Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2459/18.0YRLSB-3
Relator: A. AUGUSTO LOURENÇO
Descritores: EXTRADIÇÃO
CASO JULGADO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ARQUIVAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO
Sumário: A excepção do caso julgado visa evitar que um Tribunal duplique as decisões com idêntico objecto processual, contrariando em decisão posterior o sentido da decisão anterior. No fundo, pretende-se obstar a que um tribunal decida sobre o mesmo objecto duas vezes, seja de maneira diferente, seja idêntica, podendo naturalmente uma sentença proferida nessas condições servir de fundamento da excepção do caso julgado, quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o do anterior, já está total ou parcialmente definido por uma sentença.

No caso concreto, está vedado a este Tribunal conhecer de novo do mesmo objecto de recurso, pois naquele processo, já na fase judicial, a mesma questão foi apreciada, não só na decisão inicial do Tribunal da Relação, como nas posteriores proferidas na sequência de recursos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção
Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

Nos presentes autos, provenientes do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, onde correram seus trâmites com o nº 788/18.2BELSB, veio R..., ao abrigo do disposto nos artigos 112º nº 2 al. a) e 131º nº 1 do CPTA, como preliminar a acção administrativa, com vista à declaração de nulidade do despacho da Srª Ministra da Justiça de 26/04/2016, complementado e mantido pelos seus ulteriores despachos de 22/12/2017 e de 23/01/2018, deduzir Providência Cautelar de Suspensão da eficácia de Acto Administrativo com pedido de decretamento provisório, contra Ministério da Justiça, peticionando que fosse julgado procedente por provado o processo cautelar e, em consequência,
a) Suspender-se a eficácia do despacho da Srª Ministra da Justiça, de 26/04/2016 que, nos termos do artigo 48º, nº 2 da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto, "considerou admissível" o pedido de extradição efectuado pela República Federativa do Brasil relativamente ao Requerente, bem como dos seus ulteriores despachos de 22/12/2017 e de 23/01/2018; e
b) Intimar-se a entidade Requerida para abster-se de praticar quaisquer actos ou operações previstos nos artigos 27º e 60º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto ou quaisquer outros actos equivalentes ou preparatórios da execução da entrega do Requerente às autoridades judiciais brasileiras.
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Nesses autos, nº 788/18.2BELSB, foi proferida em 14 de Maio de 2018 a respectiva sentença pelo TACL na qual, ao abrigo do disposto nos, artº 13º do CPTA, o art. 46º da Lei nº 144/99, de 31/08 e o art. 4º nº 3 do alínea b) do ETAF, se julgou “este tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer do presente processo”.
Interpôs o arguido R... recurso jurisdicional dessa sentença, para o Tribunal Central Administrativo Sul, tendo a 06.08.2018 sido proferido douto acórdão que negou provimento ao recurso interposto e confirmou a decisão recorrida que julgou verificada a excepção de incompetência absoluta do TAC de Lisboa para conhecer desta acção.
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 Aberta “vista” ao Ministério Público junto deste Tribunal, foi pela Digna Procuradora-Geral Adjunta emitido o Douto Parecer que antecede e, no qual, concluiu nada haver a promover porquanto o acto administrativo em causa se esgotou com a passagem dos autos de extradição a que deram origem (pro. nº 483/16.7YRLSB), da fase adminsitrativa à fase judicial.
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Proferida decisão sumária de arquivamento, o recorrente, reclamou para a conferência.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Com efeito o processo de extradição do arguido R... Júnior, correu termos neste tribunal e a cargo do relator deste acórdão, determinou a extradição do arguido, tendo tal decisão transitado em julgado em 09.01.2018. Porém, o processo em causa, encontra-se actualmente pendente no Supremo Tribunal de Justiça por questões que se prendem unicamente com a entrega do cidadão ao país requerente, Brasil.
Tal processo de extradição, teve como todos os demais, em casos similares, uma fase administrativa, que por imperativo legal, tinha um Parecer da srª Ministra da Justiça datado de 26/04/2016, pronunciando-se no sentido da extradição.    
A partir daí, o processo entrou naquela que a Lei 144/99 de 31.08 designa por fase judicial, (cfr. artº 21º, 24º e 46º), tendo então o processo de extradição de R... cumprido todas as formalidades legais exigidas desde o início e as decisões tiveram o seguinte desfecho:
-Por acórdão datado de 7 de Dezembro de 2016, este Tribunal da Relação de Lisboa, determinou a extradição do arguido R... Júnior, nos termos dele constantes e com as limitações objectivas assinaladas.
Apesar dos numerosos recursos interpostos e expedientes diversos utlizados pelo arguido, como forma de obstar à extradição, tal acórdão transitou em julgado em 09.01.2018, conforme certidão emitida pelo Tribunal Constitucional e junta ao processo nº 483/16.7YRLSB, sendo insusceptível de recurso ordinário e extradordinário.
 O que está pendente é a sua exequibilidade ou melhor a entrega do arguido R... ao país requerente, que nos termos da lei se impõe por força daquele acórdão transitado em julgado. O STJ já julgou improcedente o recurso de revisão de sentença, único que podia alterar a decisão transitada.
Perante esta situação clara do processado, o acto que se visa impugnar, esgotou-se há muito e é complemente irrelevante para a decisão judicial proferida e transitada em julgado, que se declarasse ou não a sua ineficácia, pois os seus efeitos já se produziram, são inatacáveis e insusceptíveis de recurso (ordinário e extraordinário), como é do conhecimento do arguido.  
Este processo não tem qualquer suporte jurídico válido, nem razão de ser, pois ainda que fosse procedente, o que não se concede, o seu efeito era NULO quanto aos efeitos na decisão transitada em julgado, que determinou a extradição do arguido para o Brasil.
Neste contexto, jamais a decisão administrativa, fosse ou não favorável ao arguido, poderia por em causa a decisão judicial transitada em julgado, que foi sucessivamente confirmada na sequência de recursos e reclamações do arguido.
Estamos perante uma manifesta inutilidade da lide, não tendo o processo, ora apresentado, qualquer razão de ser ou fundamento.
Atacar neste momento e nesta fase o acto administrativo que esteve na base do processo judicial, em fase prévia denominada de “fase administrativa”, constitui um acto anómalo e uma litigância despropositada e inócua quanto aos efeitos pretendidos. Se o arguido vislumbrou algum vício no acto administrativo em causa, o que não se concede sequer, deveria atempadamente suscitar essa questão, antes da introdução em juízo do respectivo processo, o que não fez.
Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais conjugadas dos artº 277º al. e) do cód. procº civil, aplicável ex vi do artº 4º do cód. procº penal  estamos no mínimo perante uma inultidade superveniente da lide, a qual implica o arquivamento dos autos.
Mas não só.
A questão afigura-se ainda de maior relevância se considerarmos que o despacho proferido pela srª Ministra da Justiça foi o acto administrativo que serviu de base ao processo de extradição e que introduziu os factos na via jurisdicional, dando origem ao processo nº 483/16.7YRLSB deste Tribunal da Relação, que decidiu a extradição de R... para o Brasil, por acórdão confirmado em todas as instâncias e transitado em julgado em 09.01.2018, como atrás referimos.
Pretender agora, por esta via, por em causa um acto que deu origem à fase judicial do processo de extradição, foi parte integrante dele, servindo-lhe de suporte, seria uma verdadeira ofensa do caso julgado.
A excepção do caso julgado visa evitar que um Tribunal duplique as decisões com idêntico objecto processual, contrariando em decisão posterior o sentido da decisão anterior. No fundo, pretende-se obstar a que um tribunal decida sobre o mesmo objecto duas vezes, seja de maneira diferente, seja idêntica, podendo naturalmente uma sentença proferida nessas condições servir de fundamento da excepção do caso julgado, quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o do anterior, já está total ou parcialmente definido por uma sentença.
 No caso concreto, está vedado a este Tribunal conhecer de novo do mesmo objecto de recurso, pois naquele processo, já na fase judicial, a mesma questão foi apreciada, não só na decisão inicial do Tribunal da Relação, como nas posteriores proferidas na sequência de recursos.
 A excepção de caso julgado materializa o disposto no art. 29º, nº 5 da CRP, quando se estabelece como princípio a proibição de reviver processos já julgados com resolução executória afirmando, “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. [No caso em apreço não se trata de sentença de julgado final, mas sim de um despacho proferido no mesmo processo, sobre o qual assentou um acórdão proferido por este Tribunal já transitado]. 
 Trata-se de um efeito processual da decisão (sentença ou despacho) transitada em julgado, que por elementares razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu, seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material).
 «Transcendendo a sua dimensão processual, a proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos faz que o conjunto das garantias básicas que rodeiam a pessoa ao longo do processo penal se complemente com o princípio non bis in idem, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva.
 Caso julgado em substância significa decisão imutável e irrevogável; significa imutabilidade do mandado que nasce da sentença. Aproximamo-nos assim à lapidar definição romana da jurisdição: quae finem controversiarum pronuntiatione iudicis accipit (que impõe o fim das controvérsias com o pronunciamento do juiz), [cfr. Ac. Trib. Relação de Lisboa de 13.04.2011, disponível in www.dgsi.pt/trl].
 No caso concreto, veio o requerente, extemporaneamente, diga-se, por em causa um despacho que faz parte integrante do processo já transitado em julgado, despacho esse, já sindicado por este Tribunal, Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional, com o objectivo escuso, de por em causa, por esta via, a decisão de extraditar o arguido, acabando por redundar numa unidade de facto e de objecto[1]. Para que a excepção de caso julgado funcione e produza o seu efeito impeditivo característico, a imputação tem que ser idêntica e a imputação é idêntica quando tem por objecto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa ou entidade.
 “Se os factos são os mesmos e culminaram com uma decisão executória, ainda que o nomen juris seja distinto, é procedente a excepção de caso julgado”, (cfr. Ac. idem).
 No caso concreto, estamos perante a excepção peremptória de caso julgado, que obsta a que este Tribunal se pronuncie de novo sobre uma questão, anteriormente decidida e transitada (cfr. artº 576º nº 1 e nº 3, 579º, 580º e 581º todos do cód. procº civil, aplicável ex vi do artº 4º do cód. procº penal).
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  Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em, julgar procedente a excepção do caso julgado e decide-se não conhecer do objecto do processo, determinando-se o imediato arquivamento dos autos.
Custas a cargo do requerente que se fixam em 6 UC (seis unidades de conta).
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Lisboa 23 de Janeiro de 2019

A. Augusto Lourenço
 
João Lee Ferreira

[1] - Para a identificação de facto tem que tomar-se em linha de conta v.g. os critérios jurídicos de "objecto normativo" e "identidade ou diversidade do bem jurídico lesionado", (cfr. ac. idem)