Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
35/13.3TBPVC.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO
LEI N.º 9/2022
DE 11 DE JANEIRO
CESSÃO
PRAZO
PRORROGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.A Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro é aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (11-04-2022), com reflexos no âmbito da regulação alusiva ao período de cessão, tendo em conta o regime transitório fixado no número 3 do art. 10.º da referida lei.
2. Como expressamente mencionado no diploma, a Lei n.º 9/2022 estabeleceu medidas tendo em vista a transposição da Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, nomeadamente quanto à fixação do período de cessão – prazo para o perdão, na terminologia da Diretiva – em três anos e a possibilidade de prorrogação desse prazo (por igual período).
3. Encontrando-se o devedor em situação de incumprimento quanto à obrigação de entrega à fidúcia do rendimento disponível (art. 239.º, nº4, alínea c) do CIRE), formulando pedido de prorrogação do prazo de cessão já depois do terminus do período de cessão, esse pedido deve ser perspetivado no âmbito do art. 244.º do CIRE, como alternativa à recusa de exoneração: o devedor pode, pois, deduzir o pedido no prazo de 10 dias que a lei lhe concede para se pronunciar quanto à decisão final de exoneração (nº1 do referido preceito).
4. Quanto ao conteúdo da medida de prorrogação, a solução que melhor se coaduna com o texto da lei e a filosofia do sistema é aquela que considera que com a prorrogação se abre efetivamente um novo período de cessão, que deve ser perspetivado – como o próprio nome indica – como tal, com a obrigação que decorre, para o devedor, nomeadamente, do disposto no art. 239.º nº4 alínea c) do CIRE, isto é, o devedor não tem de pagar a quantia que estava em falta à fidúcia, mas deve continuar a entregar à fidúcia, no período de prorrogação, o valor que foi fixado como correspondendo ao rendimento disponível; em suma, tratando-se de uma prorrogação do período de cessão, a mesma comunga do que carateriza esse período, nomeadamente no que concerne à esfera de direitos e obrigações que impendem sobre o devedor e sobre os demais sujeitos processuais.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  

1. RELATÓRIO
Ação
Processo de insolvência (por apresentação).
Insolvente
SFS, declarada insolvente por decisão de 22-05-2013.
Requerimento
Em 26-05-2022 a insolvente [ [1] ] apresentou requerimento que intitulou de “requerimento de prorrogação do prazo”, com o seguinte teor:
“(…) venho por este meio pedir a prorrogação do prazo de pagamento da minha dívida, por mais dois anos. No final do período de cessão, mostra-se assim reduzida a 4.493.86€. Devido aos meus problemas financeiros, só consigo pagar 100€ mensais, fora a entrega dos subsídios de férias e do IRS. Até agora tenho ficado sempre com um salário mínimo e meio quando recebo os subsídios de férias, sendo este um direito meu e entregando assim o restante. Mais uma vez reforço que não tenho possibilidades de entregar o valor da dívida por completo até Junho. Pedindo assim para alargar o período de pagamento até 2024”.
Decisão recorrida
O administrador da insolvência e os credores foram notificados desse requerimento e não se pronunciaram quanto ao mesmo, na sequência do que foi proferida, em 11-07-2022, a seguinte decisão:
“Veio a insolvente requerer o pagamento em prestações da quantia em dívida a título de exoneração do passivo restante, justificando na ausência de rendimentos para proceder ao pagamento por completo.
Uma vez que nenhum dos credores ou fiduciário se pronunciou, e por isso apresentou oposição, cumpre apreciar,
No presente caso chegou ao fim o período de cessão, e a insolvente mantém uma dívida à fidúcia de € 4.493,86.
Requereu o seu pagamento em prestações de € 100,00 até 2024, por isso em mais de 2 anos.
Sobre esta decisão a tomar, já se pronunciou o Tribunal de Relação de Évora, por acórdão datado de 19.12.2019, proc.° n.° 659/12.6TBETZ-H.E1: “No que respeita à determinação do que deva considerar-se por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, a opção legislativa passou pela utilização de um conceito aberto, a que subjaz o reconhecimento do princípio da dignidade humana, necessariamente assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar face às particularidades da situação concreta do devedor em causa, impondo-se, uma efectiva ponderação casuística no juízo a formular no que respeita à fixação do quantitativo excluído da cessão dos rendimentos.
Os critérios em causa aplicam-se ao pagamento em prestações do saldo devedor dos insolventes respeitante às quantias apuradas nos cinco anos de cessão que não tenham sido entregues voluntariamente ao fiduciário.”
Ora há que atender que a prorrogação do prazo de pagamento não é uma prorrogação a que respeita o disposto no art.° 242°-A do CIRE, mas tão só um deferimento de pagamento a fim de se decidir depois a final sobre a concessão ou não da exoneração.
No entanto uma vez que a exoneração já durou quase 5 anos, não se vislumbra razões para protelar como requerido a decisão final por mais 2 anos.
Assim, atendendo aos rendimentos da insolvente e as suas despesas, reconhecendo-se mais despesas para além daquelas que resultaram da decisão de exoneração, defere-se o pagamento em prestações por 16 vezes, sendo 15 delas no valor de € 280,62, sendo a última de € 284,56.
Findo o referido período de pagamentos, ou em caso de incumprimento, deverá ser decidido a final da concessão ou não da exoneração do passivo restante, sendo que no decurso do referido período cessa a obrigação de desconto das quantias à fidúcia, ficando apenas em pagamento a quantia em apreço de € 4.493,86.
Notifique incluindo o Fiduciário”.
Recurso
Não se conformando, a insolvente apelou formulando as seguintes conclusões:
“I. Na decisão datada de 11 de julho de 2022 (ref.ª Citius 53584278) proferida pelo Tribunal a quo e na sequência de requerimento apresentado pela Insolvente no final do período de cessão requerendo que a dívida à fidúcia, no montante de € 4.493,86, fosse liquidado mediante o pagamento de prestações mensais e sucessivas de € 100,00, até 2024, o Tribunal a quo deferiu esse pagamento, contudo, decidiu no sentido do pagamento ser feito em prestações por 16 vezes, sendo 15 delas no valor de € 280,62, sendo a última de € 284,56.
II. Na mesma decisão, na fundamentação, o Tribunal a quo refere o seguinte: “Sobre esta decisão a tomar, já se pronunciou o Tribunal de Relação de Évora, por acórdão datado de 19.12.2019, proc.º n.º 659/12.6TBETZ-H.E1: “No que respeita à determinação do que deva considerar-se por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, a opção legislativa passou pela utilização de um conceito aberto, a que subjaz o reconhecimento do princípio da dignidade humana, necessariamente assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar face às particularidades da situação concreta do devedor em causa, impondo-se, uma efectiva ponderação casuística no juízo a formular no que respeita à fixação do quantitativo excluído da cessão dos rendimentos. Os critérios em causa aplicam-se ao pagamento em prestações do saldo devedor dos insolventes respeitante às quantias apuradas nos cinco anos de cessão que não tenham sido entregues voluntariamente ao fiduciário.”.
III. Na mesma fundamentação, o Tribunal a quo refere, ainda, que se reconhecem “mais despesas para além daquelas que resultaram da decisão de exoneração”.
IV. Na decisão, o Tribunal a quo, ao fixar em € 280,62 a prestação mensal que a Insolvente deve pagar, quando esta aufere o rendimento mensal de € 830,17, não se encontra em conformidade com os critérios e apreciação casuística que vem invocada na fundamentação, porquanto não respeita o montante correspondente a um Salário Mínimo Regional.
V. Ao considerar que, na apreciação do pedido de pagamento em prestações pela Insolvente, se devem atender aos mesmos critérios que determinaram a fixação do rendimento disponível da Insolvente, por forma a salvaguardar o mínimo necessário ao sustento digno da Insolvente, e, na decisão não se considerarem esses critérios, o existe contradição entre a fundamentação e a decisão.
VI. Tal vício implica a nulidade da decisão, com base no disposto no artigo 615.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, o qual dispõe que “É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”. Pelo que, requer-se a declaração da nulidade da decisão, com as legais consequências.
VII. Com o devido respeito, o Tribunal a quo violou o diposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, por a fundamentação se encontrar em oposição com a decisão.
VIII. Ao fixar uma prestação mensal de mais de € 280,00, o Tribunal a quo, também não atendeu ao montante necessário e essencial que permita à Insolvente manter o seu sustento digno, violando-se, assim, o princípio da dignidade humana.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que se conforme com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, e que salvaguarde o sustento mínimo digno da Insolvente, ao permitir que a mesma liquide o montante em dívida à fidúcia até 2024, mediante prestações mensais de € 100,00.
JUSTIÇA”.
O Ministério Público apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Relevam as seguintes vicissitudes processuais que os autos documentam:
1. Em 22-04-2014 SFS apresentou-se à insolvência, deduzindo pedido de exoneração do passivo restante.
2. Em 10-07-2013, na assembleia de credores, foi proferida a seguinte decisão:
“Requereu a insolvente a exoneração do passivo restante, declarando preencher os requisitos de que depende de atribuição de tal benefício. A Sra. Administradora da Insolvência emitiu o seu parecer favorável. 
O pedido de exoneração do passivo restante foi tempestivamente deduzido pelo insolvente e dos autos não resultam verificadas quaisquer causas que importem o indeferimento liminar daquele pedido [cfr. artigos 236.º, n.º 1, 237.º, al. a), 238.º, a contrario, todos do CIRE.
Assim, em face a tudo o exposto, decido:
a) Admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente, nos termos do disposto nos artigos 237.º, al. b) e 239.º, n.º 1, ambos do CIRE;
b) Nomear Fiduciário a Ex.ma Administradora da insolvência em funções nestes autos, a quem incumbirá, nos termos do disposto no artigo 241.º, n.º 3 do CIRE, a tarefa de fiscalizar o cumprimento, pela insolvente, das obrigações que sobre esta irão recair;
c) A insolvente deverá informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
d) Considerando que a insolvente está divorciada e aufere da actividade profissional que desempenha o rendimento mensal líquido de €743,03, tendo ainda a seu cargo uma filha menor, bem como o critério a que alude o artigo 239.º, n.º 3 do CIRE, que exclui do rendimento disponível a afectar a satisfação dos créditos do insolvente o montante que constitua o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado, entendendo o legislador ordinário como o mínimo para salvaguardar uma vivência condigna o salário mínimo nacional, determino que o rendimento disponível do devedor/insolvente, objecto da cessão ora determinada, será integrado por todos os rendimentos que à insolvente advenham, a qualquer título, com exclusão do correspondente ao montante de €500,00.
*
Notifique, publicite e registe, sendo a insolvente com a advertência expressa das obrigações a que fica sujeita, nos termos dos artigos 239.º, n.º 4, 240.º, n.º 1 e 247.º, todos do CIRE”.
3. Em 14-09-2018 a fiduciária apresentou requerimento indicando que “vem, apresentar o Relatório Anual correspondente ao primeiro período, decorrido entre Julho de 2017 e Julho de 2018”, referindo:
“1– Por sentença proferida em 10-07-2013, foi fixado o limiar dos rendimentos disponíveis para cessão de rendimentos em 500,00 Euros.
2– Na sequência das comunicações da signatária, a Insolvente prestou, de forma cabal, as informações a que está obrigada, enviando a declaração anual de rendimentos, e, mensalmente, os recibos de vencimento – cfr. doc. 1 que se junta. 
3– Ora, analisado o quadro de controlo dos valores auferidos e a ceder concatenado com os recibos de vencimento da Insolvente, conclui-se que, relativamente a tal período, a insolvente é devedora da quantia de €2.929,87 (dois mil novecentos e vinte e nove euros e vinte e sete cêntimos) tendo como base de fixação o valor do Salário Mínimo Regional.
4– Posto isto, quanto ao período ora em apreço, a Insolvente auferiu rendimentos, disponíveis para cessão de rendimentos no valor de € 2.929,87 (dois mil novecentos e vinte e nove euros e oitenta e sete cêntimos), assim obtidos: (….)
6– Assim, o valor actualmente em dívida ascende a € 2.929,87 (dois mil, novecentos e vinte euros e oitenta e sete cêntimos), nada tendo a signatária a opor ao seu pagamento em prestações, desde que respeitado o período da cessão de rendimentos que findará em 08-07-2019, colhido o consentimento, ainda que tácito, dos credores no prazo de dez dias a contar da notificação ora efectuada do presente relatório e acautelado o pagamento das quantias disponíveis para cessão de rendimentos entretanto auferidas, facto este de que se dará conhecimento na presente data à Insolvente. 
7– Atento o trabalho desenvolvido, nomeadamente de fiscalização do cumprimento dos deveres que recaem sobre a Insolvente, requer que seja ordenado o pagamento da remuneração anual devida, nos termos do disposto no art.º 240º do CIRE, a adiantar pelos cofres do Estado, isto é, pelo IGFIJ, em obediência ao disposto no artigo 241.º n.º 1 alínea c) do CIRE, o que desde já se requer.
8– Do teor do presente relatório foi dado conhecimento a todos os credores nos termos do disposto no artigo 241.º n.º 1 do CIRE.
 Junta: 14 documentos e comprovativo da notificação aos Credores do presente relatório.
Pede e espera deferimento”.
4. Em 18-08-2019 a fiduciária apresentou requerimento indicando que “vem, apresentar o Relatório Anual correspondente ao segundo período, decorrido entre Julho de 2018 e Julho de 2019”, com o seguinte teor:
“1– Por sentença proferida em 10-07-2013, foi fixado o limiar dos rendimentos disponíveis para cessão de rendimentos em 500,00 Euros.
2– Na sequência das comunicações da signatária, a Insolvente prestou, de forma cabal, as informações a que está obrigada, enviando a declaração anual de rendimentos, e, mensalmente, os recibos de vencimento – cfr. doc. 1 que se junta. 
3– Ora, analisado o quadro de controlo dos valores auferidos e a ceder concatenado com os recibos de vencimento da Insolvente, conclui-se que, relativamente a tal período, a insolvente é devedora da quantia de € 3.446,91 (três mil quatrocentos e quarenta e seis euros e noventa e um cêntimos) tendo como base de fixação o valor do Salário Mínimo Regional.
4– Posto isto, quanto ao período ora em apreço, a Insolvente auferiu rendimentos, disponíveis para cessão de rendimentos no valor de € 3.446,91 (três mil quatrocentos e quarenta e seis euros e noventa e um cêntimos), assim obtidos:
(…)Total em dívida             6 376,78 €              
Cfr. documentos 2 a 19.
6 – Assim, o valor actualmente em dívida ascende a € 6.376,78 (seis mil, trezentos e setenta e seis euros e setenta e oito cêntimos), uma vez que a Insolvente ainda não entregou qualquer valor por conta dos valores a ceder, do primeiro e do segundo ano.
 7 – A signatária nada tendo a signatária a opor ao pagamento do valor em dívida em prestações, desde que respeitado o período da cessão de rendimentos e colhido o consentimento, ainda que tácito, dos credores no prazo de dez dias a contar da notificação ora efectuada do presente relatório e acautelado o pagamento das quantias disponíveis para cessão de rendimentos, entretanto auferidas. 
8– Atento o trabalho desenvolvido, nomeadamente de fiscalização do cumprimento dos deveres que recaem sobre a Insolvente, requer que seja ordenado o pagamento da remuneração anual devida, nos termos do disposto no art.º 240º do CIRE, a adiantar pelos cofres do Estado, isto é, pelo IGFIJ, em obediência ao disposto no artigo 241.º n.º 1 alínea c) do CIRE, o que desde já se requer.
 9 – Do teor do presente relatório foi dado conhecimento a todos os credores nos termos do disposto no artigo 241.º n.º 1 do CIRE.
 Junta: 19 documentos e comprovativo da notificação aos Credores do presente relatório”.
5. Em 16-09-2019 foi proferido o seguinte despacho:
“Antes de mais, com cópia do relatório com a referência 3278543, notifique a Insolvente e o seu Patrono, para que a mesma venha aos autos esclarecer os motivos da não entrega dos valores em falta e ainda, para proceder ao pagamento dos mesmos, ou para apresentar plano de pagamento em prestações.
Prazo: 10 dias”.
Despacho este notificado à insolvente e ao patrono respetivo por comunicação de 20-09-2019.
6. Em 04-10-2019 a insolvente apresentou o seguinte requerimento:
“(…) notificada do despacho com a referência n.º 48613255, vem apresentar plano de pagamento para liquidação das quantias em falta, que ascendem a € 6.736,86, nos seguintes termos:
 I. € 4.000,00 (quatro mil Euros) em 30 (trinta) prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 133,33, vencendo-se a primeira no dia 30 de Janeiro de 2020;
 II. € 2.376,86 (dois mil trezentos e setenta e seis Euros e oitenta e seis Cêntimos) a serem pagos até ao dia 30 do mês de Junho de 2022.
 Perfazendo, assim, a totalidade da quantia indicada pela Senhora Fiduciária”.
7. Na sequência do que, em 23-10-2019, a fiduciária pronunciou-se indicando:
“(…) nada tenho a opor ao pagamento em prestações do valor em atraso até Julho de 2019.
A primeira entrega, e tal como foi indicado à S/Constituinte na carta de 6 de Agosto de 2017, terá que ser efectuada por vale postal que permita a abertura de conta bancária e as entregas seguintes deverão ser efectuadas através de transferência bancária para a conta cujo IBAN que lhe será indicado logo que aberta a conta.
Por último, relembro que mensalmente deve a S/Constituinte proceder à entrega de toda a documentação necessária ao apuramento de valores a ceder, devendo ainda ceder, mensalmente, todos os valores que excedam um salário mínimo regional.
Aguardo assim o envio do Vale Postal referente à 1ª entrega a fim de abrir a conta”.
8. Tendo sido proferido, em 24-10-2019, despacho com o seguinte teor:
“Defere-se o pagamento do montante em dívida, em prestações, considerando igualmente que nada opuseram os credores àquele pagamento, devendo a Sra. Administradora de Insolvência informar os autos do pagamento da primeira prestação, bem como, da última.
 Notifique.
*
No mais, aguardem os autos o decurso do período de cessão, nos termos do artigo 240.º, n.º 2, do CIRE”.
9. Em 06-11-2019 a insolvente apresentou requerimento peticionando como segue:
“1. Foi fixado à Insolvente, no âmbito dos presentes autos, a quantia de € 500,00 para o seu sustento, devendo ceder todo o remanescente que ultrapasse tal quantia.
2.  A Insolvente encontra-se empregada e a auferir um rendimento líquido de € 704,04, sendo o seu vencimento base de € 728,61, conforme recibo que se junta (Doc. 1).
3.  O agregado familiar da Insolvente é composto pela mesma e pela sua filha menor.
4.  Em serviços essenciais e despesas básicas imprescindíveis ao seu sustento, a Insolvente despende, mensalmente, as seguintes quantias:
-€ 300,00 de renda de casa, conforme contrato de arrendamento do qual se junta cópia;
-€ 200,00 em alimentação;
-Cerca de € 45,00 em energia eléctrica (Doc. 2);
-€ 40,00 de gás (preço de duas garrafas);
-€ 25,00 de água (Doc. 3);
-uma média de € 90,00, por mês, em medicação respeitante à Insolvente e à sua filha (Doc. 4).
-€ 50 na consulta de Dentista, da filha menor da Insolvente (Doc. 5);
-€ 73,56 relativos ao pagamento de dois telemóveis (Doc. 6).
O que perfaz o total de € 823,56.
5. A estas despesas mensais acresce a despesa anual de cerca de € 200,00, na compra de óculos para a sua filha (Doc. 7).
6. Bem como a despesa decorrente de realização de exames médicos pela Insolvente (Doc. 8), uma vez que a mesma padece da doença diabetes.
(…)
9.  Ora, face às despesas suportadas pela Insolvente, considerando o actual salário mínimo regional (fixado em € 630,00) e a jurisprudência nacional mais recente, impõe-se fixar o rendimento mínimo ao sustento da Insolvente e da sua filha menor, a quantia de € 945,00.
 Nestes termos, ao abrigo das supracitadas normas, requer a V. Exa. que fique excluído do rendimento a ceder ao fiduciário o montante correspondente a 1,5 vezes o salário mínimo regional, ou seja, o montante de € 945,00”. 
10. Em 07-11-2019 a fiduciária apresentou requerimento com o seguinte teor:
“(…) vem, em cumprimento do despacho com a referência n.º 48825578, informar V. Exa. que no passado dia 31 de Outubro de 2019, a Insolvente depositou na conta de Fiduciário, a primeira quantia de €74,04, desconhecendo a signatária a que título foi depositada tal quantia, isto é, a signatária desconhece se se trata da 1.ª prestação, uma vez que o valor não coincide com o valor indicado pelo Sr. Advogado no requerimento que juntou aos autos com proposta de pagamento prestacional.
 Nessa sequência enviou mail à Insolvente e aguarda os esclarecimentos a prestar”.
11. Em 08-11-2019, foi proferido o seguinte despacho:
“Antes de mais, com cópia das referências em epígrafe, notifique a Sra. Fiduciária e os credores, para que se pronunciem, em 10 dias, relativamente ao requerido pela insolvente, no que respeita à alteração do rendimento a ceder à massa.
*
Referência 3391197:
Antes de mais, notifique a Insolvente e o seu Il. Patrono, para que venham aos autos explicar o motivo da discrepância no depósito do montante relativo à primeira prestação, do plano de pagamentos apresentado e aceite nos autos.
Prazo: 10 dias”.
12. Em 20-11-2019 a insolvente apresentou requerimento com o seguinte teor:
“(…) insolvente nos autos à margem referenciados, notificada do despacho com a referência 48897381, vem dizer a V. Exa. o seguinte:
O plano de pagamentos apresentado nos autos prevê o vencimento da primeira prestação no dia 30 de janeiro de 2020, daí que o montante agora depositado nos autos não corresponda ao valor indicado da prestação do plano de pagamentos.
Mais se informa V. Exa. que o montante agora depositado pela Insolvente foi o montante possível de entregar atentas as despesas necessárias ao sustento mínimo do respetivo agregado familiar, propondo-se liquidar o remanescente até ao período de cessão”.
13. Em 20-11-2019 a fiduciária apresentou requerimento com o seguinte teor:
“(…) notificada que foi dos requerimentos apresentados pela Insolvente para se pronunciar quanto à requerida alteração do limiar fixação para efeitos de cessão de rendimentos, vem informar que nada tem a opor ao requerido, uma vez que a Insolvente demonstra efectivamente que as suas condições sócio-económicas não permitem ao agregado familiar composto por si e pela sua filha viver condignamente com o valor inicialmente fixado.
Informa ainda a signatária que foi regularmente contactada pela Insolvente no sentido de lograr proceder à regularização das quantias em dívida e a suscitar todos os devidos esclarecimentos para almejar tal desiderato.
Outrossim esclareceu que, erroneamente, talvez por mal-entendidos nas informações que lhe foram transmitidas, compreendera que o pagamento em prestações apenas se iniciaria em Janeiro.
Contudo, a verdade é que as despesas por si enfrentadas concatenadas com os rendimentos auferidos, a manter-se o limiar inicialmente fixado – o qual se encontra abaixo seja do SMN, seja do SMR – não lhe possibilitam nem a regularização das quantias em dívida, nem uma vida em condições condignas.
Assim, considerando que se encontrar em curso o terceiro período, julga a signatária que deverá ser deferido o requerido, permitindo-se assim que o instituto da exoneração de passivo prestante preencha as suas finalidades e a regularização dos valores em dívida.
Pede e espera deferimento”.
14. Em 22-11-2019 foi proferido o seguinte despacho:
“Referência 3412400:
Visto.
 Notifique a Sra. Fiduciária para que, em face ao referido, venha informar, em 10 dias, se entende que o início do período de pagamento das prestações, deverá ter-se apenas em janeiro.
*
Referência 33935984:
 Veio a insolvente, requerer a alteração ao rendimento disponível, alegando que lhe fora fixado um montante de rendimento indisponível de EUR 500,00, e que, auferindo EUR 728,61, ilíquidos, tendo a seu cargo uma filha menor, tal montante não é suficiente, considerando as despesas que apresenta nos autos, para que possa ter um nível de vida condigno.
 Juntou documentos comprovativos das despesas alegadas e requer que seja fixado o valor correspondente a um salário mínimo nacional, acrescido de metade, como o necessário ao sustento condigno do agregado.
 Notificados os credores, nada opuseram e a Sra. Fiduciária pronunciou-se, no sentido do deferimento da pretensão daquela.
Na decisão que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do pedido restante, determinou-se que nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência – período de cessão – deveria a insolvente entregar ao fiduciário tudo o que exceder o montante de EUR 500,00.
Nesta decisão, foi ponderada a composição do agregado familiar da insolvente, bem como as despesas pela mesma invocada, referentes a água, eletricidade, gás e demais despesas domésticas.
Ora, é forçoso concluir que, por força do rendimento que havia sido fixado, e considerando igualmente o atual valor do salário mínimo, o mesmo não pode ser considerado adequado a que a Insolvente possa prosseguir com a sua vida com um mínimo de condignidade.
Assim, procurando alcançar-se um equilíbrio justo entre o direito dos credores à satisfação do seu crédito e o direito do devedor à garantia de um mínimo de subsistência própria e do seu agregado familiar, entende-se que a quantia a ceder deverá efetivamente ser alterada.
Face ao exposto, determino que a insolvente passe a ceder à fidúcia tudo o que exceda o valor correspondente a 1,5 salários mínimos regionais.
Notifique. D.N”.
15. Em 06-12-2019 a fiduciária apresentou requerimento com o seguinte teor:
“(…) vem, em cumprimento do despacho com a referência n.º 48970348, informar V. Exa. que nada tem a opor ao pedido de início do pagamento, em prestações, em janeiro de 2020, mas só no que respeita ao valor em dívida já apurado e constante do relatório apresentado.
 Na verdade, a signatária já enviou comunicação ao Ilustre Mandatário da Insolvente, e à própria Insolvente, em resposta a mail por esta enviado, a dar conta que existem valores a depositar mensalmente, independentemente do depósito dos valores já vencidos e constantes do relatório, sendo que, relativamente a estes, reitera nada ter a opor a que o seu pagamento se inicie em Janeiro de 2020”.
16. Em 09-12-2019 foi proferido o seguinte despacho:
 “Concordando-se com o teor do requerimento supra, notifique a Insolvente e o seu Il. Patrono, com a informação de que, o período de pagamento das prestações relativas aos montantes em falta, terá o seu início em janeiro de 2020, porém, tal não obstando ao facto de a Insolvente, mensalmente, ter de cumprir com os valores mensais a entregar à fidúcia. *
 No mais, aguardem os autos, nos termos definidos no despacho de 24/10/2019, com a referência 48825578”.
Despacho comunicado à insolvente e respetivo patrono por comunicação de 10-12-2019.
17. Em 19-12-2019 a insolvente apresentou requerimento com o seguinte teor:
“(…) Insolvente nos autos à margem referenciados, tendo apresentado nos autos (requerimento com a referência 3338405, datado de 4/10/2019) um plano de pagamento das quantias não entregues, vem requerer a V. Exa. a alteração daquele plano, por forma a acautelar a sobrevivência da Insolvente e do seu agregado familiar, encontrando-se a situação económica já demonstrada nos autos, nos seguintes termos: 
I. 30 (trinta) prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de € 60,00, vencendo-se a primeira no dia 30 de janeiro de 2020, totalizando € 1.800,00;
II. O montante remanescente a ser pago até ao dia 30 do mês de junho de 2022. 
E.D”.
18. Por despacho de 20-12-2019 ordenou-se a notificação da fiduciária para se pronunciar quanto ao requerimento da insolvente de 19-12-2019, o que esta fez por requerimento de 06-01-2020, indicando nada ter a opor ao requerido pela insolvente e acrescentando que “não devendo, no entanto, a insolvente olvidar de enviar, mensalmente, cópia dos recibos e comprovativos das transferências/depósitos que efectuar na conta do fiduciário”.
Na sequência do que foi proferido o despacho de 07-01-2020, com o seguinte teor:
“Na sequência de todos os despachos antecedentes, considerando a posição da Sra. Administradora de insolvência, no requerimento com referência acima identificado, entende-se que o início do período para pagamento das prestações em falta se tem a 30 de janeiro de 2020, devendo, a partir dessa data, a Insolvente, proceder ao pagamento dos montantes em falta.
 Deve ainda a Sra. Administradora de Insolvência vir informar do pagamento da primeira e da última prestação.
*
 No mais, aguardem os autos o decurso do período de cessão, nos termos do artigo 240.º, n.º 2, do CIRE”.
Despacho comunicado ao patrono da insolvente por comunicação de 08-01-2020.
19. Por despacho de 29-01-2020 foi determinado que se aguardasse o decurso do período de cessão, após o que, em 09-07-2020, a fiduciária apresentou relatório com o seguinte teor:
(…) vem, nos termos do disposto nos artigos 240.º e 241.º do CIRE, apresentar o Relatório Anual referente ao terceiro período decorrido entre Julho de 2019 e Junho de 2020, nos seguintes termos: 
1– Em 10-07-2013, foi proferido despacho liminar de exoneração de passivo restante, tendo sido fixado em 1 salário mínimo regional o limiar para efeitos de cessão de rendimentos. Por outro lado,
2– Não tendo sido proferido decisão de encerramento, por força da alteração legislativa operada em 2017, mormente do artigo 6º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30-06, segundo o qual, nos casos em que não tenha sido declarado o encerramento do processo e tenha sido proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível na data de entrada em vigor do presente decreto-lei, o período da cessão iniciou-se em 01-07-2017.
3– Por outro lado, a pedido da Insolvente, por despacho proferido em 22-11-2019, sob a referência 48970348, foi alterado o valor do limiar dos rendimentos disponíveis para cessão, determinando-se “que a insolvente passe a ceder à fidúcia tudo o que exceda o valor correspondente a 1,5 salários mínimos regionais”, a partir da prolação de tal despacho.
4– A Insolvente procedeu diligentemente, como sempre, ao envio da documentação pertinente, apenas faltando a declaração de IRS e Nota de Liquidação referentes ao ano de 2019, assim como procedeu às entregas das quantias devidas para cessão e regularização da dívida, nos termos acordados – cfr. documentos 1 a 11 que ora se juntam.
5– Do teor da documentação, conclui-se que a Insolvente auferiu € 1.495,06 disponíveis para cessão, sendo que outrossim lhe competia procedeu ao pagamento da quantia de € 360,00 quanto às prestações acordadas, tudo no tal de € 1.855,06, sendo que procedeu à entrega de € 1.378,75 (mil, trezentos e setenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos), permanecendo em dívida € 476,31 (quatrocentos e setenta e seis euros e trinta e  (….)
6 – Assim, deverá a Insolvente regularizar a situação. Por outro lado,
7– As quantias cedidas deverão ser afectas ao reembolso ao IGFEJ das remunerações adiantadas quanto ao primeiro e segundo ano, no valor total de € 624,93 (seiscentos e vinte e quatro euros e noventa e três cêntimos), como espelhado nos autos (referências 48647437 e 47188102).
8 – Nessa confluência, deverão os autos serem remetidos à conta para tal efeito.
9 – Finalmente, não pode a signatária deixar de consignar que tem direito a uma remuneração anual, por força do disposto nos normativos conjugados ínsitos nos artigos 60º, n.º 1 e 240º, n.º 2 do CIRE e no artigo 28º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (que consagrou o Estatuto do Administrador Judicial), entendimento este reforçado pela redacção vigente, que determina que corresponde a 10% das quantias objeto de cessão, com o limite máximo de (euro) 5000 por ano ou, no caso de as quantias objeto de cessão serem inferiores a (euro) 3 000 por ano, a remuneração é fixada pelo juiz com o limite máximo de (euro) 300,00.
10 – Atento o valor das quantias cedidas quanto ao período transacto – € 1.018,74 –, a aplicação do critério de 10 % afigura-se insuficiente, considerando o trabalho desenvolvido pela signatária, pelo que requer lhe seja fixada uma remuneração anual no valor de 2 UC, ou seja, € 204,00, acrescidos de IVA, o que tudo perfaz € 250,92 (duzentos e cinquenta euros e noventa e dois cêntimos).
11 – Apenas após os pagamentos agora referidos é que poderá a signatária indicar o destino das quantias eventualmente remanescentes.
12– Do teor do presente relatório foi dado conhecimento a todos os credores nos termos do disposto no artigo 241.º n.º 1 do CIRE.
 Junta: 11 documentos e comprovativo da notificação aos Credores do presente relatório.
Pede e espera deferimento”.
20. Em 08-09-2020 proferiu-se despacho determinando a notificação do relatório apresentado pelo fiduciário (em 09-07-2020) à insolvente e respetivo patrono, com cópia desse relatório, com vista a que a insolvente venha ao processo “esclarecer os motivos da não entrega dos valores em falta e, ainda, para proceder ao pagamento dos mesmos, ou para entregar plano de pagamento em prestações”.
Despacho notificado ao patrono e à insolvente por comunicação de 10-09-2020.
21. Na sequência do que a insolvente apresentou, em 18-09-2020 requerimento com o seguinte teor: 
“(…) [N]otificada do relatório anual elaborado pela Sra. Fiduciária, vem comunicar e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. No relatório anual elaborado pela Sra. Fiduciária vem mencionada aquantia em falta, num total de € 476,31, não entregue à massa, pela insolvente.
2. Sucede que tal quantia não foi incluída no plano de pagamentos apresentado no dia 19/12/2019, com a referência 3457992, por mero lapso.
3. Assim, a insolvente apresenta plano de pagamento da quantia em causa, cuja entrega propõe que seja efectuada em doze (12) prestações mensais e sucessivas, cada uma no montante de € 39,70 (trinta e nove euros e setenta cêntimos), durante o período de cessão, com início no mês de Junho de 2021.
Face ao exposto, requer a V. Exa. a notificação dos credores para se pronunciarem sobre os termos do plano de pagamento apresentado e o deferimento do mesmo.
E.D.
22. Notificados a fiduciária e os credores para se pronunciarem quanto a esse requerimento de 18-09-2020 veio aquele indicar, em 06-10-2020, nada ter a opor ao peticionado pela insolvente, após o que foi proferido despacho, em 10-10-2020, com o seguinte teor:
“Considerando que não foi deduzida qualquer oposição, autorizo o pagamento da quantia em dívida em doze (12) prestações mensais e sucessivas, cada uma no montante de € 39,70 (trinta e nove euros e setenta cêntimos), durante o período de cessão, com início no mês de Junho de 2021 (uma vez que o período de cessão termina em Julho de 2022).
Notifique.
*
Atenta a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 42/2019, de 28 de Março, que estabelece um regime simplificado para a cessão de créditos em massa, cumpra o disposto no art. 356º, n.º 1, al.a) do Código de Processo Civil”.      Despacho notificado ao patrono por comunicação de 12-10-2020.
23. Em 16-11-2020 a insolvente apresentou requerimento com o seguinte teor:
“1. O agregado familiar da devedora é composto pela mesma e a sua filha, BSP, sendo dependente da devedora.
2. Em 28 de Setembro de 2020, a filha da devedora ingressou no ensino superior, na Universidade dos Açores, em Ponta Delgada, conforme certificado que se junta. 
3. Tal facto implica, para a devedora, a necessidade de custear despesas inerentes à frequência de tal ensino, pagando propinas, que ascendem a € 697,00 anuais.
4. Adicionalmente, a devedora tem que custear as despesas de quarto da sua filha, uma vez que vive necessita residir junto da Universidade.
5. Assim, o rendimento disponível afigura-se insuficiente para assegurar a sustentabilidade da devedora e do seu agregado familiar, mostrando-se necessário que o mesmo seja fixado em valor superior.
6.  Ademais, o montante considerado digno para o sustento básico, per capita, é o que se encontra fixado para o Salário Mínimo Regional para o ano de 2020, o qual se encontra actualizado em € 666,75.
7. Na fixação do rendimento disponível o valor correspondente à retribuição mínima nacional garantida constitui, tão só, a um limite mínimo de referência, a complementar com outros elementos a atender, para a determinação de qual o montante mensal a partir do qual o insolvente deverá ceder os seus rendimentos ao fiduciário. (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N.º 6137/18.2T8CBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, requer a V. Exa. que o rendimento indisponível mensal da devedora seja fixado em € 1.250,00”.     
24. Notificados a fiduciária e os credores para se pronunciarem, veio aquela indicar, em 03-12-2020, que deve ser fixado à insolvente “um valor inferior ao requerido por forma a não se perder o escopo da exoneração do passivo restante e a contribuição dos Devedores para o benefício em contrapartida recebido”.
25. Em 11-01-2021 foi proferido despacho incidindo sobre o requerimento de 16-11-2020, com o seguinte teor:
“Uma vez que a insolvente devidamente notificada nos termos do anterior despacho para vir prestar os esclarecimentos necessários à decisão do seu requerimento em que peticionava que o rendimento indisponível mensal da devedora fosse fixado em € 1.250,00, (uma vez que  em 2020 sendo  o SMR de 666,75€ o valor indisponível para a cessão se situava na quantia de 1 000,12€ e dos autos resultava que a totalidade dos rendimentos da insolvente se situava em 2019, em 779,90€) nada veio esclarecer nem juntou quaisquer documentos, considerando que o tribunal não dispõe de quaisquer outros elementos que os apontados os quais são incongruentes com o pedido formulado, sem necessidade de mais considerações, indefiro ao requerido.
Notifique (também os credores e Fiduciário)”.
Despacho notificado ao patrono por comunicação de 12-01-2021.
26. Em 04-02-2021 a insolvente veio, por si, apresentar requerimento, tendo sido proferido o seguinte despacho, em 08-02-2021:
“Já foi proferido despacho sobre o que a insolvente havia requerido, indeferindo-se o mesmo pelas razões que ali constam do anterior despacho, pelo que nada há mais a ordenar ou decidir a esse propósito.
 Ainda assim, sempre se dirá que os argumentos ali utilizados se mantêm pois que o rendimento indisponível mensal da devedora se situa na quantia de 1 000,12€ (para 2020) e sendo o actual vencimento liquido da insolvente no valor de 798,39€ (não constam quaisquer outros rendimentos), não se entende da razão pela qual pretendia que o mesmo fosse fixado em 1 250,00€, nem por que motivo insiste em que seja aumentado o valor daquele rendimento…
Uma vez que a insolvente vem agora indicar nova morada, tome-a em consideração, dando-se ainda conhecimento à senhora Fiduciária.
Notifique (também o Ilustre Advogado da insolvente)”.
27. Em 22-06-2021 a fiduciária vem apresentar relatório com o seguinte teor:
“ (…) vem, nos termos do disposto nos artigos 240.º e 241.º do CIRE, apresentar o Relatório Anual referente ao quarto período decorrido entre Julho de 2020 e Junho de 2021, nos seguintes termos:
1.- Em 2013-07-10, foi liminarmente admitido o pedido de exoneração de passivo restante, tendo sido fixado em 1 salário mínimo regional o limiar para efeitos de cessão de rendimentos. Por outro lado;
 2.- Não tendo sido proferida decisão de encerramento do processo, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível na data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 79/2017, ou seja, em 01-07-2017.
3.- Posteriormente, a pedido da Insolvente, foi o rendimento indisponível alterado, por despacho proferido em 2019-11-22, refª 48970348, para valor correspondente a 1,5 salários mínimos regionais, com efeitos a partir da prolação de tal despacho.
 4.- A Insolvente procedeu diligentemente, à semelhança do que tem vindo a acontecer, ao envio da documentação pertinente ao apuramento do seu rendimento, o que se resume na seguinte tabela: (…)
5.- Verifica-se da análise da tabela elaborada que a Devedora entregou todo o rendimento disponível à fidúcia e bem assim procedeu às entregas por conta da dívida constituída.
6.- A dívida à fidúcia no final do 4º ano da cessão mostra-se assim reduzida à importância de € 5.733,23.
 ***
7.- Não pode a Signatária deixar de consignar que tem direito a uma remuneração anual, por força do disposto nos normativos conjugados ínsitos nos artigos 60º, n.º 1 e 240º, n.º 2 do CIRE e no artigo 28º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (que consagrou o Estatuto do Administrador Judicial),
 8.- A qual deverá ser fixada em 10% do valor cedido para a fidúcia, ou seja, € 180,29, sobre a qual incidirá IVA à taxa legal em vigor, o que desde já se requer.
 9.- Do presente Relatório foram os Credores notificados.
 Junta: 14 documentos e comprovativo de notificação aos Credores”.
28. Em 20-04-2022 foi proferido o seguinte despacho:
Encerramento do processo:
Nos presentes autos foi encerrada a liquidação, elaborada conta e pagas as custas.
Mostra-se realizado o rateio final e distribuição.
Nos termos dos artigos 230.º, n.º 1, al. a) do CIRE, declara-se encerrado o processo de insolvência, sem prejuízo do prosseguimento do procedimento de exoneração do passivo restante.
 Não tendo sido aberto o incidente de qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art.º 233.º, n.º 6, do CIRE, declara-se a insolvência como fortuita.
Registe.
*
Dê cumprimento ao disposto nos artigos 230.º, n.º 2 e 37.º e 38.º, do CIRE, publicitando esta decisão, com indicação da razão que determinou o encerramento.

Exoneração do passivo restante:
A Lei 9/2022, de 11 de janeiro, entrou em vigor no passado dia 12 de abril de 2022, e veio estabelecer alterações aos artigos relativos ao incidente de exoneração do passivo restante, nomeadamente ao disposto no art.º 235º do CIRE, que passou a prever que a exoneração do passivo restante durará pelo período de 3 anos e não os 5 anos, e que poderá ser prorrogado ou não nos termos do art.º 242º-A do CIRE. 
Nos termos da aludida lei, mormente o art.º 10º n.º 3, dispõe: “3 - Nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei.”
Compulsados os autos, verifica-se que o presente processo se encontra na situação prevista na lei, na medida em que já passaram mais de 3 anos desde o despacho inicial.
Notifique a AI a fim de informar se existem ainda valores em dívida à fidúcia, de forma a proceder-se às notificações a que alude o disposto no art.º 244º do CIRE”. 
Despacho notificado à insolvente e patrono – bem como os demais intervenientes – por comunicação de 21-04-2022.
29. Em 27-04-2022 a fiduciária vem apresentar relatório com o seguinte teor:
“(…) vem, em cumprimento do disposto no artigo 240º, n.º 2, do CIRE, apresentar o RELATÓRIO FINAL referente ao período da cessão decorrido entre Julho de 2021 e Março 2022, nos seguintes termos: 
1.– No passado dia 11 de Janeiro do corrente ano foi publicada a Lei 9/2022 que determina que “Nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei.” 
2.- Assim, para os efeitos referidos, impõe-se a apresentação do Relatório do período em curso.
3.- Em 2013-07-10, foi liminarmente admitido o pedido de exoneração de passivo restante, tendo sido fixado em 1 salário mínimo regional o limiar para efeitos de cessão de rendimentos. Por outro lado;
4.- Não tendo sido proferida decisão de encerramento do processo, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível na data de entrada em vigor do decreto lei Decreto-Lei n.º 79/2017, ou seja, em 01-07-2017.
5.- Posteriormente, a pedido da Insolvente, foi o rendimento indisponível alterado, por despacho proferido em 2019-11-22, refª 48970348, para valor correspondente a 1,5 salários mínimos regionais, com efeitos a partir da prolação de tal despacho.
 6.- A Insolvente procedeu diligentemente, semelhança do que tem vindo a acontecer, ao envio da documentação pertinente ao apuramento do seu rendimento, o que se resume na seguinte tabela:
 (…)
7.- Verifica-se da análise da tabela elaborada que a Devedora entregou todo o rendimento disponível à fidúcia e bem assim procedeu às entregas por conta da dívida constituída.
 8.- A dívida à fidúcia no final do período da cessão mostra-se assim reduzida à importância de € 4.493,86.
*
9.- Importaria apresentar pronúncia sobre a concessão da exoneração do passivo restante, no entanto, a resposta teria que ser negativa por força da existência de dívida à fidúcia.
 10.- Sucede que a Devedora tem vindo a proceder ao pagamento da dívida em prestações, não se tendo previsto a alteração legislativa aquando do início de tais pagamentos;
11.- Por outro lado, a Devedora tem vindo a colaborar com o processo, disponibilizando mensalmente a documentação necessária ao apuramento do rendimento auferido e tem efectuado as respectivas entregas.
12.- Assim, entende modestamente a Signatária que a Devedora deverá ser pessoalmente notificada a fim de requerer o que tiver por conveniente, eventualmente pedindo prorrogação do prazo ou pagando de imediato a dívida constituída.
*
13.- Não pode a Signatária deixar de consignar que tem direito a uma remuneração anual, por força do disposto nos normativos conjugados ínsitos nos artigos 60º, n.º 1 e 240º, n.º 2 do CIRE e no artigo 28º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (que consagrou o Estatuto do Administrador Judicial),
 14.- A qual deverá ser fixada em 10% do valor cedido para a fidúcia, ou seja, € 177,56, sobre a qual incidirá IVA à taxa legal em vigor, o que desde já se requer.
 15.- Do presente Relatório foram os Credores notificados.
 Junta: 10 documentos e comprovativo de notificação aos Credores”.
30. Em 17-05-2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Vi o relatório a que respeita o art. 240º do CIRE.
Notifique a insolvente para se pronunciar quanto ao referido pela AI, na medida em que poderá ser conhecido já a concessão ou não da exoneração do passivo restante, atendendo à entrada em vigor da Lei 9/2022 de 11 de janeiro, porém existindo valores em dívida não se estará ainda nessas condições”
Despacho notificado à insolvente e patrono por comunicação de 18-05-2022.
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar:
- Se a decisão recorrida padece de nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão (art. 615.º, nº1, alínea c) do CPC);  
- Das alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11-01 e da sua aplicação ao incidente de exoneração do passivo restante, em curso aquando da entrada em vigor da LN;
- Da pretensão formulada pela insolvente: a prorrogação do período de cessão e a medida fixada pelo tribunal de primeira instância para a devedora saldar a dívida à fidúcia, em ordem à oportuna prolação de decisão final da exoneração, ponderando o disposto 244.º do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem.
1. Nos termos do art. 615.º, nº1 alínea c) do CPC, a decisão padece de vício de nulidade quando os “fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A contradição entre os fundamentos e a decisão configura vício que ocorre quando, ao invés do raciocínio silogístico que deve caraterizar a decisão, em que as premissas (de facto e de direito), conduzem necessariamente ao resultado vertido na parte dispositiva, se verifica uma “construção da sentença” “viciosa”, “uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” [ [2] ]. Sendo que também aqui se impõe distinguir entre as situações de contradição e aquelas em que se visualiza tão somente um erro de julgamento
No caso, a apelante considera que há contradição porque o tribunal fixou uma prestação mensal a cargo da devedora de mais de € 280,00, não atendendo ao montante necessário e essencial que permita à Insolvente manter o seu sustento digno, violando-se, assim, o princípio da dignidade humana, pese embora até tenha considerado que esses parâmetros se aplicam ao pagamento em prestações do saldo devedor.
Propugna, pois, que se declare a nulidade e se proferia decisão substitutiva permitindo que a insolvente “liquide o montante em dívida à fidúcia até 2024, mediante prestações mensais de € 100,00”.
Considerando a fundamentação exposta na decisão recorrida, entendemos que a questão não se reconduz a qualquer vício gerador de nulidade, estando apenas em causa aferir da correção do entendimento ou perceção do tribunal, espelhada na decisão, quanto à possibilidade de prorrogação do prazo de pagamento de quantia devida à fidúcia, isto é, de questão atinente ao mérito da decisão, logo, a eventual erro de julgamento.
Improcede a apontada nulidade.
2. A Lei n.º 9/2022, de 11-01 entrou em vigor em 11-04-2022 (art. 12.º da lei) e é aplicável aos presentes autos, pendentes a essa data, com reflexos no âmbito da regulação alusiva ao período de cessão, tendo em conta o regime transitório fixado no art. 10.º da referida lei, mais precisamente, no que ao caso importa, no nº 3 desse artigo, com a seguinte redação:
“Nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei”.
Como resulta da factualidade supra exposta, o primeiro ano correspondente ao período de cessão foi contabilizado pelo fiduciário – sem discussão entre os intervenientes e com o assentimento do tribunal, referindo-se o fiduciário, expressamente, a essa matéria, nomeadamente  nos relatórios aludidos sob os números 19 e 29  – como correspondendo ao período de 1 julho de 2017 a 1 julho de 2018, sendo que, a essa data, o terminus do período de cessão ocorreria em julho de 2023 atento o prazo (de cinco anos) fixado pelo nº 2 do art. 239.º, na redação vigente nesse momento. O que significa que, à data da entrada em vigor da lei nova, que alterou a redação do art. 239.º, já tinha decorrido o (novo) prazo alusivo ao período de cessão, que a LN reduziu para o período de três anos. Assim, com a entrada em vigor da referida lei, aplicando o regime transitório fixado no citado diploma, temos que se impunha considerar findo o referido período de cessão em 11-04-2022, com a consequente prolação da decisão final da exoneração (art. 244.º).
O tribunal deu nota da aplicação da LN e dos efeitos daí resultantes, como resulta dos despachos proferidos em 20-04-2022 e em 17-05-2022, aludidos nos números 28 e 30 dos factos dados como assentes, despachos que se prefiguram como antecipatórios da decisão final da exoneração, permitindo aos intervenientes pronúncia quanto à matéria em causa e à questão concretamente suscitada pelo tribunal.
É na sequência desses despachos que a insolvente apresentou o requerimento objeto do despacho recorrido, que deve ser apreciado à luz das alterações introduzidas pela referida Lei.
3. Como expressamente mencionado no diploma, a Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, “[e]stabelece medidas de apoio e agilização dos processos de reestruturação das empresas e dos acordos de pagamento, transpõe a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, e altera o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Código das Sociedades Comerciais, o Código do Registo Comercial e legislação conexa” – cfr. o art. 1.º, nº2 da Lei (“[o]bjeto). 
Vejamos, então, o alcance da Diretiva, considerando que a mesma estabelece regras relativas “aos processos conducentes a um perdão das dívidas contraídas por empresários insolventes” (art. 1.º com a epígrafe “[o]bjeto e âmbito de aplicação”), não excluindo a sua aplicando aos devedores “consumidores”, como decorre do considerando 21[ [3] ] [ [4] ].  
A matéria ora em causa está prevista no Título III da Diretiva (“[p]erdão de dívidas e inibições”), elevando o disposto nos arts. 20.º [ [5] ], 21.º [ [6] ], 22.º [ [7] ] e 23.º [ [8] ], daí resultando, no que ora interessa:
- Um prazo apontado como correspondendo ao prazo para o perdão total das dívidas do devedor, de três anos (art. 21.º, nº1, proémio) [ [9] ];
- A possibilidade de prolongamento de prazos (art. 23.º); o preceito dispõe sobre “derrogações” aos arts. 20.º a 22.º, estabelecendo a Diretiva que os Estados-Membros possam prever prazos mais longos para obter o perdão total das dívidas, abarcando os prolongamentos de prazos [ [10] ], desde que tal se justifique, tipificando-se as hipóteses previstas nos números 2, 3 e 4 [ [11] ] do referido art. 23.º, sendo a enunciação de cariz meramente exemplificativo (e não taxativo) nos casos previstos nos números 2 e 4 – por via da introdução do advérbio “nomeadamente” –, deixando, pois, alguma margem de regulação aos Estados-Membros aquando da transposição.
Salienta -se que na situação prevista na alínea a) do número 1 do art. 23.º, admite-se a possibilidade dos Estados -Membros preverem prazos mais longos para obtenção do perdão total da dívida se o devedor “tiver cometido violações consideráveis de obrigações decorrentes de um plano de reembolso ou de qualquer outra obrigação legal destinada a proteger os interesses dos credores, nomeadamente a obrigação de maximizar os rendimentos dos credores” e na alínea b) alude-se às situações em que o devedor “não tiver cumprido as obrigações de informação ou de cooperação previstas no direito nacional ou da União”, relevando, em sede de fundamentação/explicitação destas diretrizes, os considerandos 78 e 79 [ [12] ].
*
A Lei nº 9/2022, com a apontada intenção de transposição e em conformidade com a Diretiva, passou a estabelecer um período de cessão mais curto (três anos) (art. 239.º, nº2 na nova redação) e a possibilidade de prorrogação desse período por igual tempo, ou seja, um prazo máximo de cessão de seis anos e por uma única vez (art. 242.º-A, aditado) [ [13] ].
Do (novo) regime que emerge dos arts. 239.º a 244.º pode retirar-se, com alguma linearidade, no que à possibilidade de prorrogação do período de cessão concerne:
- Quanto à legitimidade para deduzir o pedido: a prorrogação pode ser peticionada por qualquer interveniente processual (devedor, credor, administrador da insolvência e fiduciário); é discutível se o tribunal pode, ex officio, determinar a prorrogação, questão a que adiante melhor aludiremos, sendo que, no caso, a devedora formulou essa pretensão;
– Quanto à causa de pedir da pretensão de prorrogação: o pedido deve ser “fundamentado” (número 1 do art. 242.º-A, proémio), mas o legislador apenas especificou o circunstancialismo-base da prorrogação nos casos em que o pedido é formulado pelo fiduciário, prevendo-se, então, expressamente, a possibilidade de prorrogação em caso de violação, pelo devedor, de alguma das obrigações impostas pelo artigo 239.º, com prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência (duplo requisito); entendemos, no entanto que, por similitude de razões, se deve estender o fundamento concretamente apontado como suporte do pedido de prorrogação feito pelo fiduciário aos demais intervenientes processuais que, assim, verificado o apontado condicionalismo, têm a faculdade de deduzir o pedido respetivo [ [14] ], competindo-lhe o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes, impondo-se perspetivar a pretensão de prorrogação em função do contexto em que o pedido é formulado;
– Quanto aos parâmetros da decisão: o juiz só deve deferir a pretensão de prorrogação “se concluir pela existência de probabilidade séria de cumprimento, pelo devedor, das obrigações a que se refere o nº1, no período adicional”.
*
No mais, a aplicação do regime suscita dificuldades, sendo que se impõe apreciar fundamentalmente dos casos em que o pedido é formulado pelo devedor e que, afigura-se-nos, corresponderão à grande maioria das hipóteses de prorrogação.
Em primeiro lugar, quanto ao timing do pedido de prorrogação, sabe-se que o pedido é sempre formulado com vista a evitar a recusa da exoneração, seja a título de recusa antecipada (art. 243.º), seja no âmbito de uma decisão final (art. 244.º) e o que se pergunta é se deve distinguir-se, para o efeito aludido, consoante estejamos perante uma, ou outra, hipótese. Afigura-se-nos que tal se justifica, ponderando o texto da lei (art. 242.º -A e 244.º nº1) e de forma a encontrar alguma coerência no sistema (art. 9.º, nº1 do Cód. Civil). Efetivamente, do art. 242.º-A nº1, proémio resulta expressamente que a hipótese de prorrogação aí contemplada só pode ser colocada durante o período de cessão – “antes de terminado aquele período e por uma única vez” –, logo, em alternativa à cessação antecipada do procedimento de exoneração; ao invés, o art. 244.º, nº1 refere que o juiz decide, findo que esteja o período de cessão – “nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão” –, sobre a respetiva prorrogação, ou sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, salientando-se a utilização da disjuntiva “ou”, que implica alternatividade entre uma de três hipóteses possíveis quanto ao juízo valorativo (prorrogar/conceder/recusar).
Assim sendo, temos que o devedor pode formular o pedido de prorrogação:
- Durante o período de cessão e antes do seu terminus, devendo apresentar o requerimento dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados (nº 2 do art. 242.ºA), nos casos em que a prorrogação tem por finalidade evitar a cessação antecipada do procedimento de exoneração; assinale-se a similitude entre o nº2 do art. 242.º-A e o nº 2 do art. 243.º; 
- Findo o período de cessão, quando é ouvido pelo juiz, com vista à prolação de decisão final da exoneração e no prazo de 10 dias que tem para esse efeito, com vista a evitar a não concessão da exoneração.
Sendo que em ambos os casos o juiz deve dar cumprimento ao princípio do contraditório, donde, na hipótese de o pedido ser formulado pelo devedor no âmbito do art. 244.º, abre-se outro prazo para pronúncia relativamente aos demais intervenientes processuais.
Em segundo lugar, em face do silêncio do legislador, não é inequívoco qual seja o conteúdo da medida de prorrogação, isto é, fixando-se o prazo da prorrogação, importa aferir das obrigações que impendem sobre o devedor durante o período respetivo, centrando-nos na hipótese mais comum e que seguramente estará na origem da larga maioria dos pedidos de prorrogação, a saber, situações de incumprimento da obrigação de entrega à fidúcia do rendimento disponível (art. 239.º, nº4, alínea c), como é o caso dos autos, com a consequente diminuição do reembolso dos credores.
Uma das soluções é considerar que a prorrogação importa apenas a concessão de uma moratória no pagamento de um débito (diferimento do pagamento), relevando, então, contabilizar o montante em dívida e equacionar o período de prorrogação – nunca excedendo os três anos previstos na lei – para o seu pagamento; mas, se assim for, essa obrigação de pagamento não se cumula com a obrigação de entrega do rendimento disponível que carateriza o período de cessão, sendo que, de outra forma e em abstrato não seria concebível uma prorrogação do período de cessão a pedido do devedor porque, obviamente, a situação seria fortemente penalizadora para o insolvente, que já se encontra no limiar da taxa de esforço relativamente à obrigação de entrega do rendimento disponível, não tendo sido essa, seguramente, a solução querida pelo legislador (art. 9.º, nº3 do Cód. Civil) quando procedeu à transposição da Diretiva.
Outra solução, para a qual se propende, é considerar que com a prorrogação se abre efetivamente um novo período de cessão, que deve ser perspetivado – como o próprio nome indica – como tal, com a obrigação que decorre, para o devedor, nomeadamente, do disposto no art. 239.º nº4 alínea c), isto é, o devedor não tem de pagar a quantia que estava em falta à fidúcia, mas deve continuar a entregar à fidúcia, no período em causa, o valor que foi fixado como correspondendo ao rendimento disponível, sem prejuízo desse montante poder ser revisto pelo juiz, nos mesmos termos em que o seria na fase anterior e ponderando o disposto no art. 239.º, nº3. Em suma, tratando-se de uma prorrogação do período de cessão, a mesma comunga do que carateriza esse período, nomeadamente no que concerne à esfera de direitos e obrigações que impendem sobre o devedor e sobre os demais sujeitos processuais.
Em qualquer dos casos, o pedido de prorrogação formulado pelo devedor, que a Lei nº 9/2022 veio expressamente admitir [ [15] ], configura, no enquadramento apontado, uma última oportunidade dada ao insolvente, em ordem a evitar a possível recusa da exoneração, recuperando assim da sua situação de insolvência, com a extinção de todos os créditos que ainda subsistam à data em que é concedida (art. 245.º, nº1), harmonizando todos os interesses em jogo, na primeira solução apontada atento o reembolso da dívida, na medida dos valores em falta, que por essa via se obtém, na segunda porque a extensão do período de cessão tem como contrapartida, por banda dos credores, o correlativo recebimento do rendimento disponível.
Sendo certo que, independentemente do contexto em que nos situemos, o mecanismo da prorrogação não pode ser equacionado à margem do princípio da boa-fé, o que significa que o juiz deve recusar a prorrogação se concluir que o devedor está a usar da faculdade (de prorrogação) que a lei lhe confere, de forma abusiva (art. 334.º do Cód. Civil).  
4. No caso em apreço, como resulta da factualidade indicada, a devedora apelante formulou o pedido de prorrogação em contexto de incumprimento, sendo o valor em falta, que indevidamente deixou de entregar à fidúcia, como expressamente reconhece, de 4.493,86€, findo que se encontrava o período de cessão e a prorrogação foi também sugerida pelo fiduciário (cfr. o número 29 dos factos provados).
Por outro lado, os credores não se pronunciaram quanto à questão suscitada pelo tribunal quanto à aplicação da LN – e até foram expressamente convocados a fazê-lo –, não deduziram oposição ao pedido de prorrogação formulado pela insolvente e, em nosso entender, está indiciada a probabilidade da devedora cumprir as obrigações a que alude o art. 239.º, nomeadamente, pese embora a sua débil situação económica, a obrigação de pagamento de entrega de quantias à fidúcia, considerando o seu comportamento a partir do primeiro semestre de 2019 e o denotado esforço de pagamento – cfr. a factualidade dada por assente sob os números 19 e seguintes.
Efetivamente, da factualidade assente resulta que o incumprimento da obrigação de entrega do rendimento disponível à fidúcia ocorreu nos primeiros dois anos do período de cessão, numa situação em que havia sido fixado à devedora, que já nessa altura tinha a filha menor a seu cargo, a quantia a título de rendimento indisponível do valor de 500,00€ mensais (cfr. o número 2 dos factos provados), valor que se manteve no segundo ano de cessão e foi posteriormente revisto, com o acordo do fiduciário, sendo significativo o parecer deste quanto a essa matéria – cfr. a factualidade dada por assente sob os números 9 e 13. Acresce que resulta dos autos que BSP, nascida em 27-11-2002, filha da requerente e de AJBSP e que fazia parte do agregado familiar da insolvente (cfr. o número 23 dos factos assentes) [ [16] ], atingiu a maioridade em 27-11-2020 e atingiu os 22 anos em 27-11-2022, o que significa que terá que prover pelo menos em parte ao seu próprio sustento, permitindo à insolvente canalizar os seus rendimentos também para a entrega de quantias à fidúcia, sendo esta a última oportunidade que tem para lograr obter o perdão total do remanescente das suas dívidas.
Em suma, justifica-se decretar a prorrogação do período de cessão, porque se verificam os pressupostos respetivos, a que alude o art. 242.º-A, ex vi do art. 244.º, nº1, impondo-se apenas apreciar quanto à duração do período em causa e fixação dos termos em que a prorrogação deve ser concedida.
Assim, e adotando a orientação que se propugnou, ponderando que já tinham decorrido entre o início do período de cessão (01-07-2017) e o seu termo (11-04-2022), grosso modo, quatro anos e nove meses, contabilizados até ao fim do mês de março de 2022 (57 meses), não podendo o período de cessão, incluindo a prorrogação, nos termos da LN, exceder o prazo global de seis anos (ou seja, 72 meses), afigura-se-nos que o período de prorrogação deve ser fixado em um ano e três meses (15 meses) – e não os 16 meses para que apontava a decisão recorrida –, mas não podemos aderir ao juízo valorativo da primeira instância quando estabelece um modelo prestacional de pagamento tendo por base, como fator de ponderação, o valor da dívida versus o período de prorrogação. Atento o modelo que se propugnou, impende sobre a devedora/apelante estritamente, o cumprimento das obrigações já fixadas para o período que antecedeu a prorrogação (art. 239.º, nº4), mormente, no que concerne à obrigação de entrega de parte dos seus rendimentos objeto de cessão, considerando que por despacho de 22-11-2019 havia sido determinado “que a insolvente passe a ceder à fidúcia tudo o que exceda o valor correspondente a 1,5 salários mínimos regionais”, decisão transitada em julgado – cfr. o número 14 dos factos assentes.
Saliente-se que o prazo máximo absoluto para o período de cessão são os seis anos – abrangendo o período inicial e a prorrogação –, sob pena de se estar a tratar de forma desigual, sem justificação razoável, as situações pré-constituídas, reguladas pelo regime transitório, face àquelas que se viessem a constituir inteiramente no domínio da lei nova (art. 13.º da CRP). 
A apelante termina o seu requerimento “pedindo assim para alargar o período de pagamento até 2024”, ou seja, ponderando a data em que formulou o pedido (26-05-2022), pretende uma prorrogação de pagamento por cerca de dois anos e meio, prazo que, como resulta do exposto, excede o limite legal.
Pelos fundamentos expostos, procede em parte o recurso, ainda que em moldes diferentes daqueles propugnados pela apelante, isto é, não há que fixar a liquidação da quantia em dívida à fidúcia “até 2024, mediante prestações mensais de € 100,00” mas, apenas, fixar o prazo de prorrogação, mantendo-se as demais obrigações já fixadas, sabendo a devedora/apelante que findo esse prazo será proferida decisão final de exoneração, para a qual, evidentemente, relevará a avaliação do seu comportamento durante o período de prorrogação [ [17]  ].
*
Pelo exposto, julgando procedente a apelação, altera-se a decisão recorrida e decide-se deferir ao pedido de prorrogação do período de cessão formulado pela devedora insolvente, por um período de um ano e três meses, cujo início ocorrerá com o trânsito em julgado desde acórdão, período em que a devedora deve cumprir as obrigações que impendem sobre si, como supra se indicou, nomeadamente proceder ao pagamento ao fiduciário do rendimento disponível que já foi fixado
Sem custas.
Notifique, incluindo a própria devedora uma vez que o requerimento objeto da decisão recorrida foi apresentado por si e não pelo patrono nomeado.

Lisboa, 06-12-2022
Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________
[1] A insolvente está representada por patrono oficioso, mas apresentou o requerimento em apreço por si e não por intermédio do patrono. 
[2] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civill, 2010, Almedina: Coimbra, p. 56.
[3] “(21) O sobreendividamento dos consumidores é uma questão de grande importância económica e social e está estreitamente relacionado com a redução do endividamento excessivo. Além disso, muitas vezes não é possível estabelecer uma distinção clara entre as dívidas contraídas por um empresário no exercício da sua atividade comercial, industrial ou artesanal, ou profissional por conta própria, e as contraídas fora do âmbito dessas atividades. Os empresários não beneficiarão efetivamente de uma segunda oportunidade se tiverem que ser parte em processos distintos, com diferentes condições de acesso e prazos para o perdão, para obter o perdão das suas dívidas de natureza profissional e das outras dívidas contraídas fora do âmbito profissional. Por estes motivos, apesar de a presente diretiva não estabelecer regras vinculativas relativas ao sobreendividamento dos consumidores, será aconselhável que os Estados-Membros apliquem igualmente aos consumidores, logo que possível, as disposições da presente diretiva relativas ao perdão de dívidas”.
[4] Quanto às hipóteses de exclusão do âmbito de aplicação da Diretiva, cfr. os considerandos 19 e 20.   
[5] Artigo 20.º
Acesso ao perdão
1. Os Estados-Membros asseguram que os empresários insolventes tenham acesso a, pelo menos, um processo
suscetível de conduzir ao perdão total da dívida em conformidade com a presente diretiva.
Os Estados-Membros podem exigir que a atividade comercial, industrial ou artesanal, ou profissional por conta própria,
à qual as dívidas de um empresário insolvente estão associadas, tenha cessado.
2. Os Estados-Membros em que o perdão total da dívida tenha como condição o reembolso parcial da dívida pelo
empresário asseguram que a obrigação de reembolso tenha por base a situação individual do empresário e, em especial,
que seja proporcional aos seus rendimentos e ativos disponíveis ou suscetíveis de serem apreendidos durante o prazo
para o perdão e tenha em conta o interesse equitativo dos credores.
3. Os Estados-Membros asseguram que os empresários que tenham obtido o perdão das suas dívidas possam
beneficiar de regimes nacionais vigentes que prevejam apoios empresariais para empresários, incluindo acesso
a informações pertinentes e atualizadas sobre esses regimes.
[6] Artigo 21.º
Prazo para o perdão
1.   Os Estados-Membros asseguram que o período após o qual os empresários insolventes podem beneficiar de um perdão total das suas dívidas não seja superior a três anos, e que tenha início o mais tardar a partir:
a) No caso de um processo que inclua um plano de reembolso, da data da decisão de uma autoridade judicial ou administrativa de confirmar o plano, ou da data do início da execução do plano; ou
b) No caso de qualquer outro processo, da data da decisão da autoridade judicial ou administrativa de abrir o processo, ou da data da fixação da massa insolvente do empresário.
2. Os Estados-Membros asseguram que os empresários insolventes que tenham cumprido as suas obrigações, caso tais obrigações estejam previstas no direito nacional, obtenham o perdão das suas dívidas no termo do prazo para o perdão sem terem de recorrer a uma autoridade judicial ou administrativa para abrir um novo processo além dos previstos no n.º 1.
Sem prejuízo do primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter ou introduzir disposições que permitam que a autoridade judicial ou administrativa verifique se os empresários cumpriram as obrigações para obterem um perdão de dívidas.
3. Os Estados-Membros podem prever que o perdão total da dívida não prejudique a continuação de um processo de insolvência que implique a liquidação e distribuição dos ativos do empresário que faziam parte da massa insolvente desse empresário na data de termo do prazo para o perdão.
[7] O art. 22.º reporta-se à matéria alusiva ao “período de inibição” – cfr. a epígrafe do artigo. 
[8] Artigo 23.º
Derrogações
1. Em derrogação dos artigos 20.º a 22.º, os Estados-Membros mantêm ou introduzem disposições que recusem ou limitem ou revoguem o acesso ao perdão de dívidas ou que revoguem o benefício do perdão, ou prevejam prazos mais longos para obter um perdão total da dívida ou períodos de inibição mais prolongados se, de acordo com o direito nacional, o empresário insolvente tiver agido de forma desonesta ou de má-fé para com os credores ou outras partes interessadas quando contraiu as dívidas, durante o processo de insolvência ou durante o reembolso das dívidas, sem prejuízo das disposições nacionais em matéria de ónus da prova.
2. Em derrogação dos artigos 20.º a 22.º, os Estados-Membros podem manter ou introduzir disposições que recusem ou limitem o acesso ao perdão de dívidas ou revoguem o benefício do perdão, ou prevejam prazos mais longos para obter um perdão total da dívida ou períodos de inibição mais prolongados em determinadas circunstâncias bem definidas e se tais derrogações forem devidamente justificadas, nomeadamente:
a) Se o empresário insolvente tiver cometido violações consideráveis de obrigações decorrentes de um plano de reembolso ou de qualquer outra obrigação legal destinada a salvaguardar os interesses dos credores, nomeadamente a obrigação de maximizar os rendimentos dos credores;
b) Se o empresário insolvente não tiver cumprido as obrigações de informação ou de cooperação previstas no direito nacional e da União;
c) Se os pedidos de perdão de dívidas forem abusivos;
d) Se for apresentado um pedido adicional de perdão dentro de um determinado prazo após ter sido concedido ao empresário insolvente um perdão total da dívida ou após lhe ter sido recusado um perdão total da dívida devido a uma grave violação das obrigações de informação ou cooperação;
e) Se as custas do processo conducente ao perdão de dívidas não estiverem satisfeitas; ou
f) Se for necessária uma derrogação para garantir o equilíbrio entre os direitos do devedor e os direitos de um ou mais credores.
3. Em derrogação do artigo 21.º, os Estados-Membros podem fixar prazos para o perdão mais prolongados nos seguintes casos:
a) Se forem aprovadas ou decretadas por uma autoridade judicial ou administrativa medidas cautelares com o objetivo de salvaguardar a residência principal do empresário insolvente e, se aplicável, da sua família, ou os ativos essenciais para a continuação da atividade comercial, industrial ou artesanal, ou profissional por conta própria, do empresário; ou
b) Se a residência principal do empresário insolvente e, se aplicável, da sua família não for liquidada.
4.   Os Estados-Membros podem excluir determinadas categorias de dívida do perdão da dívida, ou restringir o acesso ao perdão da dívida ou fixar um prazo para o perdão mais prolongado, caso essas exclusões, restrições ou prolongamentos de prazos sejam devidamente justificados, nomeadamente no caso:
a) Das dívidas garantidas;
b) Das dívidas decorrentes de sanções penais ou com elas relacionadas;
c) Das dívidas decorrentes de responsabilidade delitual;
d) Das dívidas respeitantes a obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento ou afinidade;
e) Das dívidas contraídas após a apresentação do pedido de abertura de um processo conducente a um perdão da dívida ou após a abertura de tal processo; e
f) Das dívidas decorrentes da obrigação de pagar as custas do processo conducente a um perdão da dívida.
5.   Em derrogação do artigo 22.º, os Estados-Membros podem fixar períodos de inibição mais longos ou indeterminados se o empresário insolvente exercer uma profissão:
a) À qual se apliquem regras deontológicas específicas ou regras específicas em matéria de reputação ou de competências especializadas, e o empresário tiver violado essas regras; ou
b) Relacionada com a gestão de bens de terceiros.
O primeiro parágrafo é igualmente aplicável se o empresário insolvente solicitar acesso a uma profissão a que se refere a alínea a) ou a alínea b) desse parágrafo.
6.   A presente diretiva não prejudica as normas nacionais relativas às inibições decretadas por uma autoridade judicial ou administrativa que não as referidas no artigo 22.º.
[9] Na terminologia do legislador nacional, esse prazo tem como referência o prazo alusivo ao período de cessão (cfr. os arts. 235.º e 245.º).
[10] No número 4 do artigo, tendo por reporte a exclusão de determinadas categorias de dívida do perdão, refere-se expressamente a possibilidade de se fixar “um prazo para o perdão mais prolongado, caso essas exclusões, restrições ou prolongamentos de prazos sejam devidamente justificados” (sublinhado nosso).      
[11] O número 5 tem por objeto os períodos de inibição.
[12] Com a seguinte redação:
 (78) O perdão total da dívida ou o termo das medidas de inibição após um período não superior a três anos não são adequados a todas as situações, pelo que poderão ser previstas derrogações desta regra que sejam devidamente justificadas por razões estabelecidas no direito nacional. Por exemplo, essas derrogações deverão ser estabelecidas nos casos em que o devedor for desonesto ou tiver atuado de má-fé. Caso os empresários não beneficiem de uma presunção de honestidade e boa-fé nos termos do direito nacional, o ónus da prova da sua honestidade e da sua boa-fé não deverá fazer com que seja desnecessariamente difícil ou oneroso para eles ter acesso ao processo.
(79) Para determinar se um empresário foi desonesto, as autoridades judiciais ou administrativas podem ter em conta circunstâncias como a natureza e a dimensão das dívidas; o momento em que foram contraídas; os esforços envidados pelo empresário para as pagar e cumprir as obrigações previstas na lei, incluindo os requisitos de licenciamento pelas autoridades públicas e a necessidade de manutenção de uma contabilidade adequada; as ações do empresário no sentido de obstar às vias de recurso dos credores; o cumprimento, se existir uma probabilidade de insolvência, das obrigações que incumbem aos empresários que sejam administradores de uma sociedade; e a observância dos direitos nacional e da União em matéria de concorrência e do trabalho. Essas derrogações deverão poder também ser estabelecidas relativamente ao período anterior ao perdão total de dívidas e o fim da inibição nos casos em que o empresário não tiver cumprido certas obrigações legais, inclusive a obrigação de maximizar os rendimentos para os credores, o que poderá assumir a forma de uma obrigação geral de gerar rendimentos ou ativos. Além disso, deverá ser possível estabelecer derrogações específicas sempre que tal seja necessário para garantir o equilíbrio entre os direitos do devedor e os direitos de um ou mais credores, como por exemplo no caso de o credor ser uma pessoa singular que necessita de maior proteção do que o devedor.
[13] Lê-se na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 115/XIV/3.ª, apresentada pelo Governo à Assembleia da República e que está na base do novo diploma:
“Por sua vez, considerando a importância da eliminação de obstáculos ao exercício de liberdades fundamentais como a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de capitais, objeto de restrições sérias causadas pela situação pandémica originada pela doença COVID19, foi aprovada a Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019 (Diretiva (UE) 2019/1023), sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, tendo em vista harmonizar os vários ordenamentos jurídicos, que tem por finalidade salvaguardar, no contexto da União Europeia, a situação das empresas e dos empresários em situação económica difícil, designadamente no que se refere ao acesso a processos de reestruturação preventiva, pré-insolvenciais, bem como no que respeita à consagração de um regime de perdão de dívidas, que permita a reabilitação do devedor.
Com efeito, na Diretiva (UE) 2019/1023, enuncia-se como principais objetivos assegurar o acesso das empresas e dos empresários viáveis que estejam em dificuldades financeiras a regimes nacionais eficazes de reestruturação preventiva que lhes permitam continuar a exercer a sua atividade, evitando a perda de postos de trabalho; bem como garantir a possibilidade de os empresários honestos insolventes ou sobreendividados beneficiarem de um perdão total da dívida depois de um período razoável, garantindo-lhes, assim, uma segunda oportunidade. A estes objetivos soma-se o desiderato da impressão de uma maior eficiência aos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, nomeadamente através da redução da sua duração.
(…)
No contexto estrito da transposição da Diretiva (UE) 2019/1023, no que concerne ao incidente de exoneração do passivo restante, a que a Diretiva se refere como «perdão de dívidas», procede-se à redução do prazo do período de cessão de cinco anos para trinta meses, garantindo, assim, de forma mais rápida o acesso dos devedores insolventes a uma segunda oportunidade.
Para além da redução desse prazo, prevê-se a possibilidade de, finda a liquidação do ativo, ser ainda possível, durante o período de cessão, o fiduciário apreender e vender bens que ingressem então no património do devedor e, posteriormente, afetar o respetivo produto da venda aos credores, nos mesmos moldes do rendimento disponível, evitando a criação de situações de enriquecimento sem causa daquele. Por outro lado, inovatoriamente e em linha com a Diretiva, permite-se ao juiz que prorrogue o período de cessão sempre que haja incumprimento pelo devedor das obrigações a que está adstrito e caso conclua pela existência de probabilidade séria de cumprimento das obrigações, no período suplementar, concedendo-lhe, assim, uma derradeira oportunidade”.
[14] Como salientou Fátima Reis Silva no Webinar sobre “Insolvência e Recuperação de Empresas (A Lei 9/2022: as alterações recentes)”, em 24-03-2022, A exoneração do passivo restante organizado pelo IJ da Fac. de Direito da Universidade de Coimbra, essa questão nem sequer se colocaria em face da redação que o artigo 242.º-A apresentava na referida Proposta de Lei n.º 115/XIV/3.ª, a saber:
“Prorrogação do período de cessão
1 - Sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 243.º, antes ainda de terminado o período da cessão, pode o juiz, por uma única vez, prorrogar o período de cessão, até ao máximo de 30 meses, a requerimento fundamentado do devedor, de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando o devedor tiver violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
2 - O requerimento apenas pode ser apresentado dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respetiva prova.
3 - O juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão e apenas deve decretar a prorrogação se concluir pela existência de probabilidade séria de cumprimento das obrigações a que alude o n.º 1, pelo devedor, no período adicional” (sublinhado nosso).
[15] Assim pondo cobro a uma prática frequente, sem base legal. É que, fora do âmbito da prorrogação introduzida pela LN, não se encontra fonte legal ou convencional que autorize o juiz, em caso de mora do devedor no cumprimento da obrigação de entrega à fidúcia do rendimento disponível, conceder ao insolvente um diferimento do pagamento para além do prazo de cessão fixado pelo legislador, sendo que o processamento e decisão do incidente de exoneração do passivo restante está sujeito a regras de legalidade estrita e não ao .juízo de conveniência/oportunidade que constitui o critério de julgamento nos processos de jurisdição voluntária (art. 987.º do CPC). Como decorre expressamente do art. 239.º, nº4, proémio, é “[d]urante o período de cessão” que o devedor deve “[e]ntregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão” – alínea c).
Daí que se discorde da solução propugnada no acórdão do TRE de 19-12-2019 (processo: 659/12.6TBETZ-H.E1, Relator: Tomé de Carvalho) acessível in www.dgsi.pt), convocado na decisão recorrida, uma vez que nesse aresto, proferido, saliente-se, muito antes da LN, se admitiu o pagamento do saldo devedor dos insolventes respeitante às quantias apuradas nos cinco anos de cessão, que não tinham sido entregues voluntariamente ao fiduciário, para momento posterior ao terminus do período de cessão.
[16] Desconhece-se se ocorreu alteração da composição do agregado familiar da insolvente.
[17] A menos que, antes do termo do prazo de prorrogação, ocorra hipótese de cessação antecipada do procedimento de exoneração.