Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
143/08.2TNLSB.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
TRANSPORTE MARÍTIMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. É ao transportador que se impõe a alegação e prova de que tudo fez para que não ocorresse o sinistro. A exoneração da sua responsabilidade constitui, pois, um ónus seu conforme decorre expressamente do disposto no artigo 4.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) a q), por referência também ao artigo 3.º, n.º 1, alínea c), da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924 (integrada no direito português pelo Decreto-Lei n.º 37 748, de 01 de Fevereiro de 1950).
II. A ideia de se reduzir a um volume e/ou a uma unidade, cada um dos contendores embarcados, nos casos em que se verificam avarias de mercadoria, assenta tão só na impossibilidade de se ter apurado a espécie das coisas transportadas nesses mesmos contentores e não às situações em que se encontram perfeitamente discriminadas as mercadorias transportadas, quer em relação à espécie, quer ao peso, no conhecimento de carga, tal decorre do disposto no artigo 4.º, n.º 5, da Convenção, aplicável nos termos do artigo 1.º, n.º 1, § 1.º do Decreto-Lei n.º 37 748, de 01 de Fevereiro de 1950 e artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro.
III. A limitação de responsabilidade do transportador inscrita no artigo 4.º, n.º 5, da Convenção de Bruxelas apenas tem aplicação nos casos em que nos conhecimentos de embarque ocorra uma omissão quanto aos produtos transportados, em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea c) e artigo 5.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro, aplicando-se, nesse caso, o limite de responsabilidade do transportador a Pte. 100.000$00 (€ 498,80) - artigo 9.º da Convenção de Bruxelas, artigo 1.º, § 1º do Decreto-Lei n.º 37 748, de 01 de Fevereiro de 1950 e artigo 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro.
IV. Quando tal omissão não ocorra, devemos nos socorrer dos elementos inscritos no conhecimento de embarque, por referência directa ao disposto nos artigos 11.º e 24.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro e artigo 4.º, n.º 5 da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

A… SEGUROS, S.A. intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B…, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 60.694,89 acrescida de juros moratórios vincendos desde a data de citação e até integral pagamento.

Para tanto, alegou em súmula que, celebrou com C…, Lda, um contrato de seguro tendo por objecto o transporte marítimo de mercadorias (carnes frescas refrigeradas) por esta adquiridas nos Açores.

As referidas mercadorias foram transportadas pela Ré, em duas viagens, com intermediação de D…, LDA, agente de navegação da Ré.

As mercadorias foram entregues para transporte contentorizadas e em perfeitas condições de acondicionamento e comercialização. Os conhecimentos de embarque foram emitidos sem quaisquer reservas.
No momento da descarga, a mercadoria encontrava-se avariada na primeira das viagens, e parcialmente avariada na segunda, tendo estas avarias resultado da subida da temperatura nos contentores durante o trajecto.

A A. indemnizou C…, Lda, pelas referidas avarias, avaliadas no montante global de € 60.694,89.

A A. encontra-se subrogada no direito de acção da sua segurada contra os responsáveis pelas avarias verificadas na mercadoria durante o respectivo transporte, sendo a Ré a responsável pelos prejuízos causados pela avaria das mercadorias, conforme pedido deduzido na acção.

Em contestação, a Ré alegou que a Segurada da A., C…, Lda, é uma cliente regular da Ré, que embarca, há já aproximadamente cinco anos, todas as semanas, nos navios da B…SA, um contentor frigorífico de 20 ou 40 pés, contendo carne fresca refrigerada, do Porto de Praia da Vitória para o Porto de Lisboa.

Nos dois casos em apreço, a C…LDª solicitou telefonicamente ao agente da Ré, o envio de um contentor disponível, para o mesmo ser lavado, preparado e carregado pela própria C…LDª nas suas instalações.

Depois de cada um dos contentores aqui em causa se encontrar carregado e pronto para embarque, a C…LDª informou a D…LDª sobre o número do selo que havia sido colocado no contentor, o peso total da carga carregada e a temperatura a que a mercadoria devia ser transportada.

Não foi fornecida pela C…Dª, telefonicamente ou de outro modo, qualquer informação sobre a descrição da carga carregada dentro do contentor, já que os contentores em causa foram entregues pela Segurada da A. à Ré, para transporte, no porto de carga, já fechados e selados, desconhecendo o estado em que se encontrava a mercadoria.

As menções que são inscritas sobre o conhecimento de embarque correspondem às informações fornecidas pela Segurada da A. ao agente da Ré, a já referida D…LDª

Após o embarque a bordo do navio transportador, os contentores são inspeccionados com regularidade pela tripulação do navio, para verificação do seu estado de funcionamento e registo das temperaturas.

Durante a viagem, a Ré desenvolve todos os esforços ao seu alcance no sentido de verificar o estado de funcionamento dos contentores, providenciando pela sua reparação sempre que possível. Os contentores frigoríficos constituem, no entanto, máquinas sensíveis, susceptíveis de avariar a qualquer momento.

Em qualquer circunstância, a existir, responsabilidade da Ré, esta não poderá ultrapassar o limite fixado no art. 31° do Decreto-Lei 352/86, de Euros 498,80 por cada unidade ou volume enumerados no conhecimento de embarque.

A unidade de carga enumerada em cada um dos conhecimentos de embarque em causa nestes autos é “1 lote carne bovina fresca refrig”.

Conclui, assim que, a existir responsabilidade da sua parte, esta sempre estaria limitada ao montante de € 997,60 (Euros 498,80 x 2).

Procedeu-se à realização de Audiência de Discussão e Julgamento tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a Ré a pagar à A. a quantia de € 60.694,89 acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

Inconformada, a Ré apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

1. Nos termos do disposto no art. 669° n° 1 do CPC, deve o Meritíssimo Juiz do Tribunal Marítimo de Lisboa, esclarecer qual o texto que se encontra omisso no último parágrafo, na página 12 na douta Sentença proferida, tudo com as demais consequências legais,

2. Constituem obrigações do transportador marítimo as previstas no art. 3° n°s 1 e 2 da Convenção de Bruxelas de 25.8.1924, podendo o mesmo invocar a exclusão da sua responsabilidade, designadamente, nos termos do art. 4° n° 2 da referida Convenção de Bruxelas.

3. Os factos dados como provados evidenciam, claramente, a atitude diligente do transportador, a aqui R., relativamente à mercadoria transportada:

- antes do início do transporte os contentores foram inspeccionados, e entregues aos carregadores em bom estado de funcionamento;
- durante a viagem, a R. efectuou verificações periódicas da temperatura dos contentores, tendo, por isso mesmo, detectado a avaria no contentor GCEU …, que foi possível reparar com sucesso, na escala seguinte do navio, atentas as limitações de reparação a bordo e em viagem;
- e quanto ao contentor GCEU …, apesar das inspecções efectuadas a bordo, não foi possível detectar e reparar a fuga de gás que esteve na origem da avaria do contentor.

4. A R. deu, assim, integral cumprimento às obrigações que se lhe impunham, nos termos da legislação aplicável, na sua qualidade de transportador da mercadoria.

5. A R. demonstrou igualmente a sua ausência de culpa na produção das avarias aqui em causa, pelo que a sua responsabilidade deveria ter sido considerada excluída nos termos do disposto no art. 4° n° 2 alínea q) da referida Convenção de Bruxelas.

6. A responsabilidade do transportador marítimo encontra-se limitada nos termos do art. 4° n.º 5 da já mencionada Convenção de Bruxelas e art. 31° n° 1 do Decreto-Lei n° 352/86, de 21/10, ao valor de Euros 498,80 por unidade ou volume.

7. Determina o art. 24° n° 1do referido Decreto-Lei que "Quando as mercadorias forem consolidadas, para transporte, em contentores, paletas ou outros elementos análogos, consideram-se volumes ou unidades de carga os que estiverem enumerados no conhecimento de carga". (sublinhado da ora Alegante).

8. A mercadoria encontra-se identificada nos conhecimentos de carga emitidos, juntos aos autos como Docs. 9 e 26 da P.I., de acordo com os elementos fornecidos pelo carregador, como

1 lote de carne bovino fresca refriq. Peso bruto 13.500Kq e
1 Iote de carne bovino freeca refri.. Peso bruto 13.500Kg

9. Tal como decidiu o douto Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido em 16.1.97, "Independentemente das divergências doutrinais expostas é inequívoca a relevância decisiva do que consta do conhecimento de embarque porque é nele que se há-de encontrar o elemento definidor da responsabilidade para efeitos da apontada limitação".

10. No caso dos autos, não tendo o carregador identificado, como lhe competia, para efeitos de emissão do conhecimento de carga pelo transportador, a composição integral de cada um dos lotes de carne que colocou dentro de cada um dos contentores aqui em causa, figurando no conhecimento emitido, apenas, 1 lote de carne bovino fresca refrigerada, não poderá a R. ser penalizada por tal situação.

11. O critério quilograma, introduzido no texto da Convenção de Bruxelas, pelo Protocolo de Visby de 1968, não deve ser utilizado, uma vez que Portugal não ratificou tal Protocolo e o Legislador nacional em 1986, aquando da introdução do Decreto-Lei n° 352/86, também não julgou apropriada a introdução de tal critério, antes definindo "unidade" e "volume" no art. 24° do mesmo Decreto-lei por referência aos elementos como tal enumerados no conhecimento de carga.

12. No caso dos autos a limitação de responsabilidade do transportador marítimo deve corresponder a Euros 498,80 x 2 lotes de carne de bovino fresca refrigerada = 997,60 Euros.

13. A douta Sentença recorrida decidindo como decide, viola o disposto o art. 4 nº 2 alínea q) da Convenção de Bruxelas, bem como o disposto nos arts. 24° e 31° do Decreto-Lei n°352/86, de 21 de Outubro.

Conclui, assim, pela revogação da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FACTOS PROVADOS

1 (A). Em 1 de Agosto de 2007, a Segurada da Autora, C…, Lda. contactou a D…, LDA, com sede na Avenida …, …, , na qualidade de agente do transportador marítimo, ora Ré.

2 (B). Para a concretização deste transporte a representante da Ré, D…, LDA, entregou à Segurada da A. 1 contentor de 40 pés, vazio, propriedade da Ré, com a seguinte identificação: ….

3 (C). A Segurada da A. entregou no cais o referido contentor, tendo para o efeito contratado os serviços de transporte de uma terceira empresa.

4 (D). Consta do Conhecimento de Embarque com a referência …, emitido pela B…., SA, em 07.08-07 …:

i. Carregador: C…, LDA., Apartado …;
ii. Endereço notificar …- Estrada Nacional …;
iii. Navio: …; Porto de Partida: Praia da Vitória; Porto de Descarga: Lisboa
iv. Frete pagável em: Senhora da Hora
v. Said to Contain/Que se diz conter:' REEFER Temp: +l °C a + +°CIVent/Hum. O
vi. 1 lote carne bovino fresca refrig. Peso bruto I3 500 kgs.
vii. «Contentor consolidado pelo carregador»
víii. Original - Carregado a bordo em aparente boa ordem e condição, sendo o peso, a medição, as marcas, os números, a qualidade, o conteúdo e o valor desconhecidos, para transporte para o porto de descarga ou tão próximo dele quando o navio possa, com segurança, ir e permanecer sempre a flutuar, para a entrega na mesma boa ordem e condição no atrás referido porto

5 (E). A Ré, ou por empresa por si contratada, transportou a mercadoria desde o terminal de contentores de Santa Apolónia, em Lisboa para Beja, onde chegou a 08 de Agosto de 2007.

6 (F). Em 21 de Agosto de 2007, a Segurada da Autora, C… Lda. contactou novamente a D…, LDA, na qualidade de agente do transportador marítimo, ora Ré, solicitando-lhe mais um transporte marítimo e terrestre do porto da Praia da Vitória, nos Açores para Beja.

7 (G). Para a concretização deste transporte a representante da Ré, D…, LDA. entregou à Segurada da A. 1 contentor de 40 pés, vazio, propriedade da Ré, com a seguinte identificação: GCEU6613330.

8 (H). A Segurada da A. entregou também este contentor no cais, tendo para o efeito contratado os serviços de transporte de uma terceira empresa.

9 (I). Consta do conhecimento de Embarque com a referência …, emitido pela B…, S.A., em 22.08-07 Praia da Vitória:

i. Carregador: C…, LDA-, Apartado 1004 - …;
ii. Endereço notificar: SAPJU- Estrada Nacional …:
iii. Navio: …, Porto de Partida: Praia da Vitória, Porto de Descarga: Lisboa
iv. Frete pagável em: Senhora da Hora
v. Said to Contain/Que se diz conter: REEFER - Tem :+1+°C/Vent/hum.OYkent/Hum.O
vi. 1 lote carne bovino fresca refrig. Peso bruto 12 500 kgs.
vii. «Contentor consolidado pelo carregador»
viii. Original - Carregado a bordo em aparente boa ordem e condição, sendo o peso, a medição, as marcas, os números, a qualidade, o conteúdo e o valor desconhecidos, para transporte paro o porto de descarga ou tão próximo dele quando o navio possa, com segurança, ir e permanecer sempre a flutuar, para a entrega na mesma boa ordem e condição no atrás referido porto .

10 (J). A Ré ou por empresa por si contratada, transportou a mercadoria desde o terminal de contentores de Santa Apolónia, em Lisboa para Beja, onde chegou a 28 de Agosto de 2007.

11 (K). A segurada da A. solicitou à Agente da R. o transporte marítimo e terrestre do porto da Praia da Vitória nos Açores para Beja, de carne bovina fresca refrigerada com o peso bruto de 12.500 Kg, que foi acondicionada no contentor mencionado em B – Ponto 2 destes Factos provados).

12 (L). A segurada da A. não assinou nenhum dos exemplares do conhecimento de embarque.

13 (M). Quando o destinatário da mercadoria (referida em K) (Ponto 11 destes Factos Provados) abriu o contentor constatou que a carne se encontrava a uma temperatura de +21 ° C.

14 (N). A carne referida em K) (Ponto 11 destes Factos Provados) encontrava-se, na data da descarga, em princípio de putrefacção, tendo os sacos de plástico perdido o vácuo devido ao desenvolvimento de bactérias produtoras de gás, notando-se a presença de líquidos em excesso e sendo perceptível o cheiro intenso a fermentação e alguns sacos tinha mesmo opado.

15 (O). A Direcção Regional de Agricultura do Alentejo considerou que a mercadoria constituía perigo para a saúde pública e decretou que o seu destino tinha que ser a destruição total.

16 (P). O valor total da mercadoria cifrava-se em 48 528,64 €, constituído pelas seguintes parcelas:

a. 4.954,77 kg de carne de novilho 20.562,30 €
b. 913,30 kg de carne de novilho 3.790,20 €
c. 2.650,50 kg de carne de vitelão 12.987,45 €
d. 2273.67 kg de carne de novilho cpc 9.890,46 €
e. 444,84 kg de miudezas de bovino 355,87 €
f. 767,38 kg de miudezas de bovino 767,38 €
g. 174,98 kg de mão de bovino 174,98 €

17 (Q). Aquando do pedido de transporte referido em F) (Ponto 6 destes Factos Provados) a segurada da A. informou a Agente da R. de que a mercadoria consistia em 1 lote de carne de bovino fresca refrigerada, que veio a ser acondicionada no contentor mencionado em C) (Ponto 3 destes Factos Provados).

18 (R). A mercadoria transportada no contentor 1) tinha o valor de 37.825.30 €.

19 (S). Quando o destinatário da mercadoria abriu o contentor constatou que a carne se encontrava a uma temperatura de 4.º.

20 (T). O sistema de frio deste contentor começou a funcionar a 24 de Agosto de 2007, ou seja, 63 horas após o carregamento.

21 (U). As partes (A. e Ré), através dos peritos que nomearam, acordaram em desvalorizar as carnes e a dobrada em 30% e as restantes miudezas em 100%, no montante total de 12.166,25 €, uma vez que a temperatura 4 vezes superior à recomendada reduziu substancialmente o seu período de validade.

22 (V). A mercadoria supra mencionada, foi recebida pela R. para transporte, em bom estado e em perfeitas condições de acondicionamento e comercialização.

23 (W). A A. teve de pagar à sua segurada C… SA, a quantia de € 60.694,89 corresponde ao valor dos estragos causados à mercadoria durante o período que esteve à guarda da Ré.

24 (X). A A. celebrou com a C…, Lda, um contrato através do qual garantiu a esta empresa o pagamento de uma indemnização, caso a mercadoria não chegasse ao seu destino em boas condições.

25 (Y). A C…LDª informou a D…LDª sobre o número dos selos que haviam sido colocados nos contentores, o peso total da carga carregada e a temperatura a que a mercadoria devia ser transportada.

26 (Z). Após o embarque a bordo do navio transportador, os contentores são inspeccionados com regularidade, pela tripulação do navio, para verificação do seu estado de funcionamento e registo das temperaturas.

27 (AA). No dia 22.08.07 o electricista a bordo do navio "…" verificou que o contentor … não produzia frio suficiente e, na impossibilidade de se efectuar a reparação a bordo, foi solicitada a intervenção do serviço técnico.

28 (BB). Na escala seguinte do …, em 24 de Agosto de 2007, foi efectuada com sucesso a reparação da ventoinha do motor de evaporação do contentor.

29 (CC). Nas inspecções realizadas a bordo ao contentor …não foi identificada a avaria do sistema de frio, só mais tarde se concluiu pela existência de uma fuga de gás que provocou o aumento progressivo da temperatura dentro do contentor.

30 (DD). Antes do início da viagem marítima os contentores são inspeccionados pela R. e entregues aos carregadores em bom estado de funcionamento.

31 (EE). Os contentores frigoríficos constituem máquinas susceptíveis de avariar a qualquer momento e cuja reparação a bordo nem sempre é possível, nomeadamente soldaduras com recurso a gás acetileno.


III. FUNDAMENTAÇÃO

O conhecimento do objecto do recurso encontra-se delimitado pelo conteúdo das conclusões apresentadas, salvo quanto àquelas que são do conhecimento oficioso.

Assim sendo, desde logo cumpre referir que a primeira das conclusões apresentadas, em que a Apelante pede que seja esclarecido “qual o texto que se encontra omisso no último parágrafo, na página 12 (…)” da sentença em apreciação, tinha já sido objecto de correcção, conforme decisão de fls. 275 dos autos, nada mais havendo a referir quanto a este ponto.

Encontram-se as partes de acordo quanto à ocorrência do sinistro e às suas causas. Em discussão encontra-se apenas a respectiva responsabilização pelo sucedido sendo que em relação à responsabilidade pelo ressarcimento dos danos a Ré defende a sua exclusão uma vez que entende ter praticado todos os actos que lhe poderiam ser exigíveis para evitar o sinistro.

Para o caso de assim se não entender, defende que o montante do direito de regresso peticionado deve ser limitado a € 997,60 conforme interpretação que faz do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro.

Analisando o presente recurso podemos desde logo constatar que o direito de regresso exercido nesta acção pela A. contra a Ré tem na sua base a afirmação desta última ser a responsável pelos sinistros de avaria de mercadorias que a primeira indemnizou à sua segurada, C…LDª, responsabilidade esta que importa esclarecer.
Trata-se, porém, e salvo o devido respeito, de uma incorrecta colocação do problema. Na verdade, é ao transportador que se impõe a alegação e prova de que tudo fez para que não ocorresse o sinistro. A exoneração da sua responsabilidade constitui, pois, um ónus seu conforme decorre expressamente do disposto no artigo 4.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) a q), por referência também ao artigo 3.º, n.º 1, alínea c), da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924 (integrada no direito português pelo Decreto-Lei n.º 37 748, de 01 de Fevereiro de 1950).

Como podemos verificar face aos factos dados como provados, bem como perante as peças processuais pela mesma apresentadas no processo, a Apelante não satisfez o ónus que sobre si impendia e, como tal, sempre lhe terão de ser imputados os resultados negativos decorrentes dessa omissão, tal como foi o entendimento do senhor Juiz de 1.ª Instância.

Tenha-se também presente que as mercadorias transportadas ao abrigo dos dois contratos de transporte de mercadorias por mar, identificados nos autos, foram acompanhadas, entre outros, dos seguintes documentos:

- das respectivas guias de remessa em que se indicaram o tipo de artigo transportado, peso, valor e lote;
- dos conhecimentos de carga;
- dos registos de temperatura no interior do contentor durante o transporte;
- dos relatórios de vistorias.

Ora, contrariamente ao afirmado, a Ré sabia perfeitamente o tipo de mercadoria que transportava e os cuidados que deveria ter para que o transporte fosse efectuado com êxito, no caso, leia-se, com a entrega da carne em perfeitas condições para o consumo, em conformidade com o bom estado em que as mesmas foram entregues ao transportador e por ele verificadas antes da viagem, conforme se pode observar no documento que constitui o conhecimento de carga junto aos autos, em conformidade, aliás, com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro.

Tenha-se ainda em atenção que se trata de matéria dada como provada nos pontos 11 (K) e 17 (Q) dos Factos Provados, sendo certo que a Ré, ora Apelante, sempre inspeccionou os contentores antes do início da viagem, conforme ponto 30 (DD) dos Factos Provados, não fazendo, assim, qualquer sentido a contestação deste facto sem que a matéria de facto dada como provada tenha sido objecto de pedido de reavaliação.

Assim, a responsabilidade pelos sinistros verificados durante o transporte são da inteira responsabilidade da Ré, ora Apelante.

Relativamente à interpretação feita pela Ré quanto ao disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro, como forma de delimitar o montante do direito de regresso peticionado pela A. à quantia de € 997,60 pelos dois sinistros verificados, cumpre desde já deixar expresso que não se concorda com a Apelante, acompanhando-se de perto a interpretação deste preceito realizada pelo senhor Juiz de 1.ª Instância.

Com efeito, a ideia de se reduzir a um volume e/ou a uma unidade, cada um dos contendores embarcados, nos casos em que se verificam avarias de mercadoria, assenta tão só na impossibilidade de se ter apurado a espécie das coisas transportadas nesses mesmos contentores e não às situações em que, como é as do presente caso, se encontram perfeitamente discriminadas as mercadorias transportadas, quer em relação à espécie, quer ao peso, conforme acima já deixamos consignado.

De qualquer forma, para uma melhor compreensão do afirmado, transcreve-se o teor do artigo 4.º, n.º 5, da Convenção, aplicável nos termos do artigo 1.º, n.º 1, § 1.º do Decreto-Lei n.º 37 748, de 01 de Fevereiro de 1950:

“(…) Tanto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados `s mercadorias ou que lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido declarados pelo carregador antes do seu embarque e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento (sublinhado nosso).

Esta declaração assim inserida no conhecimento constituirá uma presunção, salvo a prova em contrário, mas não obrigará o armador, que poderá contestá-la.

(…)”.

No presente caso, como vimos afirmando, o carregador sempre teve conhecimento da carga que transportava, em cada um dos contratos celebrados, quer em relação ao conhecimento de embarque datado de 01 de Agosto de 2007, quer em relação ao datado de 28 de Agosto de 2007, bem como do respectivo peso e demais condições em que deveria decorrer cada um dos transportes acordados – Pontos 4 e 9 (alíneas D) e I), dos factos dados como provados.

Sendo incontestável que o Protocolo de Visby de 1968, que tinha introduzido o critério da indemnização com base no quilograma, não pode ser objecto de aplicação, uma vez que Portugal não ratificou esse Protocolo, certo é que, face ao disposto no artigo 9.º da Convenção de Bruxelas, deve ter aplicação o disposto no artigo 1.º, § 1º do Decreto-Lei n.º 37 748, de 01 de Fevereiro de 1950 e o artigo 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro, que limita a responsabilidade do transportador a Pte. 100.000$00 (€ 498,80).

Porém, essa limitação de responsabilidade tem na sua base o disposto no acima citado artigo 4.º, n.º 5, da Convenção, ou seja, apenas aplicável no caso de omissão quanto aos produtos transportados, situação que não é a dos presentes autos em que todos os produtos carregados foram correctamente identificados nos dois conhecimentos de embarque que acompanharam cada um dos contratos, em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea c) e artigo 5.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro.

Conforme decorre dos disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro, “o conhecimento de carga constitui título representativo da mercadoria nele descrita e pode ser nominativo, à ordem ou ao portador” e “a transmissão do conhecimento de carga está sujeita ao regime geral dos títulos de crédito”, o que equivale a dizer que, tal título goza das mesmas características do título de crédito, quanto á sua literalidade e autonomia, impondo-se ao transportador

Assim, podemos afirmar que todos os produtos carregados no navio têm a correcta indicação da carga, quer em termos de espécie, quer em termos de peso o que, face ao disposto no artigo 24.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei n.º 352/86, desde logo permite que se compreendam como consolidadas em cada um dos contentores, as unidades de carga enumeradas nos respectivos conhecimentos de carga, ou seja, 13.500 Kgs. num dos casos e 12.500 Kgs., no outro.

A referência a ter em conta é, assim, o quilograma sendo com base neste que se procederá à respectiva indemnização pela avaria dos produtos transportados, tal como foi o entendimento do Tribunal a quo e que, por se entender ser o correcto, deve ser mantido.

IV. DECISÃO
Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 03 de Julho de 2012

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
José Gouveia Barros