Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1515/14.9TMLSB-A.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -A acção executiva, pela sua própria natureza e configuração, não permite a possibilidade de decretação da sanção pecuniária compulsória do nº 4 do artº 829-A do Código Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


M... intentou contra seu ex-marido A... execução especial de alimentos, indicando o valor da execução no montante de € 17.442,57, sendo a sentença condenatória o título executivo.

Em síntese, alegou que no processo de divórcio por mútuo consentimento as partes acordaram na prestação de alimentos no valor de 35.000$00 a prestar pelo executado à exequente, acordo homologado por sentença de 4 de Março de 1996. Tal acordo previa que a prestação de alimentos acordada fosse anual e automaticamente actualizada de acordo com a taxa de inflação que viesse a ser fixada. O executado nunca cumpriu pontualmente o referido acordo, apenas vem entregando todos os meses (até Novembro de 2012), por conta das prestações alimentícias vencidas, o montante de € 120,00.

Assim, a exequente pretende obter do exequente o pagamento dos valores em falta de acordo com a tabela 1 em anexo.

Apenas pretende demandar o executado pelos montantes em dívida a partir de Janeiro de 2008, uma vez que, quer a prestação alimentícia, quer os juros, já prescreveram.

Por termo de transacção efectuada em 11 de Dezembro de 2013, a exequente aceitou receber apenas a quantia de € 5.000,00, neste valor se fixando a quantia exequenda, até à presente data, renunciando ao pedido remanescente. A exequente desiste de qualquer quantia que lhe fosse a si devida a título de juros compulsórios, calculados nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 829º-A do Código Civil. Em Janeiro de 2014, o executado retomará o pagamento à exequente de uma pensão de alimentos de € 130,00 mensais.

Em 23-01-2014 (fls 129 a 131), a agente de execução elaborou a “ Conta Corrente Discriminada da Execução” colocando o valor de € 7.838,89 como sendo devido aos Cofres a título de “juro compensatório (50%)”.

Em 05-02-2014 (fls 140) foi proferido o seguinte despacho:
“ Notifique o Sr. solicitador para esclarecer a que se refere o valor de € 7.838,89 que indica ser devidos aos cofres, uma vez que dos autos nada resulta quanto a tal valor.

Por requerimento entrado em tribunal em 05-02-2014 (fls 144 a 147), o executado veio pedir a rectificação da conta, alegando, em síntese, que impugna o montante de € 7.838,89, por ser omisso o fundamento legal de tal liquidação, a não ser que a Srª agente de execução haja procedido ao abrigo do disposto no artigo 829º-A, nº 4 do Código Civil.

Na sentença que decretou o divórcio não forma pedidos juros nem o tribunal os decretou a título de sanção pecuniária compulsória.

A serem devidos juros ao Estado, os mesmos estariam prescritos nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 310º alª d) do Código Civil, todos os juros referentes ao período anterior a Novembro de 2008, ou seja, todos os juros vencidos há mais de 5 anos a contar da citação do executado para os termos da presente execução.

Todas as prestações de alimentos vencidas há mais de 5 anos encontram-se prescritas, nos termos do artº 310º alª g) do Código Civil, pelo que, também ao abrigo desta norma legal nunca seriam devidos quaisquer juros calculados sobre tais prestações prescritas.

O artº 829º-A do Código Civil é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e do direito à propriedade privada previstos nos artigos 1º, 13º, 18º, 62º e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

A cobrança por parte do Estado de 50% dos denominados juros compensatórios não tem como contrapartida qualquer prestação ou serviço prestado pelo Estado, tratando-se de um verdadeiro imposto, pois compete ao executado apenas o pagamento das custas e taxas de justiça atinentes ao processo de execução.

Esse imposto foi criado pelo DL 262/83, de 16 de Junho, para o qual não obteve prévia autorização da Assembleia da República, o que se traduz na inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 829º-A, na parte em que faz reverter metade dos denominados juros compensatórios para o Estado, o que constitui uma violação da norma da alª i) do artº 165º e da alª b) nº 1 do artº 198º, ambos da Constituição.

Notificada para esclarecer o solicitado no despacho de 05-02-2014, veio a agente de execução referir, em 20-03-2014, além do mais, que da reclamação do executado, “ não tem a agente de execução qualquer despacho por parte do tribunal” – Cfr fls 157.

Em 15-07-2014, a fls 183, o Ministério Público efectuou a seguinte promoção:
“ Fls 177

Conforme Acórdão do T.R.Lisboa de 20.06.13:
“Executando-se obrigação pecuniária, a liquidação da correspondente sanção pecuniária compulsória deve ser feita pela Secretaria, a final, nos termos previstos no artº 805º nº 3 do Código de Processo Civil.
Assim, ainda que o exequente não tenha especificado esse valor no requerimento executivo, o tribunal pode considerá-lo oficiosamente, na decisão final, com base na liquidação efectuada”.

Conforme Acórdão do T.R.Lisboa de 18.06.13:
“ Prescrevem no prazo de 5 anos as pensões vencidas, de acordo com a alª f) do CC – que encurta, a título excepcional, o prazo da prescrição.
O prazo da prescrição de 5 anos do direito de alimentos, constante da alínea f) do Código Civil, não começa nem corre entre os cônjuges, de harmonia com o disposto no artº 318º, alínea a) do CCivil, nem entre os progenitores e o menor, credor de alimentos, nos termos da alínea b) do mesmo preceito”.
Assim, p. se indefira o requerido”.

Em 23-04-2015 foi proferido o seguinte despacho (fls 188):
“Concordando na íntegra com os termos da promoção que antecede, indefiro o requerido de fls 177 a 180.

Não se conformando com tal despacho, dele recorreu o executado, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
A)Na conta corrente discriminada remetida ao executado a agente de execução liquidou a quantia de € 7.838,89 a título de juros compensatórios devidos ao Estado.
B)Além de ser omissa relativamente ao seu fundamento legal, tal liquidação é ainda omissa quanto à forma como foi obtido esse valor.
C)Admitiu-se que a mesma houvesse calculado tais juros sobre cada uma das prestações de alimentos conjugais (in casu, apenas quanto às actualizações anuais) vencidas e não pagas pelo executado à exequente, desde o trânsito em julgado da decisão que decretou o divórcio por mútuo consentimento entre ambos, homologando os acordos – mormente quanto a alimento conjugais – a que então os mesmos haviam chegado.
D)Mas o certo é o referido valor de € 7.838,89 de juros compensatórios devidos ao Estado só se mostra possível de obter se estes tiverem sido calculados sobre a quantia exequenda de € 17.442,57 (cujo capital e juros vencidos foram erradamente indicados pela exequente) com referência ao período que mediou entre o trânsito em julgado da sentença em causa, ou seja, Março de 1996, e o momento em que eles foram liquidados, em Janeiro de 2014.
E)Quer uma quer outra forma de cálculo são erradas na medida em que contrariam a factualidade alegada pela exequente e a lei.

F)Desde logo porque o incumprimento imputado ao executado respeita:
-apenas ao período de Janeiro 2008 a Dezembro de 2012;
-a parte (actualização) da pensão alimentar mensal.
G)E depois porque o que está aqui em causa são prestações periódicas (mensais).
H)Os juros compensatórios devidos ao Estado só poderão vir a incidir sobre a parte não paga de cada uma das prestações de alimentos vencidas (as actualizações) durante o período de Janeiro de 2008 a Dezembro de 2012 e tendo ainda em conta a sua periodicidade.
I)Tanto mais que, como supra se referiu e novamente se invoca, estão prescritos os juros devidos ao Estado referentes ao período anterior a Janeiro de 2008 – ou seja, todos os juros vencidos há mais de 5 anos a contar da entrada da execução em juízo - e, bem assim, prescritas todas as prestações de alimentos vencidas há mais de 5 anos da entrada da execução em juízo - pelo que, também ao abrigo desta norma legal nunca seriam devidos quaisquer juros calculados sobre tais prestações (prescritas).
J)Não é aplicável ao presente caso (ao contrário do que se entendeu no despacho recorrido) a causa bilateral de suspensão da prescrição prevista no artº 318º alínea a) do Código Civil, pois que, a exequente e o executado não são cônjuges desde 14 de Março de 1996.
K)Pelo exposto temos que foram violadas as normas dos arts 829º-A e 716º do Código de Processo Civil e as dos arts 310º e 318º do Código Civil.

Sem conceder,
L)A norma do artigo 829º-A do Código Civil impõe ao executado (aos executados) um ónus de tal forma violento que não pode deixar de se considerar materialmente inconstitucional, designadamente por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e do direito à propriedade privada, previsto nos arts 1º, 13º, 18º, 62º e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa – inconstitucionalidade que aqui expressamente a para todos os efeitos legais se deixa arguida.
M)Imposto este criado por acto legislativo do Governo – cfr DL nº 262/83 de 16 de Junho – para o qual este não obteve prévia autorização da Assembleia da República.
N)Sem autorização da Assembleia da República Portuguesa para legislar no sentido da criação do imposto em causa – que de verdadeiro imposto se trata – o Governo não tem competência para produzir a norma em questão.
O)Esta circunstância traduz-se na inconstitucionalidade orgânica da norma do citado artigo 829º-A, na parte em que faz reverter metade dos denominados juros compensatórios para o Estado – inconstitucionalidade esta que decorre da violação da norma da alínea i) do artigo 165º e da alínea b) do nº 1 do artigo 198º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Termina, pedindo que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que mande rectificar a conta apresentada pela Agente de Execução quanto aos juros compensatórios a favor do Estado.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir

II-FUNDAMENTAÇÃO.

A)Fundamentação de facto.
A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório que antecede.

B)Fundamentação de direito.
A presente execução deu entrada em 12 de Janeiro de 2013, pelo que não é aqui aplicável o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, por força do disposto no nº 3 do artigo 6º daquele diploma.
Assim, a questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 713º nº 2, 660º nº 2, 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 2 do anterior Código de Processo Civil, consiste em saber se é correcta a liquidação no que respeita à sanção pecuniária compulsória.

A LIQUIDAÇÃO E A SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA

A questão da dívida peticionada pela exequente ao executado foi por ambos resolvida mediante transacção efectuada nos autos, fixando-a esta na quantia de € 5.000,00, entretanto já liquidada.

Importa agora resolver a questão respeitante à liquidação que foi efectuada pela agente de execução quanto aos juros compensatórios devidos ao Estado.

Efectivamente, na “Conta Corrente Discriminada da Execução”, pela agente de execução foi liquidado o valor de € 7.838,89 a título de juros compensatórios devidos ao Estado como sendo devido aos Cofres a título de “juro compensatório (50%)”.

A liquidação de tal montante é omissa quanto ao respectivo fundamento legal e daí a razão de ser do despacho de 05-02-2014 (fls 140) do seguinte teor:

“Notifique o Sr. solicitador para esclarecer a que se refere o valor de € 7.838,89 que indica ser devidos aos cofres, uma vez que dos autos nada resulta quanto a tal valor.
A Srª agente de execução apenas veio dizer que “da reclamação do executado, não tem a agente de execução qualquer despacho por parte do tribunal” – Cfr fls 157. Ou seja, praticamente não se pronunciou relativamente ao conteúdo da pretensão contida no despacho judicial em causa.
Não tendo havido qualquer esclarecimento por parte da agente de execução, cremos que a liquidação, nessa parte, foi feita ao abrigo do disposto no artigo 829º-A nº 3 do Código Civil, segundo o qual, “ o montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado”.

Importa considerar, em ordem à apreciação do recurso, em sede factual, que a exequente alegou que no processo de divórcio por mútuo consentimento as partes acordaram na prestação de alimentos no valor de 35.000$00 a prestar pelo executado à exequente, acordo homologado por sentença de 4 de Março de 1996. Tal acordo previa que a prestação de alimentos acordada fosse anual e automaticamente actualizada de acordo com a taxa de inflação que viesse a ser fixada. O executado nunca cumpriu pontualmente o referido acordo, apenas vem entregando todos os meses (até Novembro de 2012), por conta das prestações alimentícias vencidas, o montante de € 120,00. Assim, a exequente pretende obter do exequente o pagamento dos valores em falta de acordo com a tabela 1 em anexo. Apenas pretende demandar o executado pelos montantes em dívida a partir de Janeiro de 2008, uma vez que, quer a prestação alimentícia, quer os juros, já prescreveram.

Por termo de transacção efectuada em 11 de Dezembro de 2013, a exequente aceitou receber apenas a quantia de € 5.000,00, neste valor se fixando a quantia exequenda, até à presente data, renunciando ao pedido remanescente. A exequente desiste de qualquer quantia que lhe fosse a si devida a título de juros compulsórios, calculados nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 829º-A do Código Civil. Em Janeiro de 2014, o executado retomará o pagamento à exequente de uma pensão de alimentos de € 130,00 mensais.

Antes de mais, há que tomar em consideração que na acção de divórcio por mútuo consentimento onde foi proferida a sentença dada à execução, não houve condenação do ora executado nem no pagamento de juros moratórios, nem de sanção pecuniária compulsória, porque tal não foi peticionado na petição inicial da acção.

Dispõe-se naquele preceito legal, introduzido pelo Dec-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, que “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso” (nº 1); e no seu nº4, estabelece-se que “quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.

A consagração da sanção pecuniária compulsória no artº 829º-A, do Código Civil constituiu, entre nós, autêntica inovação, como se pode ler no relatório que precede o DL nº 262/83, de 16 de Junho: “A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória – no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) – poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico.”

A sanção pecuniária compulsória tem assim em vista não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência.

Do texto legal decorre, no entanto, que o legislador consagrou duas espécies diferentes de sanção pecuniária compulsória: uma, de natureza judicial, prevista no nº 1 e, outra, legal, prevista no nº 4, do mesmo artigo 829º-A, do Código Civil. Isto é: enquanto a sanção pecuniária prevista no nº 1 tem que ser aplicada pelo juiz, norteando-se por critérios de razoabilidade (nº 2), na própria sentença condenatória, a sanção pecuniária compulsória a que alude o nº 4, do mesmo preceito é de aplicação automática, nos casos em que tenha sido estipulado judicialmente determinado pagamento em dinheiro corrente[1].

“A sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de pressão decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que está adstrito e a obedecer à injunção judicial[2].

A qual se analisa, “quanto à sua natureza jurídica, numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que prossegue[3].

Mas é aplicável ou não a sanção pecuniária compulsória no âmbito do processo executivo?

A acção executiva, pela sua natureza, não permite uma discussão alargada da causa, de onde possam resultar todos os vectores a que deve atender para a fixação das sanções pecuniárias compulsórias. Além disso, a sanção pecuniária compulsória implica uma ponderação de fundo que só em sede declarativa, com todas as garantias de igualdade entre as partes e de contraditório, pode ser assegurada[4].

O processo executivo encontra-se estruturado por forma a que o tribunal tome as providencias adequadas à satisfação material e efectiva do direito do exequente, entretanto violado, tal como se encontra definido pelo título. Por essa razão, o título, pressuposto indispensável da execução, não só possibilita o recurso imediato à acção executiva, como define o seu fim e fixa os seus limites. Estabelecendo o título os limites e o fim da execução, é manifesto não se poder utilizar um título executivo para realizar coactivamente outra obrigação que não seja aquela que o título comprova ou documenta.

Vejamos.

A sentença dada à execução não contém qualquer condenação do executado no pagamento de juros. Não tendo o executado sido condenado na sentença exequenda no pagamento de juros, carece o exequente de título executivo quanto a juros.

Não veio a exequente peticionar, no requerimento executivo, o pagamento de qualquer sanção pecuniária compulsória (que demandaria, atenta a necessidade de aplicação de uma taxa de 5%, a obrigação de liquidar a quantia exequenda).

Posteriormente, em 11 de Dezembro de 2013, as partes elaboraram uma transacção em que a exequente aceitou receber apenas a quantia de € 5.000,00, neste valor se fixando a quantia exequenda, até à presente data, renunciando ao pedido remanescente. A exequente desiste de qualquer quantia que lhe fosse a si devida a título de juros compulsórios, calculados nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 829º-A do Código Civil.

Deste modo, ficou a instância estabilizada (artº 268º do anterior CPC), prosseguindo a execução com a realização das diligências adequadas à satisfação coerciva do direito invocado pela exequente (crédito de € 5.000,00).

Por último, dir-se-á que o artº 829º-A nº 1 é taxativo e muito claro no sentido de que a sanção pecuniária compulsória só a pedido do credor deve ser decretada. No que concerne ao caso do nº 4, quanto ao adicional de 5% é inferível essa mesma característica, já que, não obstante ser a sanção automaticamente devida desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, de pagamento em dinheiro (que, por isso, normalmente não conterá a decretação dessa sanção pecuniária), não poderá ser judicialmente exigida se o credor o não requerer ao tribunal (normalmente na execução).

Assim, mesmo aquela sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 não pode ser oficiosamente declarada e decretada.

Assim, não é devida ao Estado a quantia de € 7.838,89de juros compensatórios nos termos do nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil, pelo que, nesta parte, há que proceder à rectificação da “Conta Corrente Discriminada da Execução”.

Finalmente, numa sucinta alusão aos juros, diremos, tal como o apelante, que a exequente e executado não são cônjuges desde 14 de Março de 1996 na medida em que estão divorciados desde essa data. Assim, a causa bilateral de suspensão da prescrição prevista no artº 318º, alínea a) do Código Civil não é aplicável a este caso, pelo que, outra decisão não se exigia ao tribunal a quo que não fosse mandar a agente de execução rectificar o cálculo daqueles juros tendo pelo menos em conta as aludidas prescrições.

O tratamento jurídico dado às questões acima enunciadas, torna inútil a apreciação das questões abordadas pelo apelante no que respeita às inconstitucionalidades alegadas nas conclusões L), M), N) e O).

Terminando, para concluir, diremos que a acção executiva, pela sua própria natureza e configuração, não permite a possibilidade de decretação da sanção pecuniária compulsória do nº 4 do artº 829-A do Código Civil.

III-DECISÃO.

Atento o exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, que será substituído por outro em conformidade com o agora decidido.
Custas pela apelada.



Lisboa, 12/05/2016



Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes



[1]Cfr, neste sentido, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1995, pág. 452 e ss.; Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Coimbra, 1990, 126 e ss.
[2]Calvão da Silva, ob cit, pág. 393.
[3]Calvão da Silva, in RLJ, Ano 134º, pág. 50, em anotação ao Ac. do STJ de 19-04-01.
[4]Menezes Cordeiro, em anotação ao Ac. STJ e 04-11-1998, in ROA, 1998, pág. 1230.

Decisão Texto Integral: