um contrato de adesão, a ausência de prova de comunicação ao falecido especificamente da cláusula 6.ª, ponto 1 das Condições Gerais não conduz à exclusão da cláusula do contrato” por a lei não admitir a celebração “de contratos de seguro que garantam, designadamente, o risco de responsabilidade criminal”.
13.Porém, este raciocínio não é aplicável à hipótese sub iudice porque: i) à data da adesão do falecido ao CONTRATO, não estava em vigor o Dec.-Lei 94-B/98, de 17 de Abril; e ii) apesar do disposto no artigo 458.º do Código ..., quando ocorreu a formação do CONTRATO, a condução sob influência de álcool não envolvia responsabilidade criminal, nem responsabilidade contraordenacional (cfr. Código Penal e Código da Estrada em vigor em 18.08.1994).
14.Além disso, nos presentes autos, não está em causa a cobertura de responsabilidade criminal ou contraordenacional, mas sim e apenas o risco de morte, o qual, em abstrato, podia ser seguro (neste sentido cfr. acórdão do STJ de 10.03.2016, proferido no Pº 137/11.0TBALD.C1.S1, parcialmente transcrito no corpo das presentes alegações).
15.Na parte final da douta sentença recorrida foi consignado o entendimento segundo o qual ficou demonstrado o nexo causal entre o acidente e a taxa de álcool no sangue do condutor porque não se apuraram quaisquer outros factos, circunstâncias ou ocorrências que justificassem o acidente, pelo que “resulta apurado o nexo causal exigível para se poder fazer operar a cláusula de exclusão prevista no artigo 6.º, n.º 1 das condições gerais…”.
16.Porém, salvo melhor opinião e com o devido respeito, o funcionamento da cláusula de exclusão não está dependente do apuramento do nexo de causalidade entre a ingestão de bebidas alcoólicas e a ocorrência do acidente, pelo contrário, só faz sentido conhecer da questão do nexo de causalidade se, previamente, ficar assente que a cláusula de exclusão da responsabilidade deve operar no caso concreto, isto é, não deve ser considerada excluída, pois, caso seja de desconsiderar a cláusula de exclusão, não faz sentido conhecer da questão do nexo de causalidade (neste sentido cfr. acórdão do STJ de 10.01.2008, Pº 07B4690, parcialmente transcrito no corpo das presentes alegações).
17.No caso dos presentes autos, deveria ter sido entendido – pelas razões antes expostas - que a cláusula de exclusão da responsabilidade da Seguradora tinha de ser considerada excluída do contrato de seguro, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento da questão do nexo de causalidade entre o abuso de álcool e o acidente, questão que, por isso, não deveria ter sido conhecida na douta sentença recorrida.
18.A douta sentença recorrida, com o devido respeito e salvo melhor opinião, fez errada interpretação do disposto nos artigos 342.º e 373.º a 376.º do Código Civil e errada aplicação do disposto no n.º 1, segunda parte, do artigo 2.º do D.L. n.º 72/2008 de 16 de Abril e do disposto no artigo 192.º do D.L. n.º 94-B/98, de 17 de Abril.»

A Seguradora recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso, com as seguintes conclusões:
1.A sentença posta em crise não padece de qualquer censura, sendo intelectual e processualmente honesta e coerente com a matéria de facto dada como provada, sem prejuízo da natureza sensível da questão e das matérias em apreço, as quais foram devidamente julgadas;
2.O fundamento específico da recorribilidade invocado pelas aa. é o seguinte:
a)-Da alegada inexistência do contrato de seguro de vida celebrado entre o falecido segurado e a r./seguradora/apelada, pelo que não deveria ter sido dado como PROVADO que o doc. n.º 4 junto à contestação, TITULA a existência da apólice do autos;
b)-E, consequentemente, inexistindo o contrato de seguro de vida, inexiste a cláusula 6.ª), n.º 1 das Condições Gerais, ou seja, a ver das aa., não existe cláusula de exceção quanto ao não pagamento, uma vez que, sem prejuízo do falecido segurado conduzir uma taxa de alcoolemia de 3,05g/l, e, com isso, incorrer na prática de um crime de condução sob efeito de álcool em estado de embriaguez (artigo 292, n.º 1 do Código Penal), não tem qualquer fundamento a absolvição da apelada uma vez que não existe apólice e não ficou demostrado que tal cláusula tivesse sido comunicada ao falecido segurado;
c)-Aliás, para as AA., a ausência de tal prova de comunicação, não faz prevalecer a responsabilidade criminal e nem contraordenacional, porque, a seu ver, está apenas em causa o risco de morte, sendo que, para as AA., igualmente não ficou demonstrado o nexo causal entre a morte do falecido segurado e o facto de ele conduzir sob o efeito de álcool;
3.Há, desde logo, uma enorme perplexidade jurídica que as AA. trazem em sede de recurso e que, a proceder, determina desde logo a inviabilidade do recuso: é que foram as AA. que, tendo por base – e causa de pedir – a existência de um contrato de seguro de vida celebrado entre o de cujus e a r., vieram aos autos sustentar a condenação da r. no pedido, ou seja, pedindo que, com base naquele seguro celebrado entre as partes, fosse a r. condenada no capital seguro, por entenderem que o risco de vida estar coberto;
4.Defender, como agora o vêm fazer, não poder considerar-se provado que a apólice de seguro de vida é existente, é venire contra factum proprio;
5.Com efeito, é flagrante que as AA. fundamentaram o pedido de indemnização contra a r. (seguradora) com base no contrato de seguro de vida celebrado, o qual entendem agora, pela alegada falta de junção da apólice, não poder ser considerado existente, e, logo, como tal, inexistente também é a cláusula que exclui o risco coberto em função do segurado conduzir uma taxa de alcoolémia de 3,05g/l, sendo evidente para as AA., que aquela cláusula não foi comunicada ao falecido, pelo que, também por ali, improcede a exclusão que o tribunal entendeu verificada;
6.Como se disse, em sede do que ficou apurado relativamente à existência do contrato – aliás, admitido pelas AA., muito embora sem explicação do teor das suas cláusulas – temos que nenhuma razão assiste às AA. relativamente à alegada desconformidade entre o que a r. juntou – pela antiguidade do contrato, pela sucessão de sistemas informáticos e pelas vicissitudes inerentes às diversas transformações societárias operadas desde a celebração do contrato em causa – e a existência EFECTIVA da apólice – bem sabendo que tal alegada omissão ficou amplamente ultrapassada – tal é, para dizer o mínimo, processualmente falacioso;
7.A ser assim, como as AA. defendem, pela alegada falta desta formalidade, então NENHUM contrato foi celebrado entre as partes, e, inexistindo contrato, não há necessidade de avançar para qualquer discussão sobre a validade das cláusulas e nem sobre o teor da exclusão avançada pela r. e que mereceu o acolhimento deste Tribunal, pelo que, ante a falta de causa de pedir – falta de seguro -, não pode a r. ser condenada no pedido;
8.Ainda assim, ou seja, ainda perante uma ausência de apólice, defendem as AA. que não foi comunicado ao falecido quer as Condições Gerais, quer as Especiais, pelo que qualquer delas deve ter-se por excluída, particularmente a invocada pela r., a exclusão prevista no art.º 6.º, n.º 1, das Condições Gerais, segundo a qual, sob a epígrafe “EXCLUSÕES”, se lê o seguinte: Não se consideram cobertos por este contrato os riscos resultantes de:
a) –Doença pré-existente, (…) estabelecidas;
b) –Suicídio ou tentativa de suicídio;
c) –Ato criminoso do beneficiário;
(…)
g) –Atos intencionais ou mutilações voluntárias, embriaguez e abuso de álcool ou de estupefacientes fora de prescrição médica;
(…)
9.Carece de qualquer sentido o que as AA. alegam quanto ao facto daquela exclusão, em concreto, não ter sido comunicada ao falecido segurado e, logo, por isso, dever-se ter excluída;
10.Desde logo porque estando este contrato regulamentado nos termos do art.º 425.º do Cód. ... – o diploma que aprova o regime jurídico do contrato de seguro, revogando os art.ºs 425.º a 462.º do Cód. ... só entrou em vigor em 01.01.2009 – e sendo um contrato oneroso e de adesão, temos que as normas de interpretação e integração da declaração negocial são regidas pelos art.ºs 236.º a 239.º do Cód. Civ., consagrando a denominada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta, lhe atribuiria;
11.Ora, nestes termos e atendendo a que estamos no âmbito de um seguro facultativo, tendo nele as partes definido que o limite da exclusão da cobertura contratual é o facto de, voluntariamente, não se colocarem em posição de abuso de álcool e de embriaguez, face ao teor desta cláusula, não constituem objeto do contrato – e, logo, não há lugar a indemnização – os sinistros que ocorram quando se verifique que a morte da pessoa se venham a verificar resultar de:
a) - Suicídio ou tentativa de suicídio;
b) - Ato criminoso do beneficiário;
(…)
f) - Atos intencionais ou mutilações voluntárias, embriaguez e abuso de álcool ou de estupefacientes fora de prescrição médica;
12.Ora, na condição plasmada no n.º 1 do art.º 6.º das CONDIÇÕES GERAIS, existe um claro interesse de exclusão de um risco que é:
a)-ou pré-existente: a condição de não estar de boa saúde e de ser portador de patologias de que vem a resultar a morte,
b)-ou que tenha resultado de um ato de suicídio ou tentativa de suicídio;
c)-ou que configure um ato criminoso do beneficiário;
(…)
g)-ou que resulte de embriaguez e abuso de álcool ou de estupefacientes fora de prescrição médica;
13.Ou seja, o que se pretendeu foi excluir os riscos de morte resultantes de doenças já existentes à data da sua celebração, ou que tenham resultado de um ato de suicídio ou tentativa de suicídio, ou que configure um ato criminoso do beneficiário ou que resulte de embriaguez e abuso de álcool ou de estupefacientes fora de prescrição médica;
14.A não ser assim, o contrato de seguro dos autos, que pretende cobrir o risco fortuito e involuntário, pretenderia abarcar todas as situações em que tais doenças, ou atos ou ingestão de álcool ou de estupefacientes não são declaradas, premiando a omissão dos fatores de risco e a sua avaliação!
15.Do exame toxicológico verifica-se que o falecido segurado, no momento do acidente de viação, conduzia o seu velocípede com uma taxa de alcoolémia de 3,05g/l;
16.Ficou, assim, evidente que, na altura em que o falecido segurado sofreu o acidente de viação, ingeriu bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool MUITO superior à legalmente permitida e penalmente relevante, pelo que, este risco que é voluntário está excluído, porque se verificou a condição de ingestão de bebidas alcoólicas, que veio a produzi os seus reflexos no acidente de que vem a resultar a morte;
17.O Tribunal, e BEM, veio a dar razão à r. e veio a validar que as exclusões em questão têm como escopo a delimitação do objeto do contrato de seguro de vida, e, de acordo com a mesma, estão excluídos os acidentes imputáveis à pessoa segura ocorridos quando aquela, como no caso dos autos, apresente uma taxa de alcoolémia superior á legalmente admissível;
18.Demonstrado que ficou que a causa da morte está contida no elenco das exclusões: a morte ocorreu num acidente, em despiste, sem qualquer intervenção de outro veiculo, sem a contribuição de qualquer fator externo que pudesse ter condicionado a condução do veiculo e sem que tenha concorrido qualquer doença não declarada à r.;
19.Das circunstâncias do acidente invocado pelos aa. como tendo estado na origem do óbito, alegam aquelas que a sentença não deveria ter estabelecido qualquer nexo causal entre o acidente e a taxa de álcool, porque não se trata de apurar a responsabilidade criminal/contraordenacional do segurado – que era inexistente em 1994 -, mas tão somente o risco de morte, sendo que a cláusula de exclusão, por não ter sido comunicada, sempre estaria excluída, pelo que a responsabilidade da r. deveria ter sido declarada procedente;
20.Porém, tendo as aa. alegado a causa de morte do segurado como sendo decorrente de um acidente de viação, a verdade é que nada disseram acerca das circunstâncias do acidente, pese embora tenham feito daquele acidente a causa de pedir para a procedência do pedido de indemnização que formularam contra a ora r.;
21.Se assim é, e tendo ficado demostrado, relativamente às circunstâncias do acidente, que:
-o falecido entrou em despiste, sozinho;
-numa curta trajetória, há uma súbita e brusca manobra de desvio da sua trajetória;
-não estão outros veículos envolvidos;
-que a via por onde circulava o segurado não apresentava quaisquer perigos para a condução;
-que a colisão, ocorre em pleno dia, em plena reta, de boa visibilidade;
-que o estado do tempo era bom;
-que inexistem marcas de derrapagem ou travagem deixadas pelo veículo da pessoa segura, inexistindo marcas de quaisquer outros veículos;
-não foram assinalados quaisquer obstáculos na via;
21.A questão não passa, portanto, pela pretensa falta de comunicação das Condições Gerais e da alegada falta da apólice;
22.Apurado que ficou que a causa da morte do segurado teve ligação com a ELEVADA taxa de álcool, carece totalmente de sentido a alegada falta de comunicação das cláusulas ao falecido segurado;
23.Mesmo defendendo que o contrato celebrado entre o falecido Peter ... e a R. é um contrato de adesão, a ausência de prova de comunicação ao falecido especificamente da cláusula 6.ª, ponto 1, al. g), das Condições Gerais não conduz à exclusão da cláusula do contrato;
24.Considerando o regime em vigor à data da celebração do contrato de seguro em causa (nos termos do art.º 12.º do C.C.), temos que era aplicável o Cód. ..., nos artigos 525.º a 462.º, e, tal como resulta de um juízo de experiência comum, de que não está vedado ao Tribunal a sua utilização, um condutor que apresente tal taxa de alcoolémia não conseguirá conduzir um veículo em condições de destreza e segurança como outro que nenhuma taxa apresente, colocando em risco a vida e a integridade física dos demais utentes da via pública e dele próprio;
25.Tal como – e BEM – relevou o Tribunal, estando em causa um contrato de adesão, temos que as normas de interpretação e integração da declaração negocial são regidas pelos art.ºs 236.º a 239.º do Cód. Civ., ali se consagrando a denominada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta, lhe atribuiria e esta, obviamente, não pode deixar de ser a que a sentença veio a acolher;
26.Contudo, e ainda que assim se não entendesse, sempre se poderia defender, como o veio a fazer a r., que, tendo (o risco de) a morte de Peter ... resultado de embriaguez ou uso de álcool, estaria excluído da cobertura contratada, nos termos da Condição 6.ª, nº 1, al. g) das «Condições Gerais» do contrato de seguro de vida;
27.Donde, e mesmo admitindo que a r. não cumpriu o ónus legal que sobre ela impendia de ter comunicado devidamente à pessoa segura as «Condições Gerais» do contrato de seguro de vida em apreço, como alegam as AA., mormente a previsão das exclusões da sua cobertura, bem como informado sobre o seu significado - ainda que por intermédio do Banco ... Português, S.A. – a consequência lógica a retirar é apenas esta: é que terão, pois, todas elas – e nomeadamente a Condição 6.ª, n.º 1, al. g) - que se ter por excluídas do contrato de seguro em causa;
28.Porém, e dado que aquele contrato não poderá subsistir sem aquelas Condições, e, particularmente, sem a aquela Condição 6.ª, n.º 1, al. g), por a sua omissão conduzir necessariamente a um desequilíbrio gravemente atentatório das prestações das partes, já que está a igualar situações em que se impusesse a esta cobertura de um evento dito como de verificação futura e incerta, em condições iguais às de um segurado sem consumo de álcool;
29.O tribunal, ao condenar nos termos em que o fez, proferiu uma decisão equilibrada processualmente e respeitadora das prestações das partes emanadas do contrato de seguro;
30.Tendo o tribunal considerado provado que a causa de morte foi devida ao risco de conduzir sob embriaguez e afeito de álcool, e provado que está o nexo de causalidade entre a causa da morte e tal estado, ao condenar nos termos em que o fez, a sentença posta em crise fez interpretação correta das disposições contratuais e das legais;
31.Mas, ainda que assim não se considere, como é sabido - facto este que, sendo notório, não carece de prova -, a atividade seguradora baseia-se numa avaliação do risco de verificação de um determinado sinistro, segurando-se, no caso concreto, o risco de verificação da morte da pessoa segura; Ademais, até por um juízo de experiência comum, de que não está vedado ao Tribunal, era lícito concluir no sentido inverso ao que alegam as AA., já que o falecido seguro voluntariamente se colocou naquela posição;
32.A alegação das aa., a ter provimento, impediria, assim, que se desse cumprimento ao silogismo judiciário;
33.Não violou, a sentença posta em crise, quaisquer normas, muito menos as invocadas pelas AA.»

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso.
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
-Deve ser dado como não provado que as condições gerais do contrato de seguro celebrado em 1994, no qual figurou como pessoa segura o falecido Peter ..., foram as juntas aos autos e que continham cláusulas de exclusão idênticas às do artigo 6.º, n.º 1, daquelas que foram juntas ao processo?
-Caso se entenda que o contrato de seguro dos autos se regeu por condições gerais idênticas àquelas, as cláusulas de exclusão do art. 6.º, n.º 1, devem ter-se por excluídas por não terem sido comunicadas ao aderente?
-Qual dos réus tinha esse dever de comunicação?
-Não se provando a existência das cláusulas de exclusão, algum dos réus merece condenação? Com que fundamento?

II.Fundamentação de facto.
A.Factos provados
Mostram-se provados os seguintes factos, que correspondem aos que o tribunal a quo considerou, com exceção do que, pelos motivos justificados em III.A., está identificado como não provado em II.B.:
1.Peter ... faleceu em 07.08.2013, no estado de casado com a 1.ª A.
2.Os A.A. Úrsula ..., Alexander Henrique ... e Frederik Manuel ... são os únicos herdeiros do falecido Peter ....
3.Entre a 1.ª A. Úrsula ... e Peter M... H... O... B... A... ..., doravante designado por Peter ..., no estado de casados entre si no regime de comunhão de adquiridos, enquanto mutuários e o Banco de ... ..., S.A., enquanto mutuante, foi celebrado, em 09.11.1994, um contrato de mútuo com hipoteca, pelo valor de 3.500.000$00 (três milhões e quinhentos mil escudos), o equivalente a € 17.457,93 (dezassete mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e noventa e três cêntimos), para compra de habitação própria permanente dos mutuários, contrato a que foi atribuído o n.º 90643603.
4.Entre Peter ... e a 1.ª R. ... – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A. foi celebrado um contrato de seguro de vida, titulado pela apólice n.º 00061190, contrato associado ao contrato de mútuo supra identificado.
5.Foi entregue a Peter ... um certificado individual com o n.º 71795570.
6.Ao contrato de seguro de vida correspondeu o certificado individual n.º 71795570, que teve a sua data-início em 09.11.1994, para garantia do empréstimo n.º 90643603, com um capital seguro inicial de € 17.457,93, garantindo a cobertura principal de morte ou complementar de invalidez total permanente (ITP), teve por base a proposta assinada por Peter ... em 18.08.1994, contrato que se rege pelas suas Condições Gerais e Especiais.
7.Em 14.03.2012, foi emitido um novo Certificado Individual de Seguro no qual constam como tomador do seguro o 2.º R. BCP, e como entidade pagadora e pessoa segura, com cobertura dos danos morte e invalidez total e permanente, Peter ...[1], tendo ficado estipulado que os beneficiários do seguro, em caso de morte da pessoa segura - o supra identificado Peter ... - seriam o 2.º R. Banco ... Português, S.A. e quanto ao remanescente do capital seguro, os herdeiros legais da pessoa segura.
9.Pela ata adicional datada de 17.01.2013 foi reduzido o capital seguro para € 7.510,17 (sete mil, quinhentos e dez euros e dezassete cêntimos), mantendo-se as demais condições particulares constantes da apólice, designadamente, como beneficiário, o 2.º R.
10.No dia 07.08.2013, pelas 20 horas, na Rua Dr. Fernando Andrea, Alto do Rodízio, freguesia de Colares, concelho de Sintra, Peter ... sofreu um acidente de viação, quando conduzia o ciclomotor de matrícula 5...-... ...-...5.
11.Peter ..., proveniente da Praia das Maçãs, deslocava-se para a sua residência sita na referida Rua Dr. Fernando Andrea, Alto do Rodízio, freguesia de Colares, concelho de Sintra, trajeto esse que totaliza cerca de 3 kms.
12.Quando se encontrava a cerca de 50 metros do portão de entrada da moradia onde residia, embateu com a frente do motociclo num pilar em pedra que suporta o portão de acesso a uma moradia da referida Rua Dr. Fernando Andrea.
13.Do acidente resultaram politraumatismos graves para Peter ..., que teve morte imediata.
14.O estado do veículo era aparentemente bom.
15.A faixa de rodagem tinha a largura de cinco metros e encontrava-se em estado regular.
16. Inexistiam obstáculos na via.
17.O local é uma reta com boa visibilidade.
18.Inexistem rastos de travagem e/ou derrapagem.
19.O falecido Peter ... conduzia com uma TAS de 3,05 g/l.
20.A 1.ª A. comunicou à 1.ª R. o óbito de Peter ... e enviou em anexo a certidão do assento de óbito e a escritura de habilitação de herdeiros.
21.A 1.ª R., através da carta de 15.10.2013, solicitou à A. a entrega dos seguintes documentos: certificado de óbito onde conste a causa da morte; relatório médico ou relatório do médico assistente onde conste a data início, tratamentos efetuados e evolução da patologia que levou ao falecimento, ou, em caso de acidente, o auto de ocorrência passado pelas autoridades competentes; e relatório de autópsia com resultado do exame toxicológico.
22.A 1.ª R., em 19.11.2013, remeteu aos A.A. nova carta a solicitar tão-somente o relatório de autópsia com os resultados do exame toxicológico.
23.Tal documento foi novamente solicitado pela R. através de cartas datadas de 24.03.2014 e de 03.10.2014.
24.A A. enviou à 1.ª R. que a recebeu, cópia da certidão emitida pelo Comandante do Destacamento de Trânsito de Carcavelos da Guarda Nacional Republicana, em substituição da participação de acidente, onde consta a ocorrência de acidente de viação, com a referência ao local, dia e hora, a descrição do veículo e seu condutor e o número do processo de inquérito, NUIPC 183/13.0GTCSC, com a indicação de que tal participação seria remetida ao MP-DIAP de Sintra, Serviços do MP junto do (então) Tribunal Judicial da Comarca da Grande Lisboa noroeste.
25.O relatório da autópsia com o exame toxicológico não foi enviado pelos A.A. à 1.ª R. porque o mesmo não havia sido elaborado, o que foi comunicado pela 1.ª A. à 1.ª R. por carta de 27.10.2014.
26.A 1.ª R. procedeu ao encerramento do processo de indemnização, com a consequente anulação do certificado n.º 71795570 e ao estorno do prémio pelo período de tempo não decorrido, no montante de € 43,31, com fundamento na não receção até 02.01.2015 do relatório de autópsia com resultado do exame toxicológico, o que comunicou à A. por carta de 02.01.2015.
27.Em 07.08.2013, o valor do mútuo ainda em dívida ascendia a € 6.906,54.
28.À data do óbito, o capital seguro era de € 7.510,00 (sete mil quinhentos e dez euros).
29.Desde a data do óbito (07.08.2013) até à presente, o 2.º R. BCP debitou a conta da A. no valor total de € 1.717,70 correspondente às 16 (dezasseis) prestações mensais entretanto vencidas.

B.Factos não provados.

Pelas razões expostas em III.A., não se provou:
Integravam as condições gerais do contrato de seguro em que era pessoa segura o falecido Peter ..., entre outras:
- Artigo 6.º, n.º 1, sob a epígrafe “EXCLUSÕES”: “Não se consideram cobertos por este contrato os riscos resultantes de: (…) g) – atos intencionais ou mutilações voluntárias, embriaguez e abuso de álcool ou de estupefacientes fora de prescrição médica; (…)
- Artigo 14.º, n.º 2: “O pagamento das importâncias seguras terá lugar, se outro local ou outra via não forem estabelecidos pelo Segurador, nos escritórios do Segurador após a entrega dos documentos comprovativos da verificação do risco coberto e da qualidade de Beneficiário, mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber: a) – Certidão de Nascimento, Cartão de Cidadão ou bilhete de identidade da Pessoa segura; b) – Certidão óbito da Pessoa segura; c) – Atestado médico onde se declarem as circunstâncias, causas, inicio e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte.”
- Artigo 14.º, n.º 3: “A apresentação do Segurador dos documentos referidos no número anterior deverá ter lugar nos 90 dias imediatos ao falecimento da pessoa segura.”

III.Apreciação do mérito do recurso.

A.Da reapreciação da prova e alteração da matéria de facto
O recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, caso em que deverá observar as regras contidas no art. 640 do CPC.
Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar:
- Os pontos da matéria de facto de que discorda;
- Os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida;
- A decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Como bem se diz no a Ac. STJ de 21/04/2016, proc. 449/10.0TTVFR.P2.S1, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640 do CPC não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adoção de entendimentos formais do processo e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coartando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.
Não obstante, mesmo considerando a jurisprudência, onde nos perfilamos, que interpreta os ónus do art. 640 com atenção a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, com resultado mais favorável ao recorrente, no recurso em que seja impugnada a decisão da matéria de facto sempre se exige ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso – acórdão acima citado.

No caso em apreço, os recorrentes cumpriram minimamente os ónus descritos no art. 640 do CPC, nas seguintes passagens das suas conclusões:
2.Na douta sentença recorrida, foi considerado provado que o contrato de seguro em causa nos presentes autos (doravante o CONTRATO) se acha titulado pela apólice que constitui o doc. 4 que instrui a contestação da 1ª R., junto a fls. 319/ 328[2].
3.No requerimento que apresentaram nos autos durante a Audiência Prévia, os Autores reafirmaram que “a apólice 61190 não foi entregue aquando da celebração da adesão ao seguro, nem à pessoa segura nem aos A.A., tendo a 1ª R. entregue àquela apenas um certificado individual de seguro com o n.º 71795570, do qual não constam as condições gerais do contrato de seguro”.
4.Durante a audiência de julgamento, foi analisada em detalhe a apólice[3] junta aos autos pela 1.ª R. a fls. 319/ 328, tendo sido possível constatar que, pelas razões expostas no corpo das presentes alegações, o doc. 4 que instrui a contestação da 1.ª R. não podia, em caso algum, ser a apólice que titula o CONTRATO.
5.O que foi confirmado no douto despacho de 28.06.2016, no qual se lê: “…não foi junta a apólice que titula o contrato com base no qual são formulados os pedidos de condenação (…) Pelo exposto, determino a notificação da R. para juntar aos autos cópia da apólice de seguro com referência ao contrato dos autos”.
6.A 1ª R., notificada do referido despacho, reconheceu que existiu uma apólice, mas que não logrou encontrá-la nos seus arquivos, tendo junto novamente o doc. 1 que instrui a sua contestação, acrescentando ser este  “o único documento de que a R. dispõe para titular essa apólice”.
Destas conclusões decorre que os recorrentes discordam do facto que na sentença tinha sido considerado provado com o seguinte teor:
«Integram as condições gerais do contrato de seguro, entre outras:
- Artigo 6.º, n.º 1, das Condições Gerais, sob a epígrafe “EXCLUSÕES”: “Não se consideram cobertos por este contrato os riscos resultantes de: (…) g) – atos intencionais ou mutilações voluntárias, embriaguez e abuso de álcool ou de estupefacientes fora de prescrição médica; (…)».
Entendem os recorrentes que este facto deve ter-se por não provado – não se provou que as condições gerais que foram juntas de fls. 319 a 328 fossem as vigentes em 1994 e tivessem sido comunicadas ao falecido.
Resta saber se os recorrentes indicaram os meios probatórios que impõem decisão diversa, ou seja, que impõem que aquele facto dado como provado na sentença do tribunal a quo passe a não provado. As conclusões 4 a 6 acima relembradas afiguram-se-nos suficientes para isso. São as conclusões que se extraem das seguintes passagens das alegações que vamos reproduzir por com elas concordarmos e serem importantes para a fundamentação da exclusão do facto do elenco dos provados:
«Durante a audiência de julgamento, foi analisada em detalhe a apólice junta aos autos pela 1ª R. a fls. 319/328, tendo sido possível constatar que:
- a mesma não se encontra assinada por nenhum dos contratantes;
- está impressa em papel da “... Vida – Millenniumbcp Ageas Grupo Segurador”; sendo certo que, em 18.08.1994, data em que Peter ... assinou a proposta do contrato de seguro, não existia o “Millenniumbcp Ageas Grupo Segurador” (que só veio a ser constituído em Setembro de 2004), até porque a marca “Millennium BCP” só surgiu em 01.03.2005 (cfr.doc. 1, adiante junto); por isso a proposta de seguro, na data da respectiva elaboração, foi dirigida ao “Banco ... Português” (cfr. doc. 1 que instrui a contestação da 1ª. R.);
- Na última página da suposta apólice surge a identificação legal da 1ª R., “...-Companhia de Seguros de Vida, S.A.”, com a indicação da respectiva sede, número de pessoa coletiva, Conservatória do Registo ... onde está matriculada e “capital social de 22.375,000 Euros”.
- Sendo certo que, como é do domínio público, só em Janeiro de 1999 o euro substituiu o escudo;
- De resto, os valores contratados aquando da elaboração da proposta de seguro surgem em escudos, concretamente, surge como “capital seguro 3.500 contos”(cfr. doc. 1 que instrui a contestação da 1ª R.) e a carta do Banco de ... ... dirigido à ..., S.A. a enviar a referida proposta, refere, naturalmente, os valores em escudos, concretamente:
“prestação 23,086$00, valor do empréstimo 3.500.000$00 e valor a segurar: 3.523.086$00”.»
Em suma, a simples análise do documento de fls. 319-328 impõe que as condições gerais vigentes em 1994 não podiam ser as corporizadas naquele documento. Podiam ser parecidas ou não. Podiam ter as exclusões que ali estão no art. 6.º ou não. Não o sabemos. Nenhum elemento de prova ajuda nesse sentido.
O tribunal a quo reconheceu o que acaba de ser dito, escrevendo na fundamentação da matéria de facto o seguinte:
«No que respeita a matéria relativa à formação do contrato alegaram os A.A., na resposta, desconhecer se o proponente assinou a proposta de adesão referida no artigo 2º da contestação da 1.ª R., assim como se o certificado n.º 71795570 foi emitido nos termos indicados pela R.
Reafirmam que a apólice n.º 61190 não foi entregue aquando da adesão ao seguro, nem à pessoa segura nem aos A.A., tendo a 1.ª R. entregue apenas um certificado de seguro com o n.º 71795570, cuja cópia constitui o documento n.º 2 junto com a contestação da 1.ª R., da qual não constam as condições gerais do contrato de seguro, sendo que as mesmas não foram dadas conhecer ao falecido, o qual não foi informado sobre o sentido e alcance das estipulações contratuais sob a epigrafe “exclusões”.
Declaram desconhecer se o falecido subscreveu as declarações constantes do artigo 12.º da contestação da 1.ª R.
A este respeito foram inquiridas as seguintes testemunhas:
(7)MIGUEL S... S..., empregado bancário no Millennium BCP que ...izava os produtos da ... Vida R. Confirmou com sendo seu o email a fls. 303 documento n.º 2 junto à contestação da ... Vida. Referiu que era gestor de conta do falecido com quem mantinha boa relação ....
Referiu, porém, que em 1994 não tratou deste concreto contrato declarando, de forma perentória nada saber quanto à explicação de cláusulas ao proponente ou entrega de condições gerais, acentuando os procedimentos habituais na contratação atual, não sabendo, porém, se eram aplicadas em 1994.
(8)JOÃO M... F..., responsável da sucursal de Sintra há 3 anos, mas funcionário do Banco há 26 anos.
Declarou de forma expressa não ter conhecimento desta contratação, não tendo conhecido, de resto pessoalmente Peter ....
Referiu, porém, ter trabalhado com estes contratos, sendo propostas de seguro iniciadas no banco após a aprovação do crédito.
Sabe que com a proposta não eram entregues as condições gerais não, mas quando celebrava o seguro quando iniciava no dia da escritura o cliente tinha as condições.
Foi ainda inquirida a testemunha (4) MARIA N... S..., gestora de sinistros e colaboradora da 1.ª R., a qual teve qualquer contacto com o falecido no âmbito da subscrição do contrato de seguro dos autos, confirmando, no entanto, que a proposta do contrato de seguro dos autos foi preenchida e assinada numa dessas sucursais e enviada à 1.ª R.
Com decorre da síntese supra, as testemunhas apenas sabem de procedimentos genéricos, ainda que se denote hoje uma prática acrescida de maiores exigências nos procedimentos pré-contratuais. De todo o modo, a exigência da celebração de seguro de vida integra uma garantia acrescida para o mutuante no quadro da celebração do contrato de mútuo com hipoteca, conduz os mutuários à adesão dos contratos com cláusulas pré-elaboradas como é o caso dos autos, sem possibilidade de determinar o seu conteúdo.
E ainda que a 1.ª R. alegue no artigo 12.º-contestação “Na proposta de adesão ao seguro de vida, no verso consta “para efeito da celebração do (s) presente (s) contrato (s) de seguro, declaro ainda que:
1. São exatas e completas as declarações por mim prestadas e que tomei conhecimento (…) nomeadamente sobre as garantias e as exclusões com as quais estou de acordo” na referência ao documento n.º 1 da contestação apresenta apenas uma folha sem qualquer menção ao extrato citado. Logo, não se prova a aposição desse segmento na proposta do contrato.
Assim, na inexistente prova documental e no desconhecimento das testemunhas sobre o processo de formação do contrato por nele não terem participado e, por outro lado, na declarada alteração de procedimentos desde o ano de 1994 relativamente ao dever de informação entendemos não ter sido feita prova da comunicação ao falecido do teor das cláusulas gerias, designadamente da cláusula de exclusão da cobertura.»
Enfatizamos que não foi feita prova, não apenas de que as condições gerais do contrato de seguro (vulgo «condições gerais da apólice») tivessem sido oportunamente comunicadas ao falecido, como nem sequer foi feita prova de que, em 1994, vigorassem condições gerais idênticas às que se mostram juntas de fls. 319-328 e que contêm a exclusão relativa a sinistros devidos a excesso de álcool, entre outras.

B.Do mérito do recurso.
a)-Do contrato de seguro e seus intervenientes
A causa de pedir radica num contrato de seguro a que o falecido marido da autora aderiu como pessoa segura. Importa, antes de mais, perceber a relação contratual em causa e as atribuições dos seus intervenientes.
De dizer que, a montante da relação de seguro, a autora e seu marido celebraram com o Banco de ... ..., ora 3.º réu, um contrato de mútuo. Em momento ulterior, o BII cindiu-se e uma parte fundiu-se com o BCP, ora 2.º réu, o qual, por via dessa cisão-fusão, passou a ser o mutuante no aludido contrato.
As partes neste processo não discutem que, para garantia do pagamento do capital mutuado, ao mutuante, o falecido marido da autora aderiu, como pessoa segura, a um contrato de seguro de vida. Nesse contrato era tomador o banco mutuante; segurador a seguradora ré; pessoa segura e entidade pagadora o mutuário marido; e beneficiários o mutuante «pelo montante em dívida no empréstimo associado ao contrato e até ao limite do capital seguro», e «pelo eventual remanescente do capital seguro, em caso de morte, os herdeiros legais» e, nas coberturas complementares, a pessoa segura.
Considerando o teor do certificado individual de seguro que acabámos de resumir, o banco mutuante e a seguradora ré teriam celebrado, a montante do dito contrato de mútuo, um contrato-quadro nos termos do qual o mutuante figuraria como tomador e seria beneficiário dos contratos de seguro que viessem a ser celebrados por adesão de pessoas seguras com as quais o mutuante viesse a celebrar contratos no exercício da sua atividade.
Não obstante o banco mutuante ser tomador e beneficiário, o pagamento dos prémios seria da responsabilidade da pessoa segura (conforme logo previsto na proposta de adesão e, depois, no certificado individual de seguro). O seguro resultante da adesão seria, portanto, contributivo, na terminologia do DL 72/2008, de 16 de abril, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro – LCS (v. arts. 77, 80, n.º 3, 83, n.º 1, e 86 a 90 da LCS) – e que já vinha do DL 176/95, de 26 de julho (v.g., arts. 1.º, al. h), 4.º, n.º 3, deste último).

No seguro de grupo contributivo, os participantes não são meros terceiros, mas verdadeiros tomadores, partes num contrato de seguro que celebram por adesão, como passamos a explicar. A LCS (que aqui se invoca, não porque vigorasse à data, mas para percebermos o conceito de seguro de grupo que incorporou) designa como seguros de grupo modelos contratuais distintos e tem, entre as normas que destina aos designados seguros de grupo, umas que apenas se aplicam a uma das modalidades e outras, à outra. Podemos dizer que em todos os chamados seguros de grupo há um conjunto de segurados ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar e são cobertos riscos homogéneos mas separados de todos esses segurados.
Dentro desta noção, cabem os seguintes e díspares modelos:
- Contratos de seguro completos, em que o tomador (contraparte do segurador no contrato) é responsável pelo pagamento do prémio e celebra o contrato de seguro por conta de terceiros segurados, cobrindo o segurador desde logo um risco existente e obrigando-se, também desde logo, a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do sinistro. Estão nestes casos os contratos de seguro profissional celebrados pela Ordem dos Advogados a favor de todos os advogados ou os contratos de seguro de acidentes de trabalho celebrados pelos empregadores por conta dos seus empregados.
- Contratos-quadros[4] nos quais o segurador e o outro subscritor estabelecem as cláusulas a que se subordinarão os futuros contratos de seguro formados por adesão dos participantes (nos quais o subscritor do contrato-quadro, contraparte do segurador nesse contrato, será beneficiário). Só com a adesão dos participantes nasce a situação de cobertura e a possibilidade do evento aleatório. Em regra, os seguros de grupo contributivos são deste tipo.
Visualizando os vários modelos de contratos que a lei inclui sob o chapéu «seguros de grupo», Margarida Lima Rego distingue os seguros de grupo em sentido estrito, celebrados por conta dos participantes que são terceiros-segurados, dentro do universo mais amplo dos seguros coletivos em que os participantes podem ser tomadores. A Autora reserva a designação «contrato de seguro de grupo», em sentido estrito, para «(i) um contrato; (ii) um contrato de seguro; (iii) cujo tomador é o subscritor; (iv) celebrado por conta dos participantes: estes são terceiros-segurados; (v) ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar; (vi) cobrindo cumulativamente (vii) riscos homogéneos de todos os terceiros-segurados; (viii) com perfeita separabilidade e (ix) sem uma correlação positiva forte entre os riscos dos terceiros-segurados» (e justifica extensamente cada um dos pontos da definição)[5].
Os seguros de grupo em sentido próprio constituem o núcleo do universo mais amplo dos seguros coletivos. Estes partilham das cinco últimas características dos primeiros, mas não partilham da quarta e podem não partilhar das três primeiras. Entre os seguros coletivos que não são seguros de grupo em sentido estrito, contam-se os contratos-quadros seguidos da celebração de contratos individuais de seguro. Nestes o subscritor celebra com o segurador um contrato-quadro, que não é um contrato de seguro, mas um contrato preliminar, independente daqueles cuja celebração irá possibilitar. Pode limitar-se a definir os parâmetros dentro dos quais os participantes poderão em seguida celebrar os respetivos contratos de seguro ou conferir ao subscritor poderes de cobrança[6]. Nalgumas situações acresce «a circunstância de o subscritor não estar interessado em assumir os encargos associados à posição de tomador de um seguro de grupo. É esse o caso, tipicamente, do banco que contrata com o segurador os parâmetros dentro dos quais irão celebrar-se os contratos individuais de seguro sobre a vida dos seus clientes, que estes últimos celebrarão com o propósito de os dar em garantia ao próprio banco. Estes são casos em que, com frequência, o subscritor não se vincula ao pagamento de qualquer parte do prémio, nem sequer subsidiariamente, sendo aquele devido e suportado, na íntegra, por cada um dos participantes»[7].
As leis que se sucederam sobre a matéria não nos permitem uma visão imediata destas categorias que a doutrina identifica a partir de situações sociais recorrentes, apenas se reportando a «seguros de grupo», sendo certo que contêm normas que se aplicam (umas, também, e outras, exclusivamente), a seguros coletivos que não são seguros de grupo em sentido estrito, nomeadamente porque não são contratos de seguro, mas meros contratos-quadros que apenas com a adesão das futuras eventuais pessoas seguras poderão vir a ter as notas de um contrato de seguro.
No caso dos autos, o banco réu há de ter celebrado com a seguradora ré um contrato-quadro ao abrigo do qual iriam depois ser celebrados (por adesão) futuros e eventuais contratos de seguro. Só com a adesão das pessoas seguras é que a seguradora passa a cobrir riscos, obrigando-se a realizar a prestação convencionada caso ocorra o evento aleatório previsto no contrato; sendo também com aquela adesão que surge a obrigação de pagamento do prémio.
Neste panorama fáctico, a adesão da pessoa segura constituiu um verdadeiro contrato de adesão a um clausulado previamente elaborado pela contraparte seguradora (e também por terceiro, contraparte da seguradora no prévio contrato-quadro, o banco réu). Num seguro coletivo deste género e contributivo, como o dos autos, dificilmente os participantes se podem qualificar «simplesmente como terceiros e não como partes no seu próprio contrato individual de seguro. Mesmo nos casos em que os participantes se vinculam a pagar ao subscritor a sua quota-parte do prémio, a análise levar-nos-á, muito provavelmente, a concluir que se trata, rigorosamente, pelo menos na grande maioria dos casos, de contratos-quadros seguidos de uma sucessão de contratos individuais de seguro celebrados pelos próprios participantes, ou pelo subscritor em nome dos participantes. Tipicamente, os deveres do subscritor perante o segurador revestem, nestes casos, natureza essencialmente administrativa, no sentido de que respeitam ao seu papel de gestor dos contratos celebrados ao abrigo dos contratos-quadros, que, no caso de o subscritor ser um banco, mas também nalguns outros casos, incluem normalmente a cobrança dos prémios. O seu papel é na verdade o de um mediador de seguros»[8].
Bem observado. De resto, a confluência de qualidades como subscritor de um contrato-quadro de seguro coletivo e de mediador nas adesões das pessoas seguras ao seguro coletivo está hoje prevista no art. 88 da LCS.
Podemos agora, com maior clareza, perceber as relações contratuais que entre as partes se estabeleceram.
É oportuno chamar a atenção para a seguinte circunstância: na resposta da seguradora ré às alegações de recurso, a primeira invoca que os autores alegam em sede recursiva que não se provou a existência de contrato de seguro. Não nos parece que as alegações de recurso deem azo a tal interpretação. Aliás, a existência do contrato de seguro é causa de pedir na ação. O que os autores recorrentes afirmam é que não existiam, aquando da adesão em 1994, condições gerais idênticas às que foram juntas ao processo ou, pelo menos, elas não foram dadas a conhecer ao aderente. Por vezes, e talvez daí a conclusão da recorrida, os recorrentes chamam «apólice» àquelas condições gerais.

b)-Da sujeição da cláusula de exclusão ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais
Considerando a factualidade provada, não sabemos se, à data da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, através da adesão do marido da autora ao seguro coletivo, existiam condições gerais da apólice idênticas às que foram juntas a este processo, nomeadamente, com as exclusões delas constantes. A existência dessas condições gerais, ou seja, que aquelas condições gerais faziam parte do concreto contrato celebrado, era facto cuja prova à seguradora ré cabia.
Com efeito, mesmo admitindo que em 1994 as condições gerais do seguro tinham as cláusulas de exclusão que constam das condições gerais que foram juntas aos autos, entendem os autores que as cláusulas de exclusão, de que a seguradora ré pretende valer-se para não pagar, devem ter-se por excluídas. Vejamos se com razão.

À data da celebração do contrato (1994), vigorava a primitiva versão da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85, de 25 de outubro), cujo primeiro artigo definia o seu âmbito de aplicação da seguinte forma: «As cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma».
Estavam contempladas as cláusulas contratuais gerais propriamente ditas, ou seja, elaboradas sem prévia negociação individual e dirigidas a destinatários indeterminados que se limitavam a aceitá-las. Estavam naquele artigo 1.º evidenciados os «aspetos básicos (…) que identificam as cláusulas contratuais gerais e justificam a respetiva disciplina jurídica autónoma»[9]: pré-elaboração unilateral; generalidade, no sentido de conceção para inclusão em vários futuros contratos; tendencial rigidez, no sentido de serem aceites ou recusadas em bloco, sem possibilidade de alteração. Tais cláusulas dirigem-se, pois, ao público em geral, ou a um conjunto de pessoas com determinadas características, que a elas aderirão nos contratos que venham a celebrar. São cláusulas predispostas, seja por uma das partes nos futuros contratos, seja por terceiros (por exemplo, associações profissionais) e adotadas por uma das futuras partes. Podem definir-se «como proposições destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou ou adotou»[10].
Estas cláusulas têm, pois, existência antes da sua inserção nas ocorrências contratuais concretas, o que pressupõe a sua publicidade prévia e permite o seu controlo abstrato através da ação inibitória (art. 25 da LCCG)[11]. Para que se verifique a generalidade não é, pois, suficiente, assim como também não é necessário, que uma cláusula se repita em vários, eventualmente muitos, contratos.

A dada altura, o legislador comunitário interveio em matéria parcialmente coincidente com a do nosso DL 446/85, dando à luz a Diretiva 93/13/CE, do Conselho, de 5 de abril de 1993. Esta, com um campo de aplicação, a um tempo, mais lato e mais restrito que o da legislação nacional, contemplava não apenas as cláusulas contratuais gerais abusivas, mas a todas as cláusulas abusivas que não tenham sido objeto de negociação individual, ainda que dirigidas apenas a uma contraparte em particular. Quer isto dizer que o âmbito da Diretiva era, no que respeita às cláusulas abrangidas, mais amplo que o da lei portuguesa.
O DL 220/95, visando adaptar o DL 446/85 à Diretiva, introduziu algumas alterações, mais de forma que de conteúdo, e que deixaram intocado o campo de aplicação previsto no art. 1.º. Dando conta da insuficiência das alterações, o DL 249/99 vem a introduzir um n.º 2 no art. 1.º (passando o anterior n.º 2, a n.º 3), que estende a disciplina do diploma a cláusulas individuais não negociadas, cujo conteúdo o destinatário não pôde influenciar.

A cláusula de exclusão ora objeto de litígio correspondia à noção de cláusula contratual geral da versão originária do art. 1.º da LCCG, assim como corresponde à versão vigente do n.º 1 do art. 1.º.

As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las (art. 5.º, n.º 1, da LCCG), devendo tal comunicação ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo (art. 5.º, n.º 2).
A adequação e a antecedência da comunicação são as que forem necessárias ao conhecimento completo e efetivo do conteúdo da cláusula. A comunicação deve «mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte»[12]. É isto que a norma diz. Está em causa a comunicação para efeitos de eficácia ou validade do comportamento contratual; não está em causa a comunicação para efeitos de boa-fé ou licitude do mesmo comportamento. São coisas distintas e com consequências jurídicas diferentes. Não se exige, por exemplo, a antecedência necessária a que a contraparte encontre alternativas mais satisfatórias sem incorrer em prejuízos. Basta a antecedência necessária a que a contraparte tenha tomado consciência completa e efetiva do conteúdo da cláusula.
No caso dos autos não sabemos se a cláusula de exclusão existia, muito menos se apurou se foi comunicada. Escusado será referir deveres de informação e esclarecimento (arts. 6.º e 8.º da LCCG).

c)-Qual dos réus tinha o dever de comunicar as condições gerais ao aderente
Presentemente, «toda e qualquer atividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou de resseguro, praticar outro ato preparatório da sua celebração, celebrar esses contratos ou apoiar a sua gestão e execução, independentemente do canal de distribuição – incluindo os operadores de banca-seguros –», está sujeita às condições de acesso e de exercício estabelecidas no DL 144/2006, de 31 de julho, que regula a atividade de mediação de seguros (a frase entre aspas é do seu preâmbulo). Na categoria de mediadores de seguros ligados enquadram-se os mediadores que exercem a atividade de mediação de seguros em complemento da sua atividade profissional, sempre que o seguro seja acessório dos bens ou serviços fornecidos no âmbito dessa atividade principal, como é o caso dos bancos relativamente a contratos de seguro para cobertura de riscos associados aos contratos de mútuo em que sejam mutuantes (art. 8.º do DL 144/2006). Nos contratos celebrados através de mediadores ligados, a responsabilidade pela sua atuação é plenamente assumida pela empresa de seguros à qual se encontrem vinculados. Ao contrário do que sucede com o DL 144/2006, na lei da mediação de seguros vigente à data da celebração do contrato dos autos (DL 388/91, de 10 de outubro), os bancos não eram tidos como mediadores nestes seguros.

Perante o disposto no art. 78 da LCS, está claro que o «tomador do seguro» - leia-se, no contexto desta norma, a contraparte da seguradora no contrato-quadro com vista à futura celebração de contratos de seguro por adesão de terceiros, na qualidade de pessoas seguras –, que no caso sub judice é o banco réu, tem o dever de informar os segurados sobre coberturas e exclusões, competindo-lhe provar que o fez (leiam-se os n.ºs 1 e 3). Isto sem prejuízo dos deveres de informação das próprias seguradoras.
Artigo 78.º
Dever de informar
1 Sem prejuízo do disposto nos artigos 18.º a 21.º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador.
2 No seguro de pessoas, o tomador do seguro deve ainda informar as pessoas seguras do regime de designação e alteração do beneficiário.
3 Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores.
4 O segurador deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato.
5 O contrato de seguro pode prever que o dever de informar referido nos n.ºs 1 e 2 seja assumido pelo segurador.
Já assim era perante o art. 4.º do DL 176/95, de 26 de julho (que visou definir algumas regras sobre a informação que deve ser prestada aos tomadores e subscritores de contratos de seguro), de resto aplicável não só aos contratos celebrados na sua vigência, como também aos renovados nesse período (art. 27 do DL 176/95):

Artigo 4.°
Seguros de grupo
1Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.
2O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.
3Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.
4O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.° 1 seja assumida pela seguradora.
5Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato.

À data da adesão do marido da autora, a eventual responsabilização do banco pela falta de informação em casos como o dos autos tinha de buscar-se nas regras gerais da boa-fé na formação dos contratos.

d)-O caminho do tribunal a quo
Não obstante ter concluído que os réus não demonstraram ter comunicado ao aderente as cláusulas de exclusão, o tribunal a quo entendeu que as mesmas cláusulas não seriam de afastar por a lei não admitir contratos de seguro que garantam responsabilidade criminal.
Este argumento não pode proceder uma vez que o que está em causa nos autos, o que foi garantido pelo seguro, não é a responsabilidade criminal do aderente (independentemente de para o seu falecimento ter ou não contribuído a eventual prática de crime, o que não vale a pena discutir), mas a sua responsabilidade civil contratual, a sua obrigação de pagar o capital mutuado.
Não permitindo os factos incorporar no contrato as cláusulas de exclusão (porque se desconhecem as condições gerais do contrato vigentes à data, nomeadamente se continham cláusulas de exclusão semelhantes às atuais, e porque não foram essas cláusulas dadas a conhecer ao aderente), torna-se irrelevante saber se o sinistro se ficou a dever a algum facto correspondente a uma cláusula de exclusão.

e)-Do desfecho dos autos
Provado o contrato de seguro e o sinistro coberto, cabia à ré seguradora satisfazer a indemnização nos termos pedidos na al a). Com efeito, se a seguradora não conseguia fazer a prova das exclusões, tão pouco que a pessoa segura tivesse conhecimento das condições gerais do contrato, devia ter procedido ao pagamento da indemnização sem mais, aquando da participação do sinistro. Assim, procede o primeiro pedido, de condenação da ré seguradora a pagar o capital seguro de € 7.510,17 (sete mil, quinhentos e dez euros e dezassete cêntimos), entregando a quantia de € 6.906,54 (seis mil, novecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) ao 2.º réu BCP, e a quantia de € 603,63 (seiscentos e três euros e sessenta e três cêntimos), em comum, aos autores.

A condenação do 3.º réu BII não tem razão de ser, pois com a cisão seguida de fusão acima aludida, o 3.º réu deixou de ser parte na relação controvertida.

Com a condenação da seguradora, o 2.º réu BCP deve abster-se de cobrar à autora as prestações mensais do contrato de mútuo, bem como deve restituir aquelas que debitou desde 07.08.2013 na parte referente ao capital que vai receber da seguradora, sob pena de receber duas vezes a mesma quantia.
No que respeita a juros e despesas eventualmente incluídos nos € 1.717,70 debitados pelo banco desde 07.08.2013, e no que respeita aos peticionados juros de mora sobre a quantia de € 1.717,70 desde a data da citação até integral pagamento, não há fundamento para a condenação do banco uma vez que a cobrança não se nos afigura ilícita. Não tendo o banco recebido o capital em dívida da seguradora, não havia razão para deixar de debitar as prestações à autora.

IV.Decisão.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a decisão recorrida e substituindo-a pelo seguinte dispositivo:
a)-Condena-se a ré seguradora a pagar o capital seguro de € 7.510,17 (sete mil, quinhentos e dez euros e dezassete cêntimos), entregando a quantia de € 6.906,54 (seis mil, novecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) ao réu BCP, e a quantia de € 603,63 (seiscentos e três euros e sessenta e três cêntimos), em comum, aos autores;
b)-Condena-se o réu BCP a abster-se de cobrar à autora as prestações mensais do contrato de mútuo, bem como a restituir aquelas que debitou desde 07.08.2013 na parte referente ao capital que vai receber da seguradora;
c)-Absolve-se o réu BCP do demais pedido e absolve-se o réu BII dos pedidos contra si formulados.

Custas pela seguradora recorrida.



Lisboa, 03/10/2017



Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira


           
*Escrevemos todo o texto, incluindo citações de obras ou trechos de decisões escritas à luz do Acordo Ortográfico de 1945, em conformidade com a grafia vigente, do Acordo Ortográfico de 1990.
[1]Na sentença, por lapso manifesto que aqui se corrige (cfr. certificado individual a fls. 15, cujo conteúdo não é discutido pelas partes), o trecho que colocámos em itálico tinha a seguinte redação: «como: Entidade pagadora, a 1.ª R., com cobertura dos danos morte e invalidez total e permanente da pessoa segura, Peter ...».
[2]O doc. 4 que instrui a contestação da 1ª R., e que apenas foi junto a fls. 319-328, não é a apólice, mas as condições gerais da apólice. O que se discute é se estas eram as condições gerais vigentes em 1994 e se delas foi dado conhecimento à pessoa segura. Na leitura das alegações de recurso deve ter-se presente que os recorrentes, em várias passagens, usam o termo «apólice» para designar as «condições gerais juntas a fls. 319-328».
[3]Referem-se os recorrentes, obviamente, às condições gerais da apólice juntas a fls. 319-328.
[4]Sobre a realidade do contrato-quadro, Maria Raquel de Almeida Graça Silva Guimarães, O contrato-quadro no âmbito da utilização de meios de pagamento electrónicos, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, maxime pp. 59-168.
[5]Margarida Lima Rego, Contrato de seguro e terceiros, Estudo de direito civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 809. Igualmente útil na matéria o texto da mesma Autora, «Seguros coletivos e de grupo», in Temas de direito dos seguros: a propósito da nova lei do contrato de seguro, Coimbra, Almedina, 2012.
[6]Margarida Lima Rego, Contrato de seguro e terceiros, cit., p. 815.
[7]Margarida Lima Rego, Contrato de seguro e terceiros, cit., p. 817.
[8]Margarida Lima Rego, Contrato de seguro e terceiros, cit., p. 821.
[9]Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas contratuais gerais, Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, Coimbra, Almedina, 1986, p. 18.
[10]Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, I, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2008, p. 181.
[11]Sobre a pré-existência das cláusulas contratuais gerais e sua natureza normativa antes da inserção contratual, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, I, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2008, pp. 187-8.
[12]Almeno de Sá, Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Coimbra, Almedina, 1999, p. 22. A ênfase é nossa.