Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NETO NEVES | ||
Descritores: | QUESTÃO PREJUDICIAL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/08/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Sumário: | Não ocorre relação de prejudicialidade entre o incidente de falta de relacionação de bens no âmbito do processo de inventário e a acção de declaração da nulidade da doação do quinhão hereditário a favor de um dos interessados nesse inventário um vez que a procedência desta acção (caso se venha a concluir que tal doação e a respectiva escritura são nulas) apenas assume relevância no momento da definição dos quinhões de cada interessado; não em termos dos bens não poderem ser relacionados. (G.A.) | ||
Decisão Texto Integral: | 10 Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:I – M I R P F M A interpõe o presente recurso de agravo do despacho de 24.4.2006, proferido a fls. 138 do processo de inventário supra identificado, instaurado por óbito de M M A, ocorrido em 5.10.2003, o qual indeferiu o requerimento que a ora agravante, na qualidade de cabeça-de-casal, apresentou, em resposta ao incidente de reclamação contra a declaração de bens deduzido pelos interessados M I M A R e M R, apresentada a 4.1.2006 por requerimento a fls. 96-99, de sustação na decisão desse incidente, até decisão final da acção que contra estes interpôs para declaração de nulidade da doação do seu quinhão hereditário a favor da reclamante e de nulidade da respectiva escritura, por considerar que a questão nessa acção discutida é prejudicial em relação à do incidente de reclamação. Formula, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões: 1 – A pendência da acção da acção de condenação através da qual a agravante pede a declaração de nulidade da doação do seu quinhão hereditário a favor da agravada e bem assim a declaração de nulidade da respectiva escritura constitui causa prejudicial relativamente ao processo de inventário. 2 – Sendo tal acção causa prejudicial relativamente ao inventário, deveria ter-se ordenado a suspensão da respectiva instância imediatamente após a comprovação da pendência da mesma. 3 – A douta decisão em causa violou assim o disposto nos arts 1335 nº 2 e 1335 nº 1, 276 nº 1 alínea c) todos do Código de Processo Civil. Termos em que a douta decisão em apreço deve ser anulada e substituída por outra que decrete a suspensão da respectiva instância até trânsito em julgado da decisão que venha a proferir-se no âmbito da acção judicial mencionada e que se encontra a correr termos. Não houve contra-alegações e foi proferido despacho de sustentação. Corridos os vistos, cumpre decidir. II – QUESTÃO A DECIDIR A questão sobre que este tribunal se deve pronunciar, em face das conclusões das alegações da recorrente – as quais delimitam o objecto dos recursos, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 2 do Código de Processo Civil – devidamente interpretadas à luz do corpo das próprias alegações, é a de saber se constitui questão prejudicial, relativamente à decisão do incidente de reclamação por falta de relacionamento de bens requerido por dois interessados herdeiros, a acção em que a cabeça de casal pede a declaração de nulidade de doação de quinhão hereditário que fez a favor de um dos interessados reclamantes e a declaração de nulidade da respectiva escritura pública. III – FACTOS E ACTOS PROCESSUAIS COM RELEVÂNCIA PARA A QUESTÃO Resultam do traslado provados os seguintes factos e actos processuais relevantes: a) Em 15.3.2005, a ora agravante prestou compromisso de honra como cabeça de casal no processo de inventário aberto por óbito de M M A, tendo no mesmo acto, de que foi lavrado o auto certificado a fls. 49-50 deste recurso, prestado também declarações, aqui dadas por reproduzidas, em que disse ter ele falecido em 5.10.2003, no estado de casado, em segundas núpcias, com a declarante, esta em primeiras núpcias, em regime de separação de bens, tendo deixado testamento, doação e disposição de última vontade e como herdeiros a própria declarante, e os filhos do inventariado M I M A R, casada em comunhão de adquiridos com M R, e M A M A, casado em comunhão de adquiridos com J N C L A, e existirem dívidas, e bens imóveis a partilhar; b) A agravante apresentou a relação de bens com certidão a fls. 36-37, em que incluiu 4 verbas de bens imóveis e duas dívidas, uma da herança à cabeça de casal de IMI e outra da herança à mesma de despesas de condomínio relativas a três das verbas de imóveis; c) Por requerimento entrado em juízo em 24.1.2006, certificado a fls. 9 a 12 do recurso, a interessada M I e respectivo marido apresentaram reclamação contra a relação de bens, em que acusam a falta de relacionamento dos saldos de três contas de depósito no Banco A, no valor total de € 56.563,17, de títulos depositados em conta na mesma instituição, no valor global de € 146.000,00, a que acrescem € 6.000,00 de dividendos, de dinheiro e títulos depositados em três contas no Banco B, no valor de € 3.476,57, € 4.168,74, e € 130.000,00 e ainda de uma conta aberta no Banco C, com saldo de € 13.128,40, tudo perfazendo um total de € 353.336,88, requerendo a notificação da cabeça de casal para relacionar tais bens ou dizer o que se lhe oferecer e que se oficiasse aos Bancos referidos para informarem discriminadamente e com referência às respectivas contas os valores depositados desde 2.10.2003, oferecendo testemunhas, juntando documentos, que estão certificados de fls. 13 a 23, e pedindo ainda que se sustasse na realização da conferência de interessados até decisão do incidente, que suscitaram com invocação explícita do nº 6 do artigo 1348º do Código de Processo Civil; d) Por requerimento de 2.2.2006, certificado a fls. 24-25, a ora agravante, dizendo-se notificada da reclamação, veio dizer que se encontra a correr termos na 12ª Vara Cível de Lisboa, 2ª Secção, o Processo nº 6071/05.6TVLSB, uma acção judicial em que figura como A. a aqui requerente e RR. os aqui reclamantes e cujo pedido consiste na declaração de nulidade da doação do quinhão hereditário efectuada pela requerente a favor da reclamante mulher, e bem assim a declaração de nulidade da respectiva escritura de doação outorgada em 30 de Dezembro de 2004 no Cartório Notarial, escritura essa que se encontra junta aos autos, e que entende a requerente que o resultado da citada acção é decisivo para o andamento processual do presente inventário porque dela depende a posição processual dos respectivos intervenientes e por maioria de razão decisivo para a apreciação da reclamação e causa a qual não fará, com todo o respeito, qualquer sentido na hipótese de ser decretada a referida nulidade, concluindo que Nestes termos entende a requerente que a apreciação da reclamação em causa está, naturalmente, prejudicada; e) Está a fls. 27 certidão da pendência da acção referida no requerimento mencionado na alínea anterior; f) Em 24.4.2006, foi proferido o despacho certificado a fls. 28 e verso, do seguinte teor: A fls. 96 veio a interessada M I R e o interessado M R apresentar reclamação contra a relação de bens junta aos autos a fls. 19 e 20, alegando não terem sido relacionados depósitos de valores e dinheiro existentes em contas bancárias tituladas pelo inventariado à data da sua morte nos Bancos. Notificada a cabeça-de-casal nos termos e para os efeitos do disposto no Art 1349º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, veio a mesma alegar que a apreciação da reclamação em causa está prejudicada pelo facto de a cabeça-de-casal ter intentado contra os interessados reclamantes uma acção em que pede a declaração de nulidade da doação do quinhão hereditário de que é titular por óbito do seu marido aqui inventariado, a favor da interessada M I R, bem como a declaração de nulidade da respectiva escritura de doação. Sucede, porém, que independentemente da doação do quinhão hereditário supra referido, a interessada M I R é herdeira legitimária do inventariado, seu pai, e, como tal, é herdeira privilegiada dos bens que compõem a herança a partilhar nos presentes autos, atento o disposto nos Art 2133º, nº 1, alínea a) e 2157º do Cód. Civil. Assim sendo, o facto de a acção de anulação ou declaração de nulidade da doação do quinhão hereditário da cabeça-de-casal estar a correr os seus termos não é impedimento da decisão a proferir sobre a reclamação à relação de bens apresentada, apenas sendo obstáculo à realização da conferência de interessados nos presentes autos, uma vez que neste momento já deverão estar definidos os quinhões hereditários de cada um dos interessados, atento o disposto no Art 1352º, nº 1 do Cód. Proc. Civil. Uma vez que a cabeça-de-casal na sua resposta à relação de bens apresentada não contestou a existência dos bens cuja falta foi acusada, entende-se que a mesma aceita a existência desses bens, nos termos previstos no Art 1349º, nº 2 do Cód. Proc. Civil. Em face do exposto, notifique-se a cabeça-de-casal para, no prazo de 10 dias, vir juntar aos autos aditamento à relação de bens que apresentou de onde constem os bens cuja falta de relacionação foi suscitada na reclamação de fls. 96. IV – O DIREITO A questão central do presente recurso é, como já foi devidamente destacado, a de existir ou não uma relação de prejudicialidade da acção pela cabeça de casal interposta para declaração de nulidade da doação do seu quinhão hereditário a favor a interessada M I em relação à questão incidental da falta de relacionação de diversos bens, que a mesma interessada e marido suscitaram nos termos do artigo 1348º, n º 6 do Código de Processo Civil. E, diga-se desde já, tal questão foi correctamente equacionada e decidida no despacho agravado. O artigo 279º, nº 1 do Código de Processo Civil, concretizando o caso previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 276º do mesmo diploma, dispõe que: O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. A primeira parte da disposição transcrita configura o caso de pendência de causa prejudicial, que, em princípio, pode impor – embora com limites temporais e com excepções (v. nºs 2 e 3) – a suspensão da instância na causa que está na dependência de outra. A relação de dependência ou prejudicialidade foi caracterizada por Alberto dos Reis(1), nos seguintes termos: uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. E Castro Mendes (2) apelida de questão prejudicial a questão de mérito necessária à resolução do thema decidendum, apta a formar por si objecto doutro processo e que se coloque em momento logicamente anterior ao das questões fundamentais (causa de pedir, excepções peremptórias). Por sua vez, o artigo 1335º, pela agravante igualmente invocado, prevê o seguinte: 1. Se, na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas, o juiz determina a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados. 2. Pode ainda ordenar-se a suspensão da instância, nos termos previstos nos artigos 276º, nº 1, alínea c), e 279º, designadamente quando estiver pendente causa prejudicial em que se debata algumas das questões a que se refere o número anterior. Ora, considerando o facto, pertinentemente referido no despacho agravado, de a requerente do incidente de falta de relacionação de bens ser uma herdeira legitimária, aliás como a própria cabeça de casal, ora agravante – artigos 2133º, nº 1, alínea a) e 2157º do Código Civil – não se descortina como a questão da nulidade da doação do quinhão hereditário da cabeça de casal a favor da interessada M I possa ser tida como condicionando a admissibilidade do processo de inventário – que se destina a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de realizar-se partilha judicial, a relacionar os bens que constituem objecto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança (artigo 1326º, nº 1 do Código de Processo Civil) – ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha, no momento processual em que cumpre definir qual o conteúdo concreto do acervo hereditário, ou seja, que bens do inventariado devem ser relacionados para a seguir serem partilhados. Se na acção de declaração de nulidade da doação do quinhão hereditário se concluir que tal doação e a respectiva escritura são nulas, o que daí advém para o inventário não é que os bens não devam ser relacionados, mas sim que, no momento de definir os quinhões de cada interessado, se haverá de levar em conta que a cabeça de casal mantém o direito a uma dada quota, com reflexos sobre a da interessada beneficiária da doação desse quinhão declarada nula. Por isso se disse, e muito bem, no despacho recorrido, que tal acção apenas será obstáculo à realização da conferência de interessados, uma vez que neste momento já deverão estar definidos os quinhões hereditários de cada um dos interessados, atento o disposto no artigo 1352º, nº 1 do Código de Processo Civil. Assim, em nada contende o desfecho da referida acção com a questão suscitada no incidente de falta de relacionação de bens, não estando a decisão deste dependente da daquela. Inexistindo tal relação de prejudicialidade, não tem aplicação o disposto no artigo 1335º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sendo certo que este preceito teve ainda em vista delimitar de forma precisa os casos em que a relação de prejudicialidade poderia conduzir à suspensão do inventário. Alude ainda a recorrente à referência feita no despacho agravado a que a cabeça de casal, requerida no incidente, confessou a existência dos bens, discordando de que o silêncio produza qualquer efeito cominatório. Só que tal questão está já na base da decisão do incidente, que no despacho se seguiu à tomada de posição acerca da pretendida suspensão do inventário antes de ser proferida decisão do incidente, e essa parte do despacho não foi impugnada pela agravante, como se pode ver quer pelo corpo das alegações (vide o número “I” a fls. 2), quer pelas conclusões, pelo que não é objecto do presente agravo e dela não cumpre decidir, qualquer que seja o seu acerto. Nestes termos e no que concerne à questão da prejudicialidade, impõe-se concluir que o despacho agravado não violou os artigos 276º, nº 1, alínea c) e 279º, nem o artigo 1335º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, pelo que deve o mesmo ser mantido, negando-se provimento ao recurso. V – DECISÃO Nestes termos, acordam em negar provimento ao agravo, mantendo o despacho impugnado. Custas pela agravante. Lisboa, 1 de Março de 2007 António Neto Neves _________________________________Isabel Canadas José Maria Sousa Pinto 1 Comentário ao Código de Processo Civil, vol III, pág. 268. 2 Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 196 |