Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
955/09.0TBTVD.L1-1
Relator: JOÃO AVEIRO PEREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
PRISÃO ILEGAL
ERRO GROSSEIRO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O início da contagem do prazo de caducidade do direito de instaurar a acção de responsabilidade civil contra o estado, por prisão ilegal ou por prisão legal, mas injustificada, não é uma questão de opção por parte do autor.
II – Se a acção se funda na ilegalidade da prisão, o prazo conta-se a partir da restituição do preso à liberdade.
III – Se o fundamento da acção é a prisão injustificada, apesar de legal, então o mesmo prazo começa a correr desde a decisão definitiva do respectivo processo penal.
IV – A circunstância de o autor, recorrido no processo penal, ter invocado uma nulidade, que veio a ser decidida, já depois do acórdão que o absolveu, no sentido da sua ilegitimidade, não impediu a formação de caso julgado desse aresto, antes de a acção cível ter dado entrada em juízo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

“A”, identificado nos autos, recorre da decisão que julgou procedente a excepção de caducidade do direito à indemnização que reclama do ESTADO, representado pelo Ministério Público, nesta acção declarativa de condenação, alegando ter estado preso ilegalmente
O apelante concluiu assim, textualmente, as suas alegações:
1. O recorrente instaurou a presente acção em 23-4-2009, no prazo de 1 ano a contar do trânsito em julgado do processo onde foi arguido e preso.
2. O art.º 226.º do CPP estabelece que o lesado pode peticionar indemnização no prazo de um ano após o momento da libertação … ou no prazo de um ano após a decisão definitiva do processo.
3. O A. pode optar por um ou por outro momento e in casu a acção foi instaurada no prazo de um ano após o trânsito em julgado.
4. O trânsito em julgado em 30 de Abril de 2008, pelo que inexiste caducidade. A decisão violou o art.º 226 do CPP.
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Nas suas contra-alegações, o Ministério Público concluiu assim:
1- "Afirma o recorrente que instaurou a presente acção em 13-4-2009, no prazo de 1 ano a contar do trânsito em julgado do processo onde foi arguido e preso.
2- 0 art.° 226 do CPP estabelece, tal como vem alegado, que o lesado pode peticionar indemnização no prazo de um ano após o momento da libertação ... ou no prazo de um ano após a decisão definitiva do processo
3- e que o A pode optar por um ou outro momento e in casu a acção foi instaurada no prazo de 1 ano após o trânsito em julgado.
O caso transitou em julgado em 30 de Abril 2008 pelo que inexiste caducidade. A decisão violou o art. 226 do CPP".
4- O autor funda o direito da indemnização a que se arroga na previsão do art° 225, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, invocando alegada ilegalidade da prisão preventiva a que foi sujeito;
5- A reparabilidade dos danos sofridos com a privação da liberdade por detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal é objecto de regime jurídico especial consagrado nos art°s 225° e 226° do Cód. Proc. Penal;
6- O autor foi detido a 28.09.1999 e esteve em prisão preventiva de 30.09.1999 a 16.10.1999, foi detido em Espanha a 24.04.2004 e esteve em prisão preventiva em Portugal de 11.06.2004 a 21.10.2004, e a 16.03.2005 o autor foi detido pelas autoridades brasileiras e só foi entregue às autoridades portuguesas a 17.10.2006, sendo libertado a 04.06.2007;
7- O art° 226° do Cód. Proc. Penal determina que o pedido de indemnização por prisão ilegal ou injustificada deve ser proposto dentro do prazo de um ano, contado a partir da data da libertação ou da decisão do processo penal respectivo;
8- O termo inicial desse prazo é o primeiro dos dois factos previstos naquele preceito legal, que ocorrer: o momento da libertação do detido ou preso ou o momento da decisão definitiva do processo penal respectivo;
9- Tendo sido o autor libertado em 04.06.2007, o prazo de caducidade já se havia esgotado quando o autor propôs a presente acção em 13.04.2009; Mas, caso assim não se entenda, e como refere e bem a Ma Juiz :
10- "o referido prazo de caducidade já se esgotou, pois o autor foi absolvido dos crimes de que estava acusado e libertado à ordem do processo comum n ° .../1998. da l a Vara Criminal de Lisboa, por acórdão do colectivo de 04.06.2007, processo que ficou decidido por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.02.2008, que transitou em julgado e tornou-se definitiva a partir de 29.02.2008, data em que o processo penal respeitante ao autor ficou definitivamente decidido:
11- O pedido de nulidade suscitado pelo autor em 27.02.2008 não teve qualquer projecção final do processo.
12- Em 22.04.2008, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o recorrido não tinha legitimidade para suscitar a questão da nulidade do inquérito.
13-Notificado da contestação, o autor veio pedir, para além do mais, a improcedência da invocada excepção.
Alegou, para tanto e em síntese que:
14- Em 28 de Abril de 2008 o autor renunciou ao prazo de recurso/reclamação no Proc. n° .../98, razão pela qual o prazo do trânsito em julgado ocorreu a 30 de Abril de 2008;
15- O prazo para reclamar/recorrer estava suspenso devido a arguição de nulidade/aclaração que o autor suscitou sobre a nulidade do processado. Ora, consideram-se provados documentalmente os seguintes factos:
16- O autor propôs a presente acção de indemnização por alegada prisão ilegal em 13.04.2009;
17- O autor foi absolvido dos crimes de que estava acusado e libertado à ordem do processo comum n.º .../1998, da 1.ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão do colectivo de 04.06.2007, (cfr. certidão de fls. 1255 a 1272 - VI Volume);
18- O autor foi posto em liberdade no dia 04 de Junho de 2007 (cfr. certidão de fls. 1126-V vol.);
19- O acórdão proferido no processo comum n° .../2008 foi mantido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.02.2008 (cfr. certidão de fls. 1294 a 1315 - VI vol.);
20- Após notificação do supra citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o ora autor apresentou requerimento, com data de 27.02.2008, dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo declaração de nulidade constante da resposta do recurso interposto pelo Ministério Público (cfr. certidão de fls. 1152 a 153- V vol.):
21- Em 22.04.2C08, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o recorrido, ora autor, não tinha legitimidade para suscitar a questão da nulidade (cfr. fls. 11476 e 11477 daqueles autos, referido na certidão de fls. 1157 - V vol.). "
22- O autor funda o direito à indemnização peticionada alegando ilegalidade na prisão a que foi sujeito.
23-Trata-se da situação prevista no art° 225° do Cód. Proc. Penal.
24-A questão que ora se coloca é a de saber a partir de que momento se deve contar o prazo de um ano previsto no art.º 226°, n° 1, do Cód. Proc. Penal.
25-Dispõe o art° 226°, n° 1, do Cód. Proc. Penal, que o pedido de indemnização não pode, em caso algum, ser proposto depois de decorrido um ano sobre o momento em que o detido ou preso foi libertado ou foi definitivamente decidido o processo penal respectivo.
26-Tal como é requerido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2001 proferido no Proc. n° 02B] 030, disponível na Internet em \Vww.dgsiD., no caso do art. 226° citado, é estabelecida uma proibição para a propositura da acção decorrido o prazo dum ano: o pedido de indemnização não pode em caso algum ser proposto depois de decorrido um ano. Trata-se duma proibição legal que torna o direito à propositura da acção indisponível para as partes. Compreendo-se que a lei estabeleça um prazo máximo para ser proposta a acção. A reparação duma prisão ilegal ou por erro grosseiro em que o réu, Estado, se encontra disperso por um número grande de comarcas e juízos, só poderá defender-se eficazmente se o autor o demandar num prazo relativamente curto. Assim, razões de objectividade e segurança jurídica tornariam inadequado um prolongamento no tempo do direito de exercer o pedido de indemnização, que o mesmo é dizer razões de interesse público impõem um prazo curto do pedido de indemnização. Nestas circunstâncias e com este entendimento estamos perante um caso em que a caducidade é de conhecimento oficioso.
27-Dispõe o art° 328°, do Cód. Civil, que “O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”.
28-Com o instituto da caducidade quer a lei que o direito seja exercido dentro de certo prazo, prescindindo da negligência do titular e respectivas causas interruptivas e suspensivas.
29-Do que se deixa exposto resulta que o titular do direito, sob pena de caducidade, terá que exercer o seu direito, dentro do prazo estabelecido na lei.
30-O princípio estabelecido neste artigo estabelece o seguinte corolário: a única forma de evitar a caducidade é praticar, dentro do prazo correspondente, o acto que tenha o efeito impeditivo (cfr. L.A Carvalho Fernandes, Teoria Geral. 1983,2°, pp. 571), o que se encontra expressamente previsto no art° 331 °, n.º 1. do Cód. Civil.
31-Sobre a questão suscitada o referido Acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 30.1 0.2001 proferido no Proc. 02B1030, disponível na internet em www.dgsi.pt. estribando-se na doutrina de Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, vol. 11, pág. 268), conclui que se a detenção for ilegal e a prisão preventiva for ilegal o prazo de um ano conta-se a partir do momento em que o detido ou preso for posto em liberdade; se se tratar de prisão preventiva legal, mas se revelou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos seus pressupostos de facto, o prazo dum ano conta-se a partir do momento em que o processo penal for decidido. Justifica-se a solução diferente com base no facto de que para a prisão ilegal não tem de esperar-se pelo fim do processo; outro tanto não sucede quando a prisão é legal, mas ditada com erro grosseiro, sendo neste caso conveniente esperar pelo decurso do processo a fim de melhor aquilatar da existência do erro que ditou a prisão preventiva.
32-Considerando o que se deixa exposto e a matéria de facto dada como provada, o autor propôs a presente acção em data em que já havia decorrido o prazo previsto no citado preceito legal, sendo certo que o autor não exerceu o seu invocado direito dentro do prazo de um ano estabelecido na lei.
33-Com efeito, sabe-se que a acção foi instaurada em 13 de Abril de 2009 (é essa a data que releva, por se tratar de um prazo de caducidade, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 298° do Código Civil), que o autor foi libertado em 04 de Junho de 2007 e que a decisão que o absolveu, que tem a data de 04 de Junho de 2007, foi mantida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Fevereiro de 2008.
34-Alega o autor que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa apenas transitou a 30 de Abril de 2008, porquanto o autor renunciou ao prazo de recurso/reclamação a 28 de Abril de 2008, sendo certo que o prazo para reclamar/recorrer estava suspenso devido a arguição de nulidade que o autor suscitou do processado de inquérito.
35- resultou, na verdade, provado que, após notificação do supra citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o ora autor apresentou requerimento, com data de 27.02.2008, dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo declaração de nulidade do processado de inquérito.
36-Ora, "... é intenção da lei que um eventual direito de indemnização por prisão preventiva ilegal ou injustificada seja judicialmente exercido num prazo relativamente curto: o prazo de um ano. Ao marcar como termo inicial deste prazo o momento em que "foi definitivamente decidido o processo penal respectivo", o n° 1 do artigo 226° do Código de Processo Penal revela inequivocamente que a lei aceita que o prazo reputado de suficiente para a propositura da acção só corra desde a altura em que o lesado dispõe de uma decisão estável sobre os dados relevantes para a apreciação da causa de pedir que pretende invocar na acção de indemnização.
37-Ora, tendo o autor sido absolvido de todos os crimes pelos quais foi pronunciado, sem que a correspondente decisão do Tribunal da Relação de Lisboa tenha sido impugnada, a sua situação está protegida e estável, o que aliás veio a ser reiterado uma vez que, em 22.04.2008, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o ora autor não tinha legitimidade para suscitar a questão da nulidade.
38-Acresce que ao contrário do que o autor pretendia, o prazo de caducidade para a propositura da acção, previsto no art° 226.º, do Cód. Proc. Penal, não padece de inconstitucionalidade, designadamente por violação do princípio da igualdade em razão de um pretenso tratamento de favor do Estado.
39- O direito à indemnização dos cidadãos que sofreram prisão ilegal ou injustificada está constitucionalmente consagrado, pelo que só pode ser restringido nos casos previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
40-Não poderá entender-se que a fixação do prazo de um ano, a contar da libertação ou da decisão final do processo, para que o lesado proponha a acção de indemnização constitui uma restrição ao exercício judicial do direito e, mediatamente, ao próprio direito.
41-Tal como é referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.03.2005, in CJ, Ano XIII, Tomo I, 2005, pp. 123, o decurso do tempo tem repercussão na quase totalidade dos direitos disponíveis, sob a forma de prescrição, caducidade ou não uso (cfr. Art.º 298-do CC). A lei ordinária limitou-se a condicionar o exercício judicial desse direito, fixando em um ano o prazo para a propositura da respectiva acção, como faz com tantos outros direitos, sujeitando-os a prazos de prescrição, caducidade ou de extinção por não uso durante certo lapso de tempo (...).
42-A fixação de prazo de caducidade para o exercício judicial dum direito é perfeitamente natural e não traduz, em regra, qualquer restrição ao mesmo. No caso vertente, a fixação do prazo de um ano para a propositura da acção é perfeitamente razoável, tendo em conta a natureza do ilícito contra o qual se reage, a determinação imediata do respectivo responsável, o Estado Português, bem como os darias sofridos e, por último, o facto caracterizador do termo inicial do prazo.
43-Assim, sendo o prazo fixado perfeitamente adequado e suficiente para o exercício do direito, também em concreto se não verifica a sua restrição e a invocada inconstitucionalidade por violação do art.º 18, n.º 2, da CRP.
44-o art° 498°, do Cód. Civil prevê a prescrição do direito, enquanto o art° 226°, do Cód. Proc. Penal prevê um prazo de caducidade da acção indemnizatória, institutos diferentes, com disciplina e tratamento diversos.
45-Do que se deixa exposto conclui-se pela procedência da invocada excepção da caducidade, o que, nos termos do disposto no art° 493°, n° 2, do Cód. Proc. Civil, conduz à absolvição do pedido.
Carece, pois de qualquer fundamento jurídico, toda a argumentação expendida pelo Recorrente, não se mostrando violadas quaisquer normas, no nomeadamente as indicadas pelo Apelante.
Pelo que a acção em apreço não poderia deixar de ser julgada improcedente, por não provada, uma vez que não se verificam os pressupostos de aplicação do artigo 225.°, n°s 1 e 2, do C. P. C, pelo que a sentença cujo reexame se pretende declarou, correctamente, o direito que ao caso cabia, e deve, por isso, ser mantida.
Carece, pois, de qualquer fundamento jurídico, toda a argumentação expendida pelo Recorrente, não se mostrando violadas quaisquer normas, nomeadamente as, por ele, indicadas.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Das conclusões das alegações da Recorrente, delimitadoras do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir a única questão que aqui se perfila, ou seja, a de saber se caducou o direito do autor a pedir em juízo a indemnização que pretende.
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II – Fundamentação
A – Com interesse para a decisão da questão suscitada, foram considerados documentalmente provados os seguintes factos:
- O autor propôs a presente acção de indemnização por alegada prisão ilegal em 13.04.2009;
- O autor foi absolvido dos crimes de que estava acusado e libertado à ordem do processo comum n° .../1998, da la Vara Criminal de Lisboa, por acórdão do colectivo de 04.06.2007, (cfr. certidão de fls. 1255 a 1272 – VI Volume);
- O autor foi posto em liberdade no dia 04 de Junho de 2007 (cfr. certidão de fls. 1126-V vol.);
- O acórdão proferido no processo comum n° .../2008 foi mantido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.02.2008 (cfr. certidão de fls. 1294 a 1315 — VI vol.);
- Após notificação do supra citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o ora autor apresentou requerimento, com data de 27.02.2008, dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa. pedindo declaração de nulidade constante da resposta do recurso interposto pelo Ministério Público (cfr. certidão de fls. 1152 a 1153- V vol.);
- Em 22.04.2008, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o recorrido, ora autor, não tinha legitimidade para suscitar a questão da nulidade (cfr. fls. 11476 e 11477 daqueles autos, referido na certidão de fls. 1 157 – V vol.).

B – Apreciação jurídica
O recorrente funda a sua pretensão de indemnização contra o Estado no facto de ter estado preso 1003 dias ilegalmente (cf., entre outros, os art.ºs 48.º, 51.º e 64.º da p.i.) e por erro grosseiro (art.ºs 48.º e 64.º da p.i.).
O artigo 225.º do Código de Processo Penal refere-se às modalidades de indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada, nos seguintes termos:
1 - Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade.
2 - O disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia. Ressalva-se o caso de o preso ter concorrido, por dolo ou negligência, para aquele erro.
Isto na versão anterior à redacção introduzida pela lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
Na versão desta lei adjectiva penal, actualmente em vigor, e no que se mostra pertinente para este caso, o mesmo artigo preceitua agora que:
1 - Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando:
a) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º;
b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.
O Ministério Público, na sua contestação, invocou a excepção de caducidade do direito de indemnização que o autor pretende fazer valer nesta acção.
Na decisão recorrida, considerou-se procedente esta excepção peremptória e absolveu-se o Estado Português do pedido.
Porém, o apelante entende que propôs a presente acção em tempo.
Urge, pois, apurar quem tem razão.
Em qualquer das redacções legais substantivas acima transcritas está prevista a indemnização ao lesado, quer por ilegalidade ou manifesta ilegalidade da prisão ou com base em erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de aplicação de tal medida de coacção.
Por sua vez, o artigo 226.º, n.º 1, do CPP, relativo ao prazo para requerer a indemnização em juízo, e que não é inconstitucional (ac. do STJ de 8-3-2005, 05A87, 6.ª sec., www.dgsi.pt/jstj e ac. nº 247/2002 do T.C. www.tribunalconstitucional.pt), dispõe que: O pedido de indemnização não pode, em caso algum, ser proposto depois de decorrido um ano sobre o momento em que o detido ou preso foi libertado ou foi definitivamente decidido o processo penal respectivo.
A principal divergência espelhada nas alegações do autor e nas do M.P. é, pois, o momento a partir do qual se deve contar o prazo, para se concluir ou não pela dita caducidade do direito de acção do autor para pedir a indemnização que almeja.
Para o recorrente o termo a quo do prazo de caducidade é uma questão de opção pelo autor da acção – ou da data da soltura ou da decisão definitiva absolutória (conclusões 2 e 3).
Todavia, o próprio aqui relator vem há muito defendendo que «estes dois momentos aparentemente alternativos não podem, no entanto, ser utilizados arbitrariamente pelo interessado. Com efeito, se o pedido de indemnização tem por base a ilegalidade de uma detenção ou de uma prisão preventiva, o prazo de caducidade conta-se a partir da restituição do preso à liberdade; se o fundamento dos danos for a prisão preventiva legal mas injustificada, por decisão absolutória, o prazo conta-se então da decisão definitiva do processo» - A Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 222. No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2.ª edição, Lisboa, 1993, 2.º vol., p. 268; acs. do STJ de: 30-10-2001, 01A2840, 1.ª sec.; 16-5-2002, 02B1030; e 11-2-2010, 2623/07.8TBPNF.S1, 7.ª sec., www.dgsi.pt/jstj).
Ora, no caso em apreciação, o autor foi restituído à liberdade em 4 de Junho de 2007 e a decisão definitiva no processo que o absolveu foi proferida por este Tribunal da Relação em 19-2-2008. Como a presente acção só foi instaurada a 13 de Abril de 2009, resulta daqui que quer pela ilegalidade da prisão, quer pela legalidade sem justificação da mesma, decorreu entretanto todo o prazo de caducidade. A circunstância de o autor ter arguido uma nulidade, que foi objecto de decisão no sentido da ilegitimidade do ali recorrido e ora recorrente, não impediu a formação de caso julgado, nos termos do art.º 411.º do CPP, antes desta acção ter dado entrada em juízo.
Nesta conformidade, improcedem todas as conclusões do apelante, pelo que a decisão recorrida não merece censura.
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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e, por conseguinte, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Dezembro de 2010

João Aveiro Pereira
Manuel Marques
Pedro Brighton