Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
596/21.3PGCSC.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: POLÍCIAS MUNICIPAIS
DESOBEDIÊNCIA
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, e 170.º, n.º1, al. b), do Cód. da Estrada, trata-se de infracção em que um dos elementos do tipo objectivo faz apelo a um exame considerado de natureza pericial para a sua determinação quantitativa.

É vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal, o que aquelas claramente não são, não tendo pois competência para determinar o referido teste quantitativo, o verdadeiramente essencial para a verificação da infracção.

As polícias municipais podem fiscalizar o trânsito rodoviário no âmbito da sua jurisdição territorial, mormente de prevenção da sua realização alcoolizada, efectuar o chamado teste “qualitativo” para a sua despistagem, sendo que em caso positivo (leia-se susceptível de constituir crime, como no caso em presença), devem deter o infractor, e conduzi-lo à esquadra ou posto do OPC com jurisdição na área de detecção do ilícito, “ou, em alternativa, contactar aquela força de segurança para que possa entregá-lo no imediato, dando conta, precisamente, da verificação de flagrante delito da prática de condução em estado de embriaguez”, e assim se prosseguirem os demais termos do processo.

Ainda que se aceite que o condutor automóvel, na situação indicada, estava obrigado a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de alcoolemia em que se encontraria, já não se acompanha a tese que sustenta que nessas exactas condições, praticaria um crime de desobediência, caso recusasse.

Tal só sucederia se o tivesse feito perante o OPC competente.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa


I–Relatório:


I–1.)-No Juízo Local de Pequena Criminalidade de Cascais, Comarca de Lisboa Oeste, foi o arguido N. , com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo sumário, mediante a imputação, por parte do Ministério Público, da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, e 170.º, n.º1, al. b), do Cód. da Estrada.

Efectuado o mesmo e proferida a respectiva sentença, veio aquele a ser absolvido da infracção indicada.

I–2.)-Razão pela qual inconformado, recorreu o Ministério Público para a presente Relação, condensando as razões da sua discordância com a apresentação das seguintes conclusões:

1.ª–O Tribunal a quo, após realização de audiência de discussão e julgamento, absolveu o arguido N. da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo art. 69.º, n.º 1, alínea a) e art. 292.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

2.ª–Sustentou que a detenção do arguido foi ilegal, uma vez que a Polícia Municipal não tem competência para efectuar o teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue - que mais não é que recolha de prova pericial - e, ao efectuá-lo, extrapolou/excedeu as competências que lhe estão acometidas por lei, praticando acto nulo, que deverá concomitantemente consubstanciar prova proibida, que não poderá ser valorada.

3.ª–Considerou, ainda, sendo o resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue (qualitativo), superior a 1,20 g de álcool por litro de sangue, deveria a Polícia Municipal deter o cidadão em flagrante delito da prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez e, após, deveria tê-lo conduzido, no imediato, à Esquadra da PSP com jurisdição na área de deteção do ilícito e, não o fazendo, deteve ilegalmente o arguido.

4.ª–O art. 1.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, de 20.04 dispõe que as polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, com as competências, poderes de autoridade e inserção hierárquica definidos nesse diploma.

5.ª–Os agentes da Polícia Municipal têm competência para a fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área da circunscrição do respectivo município - art. 3.º da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, apesar de lhes ser vedado o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal (n.º 5 do referido art. 3.º).

6.ª–Nos termos do Código da Estrada, qualquer condutor deve submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas.

7.ª–Os agentes da Polícia Municipal podem, nos termos das suas competências de fiscalização do trânsito rodoviário e do disposto no art. 153.º, n.º 1, do Código da Estrada, realizar exame de pesquisa de álcool no ar expirado, mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

8.ª–Da análise do art. 2.º, n.º 1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob o efeito do álcool, que regula a realização do exame quantitativo, resulta claramente que o teste em analisador qualitativo se destina apenas a apurar a presença de álcool no sangue, a taxa concreta de álcool no sangue há-de ser obtida na realização de teste quantitativo (e, ainda assim, sujeita à dedução do erro máximo admissível, tal como entendimento jurisprudencial sobejamente conhecido).

9.ª–A conduta dos agentes da Polícia Municipal que, após ter sido detectada a presença de álcool no sangue do arguido, o conduzem às instalações dessa polícia para realização do teste em analisador quantitativo não consubstancia uma detenção ilegal, mas tão só o cumprimento do disposto no art. 2.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio.

10.ª–Esta norma, em conjugação com o disposto no art. 152.º, n.º 3, do Código da Estrada impõe a qualquer cidadão a obrigatoriedade de se submeter às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou substâncias psicotrópicas, sob pena de praticarem um crime de desobediência.

11.ª–O arguido não se deslocou às instalações da Polícia Municipal por se sentir coagido pelos respectivos agentes ou pela sua conduta, mas sim no cumprimento de um dever legal imposto a qualquer cidadão, cujos direitos são restringidos para acautelar outros considerados de superior interesse (designadamente, a segurança rodoviária).

12.ª–Não resulta da lei qualquer distinção entre a entidade competente para realizar o teste qualitativo (admitindo a sentença recorrida a competência da Polícia Municipal para o efeito) e o teste quantitativo. A lei não faz qualquer distinção - nem podia - entre prova da contra-ordenação e prova do crime: só após o resultado final é que se saberá se se está perante uma ou outra infracção e, apenas perante a consolidação do resultado obtido no teste qualitativo, poderá ocorrer a detenção do cidadão (ou em caso de recusa de submissão ao teste, caso em que incorrerá na prática de um crime de desobediência).

13.ª–Rui Cardoso, nessa linha de raciocínio, defende que as Polícias Municipais podem deter e entregar imediatamente, a AJ ou a EP, suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual.

14.ª–Mais defende que “só após o resultado final (do teste quantitativo) é que se saberá se se está perante uma ou outra infracção. Assim, as polícias municipais podem realizar exames quantitativos. Sendo a taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, podem fazer a detenção (em flagrante delito) e levantar auto de notícia”.

15.ª–Foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.07.2020, no proc. 34/20.9PBCSC.L1-3, Relatora Cristina Sousa, que os agentes da Polícia Municipal podem e devem, uma vez detectada a existência de álcool no sangue, no teste qualitativo, proceder também ao teste quantitativo, não sendo ilegal a detenção da pessoa visada, para submissão ao referido teste.

16.ª–No âmbito do Proc. 244/20.9PCCSC.L1-5, decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o Exm.º Sr. Desembargador Jorge Gonçalves consignou, em sede de voto de vencido que as polícias municipais são, por isso, autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, nos termos do artigo 4.º do Código da Estrada. Não vislumbro razão para que, podendo a polícia municipal proceder a teste qualitativo de detecção do estado de influenciado pelo álcool, não possa proceder, também, dispondo para o efeito de equipamento aprovado, ao subsequente teste em analisador quantitativo, agindo, depois, em conformidade com o resultado obtido”.

17.ª–A actuação da Polícia Municipal, para além de encontrar respaldo legal nas acima citadas normas da Lei n.º 18/2007, de 17.05, encontra igualmente fundamento nas normas relativas às suas competências próprias, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 4.º, n.º 1, al. f), da Lei n.º 19/2004, e do art. 249.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do Código de Processo Penal, asseverando-se-lhe assim competência para assegurar os meios de prova perante os crimes (ou sua forte suspeita) de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções.

18.ª–Concluímos, assim, ser perfeitamente válida a condução/transporte do condutor às instalações da Polícia Municipal para a realização (também ela válida) de teste quantitativo de álcool no sangue, bem como e ainda a subsequente detenção do arguido (em flagrante delito e dentro das condições legais em que poderia ter ocorrido e ser realizada pela Polícia Municipal) e subsequente entrega à PSP.

19.ª–Sem conceder, ainda que assim não se entenda, o efeito à distância da obtenção de uma prova proibida (teste realizado por entidade sem competência e/ou detenção ilegal) não poderia ter conduzido, no caso em apreço, à absolvição do arguido.

20.ª–Como bem se expende no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/07/2020, Relatora Cristina Sousa, acima citado, o art. 122.º, n.º 1, do CPP, prescreve que a invalidade do acto nulo se estende aos que deste dependerem ou que ele possa afectar, mas, no n.º 3, salvaguarda o aproveitamento de todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito da nulidade, no que traduz a consagração em texto de lei ordinária do efeito à distância das proibições de prova que já resultaria da dimensão garantística do processo penal, à luz do art. 32.º da Constituição.

21.ª–Mais se decidiu que, estando ou não detido, estando detido de forma lícita ou ilícita, o arguido sempre teria de ser submetido ao teste quantitativo do álcool e este teste sempre acusaria a taxa de 1,24 gr/litro, deduzido o erro máximo admissível, dada a natureza obrigatória do exame e em face dos critérios estritamente técnicos e científicos em que assenta este tipo de prova.

22.ª–Não se trata, em rigor, de obter uma prova à custa da privação da liberdade do arguido de forma abusiva e fora das condições legais em que sãos admissíveis restrições à sua liberdade individual. É um exame objectivo, realizado por um dispositivo que sempre teria de ser levado a cabo, não tendo a detenção qualquer influência no resultado.

23.ª–Concluímos, assim, que há erro notório na consideração da detenção como ilegal, na invalidade da realização do teste quantitativo realizado e na atribuição de efeito remoto ao teste quantitativo de pesquisa do álcool, que é plenamente válido e eficaz.

Face ao exposto, a decisão recorrida deverá ser revogada e ordenada a sua substituição por outra que julgue a acusação procedente, por provada, e o arguido ser condenado da prática do crime de que foi acusado.

I–2.)-Não coube resposta ao recurso interposto.

II–Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer propugnando a sua procedência.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir:

III–1.)-Tal como decorre das conclusões acima deixadas transcritas, consabidamente definidoras do respectivo objecto, as questões essenciais suscitadas no recurso apresentado pelo Ministério Público convoca a discussão da possibilidade legal das Polícias Municipais, no âmbito das suas competências de fiscalização estradal, efectuarem testes quantitativos de pesquisa de álcool no sangue e das consequências probatórias, em termos de validade, decorrentes do teste/detenção assim operados.
 
III–2.)-Como temos por habitual, vamos conferir primeiro o teor factualidade que se mostra definida na sentença recorrida:

Factos provados:

1.–No dia 26 de Outubro de 2021, pelas 23h20, na Avª. ..... ....., em São ..... ....., o arguido conduzia o automóvel de matrícula “46...... ”.
2.–Interceptado pela Polícia Municipal de C_____ foi determinada ao arguido a realização de teste de álcool através do analisador do ar expirado (de despiste qualitativo), tendo o mesmo apresentado o resultado aproximado de 1,55 g/l;
4.–Acto contínuo, os Agentes da Polícia Municipal determinaram ao arguido que os acompanhasse no “carro de patrulha” da Polícia Municipal de C_____;
5.–Dirigiram-se com ele até ao Departamento de Polícia onde foi realizado um teste de pesquisa de álcool no sangue através do analisador do ar expirado no aparelho quantitativo.
6.–Consta junto aos autos, um denominado “auto de notícia por detenção”, exarado no dito Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
7.–Consta também igualmente da lavra do Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização, uma notificação, da qual resulta, entre o mais, a indicação de que o cidadão foi notificado de que poderia realizar a contraprova relativamente ao exame quantitativo realizado e de que o mesmo havia prescindido da sua realização.
4.–O aludido escrito está subscrito pelo arguido e pelo agente autuante.
5.–Resulta também dos autos, a fls. 4 e segts., desta feita já elaborado na Esquadra da PSP de C_____, que no dia 27-10-2021, cerca da 00h01, quando me encontrava de serviço de graduado, compareceu nesta esquadra a testemunha agente da Polícia Municipal, os quais vieram fazer a entrega sob detenção do indivíduo devidamente identificado como suspeito.
6.–Nada consta averbado do certificado de registo criminal do arguido (...).

Mais se provou:

7.–Que o Arguido é mecânico de automóveis por contra própria, auferindo mensalmente um rendimento de cera de € 1.000,00.
8.–Tem dois filhos, um de 24 anos e outro de 18 meses, sendo certo que o primeiro é independente, e o segundo, contribuindo para o seu sustento com cerca de € 300,00/400,00 mensalmente.
9.–Reside sozinho em casa arrendada pela qual paga cerca de 550,00 por mês.

Factos não provados:

- No circunstancialismo descrito em 1., o arguido conduzia com uma taxa (TAS) de, pelo menos, 1,93 g/l de álcool no sangue, deduzido o erro máximo admissível, a que correspondente a uma TAS de 1,78 g/l registada.
- O arguido previu e quis conduzir o veículo na via pública, apesar de saber que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que conduzia sob a influência do álcool, tendo apresentado uma taxa que excedia 1,20 gramas de álcool por litro de sangue.
- Agiu em tudo de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.

III–3.1.)-A fundamentação que justifica a definição deste alinhamento factual assume uma extensão e complexidade relevante, combinando razões de natureza probatória em sentido estrito (elementos documentais, resultado do teste de fls. 15, CRC de fls. 24, sendo que o Arguido, em audiência, basicamente, confessou os factos e verbalizou o seu arrependimento), com uma vasta argumentação de índole essencialmente jurídica.

Uma vez que a sentença foi proferida de forma oral, não nos cumprindo proceder à reprodução integral da respectiva fundamentação, ainda assim, não deixaremos de particularizar na mesma, por mais significativos, os seguintes tópicos essenciais:

O crime em referência é um crime de actividade que se consuma no momento da constatação da condução do veículo com uma taxa de alcoolemia proibida, indiciada imediata e directamente no momento da infracção, pelo resultado do teste de despiste;
O teste quantitativo, essencial nesta infracção, pois que destinada a obter uma certeza judicialmente calibrada através de exame pericial, que constitui prova aliás, vinculada, terá que respeitar as regras processuais e as regras de competência de cada uma das autoridades para empreender determinadas actos materiais;
O Arguido jamais poderá confessar uma taxa de alcoolemia, pois não tem razão de ciência para tal;
O teste quantitativo realizado nestes autos não é passível de ser valorado em virtude da desconformidade a padrões constitucionais que vinculam directamente entidades públicas e privadas;
As competências das polícias municipais estão desde logo regulamentadas a nível constitucional nos art.ºs 237.º, n.º 3 e 272.º da CRP.
Aquelas são serviços administrativos de apoio ao respectivo Município, no quadro do cumprimento de normativos administrativos emanados pela Edilidade, ou cujo cumprimento e fiscalização a Lei defira aos Municípios.
Não são forças de segurança e muitos menos órgãos de polícia criminal (art. 25.º da Lei 53/2008, de 29/08 - Lei da Segurança Interna, e art. 3.º, n.ºs 1 a 5 da Lei 19/2004, de 20/05);
A investigação e recolha de prova judiciária está sujeita a regras substantivas tal como prescrito na Constituição e designadamente no Código Processo Penal, Lei de Segurança Interna, ou na Lei de Organização e Investigação Criminal - Lei n.º 49/2008 de 27/08;
A Lei não defere aos Municípios a fiscalização da condução sob o efeito do álcool e substâncias psicotrópicas e muito menos lhe defere a investigação e recolha de prova enquanto actos materiais tendentes ao inquérito e investigação criminal dos tipos criminais como aquele aqui em presença;
A detenção que aqui foi empreendida pela Polícia Municipal depende sempre de flagrante da prática de crime punível com pena de prisão;
Ela não ocorre quando é lavrado o auto de detenção a que se refere na factualidade demonstrada, mas verifica-se materialmente quando o sujeito, após ter sido interceptado pela força policial é reencaminhado dentro do carro de patrulha;
A detenção do Arguido tinha que orientar-se, no prazo mais curto possível, à entrega do suspeito ao OPC ou força de segurança (art. 3.º, n.º 4, da Lei 19/2004 e art. 255.º, n.º1, al. b, do CPP);
Se a constatação do flagrante delito se dá com a realização do teste de despiste, qualitativo, com o resultado materializado em 1,55, logo superior a 1,20, então, caberia à Polícia Municipal tê-lo deslocado, sim, detido, sim, no seu carro patrulha, mas à esquadra ou posto policial mais próximo;
Não o tendo feito e não conferindo a Lei não confere à Polícia Municipal poderes para realizar quaisquer perícias ou exames específicos, mormente no que à investigação de crimes comuns apenas cometidos às forças de segurança e OPCs (art.ºs 1 e 2.º da Lei 18/2007 de 17/05, e 151.º e 153.º do CPP), o acto em causa é nulo (161.º, n.º 1, al.ªs a), d), f), g), l), e 162.º, n.º 1, do CPA e consequências retiradas do art. 126.º, al.ªs b) e c) do CPP);
Não pode valorar-se uma prova que foi obtida na sequência de uma “detenção” ilegal;
Tal exame pericial, dada a sua relevância central na demostração do crime em apreço, tem necessariamente que respeitar os direitos fundamentais, ser realizado no âmbito estrito das competências que são conferidas e com as garantias conferidas ao respectivo meio de prova;
No caso, não se pode desligar da forma como aquele foi obtido;
E porque violador de direitos, liberdades e garantias é nulo e de nenhum efeito, constituindo prova proibida;
Seguindo-se o entendimento de que o instituto das proibições de prova como um verdadeiro mecanismo de protecção dos direitos fundamentais, só pode restringir-se de acordo com as regras próprias da Constituição da República, na conjugação do seu art. 32.º, n.º1, com o respectivo n.º 8, observa-se uma reacção em cadeia das eventuais lesões das normas consagradoras de proibições de prova, no sentido da sua nulidade.
A confissão produzida também não abrange a qualificação jurídica.

Ou, na síntese mais incisiva operada pela Digna Magistrada do Ministério Público na sua resposta:
“(…) o tribunal a quo considerou que a detenção do arguido foi ilegal, uma vez que a Polícia Municipal não tem competência para efectuar o teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue - que mais não é que recolha de prova pericial - e, ao efectuá-lo, extrapola/excede as competências que lhe estão acometidas por lei, praticando acto nulo, que deverá concomitantemente consubstanciar prova proibida, que não poderá ser valorada”.

III–3.2.)-As disposições legais a que acima se faz essencial referência estatuem o seguinte:

Constituição da República Portuguesa:

Artigo 237.º
(Descentralização Admirativa)
3.-As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.

Artigo 272.º
(Polícia)
1.-A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
2.-As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.
3.-A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
4.-A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional.

Lei de Segurança Interna - Lei n.º 53/2008, de 29/08:

Artigo 25.º
Forças e serviços de segurança
1–As forças e os serviços de segurança são organismos públicos, estão exclusivamente ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidários e concorrem para garantir a segurança interna.
2–Exercem funções de segurança interna:
a)-A Guarda Nacional Republicana;
b)-A Polícia de Segurança Pública;
c)-A Polícia Judiciária;
d)-(Revogada.)
e)-O Serviço de Informações de Segurança.
3–Exercem ainda funções de segurança, nos casos e nos termos previstos na respectiva legislação:
a)-Os órgãos da Autoridade Marítima Nacional;
b)-Os órgãos do Sistema da Autoridade Aeronáutica.
4–A organização, as atribuições e as competências das forças e dos serviços de segurança constam das respectivas leis orgânicas e demais legislação complementar.

Lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais (Lei n.º 19/2004, de 20/05):

Artigo 3.º
Funções de polícia
1–As polícias municipais exercem funções de polícia administrativa dos respectivos municípios, prioritariamente nos seguintes domínios:
a)-Fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais;
b)-Fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja competência de aplicação ou de fiscalização caiba ao município;
c)-Aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais.
2–As polícias municipais exercem, ainda, funções nos seguintes domínios:
a)-Vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, designadamente de áreas circundantes de escolas, em coordenação com as forças de segurança;
b)-Vigilância nos transportes urbanos locais, em coordenação com as forças de segurança;
c)-Intervenção em programas destinados à acção das polícias junto das escolas ou de grupos específicos de cidadãos;
d)-Guarda de edifícios e equipamentos públicos municipais, ou outros temporariamente à sua responsabilidade;
e)-Regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.
3–Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas.
4–Quando, por efeito do exercício dos poderes de autoridade previstos nos n.os 1 e 2, os órgãos de polícia municipal directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito, bem como à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente.
5–Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal.

Artigo 4.º
Competências
1–As polícias municipais, na prossecução das suas atribuições próprias, são competentes em matéria de:
a)-Fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e da aplicação das normas legais, designadamente nos domínios do urbanismo, da construção, da defesa e protecção da natureza e do ambiente, do património cultural e dos recursos cinegéticos;
b)-Fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam procedimento criminal;
c)-Execução coerciva, nos termos da lei, dos actos administrativos das autoridades municipais;
d)-Adopção das providências organizativas apropriadas aquando da realização de eventos na via pública que impliquem restrições à circulação, em coordenação com as forças de segurança competentes, quando necessário;
e)-Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal;
f)-Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente;
g)-Elaboração dos autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracções às normas referidas no artigo 3.º;
h)-Elaboração dos autos de notícia, com remessa à autoridade competente, por infracções cuja fiscalização não seja da competência do município, nos casos em que a lei o imponha ou permita;
i)-Instrução dos processos de contra-ordenação e de transgressão da respectiva competência;
j)-Acções de polícia ambiental;
l)-Acções de polícia mortuária;
m)-Garantia do cumprimento das leis e regulamentos que envolvam competências municipais de fiscalização.

Lei de Organização da Investigação Criminal - Lei n.º 49/2008, de 27/08:

Artigo 2.º
Direcção da investigação criminal
1–A direcção da investigação cabe à autoridade judiciária competente em cada fase do processo.
2–A autoridade judiciária é assistida na investigação pelos órgãos de polícia criminal.
3–Os órgãos de polícia criminal, logo que tomem conhecimento de qualquer crime, comunicam o facto ao Ministério Público no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias, sem prejuízo de, no âmbito do despacho de natureza genérica previsto no n.º 4 do artigo 270.º do Código de Processo Penal, deverem iniciar de imediato a investigação e, em todos os casos, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
4–Os órgãos de polícia criminal actuam no processo sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente, sem prejuízo da respectiva organização hierárquica.
5–As investigações e os actos delegados pelas autoridades judiciárias são realizados pelos funcionários designados pelas autoridades de polícia criminal para o efeito competentes, no âmbito da autonomia técnica e táctica necessária ao eficaz exercício dessas atribuições.
6–A autonomia técnica assenta na utilização de um conjunto de conhecimentos e métodos de agir adequados e a autonomia táctica consiste na escolha do tempo, lugar e modo adequados à prática dos actos correspondentes ao exercício das atribuições legais dos órgãos de polícia criminal.
7Os órgãos de polícia criminal impulsionam e desenvolvem, por si, as diligências legalmente admissíveis, sem prejuízo de a autoridade judiciária poder, a todo o tempo, avocar o processo, fiscalizar o seu andamento e legalidade e dar instruções específicas sobre a realização de quaisquer actos.

Artigo 3.º
Órgãos de polícia criminal

1–São órgãos de polícia criminal de competência genérica:
a)-A Polícia Judiciária;
b)-A Guarda Nacional Republicana;
c)-A Polícia de Segurança Pública.
2–Possuem competência específica todos os restantes órgãos de polícia criminal.
3–A atribuição de competência reservada a um órgão de polícia criminal depende de previsão legal expressa.
4Compete aos órgãos de polícia criminal:
a)-Coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação;
b)-Desenvolver as acções de prevenção e investigação da sua competência ou que lhes sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes.

Artigo 4.º
Competência específica em matéria de investigação criminal

1–A atribuição de competência específica obedece aos princípios da especialização e racionalização na afectação dos recursos disponíveis para a investigação criminal.
2–Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 7.º, os órgãos de polícia criminal de competência genérica abstêm-se de iniciar ou prosseguir investigações por crimes que, em concreto, estejam a ser investigados por órgãos de polícia criminal de competência específica.

Regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas - Lei n.º 18/2007, de 17/05:

Artigo 1.º
Detecção e quantificação da taxa de álcool

1–A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.
2–A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3–A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.

Artigo 2.º
Método de fiscalização

1–Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.
2–Para efeitos do disposto no número anterior, o agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, quando necessário.
3–Sempre que para o transporte referido no número anterior não seja possível utilizar o veículo da entidade fiscalizadora, esta solicita a colaboração de entidade transportadora licenciada ou autorizada para o efeito.
4–O pagamento do transporte referido no número anterior é da responsabilidade da entidade fiscalizadora, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 158.º do Código da Estrada.

III–3.3.)-As questões que acima se deixaram inventariadas não assumem um carácter inovador.
Sucedendo, no entanto, que a Jurisprudência da presente Relação - aquela em que, ao que julgamos, se colocarão com a acuidade apontada - não lhes tem conferido uma solução uniforme.

Em sentido divergente ao sentido veiculado pela sentença recorrida registámos as seguintes decisões:

Acórdão de 29/07/2020, no processo n.º 34/20.9PBCSC.L1-3 (Relatora, Desembargadora Dr.ª Cristina Almeida e Sousa);
Acórdão de 21/10/2021, no processo n.º 2566/21.2T9CSC.L1.9 (Relator, Desembargador Dr. António Carneiro da Silva);
Declaração de voto do Exm.º Colega Dr. Jorge Gonçalves no segundo processo abaixo indicado).

Apontando no mesmo sentido decisório:

Acórdão de 08/07/2020, no processo n.º 86/20.1PDCSC.L1 da 3.ª Secção deste Tribunal (Relatora, Desembargadora Dr.ª Florbela Sebastião e Silva); DGSI);
Acórdão de 23/03/2021, desta 5.ª Secção, no processo n.º 244/20.9PCCSC.L1-5 (Relator, Desembargador Dr. Artur Vargues);
Acórdão de 09/09/2021, no processo n.º 756/20.4PBCSC.L1-9 (Relatora, Desembargadora Dr.ª Maria da Luz Batista);
Acórdão de 17/09/2021, no processo n.º 221/21.2PGCSC.L1-9 (Relatora, Desembargadora Dr.ª Filipa Costa Lourenço);
Acórdão de 07/10/2021, no processo n.º 193/21.3PGCSC.L1- 9 (Relatora, Desembargadora Maria do Rosário da Silva Martins);
Acórdão de 14/10/2021 no processo n.º 160/21.7PGCSC.L1-9 (Relatora, Desembargadora Dr. Maria José Cortes Caçador);
Acórdão de 18/01/2022 da 5.ª Secção no processo n.º 318/21.9PGCSC.L1-5 (Relator, Desembargador Dr. Jorge Antunes).

(À excepção do acórdão no processo n.º 86/20.1PDCSC.L1, todos os demais estão publicados no site da DGSI).
 
Os argumentos a favor ou contra tais entendimentos mostram-se perfeitamente recenseados nas decisões já referidas, que poderemos polarizar em função do carácter desenvolvido ou marcante da sua fundamentação, nos sobreditos acórdãos nos processos n.ºs 756/20.4PBCSC.L1-9 (em que claramente se apoia a sentença
a quo) e 34/20.9PBCSC.L1-3.

III–3.4.)-Do nosso ponto de vista, na justaposição das diferentes fontes normativas acima indicadas, existe, com efeito, margem para dúvidas no espaço de regulamentação que aqui temos presente, em torno das competências e atribuições das Polícias Municipais.

Por um lado conferem-se-lhes poderes de “regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal”, com “competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas”, de “fiscalizar o cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam procedimento criminal”, de “detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal”, de “denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente”, de “elaboração dos autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracções às normas referidas no artigo 3.º e de “elaboração dos autos de notícia, com remessa à autoridade competente, por infracções cuja fiscalização não seja da competência do município, nos casos em que a lei o imponha ou permita”.

Por outro, temos uma infracção em que um dos elementos do tipo objectivo faz apelo a um exame considerado de natureza pericial para a sua determinação quantitativa, sendo que o n.º 5 do mencionado art. 3.º da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, também sustenta que “é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal”, o que aquelas claramente não são, não tendo pois competência para determinar o referido teste quantitativo, o verdadeiramente essencial para a verificação da infracção.

Donde, numa combinação mais consensual daqueles mesmos poderes, considerarmos também como solução preferível para a conjugação daquelas disposições normativas, entender-se que tais Polícias podem fiscalizar o trânsito rodoviário no âmbito da sua jurisdição territorial, mormente de prevenção da sua realização alcoolizada, efectuar o chamado teste “qualitativo” para a sua despistagem, sendo que em caso positivo (leia-se susceptível de constituir crime, como no caso em presença), devem deter o infractor, e conduzi-lo à esquadra ou posto do OPC com jurisdição na área de detecção do ilícito, “ou, em alternativa, contactar aquela força de segurança para que possa entregá-lo no imediato, dando conta, precisamente, da verificação de flagrante delito da prática de condução em estado de embriaguez”, e assim se prosseguirem os demais termos do processo.

Desta forma não se obliteriam as suas atribuições fiscalizadoras que a Legislação citada não afasta, com uma actuação legalmente mais estrita em termos da natureza e competências daquelas mesmas Polícias.

Já sabemos que na defesa da posição contrária, o já mencionado acórdão no processo n.º 34/20.9PBCSC.L1-3 defende que também podem efectuar o teste quantitativo.

Ao que doutamente se aduz, “(…) sendo a polícia municipal uma entidade policial, tem competência para a elaboração de auto de notícia relativamente a crime de denúncia obrigatória que presencie (artigo 243.º do CPP) ou para a detenção em flagrante delito (artigo 255.º do CPP).
O artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004, inclui entre as competências próprias da polícia municipal, a detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal. Pese embora não deva usar do prazo de 48 horas previsto no art. 254.º, n.º 1, al. a), do CPP, a alusão a entrega imediata reforça a necessidade de o detido ser entregue com urgência, no mais curto espaço de tempo possível, mas é compatível com a elaboração do auto de notícia pela polícia municipal, o qual não prescinde da realização prévia do teste quantitativo do álcool e, uma vez realizado este e obtida uma TAS superior a 1,20 gr/litro está perfeitamente consolidado o flagrante delito.
Acresce ao que fica dito que, se, por um lado, por imposição do art. 2.º, n.º 1, da Lei 18/2007, de 17 de Maio, quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos, por outro lado, a polícia municipal tem, entre as suas competências próprias, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 4.º n.º 1, alínea f), da Lei n.º 19/2004, e do artigo 249.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPP, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, até à chegada do órgão de polícia criminal competente, perante os crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções”.

O acórdão no processo n.º 160/21.7PGCSC.L1, também o sustenta, chamando igualmente a atenção para que o procedimento de detecção e quantificação da taxa de álcool no sangue é idêntico para contra-ordenações e crimes, que a utilização do analisador quantitativo é única forma da autoridade poder distingui-las para assim poder levantar o respectivo auto de notícia, cuja competência, na primeira das situações, ninguém disputará.

A estes argumentos responde, por exemplo, o acórdão da 9.ª Secção de 17/09/2021, no processo n.º 221/21.2PGCSC.L1-9, contrapondo no acrescento das razões mencionadas no acórdão desta Secção no processo n.º 244/20.9PCCSC.L1 que:

“Oferece-nos ainda acrescentar, ainda que colateralmente relacionada com a questão fulcral que se aborda que a “limitação de competências de âmbito de polícia criminal”, por referência à teleologia da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, se justifica igualmente pelo facto de que, ao contrário das forças de segurança que são OPC, os agentes da POLMUN não estão adstritos ao estatuto profissional inerentes ao regulamento profissional e de avaliação, quer da PSP quer da GNR, nem ao seu código deontológico, nem tão pouco ao seus agentes estão vinculados a comandos policiais, seja do Director Nacional da PSP ou do Comandante-geral da GNR, mas apenas à dependência hierárquica do Presidente de Câmara respectivo, o que não é, de todo em todo, identitário, por motivos óbvios de se tratar de um comando meramente administrativo (e não policial).

Ora, esta diferenciação entre o regime a que estão vinculadas as forças de segurança e as exigências da sua actuação, simbioticamente relacionadas com as funções que legalmente lhes estão cometidas, e cuja diferença relativamente à POLMUN é ostensiva, deve também ser considerada no modo como se interpreta a lei habilitante, tal como na (im)possibilidade de interpretar extensivamente e até analogicamente (por referência aos poderes funcionais conferidos aos OPC) os poderes de autoridade de que a POLMUN se arroga.
Aliás, observe-se a análise constitucional acima empreendida, para que se remete por desnecessidade de duplicação de explanação, da qual decorre inequivocamente a impossibilidade de interpretação extensiva ou de aplicação analógica das medidas de polícia permitidas às forças de segurança e aquelas que por lei expressa (na concretização do princípio da tipicidade) são atribuídas ao desempenho de funções da POLMUN).
Em suma, parece-nos que devem entender-se como tal tão-só e estritamente aquelas medidas de polícia prescritas na Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, e não a extensão e conteúdo daquelas cujo exercício está permitido às forças de segurança.

Não nos parece que no âmbito do CE se pretenda conferir uma maior amplitude de funções à POLMUN do que aquelas que lhe estão constitucionalmente cometidas e concretizadas pela lei própria habilitante.
Nem tão pouco se julga legítimo que se considere que, neste enquadramento do CE ou do regulamento de despistagem de álcool e substâncias psicotrópicas, que os mesmos se operacionalizam atribuindo mais poderes à POLMUN do que aqueles que lhe são deferidos em estatuto próprio e que a distingue claramente dos OPC.
A interpretação nesse sentido, que é empreendida pela forma como estão redigidos os preceitos do CE (porque ali apenas se refere autoridade ou agente de autoridade) ou da dita Lei n.º 18/2007, poderia levar ao absurdo de, em certos casos, termos de considerar, em abstrato, a ASAE, a AT ou outra qualquer autoridade administrativa legítimas para estes efeitos (por serem autoridades e agentes de autoridade administrativa e até OPC) a fiscalizar a condução sob o efeito do álcool, ou melhor esclarecendo, a prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, já que naquele diploma (Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio) efectivamente não distingue ali qualquer entidade competente para a fiscalização de condução sob o efeito de álcool ou substâncias psicotrópicas, apenas referenciando a “entidade fiscalizadora”.

III–3.5.)-O outro aspecto sobre o qual recai a irresignação do Douto Recorrente, dirige-se depois para o efeito à distância da obtenção da prova considerada proibida (teste quantitativo realizado por entidade sem competência a que se associa a verificação de uma detenção considerada ilegal), sustentando que a possibilidade de projecção dos efeitos da invalidade ou inexistência emergentes das proibições de prova, nos actos processuais subsequentes, não ter de ser nem ilimitada nem absoluta.

Os motivos porque assim considera, remetem-nos uma vez mais, para o teor do já identificado acórdão da 3.ª Secção, no processo n.º 34/20.9PBCSC.L1, que convoca Doutrina e Jurisprudência internacional e nacional (nomeadamente o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de Março, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/02/2008, no processo n.º 07P4553) para defender exactamente a limitação de tais efeitos à distância, mormente “a da fonte independente, a da descoberta inevitável e a da mácula dissipada (…) conciliáveis com os princípios constitucionais que inspiram o sistema jurídico-penal português”.

Ao que ao caso importa, “(…) estando ou não detido, estando detido de forma lícita ou ilícita, o arguido sempre teria de ser submetido ao teste quantitativo do álcool e este teste sempre acusaria a taxa de 1,24 gr/litro, deduzido o erro máximo admissível, dada a natureza obrigatória do exame e em face dos critérios estritamente técnicos e científicos em que assenta este tipo de prova.
Não se trata, em rigor, de obter uma prova à custa da privação da liberdade do arguido de forma abusiva e fora das condições legais em que sãos admissíveis restrições à sua liberdade individual. É um exame objectivo, realizado por um dispositivo que sempre teria de ser levado a cabo, não tendo a detenção qualquer influência no resultado.
Tudo isto para concluir que há contradição insanável entre a matéria de facto e da decisão e erro notório na consideração da detenção como ilegal e na atribuição de efeito remoto ao teste quantitativo de pesquisa do álcool que é plenamente válido e eficaz, pelo que a factualidade apurada e fixada na sentença recorrida jamais poderia ter alicerçado a absolvição do arguido, como alicerçou.
Muito pelo contrário, ela integra todos os elementos constitutivos do tipo incriminador contido no art. 292.º do CP”.

Ao que a corrente oposta lhe contrapõe, que:

“Concretizando em aplicação aos casos penais:
I- Em matéria de invalidade da prova há que distinguir entre regras de produção de prova, proibição de produção de prova e proibição de valoração de prova.
II-A prova obtida através de método proibido é insusceptível de valoração pelo tribunal.
III- A prova obtida contra legem, mas através de método não proibido, pode ser valorada sempre que susceptível de se obter através de meio ou procedimento conforme à lei, suposto, evidentemente, que a irregularidade do acto de produção de prova não haja sido arguida. (Ac. TRC de 19.12.2001 proc. n.º 2721/2001sublinhados nossos)
*

Ora, no caso presente, outra forma não há de obter/repetir aquela prova, já que a POLMUN, em detrimento do estabelecimento da coordenação com a PSP em ordem a proceder à entrega da cidadã detida ao OPC, permitindo que esta força de segurança, como é da sua competência, instruísse o processo, pelo que se configura uma situação de proibição de valoração da prova assim obtida, uma vez que esta não é susceptível de se desligar dos moldes em que foi obtida.
Em suma, integra o disposto conjugadamente no art. 126.º, n.º 1 e 2 al. a) e c) do CPP, o que impõe ao Tribunal um óbice à consideração dessa mesma prova, em abono na doutrina perfilhada do(s) Fernwirkung des Beweisverbots (fruto da árvore envenenada) uma vez que consideração diversa imporia sacrificar o princípio da liberdade e segurança do cidadão (constitucionalmente consagrado e ampla e legalmente densificado, nos termos acima desenvolvidos) com o argumento, tantas vezes vilipendiado, da constatação da verdade material (de outra forma não realizável no processo), e em nosso entendimento não justificável na ponderação dos interesses no caso concreto, neste processo em contraposição.
Impõe-se ao juiz que tome posição no sentido de apurar, nesta justaposição de interesses, o equilíbrio sempre precário e o valor que deva prevalecer em concreto, face à verificação simples e literal da verdade material ou à sua compaginação com a forma como, violando direitos fundamentais ou de civilidade análogos a direitos, liberdades e garantias, com o é o de uma polícia administrativa que actue subordinando-se à Consitituição e à Lei, ultrapassando as medidas de polícia que lhe estão atribuídas e restringido a liberdade de movimentos, a decisão e a formação da vontade do cidadão, aqui arguido, em (ab)uso da autoridade (para além do permitido legalmente e, desta forma, em detrimento de se acautelar a custódia da prova, se atropela/m garantias consititucionais, protegidas e densificadas na Lei Habilitante).

(Recordamos que uma actuação fora do catálogo de medidas de polícia atribuídas, sujeitas constitucionalmente a um princípio de tipicidade e de proibição do excesso não faz presumir a existência de urgência e necessidade de actuação, quando a adopção e cumprimento dos ditames legais permitiria a recolha análoga de prova, pelo OPC competente, e no mesmíssimo período de tempo, em nada perigando a custódia da prova). (sublinhado no original).
A uma actuação inconstitucional importará o remédio radical da sua intolerabilidade na ordem jurídica, arredando-o de qualquer valoração porquanto obtida em violação do regime directamente aplicável dos Direitos, Liberdades e Garantias Constitucionais, cominando-lhe, de um lado, o regime da nulidade do acto material e, do outro, o regime das proibições de prova em matéria de processo penal.
Somos, pois, de acolher o entendimento da insusceptibilidade de valoração de uma prova obtida nestes termos, ademais, quando, repetimos e sublinhamos, havia forma de, em tempo e regularmente, aquela ter sido produzida no respeito por tais direitos civilizacionais.
A acção da POLMUN não pode, pois, merecer a tutela do Direito, num circunstancialismo em que se impunha, até por configurar legalmente uma autoridade administrativa, que esta polícia, em detrimento de tal atropelo, agisse em cooperação com as forças de segurança.
Assim julgamos no caso concreto, em abono da reintegração do direito a uma polícia que actue no quadro constitucional e legal vigentes, e no respeito pela liberdade e segurança de todos os cidadãos, impondo a adopção de mecanismos aqui materializados na pessoa do arguido, tendentes ao respeito pela vinculação funcional (art. 237.º, n.º 3 e 272.º, n.º 2 da CRP) que simultaneamente comporta o princípio da tipicidade das medidas de polícia e, por outro, proíbe o excesso, aqui verificado e, através do qual foi obtida prova ilícita que, por motivos de ordem e aplicação do regime constitucional do Estado de Direito e das

proibições de prova em processo penal, tem de ser desconsiderada e não podendo ser utilizada (art. 161.º, n.º 1 e 2, al. d), do CPA e art. 126.º, n.º 1 e 2 do CPP).”

Argumentos também veiculados, por vezes quase textualmente, pela Mm.ª Juíza a quo.

Nesta conformidade, ainda que se aceite, tal como o aduz o Ministério Público no seu recurso, que o condutor automóvel, na situação indicada, estava obrigado a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de alcoolemia em que se encontraria, já não o acompanhamos quando sustenta que nessas exactas condições, praticaria um crime de desobediência, caso recusasse.
Tal só sucederia se o tivesse feito perante o OPC competente.

Da mesma forma que, sem prejuízo de uma eventual melhor reconsideração desta segunda vertente do problema, também não perfilharemos o entendimento de que se verifica “erro notório na consideração da detenção como ilegal, na invalidade da realização do teste quantitativo realizado e na atribuição de efeito remoto ao teste quantitativo de pesquisa do álcool, que é plenamente válido eficaz.”

Assim:

IV–Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, julga-se pois improcedente o recurso apresentado pelo Ministério Público, mantendo-se a decisão recorrida.

Sem custas, por não serem devidas.



Lisboa,03-05-2022



Luís Gominho
Vieira Lamim



Elaborado em computador. Revisto pelo relator o 1.º signatário