Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1590/2008-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: ORÇAMENTO DO ESTADO
CUSTAS
DISPENSA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
PRESSUPOSTOS
RECLAMAÇÃO DA CONTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1 – A Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que aprova o “Orçamento do Estado para 2006”, veio criar “incentivos excepcionais para o descongestionamento das pendências judiciais”, seja através de incentivos à extinção da instância, seja através de incentivos à extinção ou à não instauração de acções executivas por dívidas de custas, multas processuais e outros valores contados.
2 – Os incentivos à extinção da instância traduzem-se na dispensa do pagamento das custas judiciais que normalmente seriam devidas por autores, réus ou terceiros intervenientes, não havendo, porém, lugar à restituição do que tiver já sido pago.
3 – A concessão do incentivo depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
(i) Existência de uma acção cível declarativa ou executiva;
(ii) que a mesma tenha sido proposta até 30 de Setembro de 2005;
(iii) que a instância se extinga mediante desistência do pedido, confissão, transacção ou compromisso arbitral;
(iv) Apresentados até 31 de Dezembro de 2006.
4 – Interpretando a norma, conclui-se que apenas beneficiam do referido incentivo as acções, em que, verificados os demais requisitos, a desistência do pedido, confissão, transacção ou compromisso arbitral, através dos quais a instância se extinguiu, tenham sido apresentados durante o ano de 2006, desde 1 de Janeiro a 31 de Dezembro.
G.F.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
R, L. da intentou, em 26/11/98, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra S S.A, tendo P INCORPORATED, requerido, em 28/12/98, a sua Intervenção Principal Espontânea, o que foi admitido.

Prosseguindo os autos, a Autora, a Ré e a Opoente acordaram, em 18/07/2005, uma solução transaccional extrajudicial para o litígio, consubstanciada no documento de fls. 3222-3223, tendo a Opoente desistido do pedido enquanto a Ré considerou haver deixado de ter qualquer interesse no agravo (...). Relativamente ao pedido formulado pela Autora, as partes requerem a extinção da lide por inutilidade superveniente, em virtude da extinção do litígio.

As partes transaccionaram, ainda, quanto a custas, renunciando a procuradoria na parte disponível e a custas de parte, e acordando que as custas em dívida que se viessem a apurar seriam suportadas em partes iguais pela Opoente e pela Ré.

Esta transacção foi homologada por sentença, em 15/09/2005, tendo sido fixadas as custas nos termos acordados. A sentença transitou em julgado, em 3/10/2005.

Remetidos os autos à conta em 14/10/2005, foi a mesma elaborada em 11 de Setembro de 2006. Efectuada a notificação da conta às partes, dela reclamaram a Opoente (fls. 3274-3277) e a Ré (fls. 3284-3291).

Entretanto o contador apenas se pronunciou quanto à reclamação da Opoente, tal como o M.º P.º e, em consonância, o Exc. mo Juiz apreciou apenas esta reclamação, deferindo-a e ordenando a remessa dos autos à conta.

Tendo a Ré sido notificada do despacho de fls. 1310, requereu que a sua reclamação fosse também apreciada, o que não havia sido feito no aludido despacho.

Sem que fosse aberta “conclusão”, a Secção remeteu novamente os autos à conta, em 27/02/2007, tendo sido reformada a conta da Opoente, em 12/04/2007, mantendo-se a da Ré e a da Autora.

Efectuada a notificação da conta, por carta expedida em 16/04/2007, a Ré veio novamente salientar que o Exc. Juiz ainda se não havia pronunciado quanto à reclamação da conta por si anteriormente apresentada, o que constituía uma irregularidade processual (fls. 3244).

Ouvido novamente o contador, limitou-se este a referir que havia reformado a conta, conforme despacho de 3310 (o qual se havia pronunciado apenas quanto à reclamação da Opoente).

Foi então proferido o seguinte despacho (fls. 3352):
“Não assiste qualquer razão à reclamante. Como esta bem sabe, as multas e as custas de incidente são sempre da responsabilidade de quem pela respectiva prática foi condenado.
Assim, nada há a alterar.
Quanto à Lei 60-A/2005, já me pronunciei quanto à sua não aplicação ao caso dos autos”.

Inconformada, recorreu a Ré, formulando as seguintes conclusões:
1ª – No despacho de fls. 3352, ora recorrido, o Tribunal a quo, por alegadamente se ter pronunciado anteriormente sobre a não aplicação do regime previsto no artigo 66º, n.º 1 da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, não se pronunciou sobre a referida questão nem fundamento a, aparente, decisão de não aplicação da lei aos presentes autos – decisão que parece decorrer do facto de não ter dado sem efeito a conta de custas e do uso da expressão “já me pronunciei sobre a sua não aplicação”, pelo que o despacho recorrido é nulo nos termos do artigo 668º, n.º 1, alínea b) e d) aplicável por força do artigo 66º, n.º 3, por falta de pronúncia ou, pelo menos, por falta de fundamentação.
2ª – Não obstante não ser conhecida a razão de ser do suposto entendimento do Tribunal a quo, sempre se dirá que o despacho recorrido carece de razão quanto à não aplicação aos autos da Lei n.º 60-A/2005.
3ª – O artigo 66º, n.º 1, da Lei n.º 60-A/2005 não faz qualquer referência temporal à apresentação do requerimento de desistência que extingue o processo, não sendo exigível que o mesmo tenha sido apresentado após 1 de Janeiro de 2006, ou seja, após a entrada em vigor da lei, nem faz qualquer referência à data da prolação da sentença homologatória e respectivo trânsito em julgado.
4ª – Ao decidir-se pela não aplicação da Lei n.º 60-A/2005 e embora a Recorrente desconheça a razão de ser de tal entendimento, o despacho recorrido é, pois, contrário à letra da lei: onde a lei não distingue, não deve o aplicador/julgador distinguir.
5ª – E é ainda contrário à ratio legis, pois não iria ao encontro do espírito do descongestionamento dos tribunais que presidiu à inclusão do citado preceito legal dar preferência às desistências mais recentes, em detrimento das mais antigas, conferindo àquelas um tratamento mais benéfico do que a estas.
6ª – Entendimento contrário conduziria, assim, a uma violação do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP), por permitir um tratamento diferente a situações substancialmente iguais, cujas diferenças (a data da sentença homologatória e respectivo trânsito em julgado versus a data da elaboração da conta e do termo do prazo do pagamento) não justificam um tratamento diferenciado, fazendo depender a aplicação do regime da maior ou menor celeridade de cada tribunal.
7ª – No caso dos presentes autos, encontram-se reunidos todos os pressupostos de que dependem a aplicação da dispensa do pagamento das custas, a saber: a presente acção foi proposta em 1998, antes de 30/09/2005, terminou por extinção da instância em razão da desistência do pedido e a desistência do pedido foi apresentada em 18/07/2005, antes de 31/12/2006.
8ª – O facto da sentença homologatória ter transitado em julgado não invalida o exposto, nem impede a aplicação do preceito em causa, antes pelo contrário, pois essa sentença constitui as partes numa obrigação, de cujo cumprimento, mediante a aplicação da dispensa prevista no artigo 66º, n.º 1, as partes são subtraídas.
9ª – O incentivo concedido pela norma em causa é a dispensa do pagamento das custas, ou seja, reunidos os pressupostos, as partes ficam subtraídas do cumprimento da obrigação do pagamento das custas, o que pressupõe que se tenha constituído essa obrigação, através da decisão de condenação em custas, para depois, as partes poderem, se for o caso disso, serem dispensadas do seu cumprimento.
10ª – De facto, a Lei n.º 60-A/2005 não prevê a sua eficácia retroactiva, devendo-se concluir pela sua aplicação imediata, o que significa que, nos processos instaurados até 30/09/2005, que tenham terminado por extinção decorrente de desistência (o caso dos autos), apresentada até 31/12/2006 e que se encontrem pendentes ainda, por não ter ainda sido elaborada a conta, ou pelo prazo para pagamento das custas ainda não ter terminado à data da entrada em vigor da Lei, isto é, que não tenha sido cumprida a obrigação da qual aquela Lei dispensa, se deve aplicar o regime previsto na mesma.
11ª – O entendimento aqui expendido é confirmado pelo facto de a lei prever expressamente a desnecessidade da decisão sobre a responsabilidade pelas custas.
12ª – É ainda confirmado pela diferença de regime em causa e o regime previsto no artigo 73º da Lei 3-B/2000, de 4 de Abril, que concedia a isenção do pagamento de custas e não a dispensa.
13ª – E, por fim, é também confirmado pela possibilidade de extinção da instância das execuções por dívidas de custas (artigo 67º da Lei 60-A/2005) que revela que o legislador não se preocupou com a decisão de condenação da parte no pagamento de custas, dado que no caso destas execuções essa decisão já foi proferida e já transitou em julgado, preocupou-se antes com o efectivo cumprimento da obrigação do pagamento das custas.
14ª – O despacho recorrido carece ainda de razão por ter indeferido a reclamação no que respeita às duas multas indevidamente pagas pela recorrente, na medida em que tal questão foi definitivamente decidida por despachos de fls. 2695 e de fls. 2465 que, por terem transitado em julgado, têm, nos termos do artigo 672º CPC, força obrigatória dentro do processo, não podendo o Tribunal a quo ignorar o seu teor.
15ª – Na medida em que os despachos referidos deram razão à então Reclamante, ora Recorrida, por ter entendido o Tribunal a quo que as multas foram pagas indevidamente, tendo ordenado a devolução dos respectivos montantes – 534 € e 890 € - deve o despacho recorrido ser revogado, ordenando-se o reembolso das quantias indevidamente pagas pela Recorrente, no total de 1157 €, assim se cumprindo os despachos de fls. 2695 e 2465.

Não houve contra – alegações.

O Exc. mo Juiz sustentou, tabelarmente, o despacho recorrido.

Cumpre apreciar e decidir:
2.
As conclusões do recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 660º, n.º 2, 664º, 684º, 690º e 749º do CPC.

Sendo assim, as questões a dirimir são as seguintes:
1ª – Se o despacho recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação e por falta de pronúncia (artigo 668º, n.º 1, alínea b) e d), ex vi do artigo 666º, n.º 3 CPC.
2ª – Se foi efectuada uma correcta interpretação do artigo 66º, n.º 1 da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
3ª – Se a conta não contém todos os elementos necessários, designadamente, as multas pagas pela Recorrente e cujas reclamações foram deferidas.
3.
Com interesse para a decisão da causa, além dos factos constantes do relatório, relevam os seguintes:
1º - A acção foi introduzida em juízo em 26/11/98.
2 – Com a data de 18/07/2005, apresentaram as partes uma solução transaccional extrajudicial para o litígio, tendo ainda transaccionado quanto a custas.
3 - Esta transacção foi homologada por sentença, em 15/09/2005, tendo sido fixadas as custas nos termos acordados.
4 - A sentença transitou em julgado, em 3/10/2005.
4
4.1.- A primeira questão prende-se com as nulidades assacadas ao despacho recorrido.
O despacho é nulo quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A este respeito há que distinguir entre a falta absoluta de motivação e a motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, sujeita o despacho ao risco de ser revogado ou alterado em recurso mas não produz nulidade.
In casu, parece-nos que estamos perante um despacho manifestamente medíocre mas não poderemos considerar que o mesmo padece de falta absoluta de motivação.
Assim, pese embora a sua mediocridade, não se poderá considerar que tal despacho é nulo.

Outra causa de nulidade das sentenças ou despachos é a omissão de pronúncia ou a pronúncia indevida.
In casu, é manifesto que o Exc. mo Juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, questões essas que haviam sido suscitadas pela Ré, quando, mais do que uma vez, reclamou da conta.
Embora nulo por omissão de pronúncia, a Relação não poderá deixar de conhecer do objecto do recurso (artigo 715º, n.º 1 ex vi do artigo 749º CPC).
4.2.
A recorrente reclamou da conta, alegando, substancialmente, que, verificando-se, in casu, todos os pressupostos com vista à aplicação do n.º 1 do artigo 66º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, deveria a mesma ser reformada.
A sua pretensão não foi acolhida e, por isso, recorreu.

Nesta parte específica da aplicabilidade da Lei 60-A/2005, carece de razão, em nosso entender, a Recorrente, não obstante o brilhantismo das suas doutas conclusões.

A Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, aprova o “Orçamento do Estado para 2006”.

Esta Lei entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006 e veio criar “incentivos excepcionais para o descongestionamento das pendências judiciais”, o que constitui a epígrafe do capítulo XIII da dita Lei, que abrange os artigos 66º e 67º.

O artigo 66º veio criar incentivos à extinção da instância, enquanto o artigo 67º se reporta à “extinção e não instauração de acções executivas por dívidas de custas, multas processuais e outros valores contados”.

Prescreve o artigo 66º:
“1 – Nas acções cíveis declarativas e executivas que tenham sido propostas até 30 de Setembro de 2005 (...), e venham a terminar por extinção da instância em razão de desistência do pedido, de confissão, de transacção ou de compromisso arbitral apresentados até 31 de Dezembro de 2006, há dispensa do pagamento das custas judiciais que normalmente seriam devidas por autores, réus ou terceiros intervenientes, não havendo lugar à restituição do que já tiver sido pago nem, salvo motivo justificado, à elaboração da respectiva conta.
2 – Quando a extinção da instância prevista no número anterior se funde em desistência do pedido, o valor deste é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS que aufiram rendimentos da categoria B e possuam contabilidade organizada.
3 – Para efeitos do número anterior, não é atendida a dedução, alteração ou ampliação de pedido ocorrida depois de 30 de Setembro de 2005.
4 – (...).
5º - (...).
6º - (...)”.

Numa leitura da norma ínsita no n.º 1 do artigo 66º, cujo início de vigência se reporta a 1 de Janeiro de 2006, resultam os seguintes pressupostos com vista à sua aplicação:
a) – Existência de uma acção cível declarativa ou executiva;
b) – que a mesma tenha sido proposta até 30 de Setembro de 2005;
c) – que a instância se extinga mediante desistência do pedido, confissão, transacção, ou ainda, compromisso arbitral;
d) – Apresentados até 31 de Dezembro de 2006.

Procurando interpretar o preceito, nomeadamente o último segmento da norma, quer-nos parecer que o elemento linguístico não é susceptível de por si só revelar o conteúdo espiritual da lei. Por outras palavras, não nos parece que as palavras da lei sejam tão explícitas e categóricas que apenas comportem o sentido defendido pela Recorrente.
Por outro lado, a resolução da questão suscitada também não poderá escamotear o problema da sucessão das leis no tempo.

Quanto à interpretação da norma:
Será que a norma abrange a extinção da instância de qualquer acção, (contanto que extinta mediante desistência do pedido, confissão, transacção ou compromisso arbitral), ainda que finda em qualquer dos anos anteriores a 2006, (não importa quando, desde que a acção tenha sido proposta em data anterior a 30 de Setembro de 2005), contanto que a conta ainda não tenha sido elaborada ?

Será que a norma abrange apenas a extinção da instância de qualquer acção cível declarativa ou executiva, contanto que a mesma tenha sido proposta até 30 de Setembro de 2005, e que venha a terminar, mediante desistência do pedido, confissão, transacção ou compromisso arbitral, apresentados durante o ano de 2006, desde 1 de Janeiro até 31 de Dezembro de 2006 ?

A interpretação serve-se de vários elementos ou meios. Não basta, por isso, atender às palavras em que a lei está expressa e, através dessas palavras na sua recíproca ligação e segundo as regras gramaticais aplicáveis, surpreender um significado.
Feita a interpretação gramatical, passa-se à lógica, pois através dela se procura subir à alma da disposição e, para o fazer, atende-se ao factor racional da lei, à sua génese histórica e ao seu enquadramento sistemático.
O legislador não legisla pelo prazer de legislar, mas em vista de certo fim: a necessidade de determinada necessidade que ele sente como justificativa do preceito e que constitui, pois, a sua razão de ser.
O legislador, visando o descongestionamento das pendências judiciais, criou incentivos excepcionais para pôr termo a essas pendências.
Ora, para esse descongestionamento, considerou imprescindível a colaboração das partes, motivando-as para tanto com a dispensa do pagamento das custas judiciais que normalmente seriam devidas por autores, réus ou terceiros intervenientes, contanto que viessem a terminar a acção por extinção da instância em razão da desistência do pedido, de confissão, de transacção ou de compromisso arbitral.

E procurando ainda um maior incentivo acrescentou, no n.º 2 do artigo 66º, que, quando a extinção da instância se funde em desistência do pedido, o valor deste é dedutível para determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS que aufiram rendimentos da categoria B e possuam contabilidade organizada.

Com esta lei, não criou, portanto, o legislador um perdão fiscal, um perdão de custas. A dispensa do pagamento das custas e a dedução para efeitos de determinação do lucro tributável, verificados os demais requisitos, são um incentivo excepcionalmente criado para que as acções venham a terminar nos moldes sobreditos. Daí que o incentivo pressuponha a existência de acções pendentes, à data em que a lei iniciou a sua vigência, aguardando o impulso das partes para que, por intervenção própria, as façam terminar, por desistência do pedido, confissão ou transacção.
Se o incentivo é para finalizar as acções, não se compreende, salvo o devido respeito, que tal incentivo se aplique a acções passadas, terminadas não se sabe quando, que aguardassem apenas a elaboração da conta.
Se, assim fosse, isto é, se o incentivo proporcionado às partes para porem fim ao processo, ainda estivesse dependente da elaboração da conta, tal incentivo estaria dependente de uma variável incontrolável pelas partes que é a maior ou menor celeridade de cada tribunal.
Ou seja, deixaria, por um lado, de haver o incentivo proporcionado às partes para porem fim ao processo, porque o atraso da conta não dependia naturalmente delas, estando-lhes vedada a sua intervenção.

Por outro lado, a concessão de benefícios fiscais respeita sempre ao futuro. Por isso, só a partir da publicação da lei, e apenas no ano de 2006, dado tratar-se de uma lei temporal, podiam as partes usufruir desse benefício fiscal, previsto no n.º 2 do artigo 66º, contanto que pusessem termo ao processo, mediante desistência do pedido.
Assim, a concessão do benefício fiscal, a par da dispensa do pagamento de custas, verificados os demais requisitos estabelecidos na lei, corrobora o entendimento que o legislador quis reportar-se apenas às acções que viessem a findar, nos moldes preconizados, no ano de 2006.

Reportar-se a todas as acções, que aguardassem ainda a elaboração da conta, não é um fim visado pela lei. Primeiro as acções terminam com o trânsito em julgado da sentença e só depois disso são remetidas à conta. Em segundo lugar, a valer a interpretação da Recorrente, aumentaria o congestionamento dos tribunais, pois todas as acções a aguardar a efectivação da conta, terminadas não importa quando, teriam de ser reapreciadas para aplicação do “perdão de custas”. Em terceiro, esse benefício seria usufruído ou não pelas partes, conforme a diligência do contador. Acções terminadas na mesma data e já contadas, não beneficiariam do “perdão de custas”. Em contraposição as acções terminadas na mesma data mas ainda não contadas já beneficiariam, contanto que a extinção da instância se tivesse verificado nos moldes enunciados na lei. Que flagrante violação do princípio da igualdade!

Finalmente, a sucessão de leis no tempo:
a) - A lei só dispõe para o futuro (artigo 12º, n.º 1, 1ª parte). Trata-se de um princípio geral, através do qual se pretende significar que a lei, em regra, não é nem deve ser retroactiva, incidindo apenas sobre o futuro e respeitando, pois, o passado.

b) – À lei pode, no entanto, ser atribuída eficácia retroactiva (artigo 12º, n.º 1, 2ª parte, “in initio”).
O artigo 12º reconhece que o princípio geral enunciado não vincula o próprio legislador. É um critério válido apenas para o executor da lei, o qual não deve deste uma aplicação retroactiva, excepto na medida e nos termos em que a lei, conveniente interpretada, o imponha.

c) – Mesmo que o legislador atribua eficácia retroactiva à lei, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (artigo 12º, n.º 1, 2ª parte, “in fine”).
“Quando o legislador atribui à lei eficácia retroactiva, presume-se que ele visa uma retroactividade mitigada, traduzida apenas na aplicação da lei aos efeitos pendentes, e não aos efeitos extintos (ou esgotados) na vigência da lei revogada, e por maioria de razão, embora o artigo não o diga expressamente, com a ressalva dos próprios factos geradores de todos esses efeitos[1]”.

Certas constituições políticas vedam mesmo em absoluto a retroactividade das leis.
“Embora a Constituição Portuguesa não vede a retroactividade das leis, isso não significa que a nível constitucional não existam restrições à emissão de leis retroactivas, procurando afastar manifestações particularmente chocantes.
Com efeito, não é permitida uma retroactividade que vá ao ponto de atingir o caso julgado, ou coisa julgada, o que representaria a forma extrema de intromissão no passado. O direito definitivamente tornado certo por sentença passada em julgado não poderá mais ser posto em causa.

É o que sucede, na ordem jurídica portuguesa, por força do artigo 282º, n.º 3 da Constituição. O Tribunal Constitucional pode declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma, e a declaração produz efeitos desde a entrada em vigor dessa norma; mas ficam ressalvados os casos julgados[2]”.
Deriva daqui um princípio geral de respeito pelos casos julgados. Com efeito, se mesmo o caso julgado formado por acatamento a uma lei que comporte o vício mais grave de todos, a inconstitucionalidade, deve ser respeitado, mais o deverá ser o que se formar de harmonia com qualquer outra lei, viciada ou não. Não pode por isso a lei posterior pôr em causa os casos julgados[3]
Temos, assim, que também, por força do disposto no artigo 12º do CC, não seria aplicável ao caso dos autos o disposto no artigo 66º, n.º 1 da Lei 60-A/2006, de 30 de Dezembro.
4.3.
Na sua reclamação, a Recorrente expôs ao Tribunal a quo que a conta de custas não continha todos os elementos necessários, designadamente o montante das multas pagas pela recorrente, das quais reclamou, tendo obtido deferimento, violando assim o disposto no artigo 56º, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, segundo o qual a conta deve conter os elementos indispensáveis à realização dos pagamentos, os quais ficam documentados no processo.
Assiste razão à Recorrente.

De facto, em 7/03/2005, a Recorrente pagou o valor de 534 €, correspondente à multa que lhe foi aplicada pela apresentação das suas alegações, no recurso de apelação interposto pela Opoente, no segundo dia útil imediatamente subsequente ao termo do prazo.
Por não concordar com a liquidação da multa por aquela quantia, face ao limite máximo estabelecido no artigo 145º, n.º 5 CPC, ou seja, 267 euros, a Recorrente, por requerimento de 15/03/2005, reclamou de tal liquidação.
A reclamação mereceu deferimento do tribunal, conforme despacho de fls. 2695, determinando-se que se procedesse à oportuna devolução ao reclamante da quantia cobrada em excesso.
A Recorrente pagou também uma multa no valor de 890º €, por o tribunal ter entendido que esta havia omitido o pagamento da taxa de justiça respeitante ao recurso de agravo por aquela interposto do despacho de 10/05/2004.
Contudo, por entender que a mesma não era devida, pois, como se tratava de um recurso com subida diferida, nos próprios autos e meramente devolutivo, a respectiva taxa de justiça só é devida com a apresentação das alegações do recurso que motive a subida ou da declaração no interesse da subida, segundo preceituado no artigo 24º, n.º 1, alínea c), a Recorrente reclamou do pagamento da referida multa em 14/01/2005.
Por despacho de fls. 2645, notificado em Fevereiro de 2005, o tribunal deu provimento à dita reclamação, dando sem efeito a notificação efectuada a fls. 2099 e todos os actos subsequentes dela dependentes.
Como consequência do deferimento das reclamações apresentadas, deviam ter sido devolvidas à Recorrente as quantias indevidamente pagas, sendo discriminadas na conta a favor da Recorrente, com repercussão no saldo final, os referidos montantes de 267 € e 890 €, o que não se verificou.
Ora, os referidos despachos transitaram em julgado, pelo que passaram a ter força obrigatória geral dentro do processo, nos termos do disposto no artigo 672º CPC, razão por que não pode o Tribunal a quo vir agora questionar o conteúdo dos mesmos.

Nestes termos, deve ser revogado o despacho de fls. 3352 e devem ser devolvidas à Recorrente as quantias indevidamente pagas, no total de 1157 €.
5.
Pelo exposto, na parcial procedência do agravo, revoga-se o despacho recorrido, ordenando-se o reembolso das quantias indevidamente pagas pela Recorrente, no total de 1157 €.
Custas pela Recorrente, na proporção do decaimento.
Lisboa, 3 de Abril de 2008
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Maria Manuela Santos Gomes
__________________________________
[1] Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, Volume II, 11ª edição, 292.
[2] Oliveira Ascensão, O Direito, 10ª edição, 547.
[3] Oliveira Ascensão, o Direito, 10ª edição, 547.