Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2775/19.4T8FNC-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: REFORMA DA DECISÃO
CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: REFORMA DO ACÓRDÃO QUANTO A CUSTAS
Decisão: INDEFERIDO
Sumário: I-Tendo a autora (apelante) visto integralmente provido o recurso que deduziu, não ficou vencida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC. Por sua vez, os réus – à data do despacho recorrido proferido, não citados – eram alheios à sorte do recurso, não lhes podendo ser oposto o critério da causalidade tributária.
II-Inexistindo norma que dispense tributação, em conformidade com o princípio geral de tributação ínsito no artigo 1.º, n.º 1, do RCP, deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de se ter desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.
III-Todavia, no momento em que é proferido o acórdão, não é possível afirmar que o desfecho da apelação, ainda que revogando o decidido em 1ª instância, se reflecte negativamente na esfera dos réus, em termos do seu decaimento e, por outro lado, o “proveito” do recurso não é, por ora, encontrado na esfera dos réus, não lhes sendo favorável a revogação da decisão (implicando o prosseguimento dos autos) e tal decisão não se reflete diretamente na sua esfera (tendo a questão que a motivou um caráter preliminar à sua intervenção nos autos).
IV-Porque se está perante uma decisão interlocutória, cumpre relegar a decisão sobre a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso para aquela que decida sobre a responsabilidade tributária da decisão final.
V-O critério da causalidade (tal como enunciado na previsão contida no n.º 2 do artigo 527.º do CPC) adquirirá, relativamente a esta instância interlocutória, plena operatividade quando for conhecida a parte vencida da causa principal, a parte vencida da decisão nuclear e final do processo, podendo encontrar-se, nesse momento, aquele a quem deva ser imposta a obrigação de custas - no sentido de que se enquadra no iter processual que conduzirá a uma decisão final sobre o mérito do litígio (da acção e, eventualmente, da reconvenção) – e que permite patentear, ainda que em ulterior momento, a quem é imputável a instância recursória julgada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:
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Nos presentes autos de acção declarativa, com processo comum, que CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., identificada nos autos, instaurou contra JJ… e MI…, também identificados nos autos, foi proferido, em 21-11-2019, acórdão onde se decidiu:
“Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Cível, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, declara-se a nulidade da citação na pessoa de JC… e admite-se a rectificação do erro material na identificação dos réus, determinando-se o prosseguimento dos autos em conformidade.
Custas pela parte vencida a final (…)”.
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Por requerimento remetido a estes autos em 29-11-2019, vêm os réus JJ… e MI… requerer a reforma do acórdão proferido 21-11-2019, no segmento atinente à responsabilidade pelas custas, com a seguinte ordem de fundamentos:
“1. Em 22/05/2019, a Autora Recorrente instaurou acção contra os Réus.
2. Expedidas as citações dos Réus ali identificados, a Autora / Recorrente requereu através de requerimento de 28/05/2019 que fosse dado “sem efeito a citação do referido JC… para contestar a presente acção, considerando-o como testemunha arrolada pela Autora em sede de Petição Inicial”.
3. Seguidamente, em 30/05/2019 a 1ª instância proferiu despacho com a qual a Autora não se conformou e dele interpôs recurso em 26/06/2019.
4. E entretanto, foram os Réus requerentes citados para, querendo, contestar, cuja contestação foi apresentada em 27/06/2019.
5. Ora, toda a tramitação processual ocorrida antes da citação dos Réus requerentes e da sua Contestação é-lhes completamente alheia, de modo que, nunca foram, tampouco notificados para, querendo, contra alegar ao recurso interposto pela Recorrente.
6. Sucede que, o Douto Acórdão proferido em 21/11/2019 termina a sua decisão do seguinte modo: “Custas pela parte vencida a final”.
7. Ora, independentemente da decisão que vier a ser tomada a final, certo é que os Réus dos autos principais, ora Requerentes, nunca foram Recorridos no Acórdão em crise.
8. Porém, na interpretação do referido segmento decisório, tendo-se em conta os elementos relativos à sua literalidade, sistemática, teleologia e funcionalidade, certo é que os Requerentes não foram citados para os termos do Recurso, somente para os termos da acção, pelo que não pode o Douto Acórdão assumir no recurso a efectiva posição de parte recorrida e, em consequência, a eventual responsabilidade dos requerentes pelo pagamento das custas a final, caso sejam parte vencida.
9. O mesmo se dirá em relação à Recorrente que, por hipótese, se vier a ser parte vencida, não poderá ser condenada às custas quando a mesma é parte vencedora no Recurso que interpôs.
10. Decorre do disposto nos artigos 607.º, n.º 6, 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, que o colectivo de juízes da Relação, no final dos acórdãos, deve condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.
11. Com efeito, conforme decorre dos artigos 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, que a fase dos recursos assume autonomia para efeito de sujeição dos recorrentes, dos recorridos e de uns e outros, conforme os casos, ao pagamento de custas.
12. O referido segmento decisório integra-se no texto do acórdão e expressa: i. A condenação, eventual, da recorrente no pagamento das custas relativas ao recurso que venceu, caso não venha a ter vencimento de causa na acção principal; ou ii. A condenação, eventual, dos Requerentes no pagamento das custas relativas ao recurso no qual não intervieram, caso não venham a ter vencimento de causa na acção principal.
13. O que se trata é de um recurso de apelação cujo resultado foi o da revogação da decisão proferida pelo tribunal da 1.ª instância que indeferiu liminarmente a nulidade da citação de um Réu que não era Réu e a respectiva rectificação do erro material na identificação dos Réus.
14. Conforme decorre do disposto nos artigos 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, os recursos são espécies processuais autónomas para efeito de sujeição dos recorrentes e dos recorridos, conforme os casos, ao pagamento de custas “lato sensu”, paralelamente às acções, aos procedimentos cautelares e aos incidentes.
15. Decorre do referido artigo 527.º, n.º 1, que a decisão que julgue o recurso deve condenar no pagamento das custas a parte ou o sujeito processual que lhes tiver dado causa, ou, não havendo nele vencimento/decaimento, a parte ou o sujeito processual que do decidido tirou proveito.
16. E do disposto no n.º 2 do mesmo artigo resulta a presunção no sentido de se dever entender ter dado causa às custas a parte vencida, na respectiva proporção.
17. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 559.º do Código de Processo Civil, a instância em que foi proferida a decisão objecto do recurso em análise foi iniciada na data anterior àquela em que os Requerentes tiveram conhecimento mas não produziu efeitos em relação aos Réus Requerentes porque ao indeferimento liminar do pedido da Autora Recorrente, logo seguiu o processado do recurso, para o qual e para os termos do mesmo os Requerentes não foram citados, em cumprimento do disposto no n.º 7 do artigo 641.º do CPC.
18. Isso significa que os Réus Requerentes, porque não intervieram na instância da acção principal até à data da interposição do Recurso nem na do recurso, apesar de Autora Recorrente neste ter tido provimento, não serão nem Autora nem Réus responsáveis pelo pagamento de custas que, em qualquer dos supracitados sentidos, eventualmente lhe respeitem.
19. Finalmente, não há fundamento legal para a eventual condenação da Autora Recorrente, caso seja parte vencida na acção a final, pois obteve vencimento do recurso que interpôs do despacho da 1ª instância. E
20. Não há fundamento legal para a eventual condenação dos Réus, caso sejam parte vencida na acção a final pois não foram “tidos nem achados” no recurso que foi interposto pela Autora.
21. Perante este quadro de facto e de direito, o segmento decisório da Relação quanto às custas do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 663.º do CPC, no essencial, devia ser do seguinte teor: “Não são devidas custas”.
22. Não tendo os Réus podido intervir no recurso ex vi legem, no qual não houve encargos, o segmento decisório relativo às custas devia ser no sentido de não serem devidas, o que requerem”
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A recorrente não se pronunciou.
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Realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. Fundamentação:
São elementos processuais relevantes para a apreciação da questão suscitada, os elementos factuais constantes do relatório.
A única questão a apreciar e decidir, com este pedido de reforma, é a de saber se a responsabilidade tributária do recurso interposto e conhecido pelo acórdão de 24-11-2019, deve incidir, como pugnam os réus, no sentido de não serem devidas custas ou, se aquela responsabilidade deve impender sobre a parte vencida a final.
Com a prolação do acórdão (ou decisão individual do relator), esgota-se o poder jurisdicional – cfr. artigo 613.º do CPC - sem prejuízo das excepções atinentes à correcção de erros materiais e arguição de nulidades, nos termos dos artigos 666º, n.º 1, 615.º e 616.º do Código de Processo Civil.
Uma das situações de desvio à regra do esgotamento do poder jurisdicional ocorre, precisamente, quando se verifique erro decisório em matéria de custas.
E, nos termos do n.º 1 do artigo 616.º do CPC, a parte pode requerer, no tribunal que proferiu a decisão, a sua reforma quanto a custas e multa, sendo que, se de tal decisão couber recurso, o pedido de reforma deve ser feito com a alegação (n.º 3).
Decorre do art. 607.º, n.º 6 do CPC - aplicável aos recursos, em conformidade com o disposto no artigo 663.º, n.º 2 do CPC - o acórdão condena nas custas do processo a parte (ou as partes) que lhe tenham dado causa, de acordo com as regras dos artigos 527.º a 541.º do CPC.
No artigo 527.º, n.º 1, do CPC estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. artigo 529.º, n.º 1, do CPC).
As custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2°, 3.ª ed., p. 418).
A taxa de justiça corresponde ao montante pecuniário devido pelo impulso processual de cada interveniente – cfr. artigo 529.º, n.º 2, do CPC – representando a contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no mencionado artigo 529.º, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais, e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. art. 529°, n.° 1 do CPC -, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.° 2 do art. 529°), ou seja, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conforme o disposto nos seus artigos 5.° a 7.°, 11.°,13.° a 15.° e das tabelas I e II anexas.
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7.ª edição, p. 15).
Nos termos do artigo 529.°, n.° 3, do CPC, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, cujo regime consta essencialmente dos artigos 16.° a 20.°, 23.° e 24.° do aludido Regulamento.
E, de acordo com o disposto no art.° 530.°, n.° 4 do CPC, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do Regulamento, cujo regime consta essencialmente dos seus artigos 25.°, 26.° e 30.° a 33.° e da Portaria n.° 419-A/2009, de 17 de Abril.
A conjugação do disposto no art.° 527.°, n.°s. 1 e 2 com o n.° 6 do art.° 607.° e no n.° 2 do artigo 663.° do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respectivo impulso processual.
De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, p. 359).
“Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).
Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma actividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado, tendo presente, contudo, a especificidade acima apontada quanto à constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça, pelo que tal condenação envolve apenas as custas de parte e, em alguns casos, os encargos (cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pp. 8-9).
Nos casos em que não haja vencedor nem vencido, onde, por isso, não pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no da sucumbência, rege o princípio subsidiário do proveito processual, de acordo com o qual pagará as custas do processo quem deste beneficiou.
Como tal, sempre que haja um vencido, com perda de causa, é sobre ele que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.
“"Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou pacial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas” (assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-1997, P.º 97S079, rel. MATOS CANAS).
Quando não haja uma parte vencida, se também não existir uma outra vencedora, será responsável pelas custas aquele (ou aqueles) cuja esfera se mostrar favorecida, e também na sua exacta medida, em face do teor da decisão.
Conforme se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (P.º Proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1 7ª Secção, rel. MICAELA SOUSA), “existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é aquele que obteve ganho de causa. Ainda que este ganho de causa implique necessariamente um proveito, não é este proveito que releva quando se recorre ao respectivo princípio subsidiário, pois que, tal como resulta do n.° 1 do art. 527°, n.° 1 do CPC, apenas não havendo vencimento é que funciona o critério subsidiário do proveito.
Mas havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, esta não pode ser condenada no pagamento de custas porque não se verifica a causalidade (não deu causa à acção ou ao recurso), mas também aquele não o pode ser precisamente por ter havido vencimento (o que afasta o critério do proveito).
Nestas situações, impõe-se encontrar uma outra solução.
Será apenas quando perante a resolução do litígio não se descortine nem um vencido, nem um vencedor, que a responsabilidade tributária terá de assentar então no critério do proveito, isto é, em função das vantagens obtidas”.
No caso dos autos, a recorrente/apelante obteve “ganho de causa”, relativamente à pretensão recursória que trouxe a juízo, ou seja, logrou obter a revogação do despacho.
Contudo, a autora/recorrente não deu causa ao recurso, não tendo, como se viu, tido vencimento.
Os réus – à data do despacho proferido, não citados – eram alheios à sorte do recurso, não lhes podendo, também, ser oposto o critério da causalidade.
Assim, de acordo com o exposto, o critério da causalidade, não se mostra operante relativamente a qualquer das partes.
Mas, então, dever-se-á lançar mão do critério da vantagem ou proveito processual?
Salvador da Costa, aponta um caminho (no texto “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018, no texto “Dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na globalidade do processo - Acórdão da Relação de Évora de 14.03.2019 (Jurisprudência 2019 (56))”, disponíveis no Blog do Instituto Português do Processo Civil – IPPC, em https://blogippc.blogspot.com/), relativamente a situação semelhante, embora no âmbito de procedimento cautelar de arresto – decidido sem audiência da parte contrária – em que a requerida não teve intervenção nem no procedimento, nem no recurso do despacho que indeferiu liminarmente a petição cautelar, concluiu o seguinte:
“(…) recebido pela secretaria o requerimento da sociedade A para a implementação do procedimento cautelar de arresto contra B, a instância iniciou-se, mas não produziu efeitos em relação à última, porque para aquele procedimento não foi citada, visto que a pretensão da primeira foi liminarmente indeferida, a que logo se seguiu o processado do recurso.
Em consequência, a sociedade B não pôde intervir no procedimento cautelar de arresto, nem antes ou depois da prolação do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, nem na face do recurso de apelação daquele despacho.
Os critérios de fixação da responsabilidade das partes e dos sujeitos processuais pelo pagamento das custas processuais constam essencialmente do disposto no artigo 527.º do mencionado Código.
O seu n.º 1 estabelece, além do mais que aqui não releva, que na decisão que julgue o recurso deve condenar-se no pagamento das custas a parte que lhes tiver dado causa ou, não havendo vencimento, a parte que dela tirou proveito.
Em conexão face ao disposto no n.º 1 daquele artigo, estabelece o seu n.º 2, em jeito de presunção, dever entender-se ter dado causa às custas processuais a parte vencida, na respetiva proporção.
Decorre destas normas que a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais assenta em dois princípios fundamentais: o da causalidade, que é o principal, e o do proveito, este de função subsidiária.
As referidas normas de responsabilidade pelo pagamento de custas estão conexionadas com o disposto no n.º 6 do artigo 607.º do mesmo Código, do qual decorre que, no final do acórdão, o coletivo de juízes do tribunal ad quem deve condenar os responsáveis no pagamento das custas processuais, estabelecendo a proporção da concernente responsabilidade, naturalmente se for caso disso.
Uma vez que a sociedade B não interveio na instância do procedimento cautelar, incluindo a fase de recurso, neste não podia ser considerada parte vencida, pelo que nele não podia ser condenada no pagamento das custas.
Com efeito, como a sociedade A teve êxito no recurso da decisão de indeferimento liminar do requerimento de implementação do procedimento cautelar de arresto, não pode funcionar o princípio da causalidade, pressuposto da condenação da parte vencida no pagamento de custas, a que se reportam os n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º daquele Código.
Temos, pois, que, no recurso ajuizado não há parte vencida, seja do lado ativo, seja do lado passivo, mas há uma parte, a sociedade A, que do recurso tirou proveito, na medida em que, por virtude da sua procedência, logrou o prosseguimento dos termos normais do procedimento cautelar de arresto.
Em consequência, ex vi do referido princípio do proveito, a que se reporta o n.º 1 do artigo 527.º daquele Código, a responsabilidade pelo pagamento de custas do recurso impende sobre a sociedade A, se, porventura, não houver razões de facto e ou de direito que a isso obstem.
Reitera-se que o conceito de custas em sentido amplo envolve as vertentes da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, conforme decorre do n.º 1 do artigo 529.º do aludido Código.
Mas a sociedade A procedeu ao pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso aquando da apresentação em juízo do requerimento para a sua implementação, com as respetivas alegações, nos termos dos artigos 529.º, n.º 2, 530.º, n.º 1, daquele Código, e 7.º, n.º 2, e 14.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.
Isso significa que a sociedade A já cumpriu a sua obrigação de pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso, pelo que não há fundamento legal para a condenar no seu pagamento nessa sede.
Quanto aos encargos, segunda vertente do conceito de custas lato sensu, resulta do n.º 3 do artigo 529.º do referido Código que os do processo envolvem as despesas atinentes a diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, ou pelo coletivo de juízes, conforme os casos.
Ora, decorre da fase processual do recurso em causa que neste não foram realizadas diligências que tivessem implicado a realização de alguma despesa suscetível de qualificação como encargo processual.
Em consequência, inexiste fundamento legal para a condenação da sociedade A, no recurso, no pagamento de qualquer quantia a título de encargos.
Resta a análise da terceira vertente do conceito de custas lato sensu, ou seja, as custas de parte que, nos termos do n.º 4 do artigo 529.º daquele Código, compreendem o que cada parte tenha despendido com o processo e tenha direito a ser compensada nos termos dos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais.
Conforme resulta do disposto nos artigos 533.º, n.º 2, daquele Código, e 26.º, n.º 3, do mencionado Regulamento, as custas de parte, a crédito da parte vencedora na ação e ou no recurso, e a débito da parte vencida, na respetiva proporção, abrangem as taxas de justiça, os encargos suportados pelas partes e o dispêndio com honorários pagos a mandatário judicial e as despesas por este realizadas.
Como a sociedade B não interveio no recurso, não é credora de custas de parte em relação à sociedade A, pelo que esta não é responsável por qualquer pagamento a esse título.
(…) Com base no exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1.ª – O segmento “sem custas”, constante da parte final do acórdão da Relação, está afetado de nulidade por falta absoluta de fundamentação;
2.ª – A responsabilidade das partes pelo pagamento das custas processuais em geral assenta no critério principal da causalidade e, não havendo vencimento, no critério subsidiário do proveito;
3.ª – Como se trata de um recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial relativa ao procedimento cautelar de arresto, em que a requerida B não pôde intervir, só a recorrente A, com base no critério do proveito, podia ser condenada no pagamento das custas, se a tal nada obstasse.
4.ª – Uma vez que a recorrente A pagou previamente a taxa de justiça relativa ao recurso, e este não envolveu encargos, e a requerida B nele não interveio, a primeira não é responsável pelo pagamento de custas.
5.ª – O segmento do acórdão da Relação “sem custas” corresponde ao derivado dos factos e da lei”.
Em textos ulteriores, o mesmo Autor desenvolve semelhante posição (vejam-se, por exemplo, no mesmo local, os textos intitulados “Condenação do pagamento de custas da parte vencida a final - Acórdão do Tribunal Relação da Relação de Évora de 2.10.2018 -(publicado em Jurisprudência 2018 (160))”, “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018”, “Custas a final pela parte vencida - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2018”, “Custas pela parte vencida a final face aos princípios da causalidade e do proveito - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.1.2019 (Publicado em Jurisprudência 2019 (3))” e “Custas do recurso conforme for devido a final - Acórdão da Relação do Porto de 10.1.2019 (publicado em Jurisprudência 2019 (38))”.
Considera o referido Autor que o critério do proveito será operante se, porventura, não houver razões de facto e ou de direito que a isso obstem.
Ora, não nos parece que a fixação de responsabilidade decorrente do disposto no artigo 527.º do CPC, exigida por via do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, possa resumir-se a uma decisão que verifique uma ausência de responsabilidade (“sem custas”).
Se, por exemplo, os autos de recurso tivessem originado, nesta fase – ainda que sem intervenção dos réus- encargos, por hipótese, decorrentes de uma perícia oficiosamente determinada pelo Tribunal (v.g. perícia com vista a determinar os elementos que foram submetidos no requerimento inicial, etc.) – a decisão “sem custas” seria incompreensível.
Não se pode, de facto, olvidar a prescrição geral de tributação processual – não afastada por qualquer norma de isenção tributária – constante do artigo 1.º, n.º 1, do RCP e do seguinte teor: “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”.
Na realidade, não havendo isenção tributária, o recurso em questão está sujeito a tributação, aspecto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas.
Daí que a autora/recorrente, para que o recurso tivesse seguimento, tenha tido de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida.
Assim, parece-nos claro que, inexistindo norma que dispense tributação, deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de ter desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.
Reiterando a necessidade de consideração dos critérios tributários da causalidade e do proveito – em detrimento de uma solução que isente de tributação o recurso – certo é que, no caso, não se compreenderia – verifica-se, como se disse supra, que o critério do vencimento não é prestável e, do mesmo modo, afigura-se que seria patente a injustiça da decisão (assinalando-se que todos os encargos de uma instância recursória ganhadora ficariam, incompreensivelmente, a cargo daquele que ganhou o recurso!) que, sem mais, determinasse que tais eventuais encargos ficassem a cargo da recorrente, porque teria tirado proveito do recurso.
E, de semelhante modo, também é patente que o “proveito” do recurso não é, por ora, encontrado na esfera dos réus, pois, não só a revogação da decisão não lhes é favorável (implicando o prosseguimento dos autos), como também, tal decisão não se reflete diretamente na sua esfera (tendo a questão que a motivou um caráter preliminar à sua intervenção nos autos).
No caso dos autos, no momento em que foi proferido o acórdão, não era possível – tal como, de acordo com os dados disponíveis nos autos, ainda não sucede - afirmar que o desfecho da apelação, ainda que revogando o decidido em 1ª instância, se reflecte negativamente na esfera dos réus.
A causalidade e o proveito não são, neste concreto ponto, congruentes e, como se viu, não parece que a questão se possa resumir a uma decisão enunciativa de uma não responsabilização tributária de qualquer das partes.
Quid iuris?
“Não obstante esta situação, seguro é que se impõe a tributação em custas, mesmo num caso como o dos autos, atento o estatuído no art. 1° do RCP e, bem assim, a ausência de qualquer isenção prevista na lei (cf. art. 4° do RCP)” (assim, o citado acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (P.º Proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1 7ª Secção, rel. MICAELA SOUSA).
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 579, nota 4) “salvo quando exista alguma isenção objetiva (artigo 4.º, nº 2, do RCP), todas as ações (incluindo incidentes ou recursos) implicam o pagamento de custas (art. 1.º do RCP)”.
Seria ilegal a decisão que reconhecesse uma isenção tributária não prevista na lei.
Na situação em apreço, porque se está perante uma decisão interlocutória – não tendo, como se viu, sentido uma decisão que sublinhe a ausência de responsabilização por custas e, igualmente, sendo, para além de injusto, prematuro, recorrer à situação extrema de responsabilizar a autora, ou os réus, pelas custas – e ponderando o sentido do comando normativo constante dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, afigura-se que, tal como decidido, a decisão que se impõe é a de relegar a decisão sobre a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso para aquela que decida sobre a responsabilidade tributária da decisão final.
Ou seja: O critério da causalidade (tal como enunciado na previsão contida no n.º 2 do artigo 527.º do CPC) adquirirá, relativamente a esta instância interlocutória, plena operatividade quando for conhecida a parte vencida da causa principal, a parte vencida da decisão nuclear e final do processo, podendo encontrar-se, nesse momento, aquele a quem deva ser imposta a obrigação de custas - no sentido de que se enquadra no iter processual que conduzirá a uma decisão final sobre o mérito do litígio (da acção e, eventualmente, da reconvenção) – e que permite patentear, ainda que em ulterior momento, a quem é imputável a instância recursória julgada.
Parece-nos, pois, ter plena aplicação a jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2011 (processo n.º 277/08.3TBSRQ-F.L1-7, rel. LUÍS LAMEIRAS), onde, em situação similar, se concluiu nos seguintes termos:
“(…) [T]odo o processo tem um objectivo primordial, que é o da obtenção de uma regulação jurídica, declarada ou efectiva, de interesses de direito material; e que é o caminho para se lá chegar que tem um custo, em parte representado pelas custas a pagar.
Este núcleo duro de custas tem sempre um responsável final; alguém que se volve em sujeito passivo das custas por se reconhecer que, à luz de tudo, deve ser ele a suportar o encargo; seja por ser vencido; seja pelo proveito obtido; seja, em derradeiro critério, por ser aquele que desencadeou o funcionamento da máquina judiciária. Por isso, e em todo o caso, o artigo 659º, nº 3 [correspondendo ao actual artigo 607.º, n.º 3] (…) exige (…) que se defina, com expressividade e clareza, quem são os responsáveis pelas custas e qual a relativa proporção da dívida.
Ora, do nosso ponto de vista, faz sentido que, na falta de uma outra referência juridicamente atendível, seja a esta derradeira distribuição que venha a aderir toda a restante responsabilidade a que, entretanto, não houvera oportunidade, ou possibilidade, de encontrar ajustado devedor. A autonomia tributária, que porventura houvesse, cede na parte da repartição de responsabilidade; e a quem seja onerado pelo custo global e final da acção acrescerá, na mesma proporção, por se entender que a essa principal responsabilidade devem ter adesão aquelas outras conexas ou meramente instrumentais, a dívida de custas gerada pelo acto ou termo a que antes se não conseguiu conhecer responsável.
A dívida interlocutória de custas adere, nesta óptica, à dívida final, referente à contrapartida global do “pacote” de serviço de justiça prestado; nascendo a respectiva obrigação na esfera daquele que, a final, venha a ser reconhecido como o devedor das principais custas da acção. É o que comummente se chama de dívida de custas pela parte que seja vencida a final (…)”.
Sobre casos de condenação das partes no pagamento das custas devidas a final, admitindo a figura, na vigência do RCP, vd., para além do citado acórdão do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2011, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-04-2010 (proc. 1057/09.4TBVFR-A.P1, rel. ANA PAULA AMORIM), o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-10-2012 (Processo 2625/11.0TBGDM.P1, rel. TELES DE MENEZES), o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-03-2015 (Processo 5150/10.2TBVNG-C.P1 rel. LEONEL SERÔDIO), o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-12-2015 (Processo 12356/15, rel. CATARINA JARMELA), o acórdão do Tribunal da Relação de Évora (Processo 969/17.6T8PTM.E1, rel. PAULA DO PAÇO) e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-10-2019 (Processo n.º 1582/12.0TBCTX-A.E1, rel. PAULO AMARAL).
Conclui-se, pois, que a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso deverá ser relegada para a parte que seja vencida a final.
Assim, mostrando-se correta a decisão proferida, não procede a pretensão de reforma deduzida, que assim deverá ser indeferida.
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3. Decisão:
Pelo exposto, devendo manter-se o decidido, indefere-se o pedido de reforma do acórdão quanto a custas.
Notifique.
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Lisboa, 06 de fevereiro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Luciano Farinha Alves