Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14188/19.3T8LSB-A.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
INDEFERIMENTO LIMINAR
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I- A falta de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial não integra nenhuma das nulidades da sentença prevista no art. 615º do CPC.
II- Invocando a embargante que é subarrendatária de um imóvel e não visando a penhora em causa o direito invocado pela embargante, tal alegação evidencia manifesta improcedência da pretensão da embargante, não se estando aqui perante qualquer deficiência da petição inicial que importasse convidar a corrigir ou completar.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- AAA., instaurou no Juízo do Trabalho de Lisboa a presente Oposição mediante Embargos de Terceiro na Execução em que é Executada BBB  e CCC
II- PEDIU, a suspensão da diligência de penhora.
III- ALEGOU, em síntese, que:
- Não é e não é parte nos autos de processo executivo em que é Exequente CCC e Executada a sociedade BBB, processo para execução de sentença;
- No dia 23 de abril de 2019, a Embargante celebrou um contrato de subarrendamento com a acima referida BBB como legítimo arrendatário, de fracções autónomas do prédio urbano sito … conforme cópia do contrato de arrendamento;
- Estas fracções destinadas a escritórios e comércio, referem-se aos pisos …., conforme melhor consta no referido contrato, passando a Embargante a ocupar as referidas instalações;
- Para o dia 10 de setembro de 2020, a Embargante teve conhecimento de um agendamento da Sra. Agente de Execução, para realizar penhora nestas instalações, relativamente à Executada, apesar da posse das frações pela Embargante, e de que no piso … funcionarem gabinetes de advogados, e que no … todo o recheio pertence a um terceiro;
- A Embargante ocupa as frações, encontrando-se inclusive algumas encerradas devido à pandemia;
- A Embargante é terceiro quanto a este procedimento executivo, e como tal, não foi ouvida nem convencida em qualquer ação declarativa sobre os seus direitos;
- A eventual penhora de bens ofenderia gravemente os direitos de um terceiro, que nunca teve direito ao contraditório nem foi ouvido como interessado direto na causa.
IV- Seguidamente foi proferido despacho de indeferimento liminar com o seguinte teor:
I – Despacho de Indeferimento Liminar dos Embargos de Terceiro (Proc. nº14188/19.3T8LSB-A)
1.Relatório
AAA deduziu o presente incidente de embargos de terceiro, pedindo que seja suspensa a diligência de penhora.
Fundamentou a sua pretensão no seguinte: a Embargante não é parte nos autos de processo executivo acima referenciado, em que é Exequente CCC e Executada a sociedade BBB, processo para execução de sentença; no dia 23/0/2019, a Embargante celebrou um contrato de subarrendamento com a acima referida BBB como legítimo arrendatário, de frações autónomas do prédio urbano sito na …; estas fracções destinadas a escritórios e comércio, referem-se aos pisos …, conforme melhor consta no referido contrato, passando a Embargante a ocupar as referidas instalações; inclusive, a executada já alterou a sua sede social para Rua … …; para o dia de hoje, 10 de setembro de 2020, a Embargante teve conhecimento de um agendamento da Sra. Agente de Execução, para realizar penhora nestas instalações, relativamente à Executada, apesar de anteriormente confrontada com o referido contrato e demais documentos que provam a posse das frações pela Embargante, de que no piso … funcionam inclusive gabinetes de advogados, e que no … todo o recheio pertence a um terceiro.
Alegou juntar um documento, mas não juntou, requereu a inquirição das testemunhas que arrolou.
Sucede que os presentes embargos carecem manifestamente de fundamento legal, pelo devem de imediato ser liminarmente indeferidos, estando prejudicada a produção das diligências probatórias requeridas pelo Embargante (cfr. arts. 590º/1 e 345º, 1ªparte, do C.P.Civil de 2013, aplicáveis ex vi dos arts. 1º/2a) e 98ºA do C.P.Trabalho). Concretizando. *
 2.Factos Provados a Considerar
Importa considerar os seguintes factos, que em face da prova documental já produzida, se encontram provados:
 1) Os presentes autos estão apensos à acção de processo executivo nº14188/19.3T8LSB.1, em que CCC, como Exequente, reclama o pagamento pela BBB, como Executada, da quantia de € 121.000,00 e os respectivos juros vincendos, contados desde 12/02/2020, à taxa legal de 4,00%, ate integral liquidação.
2) Como título executivo é apresentada a sentença proferida nos autos principais, já transitada em julgado, na qual foi julgada válida e relevante a transacção efectuada entre Autor/Exequente e Ré/Executada nos seguintes termos: «1 - O Autor reduz o pedido para a quantia de 121.000,00 euros, quantia que a Ré aceita pagar a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho. 2 - A quantia referida em 1) será paga em 21 prestações mensais, sendo a primeira no valor de 7.000,00 euros, e as restantes no valor de 5.700,00 euros cada, vencendo-se a primeira no dia 20-12-2019, vencendo-se a segunda no último dia do mês de Janeiro de 2020 e as restantes no último dia de cada um dos meses imediatamente subsequentes. 3 - As prestações referidas em 2), serão pagas através de transferência bancária a efectuar pela Ré para a conta do Autor cujo … é do conhecimento da Ré por corresponder à conta para onde eram processados os respectivos vencimentos mensais. 4 - Paga integralmente a quantia referida em 1), o Autor declara que nada mais tem a reclamar da Ré ou das sociedades que fazem parte do mesmo grupo da Ré, seja a que título for, por força da celebração, execução e/ou cessação do contrato de trabalho objecto dos presentes autos. A Ré igualmente declara que nada mais tem a reclamar do Autor por força da celebração, execução e/ou cessação do mesmo contrato de trabalho».
3) Na referida acção executiva, por despacho proferido em 02/09/2020, autorizou-se a intervenção e o auxílio da força pública de segurança por forma a ser concretizada a diligência de penhora de bens móveis da Executada nas fracções/locados identificados no contrato de arrendamento cuja cópia de encontra junta a fls. 22 a 27v desses autos execução.
*
3.Fundamentação de Direito
Os embargos de terceiro assumem, após a revisão do C.P.Civil de 1995/1997, a fisionomia de um incidente da instância: «Considerou-se que, em termos estruturais, o que realmente caracteriza os «embargos de terceiro» não é tanto o caracter «especial» da tramitação do processo através do qual actuam - que se molda essencialmente pela matriz do processo declaratório, com a particularidade de ocorrer uma fase introdutória de apreciação sumária da viabilidade de pretensão do embargante - mas a circunstância de uma pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenando no interesse de alguma das partes em causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante» (vidé preâmbulo do Dec.-Lei nº329-A/95, de 12/12).
Os embargos de terceiro apresentam-se, agora, como meios de reacção contra actos de carácter judicial externados sob a forma de despacho ou sentenças, sendo que visam reagir contra a penhora, a entrega judicial, o arresto, o arrolamento, a posse judicial, o mandado de despejo, ou qualquer outra diligência judicialmente ordenada de apreensão ou entrega de bens. O uso dos embargos de terceiro previstos no art. 351º/1 do C.P.Civil na redacção anterior à de 2013, não se resume aos casos de “apreensão ou entrega de bens”, podendo ter lugar quando outras medidas judiciais sejam ofensivas da posse e propriedade ou de qualquer outro direito de terceiro .
A partir da reforma de 1995-96, os embargos de terceiro passaram a poder fundar-se na titularidade do direito de fundo, sendo que essencial é que aquela posse e este direito (maxime, de propriedade ou direito real de gozo menor) sejam incompatíveis com a realização ou âmbito de uma das diligências supra indicadas.
Prescreve o art. 342º/1 do C.P.Civil de 2013, aplicável ex vi dos arts. 1º/2a) e 98ºA do C.P.Trabalho: «Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro».
Daqui resulta que os embargos de terceiro assentam num duplo fundamento: um fundamento de direito constituído pela posse ou qualquer outro direito incompatível com o acto (de agressão patrimonial) ordenado e um fundamento de facto constituído pela ofensa ou lesão da posse ou desse direito.
Logo, a causa de pedir dos embargos de terceiro é a factualidade integrante do direito invocado, seja a posse, seja a propriedade, seja algum outro direito incompatível com a diligência judicial que se pretende impugnar, bem como a integrante daquela diligência: o embargante tem de articular, a título de causa de pedir, os factos donde derive o direito ou a situação invocada legalmente incompatíveis com o acto judicial em causa.
Ainda no que concerne à causa de pedir nos embargos de terceiro, importa ter presente que o fundamento para o pedido formulado, quer nos embargos repressivos, quer nos embargos preventivos, distingue-se consoante o autor dos embargos se apresente como possuidor, como mero detentor ou, finalmente, como efectivo titular de um direito sobre a coisa que se tornou objecto do acto judicial:
- se está em causa a defesa de uma posse própria, o embargante tem apenas de fundamentar o pedido na alegação de factos demonstrativos da sua posse (corpus e animus), não tendo que demonstrar ser titular do direito sobre o bem envolvido na execução, uma vez que, segundo o art. 1268º/1 do C.Civil, «o possuidor goza da presunção da titularidade do direito»; mas o embargante deverá ainda indicar (sob pena de a petição de embargos vir a ser considerada inepta) a causa de pedir da respectiva acção, isto é, o possuidor tem de alegar o modo de aquisição da posse que exerce sobre a coisa;
- se, diversamente, se pretender a tutela de uma situação de detenção, o terceiro tem de alegar e provar a titularidade de uma determinada relação jurídica (por exemplo de locação) oponível aos embargados, o que significa que o embargante tem de fundamentar o seu direito num título válido e eficaz perante os embargados; assim a causa de pedir, neste segundo grupo de casos, não é já o facto de que deriva a posse, mas antes o concreto negócio (a concreta relação creditória) no qual assenta a posição jurídica do detentor (por, um contrato de arrendamento);
- e nas hipóteses em que o terceiro, sem alegar qualquer posse ou detenção, fundamenta os embargos num direito incompatível “com a realização ou o âmbito da diligência” levada a cabo, torna-se necessária a prova da efectiva titularidade do direito (a alegação, por exemplo, do direito de propriedade implica que o embargante tenha de provar a existência, na sua esfera, deste direito).
Aos fundamentos supra referidos acresce um requisito que consiste em o embargante ter a posição de terceiro relativamente à causa onde foi ordenado o acto judicial ofensivo: «... de que seja titular quem não é parte na causa...».
Portanto, os embargos de terceiro são um meio processual de defesa da posse ou do direito de propriedade (ou outros direitos reais menores de gozo) ameaçados ou ofendidos por um acto judicialmente ordenado, e o seu âmbito e conteúdo está limitado à sua finalidade, tendo pois o embargante que alegar e provar a posse ou o direito de fundo sobre a coisa, a existência da diligência judicial de apreensão ou entrega a outrem e a sua qualidade de terceiro.
Note-se, porém, que os embargos de terceiro podem ser deduzidos antes da execução ou efectivação do acto judicial ofensivo do direito do embargante, isto é, a título preventivo. Com efeito, prescreve o art. 350º/1 do C.P.Civil de 2013, aplicável ex vi dos arts. 1º/2a) e 98ºA do C.P.Trabalho: «Os embargos de terceiro podem ser deduzidos, a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência a que se refere o art. 342º, observando-se o disposto nos artigos anteriores, com as necessárias adaptações».
Estes embargos têm um escopo preventivo porque são tendentes a evitar a diligência susceptível de afectar o direito de posse ou outro da titularidade do embargante, sendo certo que, por um lado, o teminus a quo da sua dedução é a data em que for proferida a decisão judicial de cobertura da diligência afectante do direito do embargante (e não aquela data em que lhe for notificada aquela decisão) e que, por outro lado, o terminus ad quem da sua dedução vai até ao momento em que a referida decisão seja executada (ou seja, até ao momento em que operou a diligência judicial de afectação do direito do embargante, independentemente da data em que aquela diligência foi levada a registo).
Posto isto, quid iuris no caso sub judice?
Em face do que supra se referiu e considerando a factualidade supra alegada, verifica-se que, embora alegue ser subarrendatária das fracções que em irá ocorrer a diligência de penhora (cfr. facto provado a considerar nº3), para além de não juntar sequer o alegado contrato de subarrendamento, a Embargante não alega ser detentor de qualquer direito sobre os bens móveis que eventualmente se encontram dentro das fracções em que virá ocorrer o acto de agressão patrimonial ordenado (penhora).
Com efeito, ao contrário do que a Embargante erradamente parece pressupor, a penhora não incide sobre os bens imóveis (fracções alegadamente subarrendadas) mas sim sobre os bens móveis existentes nos mesmos, sendo que, relativamente a estes, para além de não concretizar que bens móveis existem nas fracções em causa, aquela não alegou e, por isso, jamais poderá lograr provar (sendo que ambos os ónus – de alegação e de prova - lhe incumbem em exclusivo) qualquer facto que consubstancie um acto de aquisição para a sua pessoa do direito de propriedade (ou de posse, ou de outro direito) sobre os bens móveis a serem penhorados: com efeito, após omitir, em absoluto, a alegação de qualquer tipo de acto de aquisição (por compra, ou outro) de um direito a seu favor sobre tais bens móveis, limitando-se a alegar que «no piso … funcionam inclusive gabinetes de advogados, e que no … todo o recheio pertence a um terceiro», donde até resulta que, por um lado, inexistem quaisquer bens seus na fracção «…», e que, por outro lado, nas fracções … e …» os bens aí existente serão de outras pessoas (de uns advogados e de um terceiro, que até nem identifica…), e não da própria Embargante, pelo que esta sempre careceria em absoluto de legitimidade para deduzir os presentes embargos de terceiro.
Acresce que, mesmo a existência do alegado contrato de subarrendamento, que só é susceptível de demonstração probatória através da junção do respectivo documento contratual, que a Embargante alega juntar mais que efectivamente não junta, e nunca através de qualquer prova testemunhal, nunca seria suficiente, por si só, de comprovar qualquer direito de propriedade (ou outro) sobre os bens móveis existentes nas fracções em causa, sendo que, como supra já se referiu, a Embargante omitiu totalmente a identificação dos bens móveis existentes nessas fracções, o que, por si só, atesta e comprova que esta não tem (como não alegou ter) qualquer direito sobre os mesmos (aliás, como é se compreende que alguém que detém um direito sobre certos bens móveis não identifique os mesmos?!).
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, conclui-se que os presentes embargos de terceiro terão que ser indeferidos liminarmente por não ser possível ao Tribunal, perante a factualidade alegada, realizar qualquer juízo de probabilidade ou verosimilhança no sentido de que a Embargante ser titular de um qualquer direito sobre os bens móveis (que nem sequer foram identificados) eventualmente existentes nas fracções onde virá a ocorrer o acto judicial ordenado (penhora), pelo que a pretensão deduzida mostra-se, desde já, como manifestamente inviável.
Sendo liminarmente indeferidos, a Embargante deverá suportar as custas a que deu causa (art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, aplicável ex vi do art. 1º/2a) do C.P.Trabalho).
*
4.Decisão
Face ao exposto e nos termos dos arts. 590º/1, 342º, 345º, 1ªparte, e 350º do C.P.Civil de 2013, aplicáveis ex vi dos arts. 1º/2a) e 98ºA do C.P.Trabalho, decide indeferir-se liminarmente o presente incidente de embargos de terceiro deduzido pela Embargante AAA
Nos termos do art. 306º/2 do C.P.Civil de 2013, aplicável ex vi do art. 1º/2a) do C.P.Trabalho, fixa-se o valor da causa em € 30.857,36 (trinta mil oitocentos e cinquenta e sete euros e trinta e seis cêntimos).
Custas do incidente pela Embargante.
Notifique-se e registe-se.”
Deste despacho recorreu a embargante, apresentando as seguintes conclusões:
(…)
Correram os Vistos legais tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público emitido Douto Parecer no sentido da improcedência do recurso uma vez que o convite ao aperfeiçoamento não é para os casos de falta de factos que corporizam a causa de pedir.
V- A factualidade com interesse para a decisão é a que consta do relatório supra.
VI- Nos termos dos arts. 635º-4, 637º-2, 639º-1-2, 608º-2 e 663º-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pelas apelantes, a questão que fundamentalmente se coloca no presente recursos diz respeito a saber s se estamos perante uma nulidade da sentença nos termos do art. 195º-1-2 do CPC por a embargante não ter sido convidada a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, com violação do disposto no art. 20º-1 da Constituição.
VII- Decidindo.
Como decorre do art. 615º do CPC, as nulidades da sentença são as que ali se encontram enunciadas, nelas não se incluindo a falta de convite a aperfeiçoamento da petição inicial.
Ora se o embargante considera que o Mmº Juiz deixou de praticar um determinado acto processual que a lei prescreve, isso, quanto muito, poderá integrar uma nulidade processual prevista no art. 195º do CPC que deveria ter sido oportunamente arguida em 1ª instância.
Nos termos do art. 199º do CPC, a arguição de nulidades, como a aquela em apreço, está sujeita ao prazo de 10 dias a contar da data em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificado para qualquer termo dele.
Consagra ainda o art. 199º-3 do CPC/ uma excepção ao regime geral, ali se estipulando que "Se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo referido neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição".
Os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis mantêm-se actuais, quanto a esta matéria, dada a extrema similitude dos preceitos legais atinentes na legislação aplicável aos presentes autos.
Assim, no seu Comentário, Vol. II, pags. 513 e 514, depois de esclarecer que o princípio geral é o de que quem julga é o tribunal perante o qual  a nulidade ocorreu, ou o tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu (com os únicos desvios dos arts. 204º-2 e 205º-3 do actual CPC), dá conta de que o CPC de 1876 estabelecia que "As nulidades de que o interessado tivesse conhecimento depois da publicação da sentença ou acórdão final, e que fossem anteriores a essa publicação, só poderiam ser apreciados por ocasião do recurso interposto da mesma sentença ou acórdão. A razão deste desvio era a seguinte: entendia-se que, sendo as nulidades anteriores à sentença, a procedência delas podia ter como efeito a anulação da sentença e não se considerava admissível que o juiz tivesse o poder de anular a sua própria decisão.
'O Código actual não consignou este terceiro desvio, porque não aderiu à tese de que ao juiz não é lícito anular a sua própria sentença. Pelo contrário, depois de enunciar o princípio de que proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 666º), acrescenta que o julgador pode suprir nulidades, rectificar erros materiais, esclarecer dúvidas e reformar a sentença quanto a custas e multa.
'...Sendo este o sistema do Código actual, é evidente que não podia aceitar a doutrina expressa no art. 134º do Código anterior.
' As nulidades, ou sejam anteriores ou sejam posteriores à sentença ou acórdão final, estão sujeitas, quanto ao julgamento, à regra geral acima formulada, com as excepções já assinaladas.".
 Como se escreveu no Ac. do STJ de 13/12/90, BMJ- 402º, 518, havendo de distinguir as nulidades do processo e as nulidades da sentença, aquelas, "hão-de, em princípio, ser arguidas perante o tribunal em que ocorreram e, nele, também, em princípio, devem ser apreciadas e julgadas, princípios estes que, por óbvias razões, conhecem a excepção referida no nº 3 do art. 205º, que aqui não interessa considerar.
'Claro que o julgado que sobre elas venha a recair será ou não passível de recurso, conforme ao caso couber.
'Tudo quanto acaba de ser dito reconduz-se à proposição que a jurisprudência consagrou, segundo a qual, para nos servirmos das palavras utilizadas por A. Reis, Comentário, vol. II, pag. 507, dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se." No mesmo sentido veja-se ainda o Ac. da Rel. do Porto de 20/4/95, BMJ- 446º, 354; Ac. do STJ de 4/11/93, Col. STJ, 1993, T. 3, pag. 101; e Ac. do STJ de 24/2/94, BMJ-434º, 598.
Assim sendo, tratando-se de omissão de acto cujo conhecimento chegou ao embargante com a notificação do despacho de indeferimento liminar, essa nulidade deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias perante o tribunal de 1ª instância (art. 199º-1 do CPC).
E somente se o processo tivesse sido expedido em recurso antes de findar aquele prazo de 10 dias é que tal nulidade poderia ter sido arguida directamente perante esta Relação (art. 199º-3 do CPC), o que manifestamente não é o caso pois o exequente foi notificado do despacho por comunicação de 17/12/2020 (fols. 18) e o processo só foi remetido ao Tribunal da Relação a 19/11/2021 (fols. 40), ou seja quase um ano depois.
Só posteriormente, no caso de discordância com o despacho que versaria sobre a arguição de nulidade, desse despacho poderia, eventualmente, caber recurso para esta Relação, reunidos que se mostrassem os demais necessários pressupostos.
Ora a apelante não arguiu a alegada nulidade perante o tribunal de 1ª instância no prazo de 10 dias, como devia, antes esperando o momento das alegações de recurso para esta Relação, razão bastante para não se conhecer desta invocada nulidade processual.
Sem embargo, em substância, também não assiste razão ao exequente nesta questão.
Escusamo-nos aqui de estar a repetir, desnecessariamente, o que no despacho recorrido já foi dito, e bem, a propósito dos requisitos genéricos dos embargos de terceiro.
Como consta da petição inicial de embargos, a embargante, invocou somente a circunstância de ser subarrendatária das fracções autónomas onde iria decorrer a penhora de bens móveis pertencentes à executada.
Ora, não visando a penhora em causa o direito invocado pela embargante, a alegação de que é subarrendatária dos espaços onde a penhora se ia realizar em bens da executada, evidencia a manifesta improcedência da pretensão da embargante, não se estando aqui perante qualquer deficiência da petição inicial que importasse convidar a corrigir ou completar. A embargante, simplesmente, para justificar os embargos de terceiro que instaurou, invocou ser titular de um direito que não só é insuficiente para se opor à penhora determinada, como nada tem a ver com a mesma penhora .
Acrescenta, por fim, a embargante/apelante que a decisão de indeferimento do requerimento inicial, sem convite ao aperfeiçoamento, é inconstitucional por infringir o art. 20º da Constituição da República Portuguesa que consagra o direito ao processo equitativo.
Não se vê como.
O que se passa é que mesmo que se considerasse que deveria a embargante ter sido convidada aperfeiçoar a sua petição inicial, tal omissão consubstanciaria, unicamente, a omissão por parte do Mmº Juiz a quo, da prática de determinado acto processual que o Julgador estaria obrigado a cumprir. Mas isso somente integra, como se viu, uma nulidade processual prevista no art. 195º do CPC que deveria ter sido oportunamente arguida em 1ª instância, o que o exequente não fez.
Poderíamos estar a discutir acerca de eventual violação do preceito constitucional invocado se o Mmº Juiz tivesse defendido que não estava obrigado a convidar ao aperfeiçoamento quando tal se justificasse, antes de proferir o despacho recorrido, o que, manifestamente não aconteceu.
O que se passou é que o Mmº Juiz, a ter cometido uma omissão, a mesma seria uma nulidade processual secundária que o embargante, pura e simplesmente, não arguiu oportunamente e perante o tribunal próprio e adequado.
Não existiu, deste modo, qualquer infracção a qualquer preceito constitucional.

VIII- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, em confirmar o despacho recorrido.
Custas em 1ª instância como ali definido.
Custas da apelação a cargo da apelante.

Lisboa, 6 de Abril de 2022
Duro Mateus Cardoso
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Decisão Texto Integral: