Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6297/13.9TDLSB.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: CONTRAFACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:


I - Relatório:

I - 1.) No Juízo Local Criminal de Lisboa (J1), foi a arguida CC, com os demais sinais, submetida a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal singular, pronunciada pela prática de um crime de contrafacção, p. e p. pelo art. 196.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

A assistente MJB, deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de € 3.102,61 (três mil cento e dois euros e sessenta e um cêntimos), a título de indemnização por encargos suportados com a defesa e protecção do seu direito de autor (nos termos do disposto no art. 211.º, n.º 2 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização civil e até integral e efectivo pagamento, e ainda, no pagamento das perdas e danos que se vierem a apurar, por si sofridos com a venda do livro da demandada.

I - 2.) Efectuado o julgamento e proferida a respectiva sentença, veio a decidir-se, entre o mais, o seguinte:

- Condenar a arguida CC como autora material de um crime de contrafacção, p.p. pelo art. 196.º, n.º 1, por referência ao art. 197.º, ambos do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, na pena de 3 (três) meses de prisão, que se substituiu por 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), isto é, na pena de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros), e bem assim, na pena de 160 dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 960,00 (novecentos e sessenta euros), ou seja, na multa global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

- Condenar a arguida/demandada CC a pagar à demandante MJB a quantia de € 168,01 (cento e sessenta e oito euros e um cêntimo), a título de indemnização por danos de natureza patrimonial, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento.

I - 2.) Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguido CC para esta Relação, desta forma sintetizando as razões da sua discordância:

1.ª - A sentença recorrida elabora num erro de julgamento ao entender que "será pelas semelhanças e não pelas diferenças entre o original e a obra que a contrafaz, que as contrafacções têm que ser apreciadas";

2.ª - Existe erro por dar como assente ab initio que toda a obra possui um carácter intelectual e, como tal, toda a obra merece a tutela do direito autoral;

3.ª - De qualquer forma e mesma que assim não fosse, o critério determinante para que se diga que não há contrafacção, é afirmar-se que a obra possui um conjunto de características intrínsecas que permite dizer que, não obstante as semelhanças, se trata de uma obra diferente e não uma reprodução ou cópia da outra, i.e., que é uma obra que tem uma individualidade própria, por comparação com a outra (Ac. STJ, de 29-04-2010;

4.ª - O objecto do direito de autor é constituído por obras literárias ou artísticas, ou seja, por criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo (arts. 1.º e 2.º do CDADC);

5.ª - O art. 2.º do CDADC elenca exemplificativamente as diversas criações intelectuais susceptíveis de protecção no âmbito do direito de autor, abrangendo os "livros, folhetos, revistas, jornais e outros escritos." (n.º 1 al. f), desde que cumpram os requisitos necessários para tal protecção possa ocorrer.

6.ª - Para que determinado facto possa vir a ser considerado contrafacção devem, concorrer, cumulativamente, os seguintes requisitos:
i) - alguém proceder a uma utilização fraudulenta;
ii) - arrogar-se como sendo sua, obra alheia;
iii) - que seja mera reprodução de obra alheia;
iv) - que essa reprodução seja tão semelhante que não tenha individualidade própria.

7.ª - Desde que cada uma das obras possua individualidade própria, a semelhança entre duas obras não constitui contrafacção (n.º 1 do art. 196.º do CDACC);

8.ª - O critério da individualidade prevalece sobre a semelhança objectiva. Mas individualidade tem aqui o exacto sentido de criatividade. Decisivo para determinar a contrafacção é nada se acrescentar à criação alheia a que se recorreu;

10.ª - Importava apurar, se se verificam e concorrem de forma cumulativa os enunciados pressupostos determinantes para a concretização do juízo de existência de contrafacção, o que a sentença recorrida ao não efectuar uma análise casuística no que respeita ao caso dos autos;

11.ª - No Relatório do Exame Pericial de fls. 402 e segs., é referido que aquilo que assinalou como sendo semelhante entre as obras, não ocorre em toda a extensão das mesmas, e que tal inexistência de individualidade própria só ocorre em parte considerável da OBRA B, ou seja, não em toda.

12.ª - Ou seja, a obra arguida, apresenta, apesar de tudo, identidade diferente da obra da assistente, isto porquanto não ocorre a tal semelhança em toda a sua extensão e é dotada de individualidade em parte assinalável;

13.ª - A obra intelectual define-se como sendo a "criação de espírito original exteriorizado por qualquer forma. Há criação de espírito sempre que uma manifestação de pensamento se traduza numa forma sensível, ou seja, na composição ou expressão de uma obra. A criação é original sempre que reflicta a personalidade do seu autor."

14.ª - A lei só permite a tutela da obra pelo Direito de Autor quando o seu carácter artístico prevalecer claramente sobre a destinação industrial do objecto, sendo tal extensível a todas as obras de "destinação prática";

15.ª - A obra da assistente mais não é - tal como a da arguida de que um repositório de normas técnicas aplicáveis à actividade sobre a qual versa: X;

16.ª - As normas técnicas assumem a natureza de procedimentos normativos, devendo ser tratadas como informações de uso comum e, por isso mesmo, excluídas do âmbito de protecção do direito autoral;

17.ª - Face à temática e conteúdo da obra da assistente, resulta como evidente e de bom senso que a expressão constante das mesmas quase que representa a mera a aplicação de ideias comuns ou, quanto muito, a única via de manifestar a ideia, sem novidade e/ou originalidade;

18.ª - O Direito de Autor não existe para reprimir a imitação, mas para premiar a criatividade;

19.ª - A própria obra da assistente não é nem original nem novidade, antes reproduz conceitos, normas processo, métodos e formas próprias de uma determinada actividade;

20.ª - Mais não é do que um repositório de normas técnicas, de uso comum no sector de actividade;

21.ª - Não foi alegado, não consta da acusação e, muito menos da sentença recorrida, que a obra da assistente, relativamente à qual se refere que a da arguida é semelhante, que a própria obra da assistente constitua ela própria uma criação original;

22.ª - A obra da assistente não corporiza uma criação original no ramo de actividade a que se destina, sendo destituídas de qualquer novidade, originalidade e pensamento criativo;

23.ª - Tarefas mecânicas, servis ou banais de conjugação de elementos não representam criação e neste sentido não apresentam originalidade;

24.ª - A obra da assistente tem um carácter eminentemente técnico e utilitário, não contendo qualquer criação artística original, pelo que, mesmo que tivesse existido apropriação por banda da arguida, nunca tal facto poderia ser considerado como ilícito por se encontrar excluído da previsão legal de obra no âmbito do direito autoral;

25.ª - Ideias e métodos não são passíveis de protecção autoral.

26.ª - Assim sendo, o elemento objectivo do tipo de crime em causa não se encontra verificado.

27.ª - A sentença recorrida, violou, desta forma, as normas constantes dos arts. 1.º, 2.º, 196.º, n.ºs 1 e 4, e 197.º, todos do CDADC.

Termos em que, dando-se procedência ao presente recurso, deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que absolva a arguida do crime de contrafacção por cuja prática foi pronunciada e condenada, o que, assim se fazendo, será de inteira Justiça.


I - 3.) Respondendo ao recurso interposto a Digna magistrada do Ministério Público junto do Juízo Local Criminal de Lisboa, concluiu por seu turno:

1.º - Nestes autos, e na procedência da acusação contra ela deduzida, foi a arguida CC condenada, por sentença publicada em 20.10.2017, como autora de um crime de contrafacção, p. e p. pelo art.º 196.º, n.º1, por referência ao art.º 197.º, ambos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 90 dias de multa á taxa diária de € 6,00, no total de € 540,00. Foi ainda, a arguida, pela prática do mesmo crime, na pena de 160 dias de multa, á taxa diária de € 6,00, no total de € 960,00.
No total foi a arguida condenada pela multa global de € 1500,00;

2.º - O crime de contrafacção verifica-se com a utilização como própria de obra alheia. Estamos perante a uma utilização que é acompanhada da afirmação da titularidade, ou seja, é conjugada com a violação do direito da paternidade.

3.º - A reprodução pode dizer respeito à totalidade ou somente a parte da obra ou prestação alheia, e é indiferente que já esteja ou não divulgada.

4.º - A utilização a que se refere o art. 196.º é somente na modalidade da reprodução, visto ser a esta que se referem os restantes números do dispositivo legal. Tendo esta reprodução, por força do princípio da tipicidade, de se concretizar num exemplar.

5.º - Para que dúvidas não restem, refere o relatório pericial de fls. 402 a 441: “que não estamos perante situações – as apontadas – em que se configura a presença de semelhanças (que também as há). Não. Temos largas extensões de texto em que as coincidências existem (por tão extensas não serão, com certeza, obra do acaso), coincidências totais ou parciais, sendo estas, por vezes, derivam do atrás já referido e onde a diferenciação chega a assentar apenas em palavras suprimidas ou alteradas, levando a que num caso ou noutro se perca mesmo o sentido da frase.” E concluindo-se que “apesar de o atrás caracterizado não ocorrer em toda a extensão da obra em análise, somos de opinião, que estamos perante uma obra, a obra B, que não apresenta, em parte considerável, individualidade própria.

6.º - Pelo exposto, entendemos não existir qualquer erro de julgamento na aplicação da norma aplicável, pela sentença, pois como referimos, não a norma não exige uma reprodução total da obra alheia, bastando-se a consumação do ilícito com a reprodução parcial.

7.º - Como é jurisprudência constante do STJ: “só a originalidade merece protecção do direito de autor” – Ac. 5/12/1990, BMJ n.º 402, 567. Para ser original, a obra deve ser uma “criação pessoal própria” do autor, enquanto expressão da sua capacidade de criação.

8.º - A jurisprudência aponta casos de obras não protegidas:
- Uma campanha publicitária enquanto processo ou meio de publicidade comercial, com o exclusivo objectivo de incrementar as vendas por parte de comerciais e industriais (Ac. STJ 16/12/69, BMJ 192, 1970, 247;
- Livros técnicos de escrituração contabilística concebidos como forma de satisfazer a necessidade de adaptar os livros de escrituração mercantil ao tratamento informático de dados contabilísticos (Ac. RC. 23/11/99) - ver fls. 393 e 394 da obra supra citada.

9.º - Constante na jurisprudência o princípio de que os direitos de autor não protegem a originalidade das ideias e dos princípios, mas apenas a originalidade ao nível da forma de expressão (Ac. RL 19.11.1998, CJ 1998, V, 97-100).
Quanto ao carácter literário ou artístico das obras, compete ao julgador a sua determinação, no caso concreto, segundo a “experiência e o senso comum, que se pressupõe nos juristas em geral e nos juízes em particular.

10.º - Ora, no caso em apreço face ao conteúdo e temática da obra da assistente, concordamos com a posição da recorrente, não constituindo a mesma uma manifestação de uma criação intelectual inovadora – ex. como uma descoberta científica, traduzida numa tese de doutoramento - porém, o que está aqui em causa é a reprodução pela arguida de parte da obra da assistente e a existência de obra publicada com um conteúdo idêntico.

11.º - O normativo legal, não exige, para a consumação do ilícito que a obra parcialmente reproduzida constitua uma criação original - os direitos de autor não protegem a originalidade das ideias e dos princípios, mas apenas a originalidade ao nível da forma de expressão - pelo que, também, nesta parte, entendemos não assistir razão á arguida.

12.º - Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso da arguida não merece provimento em nenhuma das suas vertentes.

II - Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer pugnando por igual sentido decisório.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Seguiram-se os vistos legais exame preliminar 
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Tendo lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir:

III - 1.) De harmonia com as conclusões apresentadas, pelas quais se define e delimita o respectivo objecto, sem prejuízo da afirmação genérica em como a sentença “elabora num erro de julgamento”, julgamos que à semelhança da leitura efectuada pela Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, o essencial do inconformismo veiculado pelo recurso interposto CC convoca a questão da verificação (ou não) dos pressupostos do cometimento, da sua parte, do crime de contrafacção p. e p. pelos art.ºs 196.º e 197.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, pelo qual foi condenada.

III - 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro a matéria de facto que se mostra definida:

Factos Provados:

1. Em Outubro de 2009, a assistente MJB publicou o livro “X”, editado pela editora “EP”, sendo a única autora do seu conteúdo.
2. Em data não apurada, posterior a Outubro de 2009, a arguida elaborou e fez publicar no dia 17 de Agosto de 2012, como de sua autoria, pela editora “B.”, que o divulgou, o livro “ACE”.
3. Esta obra reproduz, na sua estrutura e conteúdo, a obra da assistente, utilizando na maior parte da sua extensão os exactos termos anteriormente utilizados pela assistente na obra “X”, verificando-se inclusivamente uma identidade na estrutura de ambas as obras.
4. A arguida tinha sido aluna da assistente em data anterior à referida publicação, sendo conhecedora do seu trabalho de produção intelectual.
5. A arguida actuou livre, deliberada e conscientemente, com intenção de apresentar a obra “ACE” como sendo criação sua, apesar de saber que esta reproduzia a obra da assistente nos termos acima descritos.
6. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7. No decurso do mês de Janeiro de 2013, a assistente/demandante MJB verificou que no sítio da internet da editora “B.” se encontrava disponível para venda, nos formatos edição em papel e e-book, um livro intitulado “ACE”, o qual, tal como o seu, se destinava a profissionais de X.
8. Considerando que a arguida já havia feito uma tentativa de publicação do livro junto da sua editora, tendo-se detectado que uma parte substancial do mesmo continha partes integralmente copiadas do livro da lesada, a assistente adquiriu, no dia 9 de Janeiro de 2013, o referido livro no formato e-book.
9. No que despendeu o montante de € 7,56 (sete euros e cinquenta e seis cêntimos).
10. Na sequência do arquivamento dos autos de inquérito, a lesada teve que se constituir assistente para requerer a abertura da instrução, tendo pago as correspondentes taxas de justiça, no valor total de € 204,00 (duzentos e quatro euros).
11. Na sequência da notificação para o efeito, a assistente/demandante teve que efectuar o pagamento dos custos com a realização da perícia feita pelo IGAC, no valor de € 153,00 (cento e cinquenta e três euros).
12. Em despesas de correio para o envio de peças processuais para o tribunal, a assistente/demandante despendeu € 7,45 (sete euros e quarenta e cinco cêntimos).
13. Do livro “ACE”, da autoria da ora arguida, a que é feita referência no ponto 2., foi vendido um único exemplar em formato digital, no dia 9 de Janeiro de 2013.
14. Sobre a venda mencionada em 13., a arguida teve um lucro de € 5,00, que ainda não solicitou nem facturou, e que, por tal motivo, não lhe foi pago.
15. No livro “ACE”, da autoria da ora arguida, a que é feita referência no ponto 2., esta indicou a obra “X” e o nome da ora assistente MJB na bibliografia do livro.

Mais se provou, com interesse para a decisão do mérito:

16. A arguida CC possui, como habilitações literárias, a licenciatura em X e comunicação empresarial, que concluiu no “ISLA – Instituto Superior de Línguas e Administração de Lisboa”, no ano lectivo de ….
17. Trabalha, como prestadora de serviços, desde o primeiro semestre do ano de 2015, na agência de mediação imobiliária “PH”, como comercial, auferindo um rendimento médio mensal de cerca de € 300,00 a € 400,00, a título de comissões.
18. A arguida vive sozinha, em casa própria, pagando uma prestação mensal de € 347,00, relativa ao empréstimo bancário que contraiu para compra da casa.
19. A arguida beneficia do apoio económico dos pais.
20. Não tem filhos.
21. A arguida CC não tem antecedentes averbados no respectivo registo criminal.

            Factos não provados:

Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos constantes do pedido de indemnização civil e/ou da contestação:
a) Que a assistente/demandante MJB suportou, a título de honorários com mandatário, o montante de € 2.730,00 (dois mil setecentos e trinta euros), IVA incluído;
b) Que o livro “ACE”, a que é feita referência em 2., foi feito com base nuns apontamentos tirados nas aulas da disciplina, que foram leccionadas com base na obra da ora assistente;
c) Que a arguida nunca actuou com intenção de prejudicar, plagiar ou copiar o trabalho da assistente;
d) Que a obra “X”, a que é feita referência em 1., foi objecto de estudo pela arguida enquanto aluna de MJB;
e) Que a editora chamou a atenção da ora arguida para a necessidade de alterar algumas páginas;
f) Que a arguida alterou diversas páginas desse livro tendo em atenção o parecer da editora.
       Por razões que abaixo melhor se tornarão patentes, vamos consignar também a fundamentação que sustenta ao antecedente veredicto de facto:

Nos termos do art. 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.
     No caso vertente, para a formação da sua convicção, o Tribunal procedeu ao exame de todas as provas produzidas em audiência de julgamento, bem como dos documentos e relatório pericial junto aos autos, tendo-os tido em consideração após uma análise global, conjugada e crítica dos ditos meios de prova.
    A arguida CC deu conta o tribunal de ter frequentado e concluído a licenciatura em comunicação e X, no ISLA, onde teve como professora a aqui assistente MJB, que lhe ministrou a cadeira de técnicas de X, cadeira esta que, segundo a arguida, foi ministrada ao longo dos três anos lectivos de que se compunha a licenciatura. Acrescentou que concluiu a licenciatura no mês de Dezembro de 2009, tendo sido já depois desta data, provavelmente no decurso do ano de 2010, que procedeu à compra do livro “X”, da autoria da assistente. Nas declarações que prestou, a arguida confirmou a matéria de facto que o tribunal considerou como provada, a que é feita menção nos pontos 2., 4. e 15. da Matéria de Facto, encontrando as declarações da arguida, neste particular, suporte de prova na informação da “B. Publishing, S.L.”, junta a fls. 566 (ponto 2.), nas declarações da própria assistente (ponto 4.) e na análise das páginas 227 a 229 do livro “ACE”, que integra fls. 134 a 252 do Apenso A.
     A assistente MJB deu conta ao tribunal de ter desempenhado a actividade profissional de docente universitária no “ISLA – Instituto Superior de Línguas e Administração de Lisboa”, no período compreendido entre os anos de …, tendo, posteriormente, desempenhado as mesmas funções na “UE”, leccionando disciplinas na área do “Microsoft Office” e das práticas de X, sendo esta segunda disciplina uma das que integravam a licenciatura em X e comunicação empresarial. Confirmou que, no âmbito desta licenciatura, foi professora da ora arguida em dois anos lectivos, no segundo semestre do segundo ano da licenciatura (ano lectivo de …), e no primeiro e no segundo semestres do terceiro ano da licenciatura (ano lectivo seguinte), tendo-lhe, em cada um destes semestres, ministrado as disciplinas de práticas de X e assessoria I, práticas de X e assessoria II, e práticas de X e assessoria III, respectivamente. Nas declarações que prestou, a assistente confirmou a matéria de facto que o tribunal considerou como demonstrada, a que é feita menção nos pontos 1., 7., 8. e 9. da Matéria de Facto, tendo explicitado que o livro “X” se encontra já na sua terceira edição, datando a segunda edição do ano de 2012 e a actual do ano de 2015. As declarações da assistente encontram suporte probatório na análise da primeira página do livro “X”, que integra fls. 6 a 133 do Apenso A (ponto 1.), na informação da “B. Publishing, S.L.”, junta a fls. 566 (ponto 8.), e na factura junta a fls. 479 (ponto 9.). Em complemento das declarações da assistente, e para prova da factualidade a que é feita menção nos pontos 10., 11., 12., 13. e 14., o tribunal sedimentou a sua convicção na análise dos documentos juntos a fls. 480 e 481, a fls. 482, a fls. 483 a 485 e a fls. 566, respectivamente.
            No que respeita à factualidade a que é feita menção no ponto 3., a convicção do tribunal alicerçou-se, desde logo, na leitura e análise comparativa dos livros “X”, que integra fls. 6 a 133 do Apenso A, e “ACE”, que integra fls. 134 a 252 do mesmo Apenso. Com efeito, as similitudes são chocantemente evidentes, sendo muitas e significativas as semelhanças entre ambos os livros, em vários capítulos. Para além da própria estrutura de cada uma das obras, a análise pormenorizada dos respectivos conteúdos impele à dedução de que efectivamente nos deparamos perante uma utilização pela arguida da obra “X”, da autoria da ora assistente MJB. O elevado número de conteúdos coincidentes afasta a razoabilidade da hipótese de uma mera coincidência e impele a tal conclusão.
Esta asserção encontra-se, aliás, espelhada no relatório pericial, junto a fls. 402 a 441, onde se refere que “Analisadas as duas obras, constata-se que em termos de design, não apresentam semelhanças, já o mesmo não acontecendo em termos de estrutura/esqueleto das obras, visto que cinco dos seus capítulos têm os mesmos títulos”, salientando-se, ainda, dever-se ter presente “que não estamos perante situações – as apontadas – em que se configura a presença de semelhanças (que também as há). Não. Temos largas extensões de texto em que as coincidências existem (por tão extensas não serão, com certeza, obra do acaso), coincidências totais ou parciais, sendo que estas, por vezes, derivam do atrás já referido e onde a diferenciação chega a assentar apenas em palavra(s) suprimida(s) ou alterada(s), levando a que num ou noutro caso se perca mesmo o sentido da frase” e concluindo-se que “apesar de o atrás caracterizado não ocorrer em toda a extensão das obras em análise, somos de opinião estarmos perante uma obra, a OBRA B, que não apresenta, em parte considerável, individualidade própria”.
            Ora, em face das declarações da arguida e da assistente, relatório pericial, documentos juntos aos autos e da sua conjugação com as regras da experiência comum, dúvidas não restaram ao tribunal da prova de toda a factualidade apurada, enunciada nos pontos 1. a 4. e 7. a 15. da Matéria de Facto Provada.
Para a prova dos factos atinentes ao dolo da arguida, constantes dos pontos 5. e 6. da Matéria de Facto, atendeu-se, ainda, às regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação assumida pela arguida, nos termos que resultaram apurados. Ficou o tribunal efectivamente convencido de que a arguida agiu da forma que lhe vinha imputada. A inferência do conhecimento do carácter ilícito da sua conduta despontou inclusivamente do seu comportamento em juízo, negando que tivesse reproduzido na sua obra “ACE”, de forma consciente e deliberada, a obra da assistente, e narrando, de forma inverosímil, ter baseado o seu livro em todos os apontamentos que tirou nas aulas, ao longo dos três anos da licenciatura, perdeu credibilidade aos olhos deste tribunal, tanto assim, que, numa fase mais adiantada das suas declarações, a própria arguida acabou por afirmar que enquanto estava a escrever o livro “ACE”, ao mesmo tempo consultava o livro “X”, da autoria da ora assistente. Recorde-se, ainda, que, como salientou a assistente MJB nas suas declarações, já em momento anterior à publicação do livro “ACE” (que, recorde-se, teve lugar no dia 17 de Agosto de 2012), a ora arguida tinha feito uma tentativa de publicar uma outra obra, intitulada “PS”, cuja publicação foi recusada com o fundamento de ter sido detectado que a obra continha conteúdos plagiados. Esclareceu, ainda, que, nessa altura, o grupo “L.” a contactou, pedindo-lhe que procedesse a uma apreciação da obra, tendo-lhe na altura bastado proceder à análise de um único capítulo do livro para constatar que as semelhanças com o seu (da assistente) livro eram por demais evidentes, e que havia plágio de conteúdos, tendo disso dado conta à Editora.
Neste particular, as declarações da assistente encontram suporte probatório na análise da carta, datada de 22 de Março de 2012, remetida pela “L. – Edições Técnicas, Ld.ª” à ora arguida, junta, por cópia, a fls. 512 dos autos, que, pela sua clareza, se passa a transcrever:
Exma. Senhora,
Serve a presente como recusa de publicação do manuscrito intitulado “PS”, remetido à L. no passado dia 3 de Janeiro de 2012, pois verificámos que o documento por si enviado contém partes integralmente copiadas do livro “X”, da autoria de MJB, obra esta editada pela marca ET, pertencente ao nosso Grupo, em Outubro de 2009.
Aproveitamos também para dar conhecimento de que, à data de hoje, seguiu participação da situação supra citada para o IGAC, enquanto entidade fiscalizadora, adiantando também que, caso o manuscrito em questão venha a ser editado com o seu conteúdo actual, não deixaremos de proceder judicialmente”.
No decurso das suas declarações, a arguida foi confrontada com este documento, tendo confirmado ter-lhe o mesmo sido enviado pela editora “L. – Edições Técnicas, Ld.ª”, e dele ter tomado conhecimento.
Em suma, no caso sub judice vê-se nitidamente, não só que foi intenção da arguida imitar e copiar o livro “X”, como encontrar-se a mesma ciente de que tal conduta era proibida e punida por lei, tanto mais que, menos de cinco meses antes de ter procedido à publicação do livro “ACE”, a arguida viu ser recusada a publicação do manuscrito “PS”, por o mesmo conter partes integralmente copiadas do livro “X”, da autoria da ora assistente.
A testemunha TR, empresário em nome individual e amigo da arguida, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a adiantar que no período em que procedeu à elaboração do livro “ACE”, a arguida estava muito empenhada e entusiasmada, e tê-la como uma pessoa íntegra, honesta e com excelentes valores.
Os factos dos pontos 16. a 20. resultaram provados, tendo por base as declarações da arguida, quanto às suas condições pessoais, laborais e económicas, que se consideraram credíveis, não sendo postas em causa, mostrando-se a ausência de antecedentes criminais da arguida certificada a fls. 595, com data de emissão de 27/06/2017.
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            No que respeita à matéria de facto considerada como não provada, tal resultou de não ter sido produzida prova da sua verificação, importando a este respeito concretizar, no que respeita à factualidade a que é feita menção na al. a), não ter sido junto aos autos qualquer documento comprovativo do montante pago pela assistente à respectiva mandatária, a título de honorários (sendo o documento de fls. 486 uma mera “Estimativa de Honorários”), tendo a factualidade enunciada nas als. d), e) e f) sido refutada pela própria arguida, negação esta que, no que respeita à matéria das als. e) e f), foi igualmente corroborada pela testemunha DM, que, à data da prática dos factos objecto dos presentes autos, era o responsável pela área de publicação e comercialização da editora “L. – Edições Técnicas, Ld.ª”.
            A matéria enunciada nas als. b) e c) encontra-se em patente contradição com a matéria de facto que o tribunal considerou como provada.

III – 3.1.) Ainda que a conclusão 1.ª faça apelo a um eventual erro de julgamento traduzido na circunstância da sentença ter entendido que “será pelas semelhanças e não pelas diferenças entre o original e a obra que a contrafaz, que as contrafacções têm que ser apreciadas”, e que a motivação, no seu título II, até a faça anteceder da expressão “erro notório da determinação da norma aplicável”, a verdade é que não encontramos no recurso apresentado quaisquer traços de processualização de uma eventual impugnação de facto, da mesma forma que a existir uma possível incorrecta subsunção jurídica operada pela I.ª Instância, nunca tal circunstancialismo seria suspectível de integrar o vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Penal, já que este, como é sabido, se atém ao domínio da apreciação das provas.
 E ainda assim, sempre na perspectiva de ter de resultar forçosamente “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”.

Em todo o caso sempre diremos o seguinte:

Do que podemos alcançar, a afirmação supra-indicada não se contém no plano fáctico ou da respectiva fundamentação, mas sim a pág.ªs 9 da sentença, em sede de enquadramento penal.
Também o relatório pericial a que agora muito se apela, não foi dado por reproduzido, integralmente, na explicitação da convicção formada pelo Tribunal.

É certo que, como vimos, do conjunto plural de meios de prova explicitados em relação ponto de facto sob o n.º 3, não se deixaram de transcrever três trechos constantes do relatório produzido na sequência da perícia realizada.

Mas não havendo impugnação, a ortodoxia da evidenciação dos vícios implica que apenas em relação a esses excertos nos possamos reportar.

Seja como for, sendo aquela uma conclusão probatória de base plural, apenas por uma forma alargada da sua discussão o correspondente facto poderia ser alterado.
Não em função de um dos seus elementos isoladamente considerados.

Ainda assim, relida a fundamentação exarada nesse ponto, nela não encontramos nada de ostensivamente contrário à lógica, ao normal dever das coisas ou à experiência comum, ou ainda aos pressupostos probatórios que se deixaram invocados.

Sendo que, em excesso de cautela, fácil será confirmar a bondade formal da das transcrições operadas.

Donde, prima facie, nada obstar à definitividade do que aí se mostra considerado como provado e não provado, confinando-se a discussão que ora importa operar ao domínio jurídico das questões suscitas.
Sendo que, naturalmente, a mesma tem como limites a factualidade que se mostrar fixada.

III – 3.2.) Este aspecto conexo com a real conformação desse debate à exacta matéria de facto provada, no nosso modesto entendimento, não está assumido na sua inteireza pelas alegações de recurso.

As primeiras notas de criticismo sugerem que a publicação da Assistente não será merecedora de tutela do direito autoral.
O argumento permanece genérico nesse momento, para ser repristinado no final da motivação, tendo em vista sustentar que o livro da Assistente não é uma criação original.

Ainda que não sejamos particularmente adeptos desta metodologia (em bom rigor, se esse argumento fosse decisivo, importava começar por ele e não ao contrário), a ela não vamos objectar.
Recorde-se que o que a matéria de facto consigna a este propósito, é tão-somente que:

 “1. Em Outubro de 2009, a assistente MJB publicou o livro “X”, editado pela editora “EP”, sendo a única autora do seu conteúdo.”

Sempre se dirá todavia, que a circunstância de poder tratar-se de um livro prático ou técnico (em função das indicações que por via do mesmo ficam subentendidas), não introduz nenhuma impossibilidade objectiva de poder gozar da protecção do mencionado Diploma.

É certo que a definição de obra protegida consagrada no art. 1.º, n.º1, do CDADC, faz apelo sobretudo às “criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico”.

Em todo o caso estamos perante um Direito em evolução e um Diploma basicamente de 1985, ainda que com alterações posteriores.

Mas ainda assim, tal como o referia Luiz Francisco Rebello no seu Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos Anotado, Âncora Editora, 2.º Ed., pág.ª  , em comentário ao respectivo art. 2.º, obra que também não pode ser considerada recente, “está hoje ultrapassada a concepção que ainda informava a lei portuguesa de 1927 (cujo artigo 87.º só considerava objecto da propriedade artística «as obras de arte que revelassem originalidade e beleza da concepção ou execução», segundo a qual a protecção do direito de autor estaria reservada às obras de conteúdo estético, pois como observa Frank Gotzen, «o direito e autor não protege  apenas a pesquisa gratuita do belo, mas também as obras que têm valor sobretudo científico, como os tratados e os artigos de revistas, ou que desembocam no domínio técnico ou utilitário (…)” sublinhado nosso.
Existe sobretudo no estrangeiro, abundante jurisprudência no sentido da outorga da tutela do direito de autor a obras destinadas a cumprir uma função meramente prática ou utilitária – de que alguns exemplos podem encontrar-se na nossa Introdução ao Direito de Autor I, 1994, pp. 92-92”, ou nas sentenças/acórdãos que depois melhor identifica, que incluem, anote-se, um roteiro de parques de campismo, um livro de itinerários turísticos, … um anuário do sector cooperativo.

Donde, não seria por tal motivo que aquela protecção jurídica se desautorizaria.

 III – 3.3.) A este ponto chegados, cumpre relembrar que de harmonia com o preceituado no art. 196.º, n.º1, do CDADC:

Comete o crime de contrafacção quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão de radiofusão que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria”.

Segundo o Autor a que acima se fez referência, “a contrafacção consiste, fundamentalmente, na apropriação abusiva do conteúdo de obra alheia, sendo irrelevante que a sua reprodução obedeça a um processo diferente ou não respeite as características exteriores (dimensões, formato, material utilizado, etc.) dessa obra”.
Pode ser parcial ou total.
Sendo que a mesma não se verifica nas situações contempladas no respectivo n.º 4, hipóteses que aqui não logram qualquer oportunidade de cabimento (semelhança entre traduções devidamente autorizadas, fotografias, desenhos, gravuras do mesmo objecto, …).

Da nossa parte nada teremos a objectar ao enunciado no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/04/2010, no processo n.º 3501/05.0TBOER.L1.S1. (consultável no endereço www.dgsi.pt/jstj), segundo o qual, “para que um facto (ilícito) possa ser considerado contrafacção (cf. art. 196.º do CDADC) devem concorrer, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) alguém proceder a uma utilização fraudulenta; b) arrogar-se como sendo sua obra alheia; c) que seja mera reprodução de obra alheia; d) que essa reprodução seja tão semelhante que não tenha individualidade própria”.

Aliás, o Mm.º Juiz também não ignorou tais requisitos já que expressamente os convocou, acabando depois por referir:

“O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário (art. 11.º), sendo reconhecido independentemente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade (art. 12.º).
            Salvo disposição em contrário, autor é o criador intelectual da obra (art. 27.º, n.º 1), presumindo-se autor aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público (arts. 27.º, n.º 2).
     A utilização de uma qualquer obra por terceiro depende sempre da autorização (por escrito) do seu criador ou dos sucessores deste, presumindo-se a sua onerosidade e o carácter não exclusivo (arts. 40.º e 41.º, n.º 2). A utilização da obra, à margem do seu regime legal de autorização, implica uma violação do direito do seu autor, susceptível de fazer incorrer o terceiro utilizador em responsabilidade civil extracontratual (art. 203.º).
    No caso sub judice, está em causa o livro “X”, elaborado e publicado pela assistente MJB, no mês de Outubro de 2009, pelo que podemos concluir que, em género, se trata de criação intelectual expressamente prevista no art. 2.º, n.º 1, al. a) do CDADC, e, nessa medida, protegida pelo mesmo Código, sendo a ora assistente que, como titular do direito de autor, beneficia do direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, tendo, nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma (art. 67.º, n.º 1).
     Resulta da factualidade apurada que a arguida, que tinha sido aluna da assistente em data anterior à referida publicação, sendo conhecedora do seu trabalho de produção intelectual, no dia 17 de Agosto de 2012, elaborou e fez publicar, como de sua autoria, o livro “ACE”, obra esta que reproduz, na sua estrutura e conteúdo, a obra “X”, da autoria da assistente, utilizando na maior parte da sua extensão os exactos termos anteriormente utilizados pela assistente na obra “X”, verificando-se inclusivamente uma identidade na estrutura de ambas as obras. A utilização de obra alheia como sua verificou-se aquando da publicação do livro, apresentado como sendo da sua autoria, pois foi nesse momento que se consumou a utilização ou destinação normal do livro enquanto criação intelectual destinada a ser lida e adquirida, por qualquer pessoa do público, nisso interessada.
       Verificam-se, pois, todos os elementos objectivos do tipo de contrafacção, p.p. nos arts. 196.º, n.º 1 e 197.º, n.º 1 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
   Os factos apurados permitem concluir que a arguida possuía conhecimentos especiais e pessoais que lhe garantiam o necessário conhecimento da existência da obra “X”, da autoria da assistente, bem como que, de forma livre, deliberada e consciente, actuou com intenção de apresentar a obra “ACE” como sendo criação sua, apesar de saber que esta reproduzia a obra da assistente, e que tal conduta era proibida e punida por lei.
   Assim, e perante a matéria de facto apurada, não há também que colocar em dúvida o preenchimento do elemento subjectivo do tipo, na forma de dolo directo (art. 14.º, n.º 1 Cód. Penal).
   Por conseguinte, não existindo causas de justificação da ilicitude nem causas de exclusão da culpa, concluímos que a arguida MJB é jurídico-penalmente responsável pelo crime de contrafacção, p.p. no art. 196.º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, que lhe vem imputado na decisão instrutória de pronúncia”.

III – 3.4.) A afirmação de que tendo cada uma das obras individualidade própria, a semelhança entre elas não constitui contrafacção, surge como uma decorrência extraída pelo Autor supra-citado a partir do referido art. 196.º “claramente resulta do n.º1 deste preceito que a semelhança entre duas obras não constitui contrafacção quando cada uma delas possua a sua individualizada própria”, da mesma forma que se mostra retomada no parágrafo III do sumário do aresto do STJ acima invocado: “Resulta do n.º 1 do art. 196.º do CDADC que, desde que cada uma das obras possua individualidade própria, a semelhança entre duas obras não constitui contrafacção. O critério da individualidade, no exacto sentido de criatividade, prevalece sobre a semelhança objectiva. Decisivo para determinar a contrafacção é nada se acrescentar à criação alheia a que se recorreu”.

A Recorrente sublinhando sobretudo esta última frase, para depois partir para a crítica de que a sentença se concentrou no critério da semelhança e desconsiderou o da individualidade própria da obra, acima encarecido.

Não vemos que assim tenha acontecido. Como os factos provados sob os pontos 2 e 3 claramente enunciam:

2. Em data não apurada, posterior a Outubro de 2009, a como de sua autoria, pela editora “B.”, que o divulgou, o livro “ACE”.
3. Esta obra reproduz, na sua estrutura e conteúdo, a obra da assistente, utilizando na maior parte da sua extensão os exactos termos anteriormente utilizados pela assistente na obra “X”, verificando-se inclusivamente uma identidade na estrutura de ambas as obras.

No fundo, segundo a sentença, a obra da Arguida, imitou e copiou “na maior parte da sua extensão” o livro “X” da Assistente.

E mesmo que se pretenda convocar o referido na conclusão do mencionado relatório pericial, mormente o trecho referido na fundamentação em como “apesar de o atrás caracterizado não ocorrer em toda a extensão das obras em análise, somos de opinião estarmos perante uma obra, a OBRA B, que não apresenta, em parte considerável, individualidade própria”, não vemos que a circunstância desta característica não se estender a toda a obra, não invalidade a perfectibilidade do respectivo tipo penal.

É que, como acima já referiu, segundo o art. 196.º, n.º 2, do CDADC, o facto da reprodução representar apenas parte ou fracção da obra ou prestação, não afasta a possibilidade dessa parte ou fracção ser considerada contrafeita.

III – 3.5.1.) O argumento final aduzido, tal como já o dissemos inicialmente, vem a convergir na falta de criação original por parte do livro produzido pela Assistente, que sendo pressuposto do conceito de obra objecto do CDADC, afastaria a incriminação operada.

Neste aspecto, a única nota que temos por consensual em relação à posição defendida, é a de que a matéria de facto provada nada consigna que nos permita alcançar essa conclusão.

E neste momento, não tem sentido que a presente Relação, sem impugnação de facto, vá consultar o livro em questão para sobre esse tópico tirar as suas conclusões.

Aliás, esta seria sempre uma matéria perfeitamente fluida em termos Dogmáticos.

Não que, o Autor acima sucessivamente citado, não se refira a tal conceito em termos de definição legal de obra.
Aliás, prefere-o ao de novidade - “a «novidade» da obra literária, artística ou científica não é requisito obrigatório da protecção que a lei lhe concede”.

Ou de uma outra forma, conforme acórdão da Rel. de Lisboa que abaixo se identificará, “originalidade é sinónimo de criatividade e não de novidade, acrescentando, com base no teor do art. 196º nº1 (contrafacção), que a obra é original desde que “tenha individualidade própria”.

Note-se porém, que as obras científicas, quiçá porque as ideais, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os princípios ou as descobertas não são objecto de protecção pelo referido Código (art. 1.º, n.º 2 - ainda que o possam ser por outras dispositivos legais), deve atender-se à forma e não ao conteúdo – “«uma obra científica não é protegida a título de direito de autor em razão do carácter científico do seu conteúdo (mas sim) da forma que reveste»”.

Aliás, no comentário ao preceito seguinte, de modo aparentemente antagónico com o acima exposto, virá a afirmar que “a qualidade, a novidade ou a invenção não entram de linha de conta”.
Pelo que não deixará de preconizar aquela mesma protecção também para as obras do domínio técnico ou utilitário, onde a da Assistente se incluirá.

Porém, se atentarmos no acórdão desta Secção e Relação de 16/12/2008, no processo n.º 8864/2005-5 (disponível no endereço www.dgsi.pt.jtrl) já não será tanto esse o conceito sobressaliente, mas antes o de criação.

E este acaba por assumir uma enunciação claramente mais modesta:

O carácter criativo da “obra”, a que alude o art. 1º do CDADC, depende de não constituir cópia de outra obra (requisito mínimo), não constituir o resultado da aplicação unívoca de critérios pré-estabelecidos, nomeadamente de natureza técnica, em que estejam ausentes verdadeiras escolhas ou opções do autor e traduzir um resultado que não seja óbvio, banal, e que, portanto, permita distingui-lo de outros, reconhecer-lhe uma individualidade própria, enquanto obra, independentemente do suporte material que a encerra.”

III – 3.5.2.) Quanto a nós, não se aponte facilmente para a eventual omissão da matéria de facto sobre esta questão ou de pronúncia por parte do Tribunal, quando no processo, que aliás até conheceu a fase processual homóloga a essa de designação, uma contestação e um julgamento, nada se encontra como traço dessa problemática.

E conseguimos mesmo perceber a respectiva razão. As conclusões do relatório pericial são claras, logo no seu início, em como “as obras em presença são criações intelectuais do domínio técnico e, como tal, protegidas nos termos daquele mesmo Código” - Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.

O que sempre se assumiu.

Como é bom de ver, tal asserção tem uma vertente factual e outra jurídica, pelo que se pode contestar o seu alcance enquanto laudo pericial.
Seja como for, a primeira não se mostra discutida de forma processual válida, pelo nesse plano nunca seria alterável.
A segunda, sem a primeira, é inexequível.

Donde não se poder sustentar concludentemente que a obra da Assistente não traduz criação original.
Se é que esse é o conceito relevante!

Por fim, não vemos que tal exigência se mostre consignada como requisito típico do art. 196.º do CDADC, o qual, como é sabido, convoca sobretudo a defesa do direito moral “consistente na reivindicação da paternidade da obra”, posto em causa pela apropriação ilegítima parcial da obra.

Nesta conformidade, manteremos a sentença proferida.

IV – Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se pois em negar provimento ao recurso interposto pela arguida CC.
 
Em razão do seu decaimento e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que posa gozar, ficará aquela sancionada em 3 (três) UCs, nos termos dos art.ºs 513.º, n.º 1, do CPP, e respectivo Regulamento das Custas Processuais.       
Elaborado em computador. Revisto pelo relator o 1.º signatário
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: