Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1805/13.8TBTVD.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: CRÉDITO
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS
FALTA DE PAGAMENTO
PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

I – Com a referência, no artigo 20º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, ao “montante total do crédito”, visa-se o montante total do capital mutuado, que não o montante global das prestações convencionadas, nas quais se incluem juros remuneratórios, impostos e outros encargos.
II – Da eventual circunstância de as cartas endereçadas ao consumidor, nos quadros daquela disposição legal, não se mostrarem devolvidas, não se pode presumir que as mesmas, remetidas em via de correio simples, foram efetivamente entregues ao destinatário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I – O “B, S. A.”, intentou ação com processo comum sob a forma ordinária, contra JV e GV, pedindo a condenação dos RR., solidariamente, a pagarem à A. € 32.046,40, acrescidos de € 3.524,85 de juros vencidos até 19-06-2013, e de € 140,99 de imposto de selo sobre os juros vencidos, bem como ainda os juros que sobre a dita quantia de € 32.046,40, se vencerem à taxa anual de € 13,749% desde Junho de 2013, até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair.
Alegando, para tanto, que:
No exercício da sua atividade comercial, e com vista aliás ao pagamento de débitos anteriores, a A. emprestou aos RR. a importância de € 20.023,28, com juros à taxa nominal de 9,749% ao ano, devendo, conforme acordado, a importância do empréstimo, e os juros referidos, bem como a comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida, serem pagos, em 120 prestações, mensais iguais e sucessivas, com vencimento a primeira em 30 de Abril de 2012 e as seguintes nos dias 30 dos meses subsequentes, através de transferência bancária.
Mais sendo acordado que a falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas na data do respetivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as prestações, incluindo nelas juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Especificas, e que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual, acrescida de quatro pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 13,749%.
Os RR., das prestações acordadas, não pagaram a 5ª, vencida em 30-08-2012, e as seguintes, vencendo-se então todas, no montante de € 277,77 cada.
Posto o que a A. dirigiu carta aos RR. comunicando-lhe a perda do benefício do prazo contratual, tendo-se assim operado a resolução do contrato com efeitos reportados a 30-08-2012.
Montando o total das prestações em dívida, considerada a entrega de € 174,92, a € 32.046,40.

Contestou a Ré.
Invocando a natureza de contrato de adesão, do assim em causa, e a sua nulidade, por ausência de comunicação, nos termos legais, das cláusulas daquele, por parte da A.
Para além de que o previsto vencimento imediato em caso de incumprimento, refere-se apenas às prestações conexas com o reembolso de capital, não cobrindo juros remuneratórios correspondentes ao período temporal ainda não decorrido.
E a falta de pagamento da 5ª, 6ª e 7ª prestação não perfazem 10% do montante total do crédito, não legitimando assim a A. a invocar a perda do benefício do prazo.
Sendo também que visando o empréstimo contraído o pagamento de débitos anteriores – contraídos para aquisição de dois veículos automóveis, cuja entrega a A. solicitou, na sequência da falta de pagamento de prestações, para que fosse o valor dos mesmos descontados na dívida, nunca mais tendo informado a R. sobre o valor pelo qual foram vendidos os veículos – foram os RR. confrontados com um novo contrato, sem possibilidade de discutir o contrato, que assim seria, também por isso, nulo.

Deduzindo, no mais, impugnação, e rematando com a procedência das invocadas exceções e a sua absolvição do pedido, ou se assim se não entender, com a improcedência da ação, por não provada, e a sua absolvição do pedido.

Houve réplica da A., sustentando a improcedência por não provadas das exceções deduzidas pela Ré, concluindo como na petição inicial e mais requerendo a condenação da R. Graça como litigante de má-fé no pagamento de multa.

Apresentou a Ré “resposta” à réplica e ao pedido de condenação como litigante de má-fé.

O processo seguiu seus termos – sendo dispensada a realização de audiência prévia – com saneamento, identificação do objeto do litígio, e enunciação dos temas de prova.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a ação, condenou “os Réus JV e GV no pagamento à Autora, B S.A. das prestações vencidas entre 30/08/2012 e 19/06/2013, no valor global de € 3055,47 (três mil e cinquenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida da cláusula penal de 9,749% acrescidos da taxa de 4%, desde a data do respectivo vencimento e imposto de selo de 4% sobre os juros de mora, absolvendo-os do restante pedido inicial;”, absolvendo “a Ré do pedido de litigância de má-fé.”.

Inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida errou ao não considerar que o montante do crédito concedido foi apenas e unicamente de € 20.023,28 e não de € 32.442,00.
2. A sentença recorrida errou consequentemente ao considerar que € 2.222,16, é importância inferior a 10% do montante do crédito concedido, tendo este sido, como foi, de apenas € 20.023,28.
3. A sentença recorrida de qualquer forma errou sempre na medida em que o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei 133/2009, corresponde a uma única condição, condição essa que é a perda do benefício de prazo ou a resolução do contrato expressas no corpo do nº 1 do citado artigo, condição que se verifica, independentemente da outra condição referida na alínea b) do citado nº 1, quando existe ou não pagamento de duas prestações sucessivas e que o montante dessas prestações sucessivas seja superior a 10% do montante total do crédito a que o contrato em causa respeite.
4. A sentença recorrida interpretou e aplicou mal a matéria de facto constante dos autos ao não dar como PROVADOS, como se impõe que “AS CARTAS REFERIDAS EM “9” DOS FACTOS PROVADOS NÃO FORAM DEVOLVIDAS, e ao ter considerado como não provado o que consta da alínea “h” dos factos dados como não provados, violando até o disposto no nº 224º, nº 2, do Código Civil.
5. A sentença recorrida errou, pois, ao julgar não procedente totalmente a acção com fundamento em que o total das prestações vencidas aquando do envio da carta com referência à perda do beneficio do prazo não era, como aliás era, superior a 10% do crédito concedido, e errou também ao entender e considerar não só que tal carta não foi recebida pela ora recorrida, como ainda que o simples envio de tal carta e a não devolução da mesma constitui sempre declaração válida e eficaz por força do artigo 224º, nº 2, do Código Civil.
6. A sentença recorrida fez assim errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, tendo ainda violado o disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 20º do Decreto-Lei 133/2009, de 2 de Junho, e o disposto no artigo 224º, nº 2, do Civil, pelo que o presente recurso deve ser julgado inteiramente procedente e provado e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, e substituir-se a mesma por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente e provada.”.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pela Recorrente;
- qual o montante do crédito concedido pela A./recorrente aos RR./recorridos, para efeitos do disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho;
- se estão reunidos os requisitos legais para que a A. pudesse invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato.
***

Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:
“1. A Autora é uma instituição de crédito.
2. Em 2007, a Autora e o Réu marido outorgaram, por escrito particular, documentos denominados “Contrato de Mútuo n.º 857103”, “Contrato de Adesão Cartão de Crédito B, n.º 857800 e o “Contrato de Mútuo n.º 859874”.
3. Em 24 de Agosto de 2011, em carta registada, com aviso de recepção, assinado pela Ré, com referência ao veículo “Citroen Xsara Picasso”, com a matrícula (…), Contrato n.º (…), subscrita pela Autora, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, consta: “o veículo acima referenciado irá leilão no dia 07 de Setembro de 2011, sendo a base de licitação de € 3.200,00. Mais informamos que o leilão irá decorrer em Estrada das Ligeiras – Alto da Bela Vista, 2736-901, Cacém. (…) Assim sendo, damos a V.Exa. o prazo de cinco dias para nos apresentar uma melhor proposta findo o qual, tomaremos a iniciativa de enviar o veículo a leilão para procedermos à sua venda.”.
4. Em 29 de Setembro de 2011, em carta registada, com aviso de recepção dirigida ao Réu, devolvida com a menção “Objecto não reclamado”, com referência ao assunto “Prestação em Mora”, “Contrato N.º (…)”, subscrita pela Autora, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta: “Vimos por este meio e mais uma vez informar V.Exa. que apesar de termos vendido o veículo Citroen, com a matrícula (…)– valor de venda de € 3.266,30, deduzido de despesas com transporte e leilão da viatura, recebido na data de 07-09-2011, bem que por nós lhe foi financiado, existe ainda uma importância em dívida.”
5. Em carta datada de 24 de Janeiro de 2012 dirigida ao Réu, enviada e subscrita pela Autora com registo e aviso de recepção assinado em Janeiro de 2012, com referência ao veículo “Peugeot Expert”, matrícula (…), Contrato n.º (…), cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, consta: “O veículo acima referenciado irá leilão no dia 07 de Fevereiro de 2012, sendo a base de licitação de € 1.800,00. Mais informamos que o leilão irá decorrer em Marl – Edifício Manheim – Lugar do Quintalinho – 2660-421, São Julião do Tojal. (…) Assim sendo, damos a V. Exa. o prazo de cinco dias para nos apresentar uma melhor proposta findo o qual, tomaremos a iniciativa de enviar o veículo a leilão para procedermos à sua venda.
6. Em carta datada de 07 de Março de 2012, enviada e subscrita pela Autora com registo e aviso de recepção, assinado pela Ré, com referência ao assunto “Prestação em Mora”, “Contrato N.º(…)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta: “Vimos por este meio e mais uma vez informar V. Exa. que apesar de termos vendido o veículo Peugeot, com a matrícula (…) – valor de venda de € 1.987,95, deduzido de despesas com transporte e leilão
da viatura, recebido na data de 07-02-2012, bem que por nós lhe foi financiado, existe ainda uma importância em dívida.”
7. Em 13 de Março de 2012, Autor e Réus assinaram e rubricaram um escrito particular, junto como documentos n.º 3 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado de “Contrato de Mútuo n.º (…) – FIN. N.º (…), Renegociação.”, pelo qual a primeira emprestou aos segundos, com vista ao pagamento de créditos anteriores, a importância de € 20.023,28.
8. Do aludido escrito consta, logo após a identificação das partes:
“TENDO EM CONSIDERAÇÃO QUE:
A) O B e o(s) Mutuário(s) celebraram oportunamente entre si o(s) contrato(s) de n.º (…).
B) O(s) Mutuário(s) incumpriu(ram) o(s) referido(s) contrato(s), na medida em que não pagou(aram) as prestações referentes aos contratos n.º (…).
C) O(s) Mutuário(s)/Locatário(s) solicitou(aram) ao B que mantivesse o(s) Contrato(s) referido(s) relativamente às prestações/rendas vincendas do(s) mesmo(s) confessando pelo presente ele(s) Mututário(s)/Locatário(s) devedor(es) ao B da importância em dívida com referência a tal(ais) contrato(s) (ao adiante designada com “Montante do Financiamento”), importância que se obriga(m) a pagar nos termos ao diante constantes do contrato consubstanciado nas Condições Específicas e Gerais seguintes:
É celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas e Gerais seguintes:
CONDIÇÕES ESPECÍFICAS
CONDIÇÕES DE FINANCIAMENTO
Montante do financiamento: € 20.023,28
(…)
Montante total do financiamento: € 20.023,28
(…)
Data de vencimento da primeira prestação: 30/04/2012
Data de vencimento da última prestação: 30/03/2022
Dia de vencimento das prestações: 30
Número de prestações: 120
Montante de cada prestação: 277,77 €
(Ao montante indicado adiciona 2,50 €, acrescido de impostos, ao presente € 2,60, por cada cobrança realizada)
(…)
Valor total das prestações: 33.332,40€
Taxa anual nominal de juros fixa ao longo da vida do contrato: 9,749%
Montante total imputado ao(s) Mutuário(s): 32.442,00 €.(…)
AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO
O 1.º Mutuário autoriza que para pagamento das prestações acima indicadas, bem como pagamento de quaisquer outras verbas decorrentes deste contrato, designadamente juros de mora e despesas de cobrança, a sua conta, do BB, com o NIB (…) seja debitada, por contrapartida de um conta de que o B seja titular. (…) CONDIÇÕES GERAIS (…)
1. O(s) Mutuários(s) confessa(m)-se devedor(es) ao B, sob a forma do presente contrato de mútuo, do montante estabelecido nas Condições Específicas deste Contrato. (…)
7. MORA E CLÁSULA PENAL (…)
b) Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o B poderá considerar vencidas todas as prestações, incluindo nelas os juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Específicas, como expressamente fica acordado, desde que por escrito em simples carta dirigida ao(s) mutuário(s) para a(s) morada(s) do contrato lhes conceda um prazo suplementar de quinze dias de calendário para proceder(em) ao pagamento das prestações em atraso acrescidas da indemnização devida pela mora, com expressa advertência que tal falta de pagamento neste novo prazo suplementar implica o dito vencimento por perda do benefício do prazo.
c) Em caso de mora incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.”
9. Em 11/04/2013, a Autora endereçou duas cartas aos Réus, referentes ao contrato n.º 985741, das quais constavam os seguintes dizeres:
Apesar de todas as diligências e insistentes contactos já ocorridos continua
V.Exa. sem pagar as importâncias em dívida do contrato em referência.
Encontram-se ao presente em débito 3 ou mais prestações sucessivas, ou seja as:
- Prestação n.º 5, vencida em 30-08-2012;
- Prestação n.º 6, vencida em 30-09-2012;
- Prestação n.º 7, vencida em 30-10-2012;
- Prestação n.º 8, vencida em 30-11-2012;
- Prestação n.º 9, vencida em 30-12-2012;
- Prestação n.º 10, vencida em 30-01-2013;
- Prestação n.º 11, vencida em 28-02-2013;
- Prestação n.º 12, vencida em 30-03-2013.
Nos termos e de harmonia com o disposto nas cláusulas das Condições Gerais do referido contrato comunicámos a V. Exa. que lhe concedemos um prazo suplementar de 20 dias de calendário a contar da data da presente carta, para proceder ao pagamento do montante das ditas prestações, acrescido dos respectivos juros, da comissão de gestão em função de cada prestação em mora, tudo num total de € 2.950,37.
Caso, até ao termo do limite do referido prazo não seja efectuado o pagamento da referida importância consideramos, nos termos expressamente acordados, vencidas todas as demais prestações por perda do benefício do prazo
contratual.
10. Os Réus solicitaram junto da Autora a renegociação das quantias em dívida que decorreram da subscrição dos documentos referidos em “2”.
11. Em 11/04/2013, os Réus não tinham liquidado junto da Autora as 5.ª, 6.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª, 12.ª prestações, vencida a primeira em 30-08-2012 e a última em 30-03-2013, do contrato referido em “7” e “8” supra.
12. Em Março de 2012, a Ré deslocou-se ao balcão de Torres Vedras da Autora para renegociar os contratos celebrados com esta.
13. O texto do escrito particular mencionado em “7” e “8” foi elaborado pela Autora.”.
*
Sendo julgado não provado que:
a) A Autora solicitou aos Réus a entrega dos veículos objecto dos contratos de mútuo referido em “2”.
b) A Autora não informou a Ré sobre o valor pelo qual foram vendidos os veículos referidos em “3” a “6” dos factos provados.
c) A Autora pressionou os Réus para renegociarem os contratos por si anteriormente celebrados.
d) Os Réus foram confrontados com o contrato mencionado em “7” e “8” dos factos provados sem possibilidade de discutir os contratos anteriores.
e) A Autora declarou vencidos os valores dos contratos referidos em “2” sem que fossem deduzidos os valores obtidos com a venda dos veículos referidos de “3” a “6”.
f) A Autora sabia que os Réus não tinham condições para cumprir o documento de “7” e “8”.
g) O documento de “7” e “8” foi assinado pelos Réus na delegação de Torres Vedras da Autora, perante funcionário desta.
h) A carta referida em “9” dos factos provados foi recebida pela Ré.”.

E consignado que “Não se considerou provada ou não provada matéria de facto irrelevante para o objecto do litígio, assim como todas as alegações vertidas pelas partes nos respectivos articulados que representaram matéria conclusiva ou de direito.”.
***
Vejamos:
II – 1 – Da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.
1. Insurge-se a Recorrente quanto ao não provado de que “A carta referida em “9” dos factos provados foi recebida pela Ré.”…pretendendo a eliminação dos factos não provados desse referido teor…acrescentando-se aos factos provados um novo número do qual conste que “As cartas referidas em “9” não foram devolvidas”.
Baseando essa especiosa impugnação no alegado reconhecimento de banda da Ré, no artigo 30º da sua contestação, de ter recebido tal carta, “sendo certo que jamais impugnou não ter recebido tal carta” (sic), e no depoimento da testemunha M.
Ora, desde logo, não é verdade que a Ré haja reconhecido o que quer que seja, no plano factual, no referenciado artigo do seu articulado de defesa.
O que naquele local se consignou foi que: “Aquele vencimento imediato refere-se, apenas, às prestações conexas com o reembolso de capital.”.
E, desse modo, em sequência de análise crítica do alegado no artigo 4º da petição inicial, nos termos seguintes:
“26º O A. refere no artº 4º da PI que «a falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas na data do respetivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, tendo estas o valor constante do contrato, ou seja o valor de Euros 277,77 cada».
27º O contrato em apreço é, pois, um mútuo oneroso em que foi acordado o reembolso do capital mutuado em prestações mensais.
28º Prestações que englobam uma parte do capital, e uma parte dos juros remuneratórios do mesmo capital.
29º A obrigação de restituição do capital mutuado em várias prestações traduz-se no seu fracionamento em prestações sujeito ao disposto no artº 781º do C.C, segundo o qual “… a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Porém,
(…)”.

Perante isto sustentar-se que a Ré reconheceu, no referido artigo 30º da sua contestação, ter recebido a carta em causa, revela, no mínimo, haver a A. treslido aquele articulado.

Depois, e interpretando o nesta parte alegado pela A., não podia a Ré ter impugnado o que não foi alegado pela A. – sobre a qual recaía o correspondente ónus, cfr. artigo 342º, n.º 1, do Código Civil – a saber, que a carta respetiva fora recebida pela Ré.

Com efeito, limitou-se a A., no artigo 9º da sua petição inicial, e no que agora pode interessar, a alegar que “Os referidos RR., das prestações referidas, não pagaram a 5.ª prestação e seguintes, - num total de 116 - vencida a primeira em 30 de Agosto de 2012, vencendo-se então todas do montante de cada uma de Euros 277,77, conforme antes referido e conforme carta que o A. dirigiu aos RR., comunicando-lhes a perda do beneficio do prazo contratual, tendo contudo entregue ao A. a quantia de Euros 174,92, tendo-se assim operado a resolução do contrato referido com efeitos reportados a 30.08.2012 (doc. n.º 4 e 5).”.
Sem, de resto, especificar a data de envio de tais cartas, nem outros conteúdos das mesmas…

De qualquer modo, ainda quando assim se não devesse entender – o que apenas se concede a benefício de exposição adjuvante – ponto é que a Ré, no artigo 68º, da contestação, impugnou “o vertido no artigo 9º” petição inicial.

2. No tocante ao depoimento da testemunha M, confirma a mesma que a carta “Não foi enviada com aviso de receção”, apenas presumindo que, tendo a morada sido dada “como correta”, “portanto, à partida, suponho que, o que o correio seguindo o que é normal, que ele entregue as cartas na morada, suponho que eles tenham tido conhecimento do teor da carta.”.

Assinalando-se, a propósito, que convergindo o disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, com a regra da interpelação admonitória do artigo 808º, n.º 1, do Código Civil, dúvidas nunca se colocaram quanto a esta última apenas se tornar eficaz depois de chegar ao destinatário.
Assim referindo João Batista Machado, In “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Obra Dispersa – Vol. I, Scientia Juridica, Braga, 1991, pág. 165. que “A interpelação admonitória é uma declaração receptícia: torna-se definitiva e irrevogável a partir do momento em que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida (artigo 224º)”.
Não abarcando a simples remessa de uma carta por correio simples a alegação da efetiva entrega daquela ao seu destinatário.
E que as cartas comprovadamente endereçadas pela A. aos RR., em 11/04/2013, porventura não hajam sido devolvidas…não prejudica o não provado de que hajam sido recebidas pelos RR.
Tais cartas – não registadas – podem nunca ter chegado ao seu destino, designadamente por extravio ou subtração de correspondência.
Posto o que a sua não devolução não implicaria qualquer presunção no sentido do seu efetivo recebimento pelos RR.

Diga-se, por fim, que a comunicação de tal interpelação, por correio simples, nem sequer se casa com a contagem segura do decurso do prazo suplementar “concedido” ao mutuário para pagamento das prestações em falta e demais acréscimos.
E que a circunstância de se mostrar convencionado que tal comunicação seria feita por aquela via de correio simples, não tem o alcance de afastar a regra imperativa do artigo 224º, n.º 1, do Código Civil, relativa à eficácia da declaração negocial.
Recaindo o ónus de alegação e prova do recebimento daquela comunicação, como visto já, sobre a A., que o não atuou.

Não é pois caso de alteração da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pela Recorrente.

Com improcedência, nesta parte, das suas conclusões.

II – 2 – Do montante do “crédito concedido”.
Considerou-se na sentença recorrida:
“Da matéria de facto apurou-se que, emprestada pela Autora aos Réus a quantia de € 20.023,28, que seria devolvida em 120 prestações num total de € 32.442,00, estes não pagaram as prestações a que estavam obrigados a partir da 5.ª, que teve vencimento em 30-08-2012.
(…)
Quanto ao número exacto de prestações não pagas, pese embora a Autora, na petição inicial se refira ao total de 116 (contando certamente com o vencimento imediato de todas as prestações remanescentes) considera-se que, para efeitos da invocação da perda do benefício do prazo, ficaram por pagar as prestações que vêm indicadas nas cartas cujo teor é vertido em “9”, ou seja as prestações 5.ª a 12ª, que perfazem o montante de € 2222,16.
Nesta medida, e considerando que o montante total imputado aos Réus em consequência do crédito por si contraído era de € 32.442,00 (120 prestações x € 277,77), não poderá considerar-se cumprido o primeiro pressuposto dos previstos para a perda do benefício do prazo e resolução do contrato no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009 de 2 de Junho, porquanto o valor em dívida não ultrapassava sequer os 10% legalmente exigidos.”.

Ao que a Recorrente contrapõe que o montante do crédito concedido, assim a considerar, foi de apenas € 20.023,28, estando pois preenchida a previsão do artigo 20º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho.

Para lá de ser a própria sentença recorrida a assumir ter sido “emprestada pela Autora aos Réus a quantia de € 20.023,28” – temos que a lei – artigo 4º, n.º 1, alínea m), do citado Decreto-Lei n.º 133/2009 – define o “montante total do crédito” como “o limite máximo ou total dos montantes disponibilizados pelo contrato de crédito” (grifado nosso).
Contrapondo o montante total do crédito concedido ao “montante total imputado ao consumidor, este último correspondente à “soma do montante total do crédito e do custo total do crédito para o consumidor”.
Custo total aquele que inclui, designadamente, “os juros, comissões, despesas, impostos e encargos de qualquer natureza ligados ao contrato de crédito que o consumidor deve pagar e que são conhecidos do credor, com excepção dos custos notariais. Os custos decorrentes de serviços acessórios relativos ao contrato de crédito, em especial os prémios de seguro, são igualmente incluídos se, além disso, esses serviços forem necessários para a obtenção de todo e qualquer crédito ou para a obtenção do crédito nos termos e nas condições de mercado;”, cfr. cit. artigo 4º, n.º 1, alíneas g) e h) e 5º, n.º 5, alíneas b) e f).
E enumerando os requisitos dos contratos de crédito, distingue claramente entre capital mutuado, juros calculados com base na taxa nominal e custos adicionais, vd. o artigo 12º, n.º 4.
Referindo-se, em sede de livre revogação – artigo 17º do mesmo diploma – ao dever de o consumidor “pagar ao credor o capital e os juros vencidos a contar da data de utilização do crédito até à data de pagamento do capital (…)”.

Resultando assim clara a identificação, na economia do diploma, do crédito concedido com o capital mutuado.
Aliás em necessária convergência com o que decorre do regime geral do mútuo, maxime, nos artigos 1142º e 1145º do Código Civil.

Ora, é facto assente, o “montante total do financiamento”, consignado nas condições específicas do contrato respetivo, é de € 20.023, 28.
E se o montante global das prestações convencionadas atinge € 33.332,40, tal deve-se à circunstância de ao montante do capital amortizado com cada uma delas, acrescerem impostos juros remuneratórios e demais encargos.

Sendo pois o montante total do crédito concedido pela A. aos RR., no contrato em causa, para efeitos do disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 133/2009, de € 20.023,28.

Com procedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 3 – Dos requisitos da invocação da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
1. Nos termos do já várias vezes citado artigo 20º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho:
“1 - Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito;
b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
2 – (…)”.

Na sequência do antecedentemente definido quanto ao montante total do crédito, e consideradas as prestações em dívida aquando da “expedição” das missivas datadas de 11/04/2013, a saber, as 5ª a 12ª, no montante global de € 2.222,16 (8x277,77), temos que aquelas, sendo sucessivas, excediam 10% do valor total do crédito concedido.

Verificados estando pois os requisitos estabelecidos na alínea a) do n.º 1 do referido artigo 20º.

Neste segmento procedendo as conclusões da Recorrente.

2. Considerou-se na sentença recorrida, como “segundo requisito” da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, a efetivação da interpelação do consumidor, nos termos e com a expressa cominação, estabelecidos na alínea b) do n.º 1, do citado artigo 20º, do Decreto-Lei 133/2009.
Requisito dado por não verificado, na circunstância de apenas ter ficado provado “que a A. expediu as cartas a conceder o prazo para a regularização dos montantes em dívida, não se tendo demonstrado, todavia, que a carta dirigida à Ré chegou a ser entregue no seu domicílio.”.

Que os requisitos da alínea a) e da alínea b),do n.º 1, do sobredito artigo 20º são cumulativos, resulta, de forma incontornável, da letra do corpo daquele dispositivo

A ineficácia da mera expedição das cartas em questão, por correio simples, sem que se prove o seu recebimento pelos RR., ou, pelo menos, a entrega daquelas no endereço postal respetivo, foi já estabelecida supra, em II – 1.
Frisando-se, uma vez mais, que a eventual não devolução de tais missivas nunca permitiria estabelecer a presunção da efetiva entrega daquelas aos seus destinatários.
E que para a operatividade do convocado artigo 224º, n.º 2, do Código Civil – vd. conclusão 4 – necessário é que apenas por culpa do destinatário a declaração não haja sido por ele oportunamente recebida.
Culpa que aqui se não presume, recaindo sobre o declarante o ónus da prova daquela, cfr. cit. Artigo 342º, n.º 1, do Código Civil.
Ónus porém não atuado, e certo não sustentar a factualidade apurada um tal juízo de censura ético-jurídica dirigido aos RR.

Em suma, não estão reunidos os pressupostos legais quer da perda do benefício do prazo por parte do consumidor, quer da “invocação” da resolução do contrato, por parte da mutuante.

Com improcedência do diversamente concluído pela Recorrente.

3. E, sendo assim, atento o concreto pedido formulado pela A. – não conglobante da condenação dos RR. no pagamento de prestações vincendas – bem se decidiu na 1ª instância que aqueles apenas poderiam ser condenados no pagamento das prestações vencidas e não pagas desde 30-08-2012 até à data da propositura da ação, em 19-06-2013, no montante de € 3.055,47, acrescidos da cláusula penal contratualizada.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu totalmente no recurso.

Lisboa, 2015-10-22

(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)