Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1515/09.0TBSCR.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DÍVIDA AO CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Só tem força executiva, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 6.º do Dec-Lei nº 268/94, de 25.10, a ata de assembleia de condóminos que documente a deliberação de onde nasça a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condómino, e não a deliberação que declare, dê conta, certifique, a existência da dívida e seu montante.
II – Se se indiciar que a ata referida em I existe, embora não tenha sido junta com o requerimento executivo, o juiz deve, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 812.º-E do CPC, convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o título em falta e, se for o caso, corrigindo o requerimento inicial.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 7.9.2009 o Condomínio Edifício “A”, representado pela sua administradora, intentou no Tribunal Judicial de ... ação executiva para pagamento de quantia certa contra “B” e “C”.
O exequente alegou que os executados são proprietários de uma das frações que constituem o edifício supra referido, que está constituído em propriedade horizontal, e estão em dívida quanto ao pagamento de quantias referentes a despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e a pagamentos de serviços de interesse comum, relativos ao período de maio de 2006 a setembro de 2008 e às despesas extras de junho, julho e novembro de 2006 e maio de 2008. A esses valores acrescem as quotas de condomínio desde dezembro de 2006 até agosto de 2009, assim como as coimas aprovadas pelo regulamento de condomínio acrescida de despesas extras relativas aos meses de outubro e novembro de 2008 mais as despesas de contencioso. Ao valor global em dívida, € 2 651,81, acrescem os juros de mora vencidos, à taxa legal de 4%, no valor de € 215,66.
O exequente terminou reclamando o pagamento de € 2 867,47, acrescido das prestações vincendas, coimas previstas no regulamento interno do condomínio e juros à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Como título executivo o exequente juntou a ata n.º 15, respeitante a assembleia de condóminos realizada em 30.9.2008.
Em 09.10.2010 a Sr.ª agente de execução “remeteu o processo” “para despacho liminar, atento o facto de a execução ter por base uma acta da reunião da assembleia de condóminos (alínea c) do artigo 812º-D do CPC)” (sic).
Em 21.10.2010 foi proferido despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo.
O exequente apelou deste despacho, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões:
1. A matéria de Direito foi incorrectamente julgada.
2. O tribunal a quo considerou que o requerimento executivo é inepto, pelo que a acta dada à execução não consubstancia qualquer título executivo para cobrança das contribuições e despesas comuns ao condomínio.
3. Defendendo-se alegando que a acta que serve de título executivo é a acta que: "(...) que fixou o valor da contribuição, que constitui título executivo contra o condómino que deixar de pagar no prazo estabelecido, a sua quota parte. ".
4. No entanto, o Recorrente não partilha da mesma opinião, salvo devido respeito.
5. Ora, nos termos do disposto no art. 45.° do Código Processo Civil "toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva" .
6. Por sua vez, o art.° 46.° na alínea d) do Código Processo Civil refere como títulos executivos "os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”, logo a acta de reunião da assembleia de condóminos, por contribuições, despesas ou pagamento de serviços de interesse comum relativas ao condomínio.
7. De acordo com o disposto no art. 6°, n.° 1 do Decreto-Lei n° 268/94, de 25/10, "A acta da reunião de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das áreas comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo para o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido a sua quota-parte".
8. Consequentemente, da conjugação dos arts.° 46.°, al. d) do Código Processo Civil e do 6.° do DL 268/94, de 25 de Outubro, somos obrigados a concluir que a acta n.° 15 da assembleia de condóminos, apresentada na presente execução, é título executivo bastante.
Vejamos.
9. Ora, a acta apresentada na presente acção executiva e que efectivamente servir de título executivo que mencionou que até certo momento os condóminos “B” e “C” deviam determinada importância ao condomínio.
10. Contudo o tribunal a quo, defende que a referida acta não pode ser título executivo, uma vez que para este a acta que se refere no citado art. 6° do Decreto-Lei n° 268/94, de 25/10, é a acta que contém a deliberação da assembleia de condóminos sobre o montante das contribuições devidas ao condomínio, isto é, a que fixa o valor da quota-parte.
11. Com efeito, todo o condómino sabe que as prestações anuais correspondentes à sua quota-parte nas despesas comuns, são para serem pagas e que, anualmente, se fixam valores para essa mesma contribuição, em função da sua quota-parte, estando obrigados ao seu pagamento, assim como, sabe que todas as obras levadas a cabo no seu prédio em virtude da sua conservação ou fruição.
12. De facto, existe, em todos os condomínios uma acta, a primeira, onde se fixam as quotas-partes dos valores a pagar por cada condómino, em função da permilagem que a sua fracção ocupa no seu todo e, anualmente, uma acta em que se aprovam as contas do ano anterior e se apresentam as despesas e receitas para o novo ano, tendo sempre em atenção a quota-parte de cada condómino, e em cujo relatório anual constam também e vulgarmente todos os montantes em dívidas pelos condóminos relapsos.
13. Na realidade, e apesar da acta que foi utilizada como título executivo não conter a aprovação das despesas relativas a cada condómino, isto é, a quota parte de cada condómino, no requerimento executivo foram incorporados outros documentos onde contêm a indicação dos valores referentes a essas despesas.
14. Isto é, ao processo executivo, além da acta que deliberou o montante em dívida, o Recorrente juntou também ao processo a conta corrente dos valores devidos pelos executados, no qual é possível comprovar a quota-parte do condómino assim como o prazo para pagamento, confirmando-se assim o vencimento da dívida.
15. Permitindo-se assim, verificar o valor da sua quota-parte, assim como o seu vencimento e exigibilidade.
16. Efectivamente, o art. 6°, n.° 1 do Decreto-Lei n° 268/94, de 25/10, não deixou claro qual a acta que pode efectivamente servir de título executivo.
17. Pelo que, encontramo-nos perante uma situação que não é uniforme, no qual coloca-se a questão de saber qual a acta de condomínio capaz de ser título executivo.
18. Ao referir "a acta da reunião (...) que tiver deliberado o montante das contribuições devidas (...), permitiu uma diversidade de interpretações, consoante o entendimento e sensibilidade do julgador, sobre qual ou quais as actas que podem reunir todos os requisitos para serem dadas à execução como títulos executivos.
19. Assim, as decisões judiciais, por vezes, apresentam-se contraditórias, umas com interpretação restritiva da lei outras admitindo uma interpretação mais ampla.
20. Pelo que, levanta-se a questão de saber qual a acta que serve como título executivo, a acta que fixa ab initio a comparticipação a pagar por cada condómino, a acta que simplesmente remeta para documentos ou quadros anexos onde constam os valores a pagar pelo condóminos ou a acta que num determinado momento, nomeadamente no dia da assembleia fixa os valores devidos, já vencidos, e não pagos por um determinado condómino ao condomínio.
21. Ressalvado o devido respeito, o Recorrente não acompanha a interpretação restritiva feita pelo tribunal a quo, nem aceita a decisão por este proferida, no sentido de defender que a acta que serve de título executivo é a acta que fixa ab initio a comparticipação a pagar por cada condómino.
22. Encontrando o Recorrente apoio na jurisprudência, onde tem entendido a propósito das assembleias de condóminos que "toda a acta da assembleia de condóminos em que se delibere que, em determinado momento, este ou aquele condómino tem em dívida determinados montantes resultantes de contribuições ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e função das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, pode servir como título executivo para o administrador instaurar a competente execução contra o condómino relapso" (V. Ac. da Relação de Lisboa, de 17.02.2009 (Rel. Des. Maria do Rosário Morgado), disponível em www.dgsi.pt.).
23. Ora, é real que a lei interpretada literalmente, pode levantar dúvidas quanto ao significado da expressão "devidas" utilizada pelo legislador, conduzindo ao entendimento expresso na decisão do tribunal a quo, de que aquela expressão tem o mesmo significado que contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio ainda não vencidas.
24. Pelo entendimento expresso no despacho do tribunal a quo, só seria título executivo a acta em que se deliberasse o montante que cada condómino devia pagar e não vencido e faltaria título executivo às actas da assembleia, como no caso em apreço, em que se deliberasse o que determinado condómino tinha em dívida ao condomínio, dívida essa fixada no seu montante, já vencida e respeitante a contribuições para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
25. Certamente, o Decreto-Lei n.° 268/94, de 25 de Outubro, terá de ser interpretado de acordo com o disposto no art.° 9. do C. Civil, tendo em conta a "mens legis" subjacente à referida lei, procurando uma solução no sentido de conferir mais eficácia ao regime da propriedade horizontal e facilitar as relações entre os condóminos.
26. O legislador ao conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia dos condóminos tinha em mente evitar o recurso à acção declarativa relativamente a matérias que está em causa questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia.
27. Não fazendo sentido restringir a força executiva apenas à acta em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não concedê-lo à acta em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior se delibera sobre o montante da divida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.
28. Seguindo-se o entendimento do tribunal a quo, só seriam título executivo as actas em que se deliberasse o montante que cada condómino devia pagar e não vencido e faltaria título executivo às actas da assembleia, como no caso em apreço, em que se deliberasse o que determinado condómino tinha em dívida ao condomínio.
29. Situação essa que, salvo devido respeito não é compreensível.
30. Por outro lado, mesmo que assim não se entenda, existe a possibilidade de suprir irregularidades do requerimento executivo, bem como sanar a falta de pressupostos.
31. Face ao todo exposto, tudo indica que não se esteja perante uma falta de título, mas apenas perante uma mera omissão.
32. Pelo que ao Recorrente deveria ser dada a oportunidade, de juntar aos autos da acta assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento.
33. Ora, nos termos do art.° 812.°-E n.° 3 do Código Processo Civil: "(...) o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos (...)" e devendo ainda fazer uso dos poderes previstos no art.° 820.°, do Código Processo Civil.
34. No caso sob judice se o tribunal a quo perante a sua interpretação restritiva da lei considerou que à acta n.° 15 não tinha, no seu entendimento, um dos pressupostos para a mesma ser título executivo, isto é não tinha o valor inicial das quotas devidas pelos executados, o lugar e tempo de vencimento, deveria ter convidado o Recorrente a juntar aos autos a acta se fixa a quota-parte de comparticipação.
35. Face a tal, deveria o tribunal a quo ter convidado o Recorrente para, em determinado prazo, juntar todas as actas anteriores nas quais constam, as deliberações de actualização das comparticipações para as despesas comuns e então se o Recorrente, ainda que discordando da interpretação restrita do tribunal a quo, não cumprisse o prazo, teria fundamento legal a decisão de indeferimento, nos termos do art.° 812 °-E, n.° 4 do Código Processo Civil.
36. Agindo da forma descrita o tribunal a quo não estaria só a respeitar a lei substantiva, nomeadamente do art.° 812.°-E, n.° 3 e n.° 4 e 820° do Código Processo Civil, como também um dos princípios fundamentais da lei processual, o princípio da economia processual.
37. Acresce ao referido, que a dilação de tempo entre a entrada da acção e a decisão de indeferimento, passou bem mais de um ano, o que implicou custos com o andamento do processo que a ninguém aproveitam, sendo que com o indeferimento de um processo, impunha-se como inevitável um outro processo.
38. Presentemente, a aplicação da justiça deve também pautar-se por princípios de prevenção geral, deve desmotivar a violação das regras, mesmo as do condomínio.
39. A decisão ora recorrida, violou a lei, nomeadamente o art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 268/94, de 25 de Outubro e art. 9.° do C. Civil, os princípios de Direito Processual Civil, designadamente os art.° 137.°, 138.° n.° 1, e art.° 812.°-E, n.° 3, todos do Código Processo Civil e acima de tudo não prosseguiu a justiça material que deve orientar o acto de julgar, pelo que terá de o mesmo de ser revogado.
40. Além do mais, o Recorrente sustenta que a acta em causa constitui título executivo bastante, reuniu todas as condições de validade previstas na lei, não tendo sido impugnada por quem quer que fosse.
41. Apesar de ser uma acta que apenas fixa os valores devidos em determinado momento, já vencidos e não pagos, ao condomínio, pelos condóminos, somos obrigados a considerar, assim, que a mesma acta está em perfeita consonância com a exigência legal constante do art.° 6.°, n.°1 do DL 268/94, de 25 de Outubro.
42. Ao todo exposto é equivalente no que toca às coimas, pelo que embora as mesmas não sejam uma contribuição devida ao condomínio não faria sentido que a acta da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma acta não servisse de título executivo para as coimas.
43. Posição essa defendida por Sandra Passinhas, a qual defende " ...embora, rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma "contribuição devida ao condomínio", esta é a solução mais conforme à vontade do legislador. Não faria sentido que a acta da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma acta não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes... " In PASSINHAS, Sandra, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.a Edição, pp. 274-275, Almedina, 2002.
44. Decidindo como decidiu o douto despacho violou o disposto nos artigos n°s 6 do Decreto-Lei n.° 268/94, de 25 de Outubro, violando igualmente o disposto nos artigos 45°, 46°, 812° -E n.º 3 e o art. 820° do Código Processo Civil.
45. Pelo todo o exposto, e de harmonia com as disposições legais citadas, devem V. Exas. decidir conceder provimento ao recurso, e consequentemente alterar a decisão recorrida determinando-se a sua substituição por outra que considere a acta apresentada título executivo suficiente e acção prosseguir nos seus trâmites normais.
46. Contudo caso assim não entenda que ordene o aperfeiçoamento do requerimento executivo, mandando juntar a documentação em falta e acima referenciada.
O apelante terminou pedindo que fosse revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que conduzisse à procedência da ação, ou, caso assim não se entendesse, que se ordenasse o aperfeiçoamento do requerimento executivo, mandando-se juntar a documentação em falta.
Os executados foram citados, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 234.º-A, n.º 3, do CPC, em maio de 2012.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO
As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: se a ata de assembleia de condóminos junta aos autos constitui título executivo, fundamentador da presente execução; em caso de resposta negativa, se o exequente deve ser convidado a suprir omissão de título executivo.
Para além do que já consta no Relatório supra, importa reter a seguinte
Matéria de facto
1. A ata n.º 13, apresentada nestes autos como título executivo, documenta a assembleia de condóminos do edifício “A”, sito à ..., ... ..., ..., concelho de ..., realizada em 30 de setembro de 2008.
2. Nessa ata consta, nomeadamente, o seguinte:
PONTO TRÊS – APRESENTAÇÃO E APROVAÇÃO PARA MOVER PROCESSOS JUDICIAIS CONTRA OS CONDÓMINOS COM AS QUOTAS DE CONDOMÍNIO EM DÍVIDA, COM VISTA A RECUPERAÇÃO COERCIVA DAS MESMAS;
Foi proposto mover processos judiciais contra os condóminos que têm as quotas do condomínio em dívida, com vista à recuperação coerciva das mesmas. O ponto foi acolhido com a seguinte votação: Aprovado por unanimidade dos presentes.
(…)
3.2 – Proprietário da Fracção O, “B”, que deve a quantia de mil cento e trinta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos (1.135,62) referentes a despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e a pagamentos de serviços de interesse comum, relativas ao período de Maio de 2006 a Setembro de 2008 a despesas extras de Junho, Julho e Novembro de 2006 e Maio de 2008”
(…)
Além dos valores estipulados serão aplicadas as penalizações descritas no artigo 12.º (Quotas), do regulamento do condomínio, abaixo transcritas:
4. A falta de pagamento da quota nos 8 dias seguintes àquele em que devia ser paga, faz com que o condómino seja obrigado a pagar mais 50% do valor a que estava obrigado.
5. A acta de sessão que tiver deliberado quaisquer despesas a efectuar constituirá título executivo, nos termos do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 108/94 de 25 de Outubro, contra o condómino que deixar de pagar no prazo estabelecido a sua contribuição, que será acrescido dos juros de mora à taxa máxima permitida por lei.”
O Direito
A ação executiva pressupõe a anterior definição dos elementos, subjetivos e objetivos, da relação jurídica de que é objeto. Tal definição (“acertamento”, na terminologia utilizada por José Lebre de Freitas, extraída da doutrina italiana – v.g., A acção executiva, 5.ª edição, Coimbra Editora, pág. 20) está contida no título executivo, documento que constitui a base da execução (art.º 45.º n.º 1) por a sua formação reunir requisitos que a lei entende oferecerem a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar. Entre esses documentos, além dos expressamente enumerados no artigo 46.º do Código de Processo Civil, contam-se aqueles a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (art.º 46º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil).
Uma dessas disposições especiais é precisamente o n.º 1 do art.º 6.º do Dec-Lei nº 268/94, de 25.10, o qual estipula que “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo.”
Por sua vez o artigo 1.º, n.º 1, do mesmo diploma estabelece que “são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado.” O n.º 2 do mesmo artigo acrescenta que “as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções”.
Estas normas adjetivam preceitos de natureza substantiva do regime da propriedade horizontal, maxime as previstas nos artigos 1424.º, 1431.º, 1436.º e 1437.º do Código Civil.
De facto, os condóminos devem contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, em regra em montante proporcional ao valor das respetivas frações (art.º 1424.º n.º 1 do Código Civil).
Para o efeito caberá ao administrador elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano (alínea b) do art.º 1436.º do C.C.), o qual deverá ser sujeito a aprovação em assembleia dos condóminos, convocada pelo administrador para a primeira quinzena de janeiro de cada ano (art.º 1431.º do C.C.).
Aprovado o orçamento, caberá ao administrador cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns (e outras para as quais tenha sido autorizado – art.º 1436.º alíneas d) e h) do C.C.) e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (art.º 1436.º alínea e)do C.C.. Para o efeito poderá agir em juízo contra o condómino relapso (n.º 1 do art.º 1437.º do C.C.), instaurando desde logo ação executiva, para o que dispõe, como título executivo, da ata da assembleia em que se tenha deliberado as despesas e a contribuição de cada condómino para as mesmas.
A este propósito têm surgido divergências na jurisprudência:
a) Algumas decisões defendem que só terá força executiva a ata de assembleia de condóminos que documente deliberação onde sejam quantificados os valores em dívida pelo condómino a ser demandado (neste sentido, v.g., acórdão da Relação de Lisboa, 07.7.2011, 42780/06.9YYLSB.L1-2, consultável na internet, dgsi.pt);
b) Outras decisões entendem que a lei pretende atribuir força executiva tão só à ata que contenha deliberação de assembleia de condóminos que aprove as despesas que serão suportadas pelo condomínio e a quota parte que será devida por cada condómino, com indicação do prazo do respetivo pagamento; a ata que liquide o já devido é meramente complementar, é desnecessária (v.g., Relação de Lisboa, 30.6.2011, 13722/10.9YYLSB; Relação de Lisboa, 22.6.2010, 1155/05.3TCLRS.L1-7; Relação do Porto, 18.10.2011, 2728/07.5TBVFR-A.P1, dgsi.pt);
c) Outras decisões defendem que qualquer uma das duas modalidades de ata, quanto ao conteúdo, supra citadas, terá força executiva (v.g., Relação de Lisboa, 18.3.2010, 85181/05.0YYLSB-A.L1-6; Relação do Porto, 24.2.2011, 3507/06.2TBMAI-A.P1).
A referida atribuição de força executiva às atas de assembleia de condóminos não constitui inovação no nosso ordenamento jurídico. Já era consagrada no primeiro diploma que de forma estruturada regulou em Portugal a propriedade horizontal: o Decreto-Lei n.º 40333, de 14.10.1955, previa no art.º 23.º que “a acta da sessão que tiver deliberado quaisquer despesas constituirá título executivo, nos termos do artigo 46.º do Código de Processo Civil, contra o proprietário que deixar de entregar, no prazo estabelecido a sua quota-parte, à qual acrescerão os juros legais de mora”.
A formulação do citado art.º 23.º do Decreto-Lei n.º 40333 enquadra-se claramente na segunda modalidade de ata com força executiva supra referida: tem-se em vista a ata que documenta deliberação que aprova despesas, da qual nasce a obrigação de o condómino prestar a respetiva contribuição (a vencer-se futuramente), bastando essa ata para fundar a execução, em caso de incumprimento (neste sentido, cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 29.6.1995, 0006966, dgsi.pt).
Uma ata com o aludido conteúdo comprova a constituição de uma obrigação e bem assim a data do seu vencimento. Assim, decorrido o aludido prazo de pagamento, documentará uma obrigação que é certa e exigível e que poderá ser liquidada no requerimento executivo, por meio da indicação das prestações que não foram pagas e que estão, assim, em dívida (cfr. artigos 802.º, 805.º n.º 1, do CPC; acórdãos supra referidos sob a alínea b)). Daí que, a nosso ver, seja de afastar o entendimento jurisprudencial supra referido sob a alínea a), o qual obrigaria a duplicação de deliberações e, quiçá, de realização de assembleias de condóminos (por exemplo, caso o administrador pretendesse instaurar ação de execução antes de se realizar a assembleia legalmente prevista para janeiro), contrariando o objetivo legal de agilização e eficácia no funcionamento do regime da propriedade horizontal.
Por outro lado, como se sabe, a execução consubstancia uma intervenção imediata e direta na esfera jurídica do alegado devedor, mediante a apreensão de bens integrados no seu património. Por conseguinte tal atuação terá de se basear em documento que pelas suas características garanta com suficiente certeza que o direito tutelado existe, nos termos nele constantes. Ora, em princípio não estarão à altura destes pressupostos meras declarações da existência da dívida, provenientes dos credores ou equiparados – ou seja, no caso, uma deliberação da assembleia de condóminos em que se afirme a existência da dívida de um determinado condómino, maxime de condómino que não tenha estado presente na assembleia ou que, tendo estado presente, nela não tenha demonstrado reconhecer a dívida. O facto de o condómino eventualmente não impugnar tal deliberação (art.º 1433.º do Código Civil) não valerá como confissão da dívida (art.º 352.º e seguintes do Código Civil).
Assim, na falta de clara indicação da lei em sentido contrário (vide a atribuição de força executiva a certos títulos administrativos, certificativos de dívidas a entidades públicas – cfr. Lebre de Freitas, A acção executiva, obra citada, páginas 64 e 65), afigura-se-nos que só terá força executiva a ata de assembleia de condóminos que documente a deliberação de onde nasça a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condómino, e não a deliberação que declare, dê conta, certifique, a existência da dívida e seu montante.
De resto, essa é a interpretação da lei que decorre do regulamento do condomínio sub judice, onde, conforme transcrição constante na ata junta aos autos, se lê o seguinte: “5. A acta de sessão que tiver deliberado quaisquer despesas a efectuar constituirá título executivo, nos termos do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 108/94 de 25 de Outubro, contra o condómino que deixar de pagar no prazo estabelecido a sua contribuição, que será acrescido dos juros de mora à taxa máxima permitida por lei.” (n.º 2, parte final, da matéria de facto supra).
Concorda-se, pois, com a decisão recorrida, quando entende que a ata de assembleia de condóminos junta aos autos pelo exequente não é título executivo para o efeito de cobrança das quantias invocadas nesta ação.
Contrariamente ao expendido pelo apelante nas conclusões 13 e 14, o documento que juntou como n.º 2, acompanhando o requerimento executivo, não supre a mencionada lacuna: trata-se de uma mera listagem impressa, emitida pela administradora do condomínio, com a indicação das diversas quantias alegadamente em dívida pelos executados, listagem essa datada de 17.8.2009, ou seja, momento posterior à assembleia de condóminos a que se reporta a ata junta aos autos, assembleia essa que, por conseguinte, nem sequer se pronunciou sobre esse documento.
Segunda questão (indeferimento liminar do requerimento executivo)
Se se concorda com o tribunal a quo quanto ao juízo negativo formulado quanto à força executória da ata junta aos autos pelo exequente, já se discorda no que concerne à imediata rejeição da pretensão de execução.
É certo que o requerimento executivo deve ser acompanhado do título executivo (art.º 810.º n.º 6 alínea a) do CPC) e que o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando “seja manifesta a falta ou insuficiência do título” (n.º 1 do art.º 812.º-E do CPC).
Só que, em casos como o dos autos, indicia-se que o título (no caso, ata ou atas contendo a deliberação ou as deliberações em que se aprovaram as despesas a serem suportadas pelos condóminos e / ou o montante das contribuições individualmente a serem suportadas por cada um deles), embora não tenha sido junto, existirá. Ora, em casos em que a falta (inexistência) de título não seja manifesta, o juiz deve, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 812.º-E do CPC (“fora dos casos previstos no n.º 1, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do art.º 265.º”) convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o título em falta e, se for o caso, corrigindo o requerimento inicial (neste sentido, Lebre de Freitas, Acção executiva, obra citada, pág. 77). Tal tem sido propugnado por parte da jurisprudência, em casos idênticos ao destes autos (cfr. acórdãos da Relação de Lisboa, 30.6.2011, 13722/10.9YYLSB e 22.6.2010, 1155/05.3TCLRS.L1-7, já supra citados).
O não acionamento desse poder-dever é omissão que constitui irregularidade relevante (art.º 201.º n.º 1 do CPC) que, tendo sido arguida pelo exequente no recurso da decisão que a acobertou deve ser conhecida por esta Relação (cfr. Manuel Domingues de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183).
O recurso é, pois, nesta parte, procedente.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e consequentemente revoga-se a decisão recorrida e ordena-se que, em sua substituição, o tribunal a quo convide o exequente a, em prazo a fixar e tendo em conta o supra exposto, apresentar a ata ou atas de assembleia de condóminos que aprovaram as despesas e respetivas contribuições a serem prestadas pelos executados, a que se reporte a execução, devendo retificar em conformidade o requerimento executivo.
As custas da apelação serão a cargo de quem a final for responsável pelas custas da execução.

Lisboa, 11.10.2012

Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins