Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20/20.9YQSTR-A.L1-PICRS
Relator: PAULA POTT
Descritores: CONCORRÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO
PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO AUTÓNOMA
Decisão: DECLARADO NULO O DESPACHO
Sumário: Acção de indemnização por infracção ao direito da concorrência –  Elementos de prova em poder da contraparte e de terceiros – Medidas decretadas durante a suspensão do processo ao abrigo do disposto no artigo 275.º do Código de Processo Civil – Nulidade da decisão por falta de fundamentação e erro no meio processual aplicável – Medidas de preservação da prova previstas no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 – Directiva 2014/104/EU – Instrumentos de cooperação internacional que vinculam o Estado Português cuja observância é do conhecimento oficioso e não pode ser prejudicada pela aplicação das medidas de preservação de prova.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

Decisão recorrida

1.Por despacho de 14.10.2022, com a referência citius 376145, cujo teor se dá aqui por reproduzido, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante também Tribunal a quo, Tribunal de primeira instância ou Tribunal recorrido), ordenou a seguinte medida quanto à preservação da prova:

“(...)
Em face do exposto, o Tribunal determina: (i) a notificação da Ré, com vista a conservar os documentos enunciados de R1 a R30 da petição inicial, para o caso de ser ordenada judicialmente a sua apresentação nos autos, tudo ao abrigo do disposto no artigo 429.º, do Código de Processo Civil, sob pena da cominação a que alude o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aplicável por via do disposto no artigo 430.º, do Código de Processo Civil; (ii) a notificação das sociedades melhor identificadas na petição inicial, com vista a conservarem os documentos enunciados de R31 a R32, de R33 a R34 e a R35, para o caso de ser ordenada judicialmente a sua apresentação nos autos, tudo ao abrigo do disposto no artigo 432.º, do Código de Processo Civil, sob pena da cominação a que alude o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na parte legalmente atendível), aplicável por via do disposto nos artigos 429.º e 430.º, ambos do Código de Processo Civil. (...)”

Alegações da recorrente

2. Do despacho mencionado no parágrafo anterior, veio a ré/recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, mediante requerimento de 15.9.2022/referência citius 64713, cujo teor se dá por reproduzido, pedindo o seguinte:

“Termos em que deverá julgar-se procedente o presente recurso e, consequentemente, revogar-se o douto despacho recorrido”.

3. Nas suas alegações, a ré/recorrente invocou, em síntese, os seguintes fundamentos:

§ O presente recurso é admissível ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil (CPC) uma vez que o despacho recorrido, embora não ordene a junção da prova, ordena a conservação de documentos para o caso devir a ser ordenada a sua junção;
§ Erro de direito quanto à interpretação dos artigos 417.º n.º 2, 419.º, 429.º e 430.º do CPC;
§ O artigo 419.º do CPC institui um regime de produção antecipada unicamente aplicável a determinados meios de prova nele especificados, a saber, a prova testemunhal ou por depoimento de parte e a prova pericial;
§ Sendo uma norma excepcional, não comporta aplicação analógica;
§ Estender a sua aplicação à prova documental é contrário aos princípios interpretativos constantes do artigo 9.º do Código Civil (CC);
§ Se a preservação da prova pode ser objecto de procedimento cautelar, nenhuma razão existe para aplicar o disposto no artigo 419.º do CPC;
§ A autora não provou, como lhe cabia, o pressuposto da aplicação do artigo 419.º do CPC, a saber, a existência de justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil a junção da prova documental;
§ O despacho recorrido é nulo por não indicar quais os factos que julgou provados, nomeadamente o perigo iminente de produção de um dano irreparável, cuja prova tinha de ser feita e não foi, para que pudesse ser aplicado o disposto no artigo 275.º n.º 1 do CPC;
§ Ainda que fosse aplicável o regime previsto no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, tal preceito exige a verificação de indícios sérios de infração ao direito da concorrência suscetíveis de causar danos ao que acresce, como é próprio de todas e quaisquer medidas cautelares no nosso sistema processual, que se demonstre a ocorrência do perigo de mora, requisitos que não foram demonstrados.

Contra-alegações da recorrida

4. A autora/recorrida, contra-alegou, mediante requerimento de 3.10.2022/referência citius 65327, cujo teor se dá por reproduzido, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, ou se assim não se entender, pela sua improcedência.

5. Nas contra-alegações, a recorrida invocou, em síntese, os seguintes fundamentos:

§ O despacho recorrido não ordena a junção de prova, mas a sua mera preservação, pelo que não se enquadra no disposto no artigo 644.º n.º 2 – d) do CPC e, por isso, o recurso não é admissível;
§ Também não se enquadra na hipótese prevista no artigo 644.º n.º 2 -h) do CPC uma vez que a mera preservação de meios de prova, que não determina a sua junção ao processo, não é suscetível de influir na decisão final ou sobre interesses legítimos do réu em termos que tornem o recurso dessa decisão, a final, absolutamente inútil;
§ O despacho recorrido fez uma interpretação correcta do conjunto dos preceitos nele citados, incluindo os artigos 275.º e 419.º do CPC e o artigo 17.º da Lei 23/2018;
§ Foi a própria recorrente que alertou o Tribunal para a existência de perigo de destruição dos documentos em causa, ao afirmar, nos pontos §§ 2777-2780 da contestação, que, uma vez terminado o prazo de dez anos previsto no Código Comercial os documentos poderiam ser destruídos;
§ O Tribunal ordenou a suspensão dos presentes autos de indemnização (private enforcement) até ao trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida no processo de contraordenação (public enfocement) o que acarreta demora e foi levado em conta no despacho recorrido;
§ O direito à prova tem por base o artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e assegurar esse direito é um dos objectivos da Directiva 2014/104/EU como resulta dos seus artigos 4.º. 5.º n.ºs 2 e 4 e 8.º n.º 1 – b), estando os Tribunais nacionais vinculados à interpretação conforme do seu direito processual interno.

Antecedentes do litígio

6. Na petição inicial junta aos autos principais em 14.12.2020, a autora configurou a presente acção como a seguir se sintetiza (cf. referência citius 376145 junta ao presente recurso/referência citius 47671 de 14.12.2020, junta aos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso elecrónico):  

§ Uma acção popular, intentada ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, 3.º, 12.º e 14.º da Lei 83/95, 546.º do CPC e 3.º e 19.º da Lei 23/18;
§ Que tem por objecto a condenação da ré no pagamento de indemnizações por violação ao direito da concorrência (private enforcement), designadamente, por infracção ao disposto no artigo 101.º do TFUE;
§ É parcialmente dependente (follow on) da infracção objecto da decisão sancionatória da AdC de 24.7.2019, proferida no processo de contraordenação número PRC/2016/04 objecto de impugnação judicial no processo 71/18.3YUSTR-M.L1, onde ainda não foi proferida decisão final e parcialmente independente  (stand alone) da condenação naquela infracção, na medida em que as práticas anti concorrenciais identificadas na decisão da AdC se iniciaram antes e continuaram depois do período coberto pela contraordenação (cf. artigo 2.º da petição inicial).
No que releva para a decisão do presente recurso, a autora, na petição inicial, fez o seguinte requerimento de prova, que incide sobre a lista de documentos aqui em crise, enunciados desde a referência R1 até à referência R35, das quais este Tribunal a seguir transcreve apenas a primeira e a última para facilitar a compreensão, remetendo no mais para o seu teor integral quanto às referências R2 a R34:
“(...)
C) Requerimento para junção de documentos na posse das Rés e de terceiros
Ao abrigo dos artigos 417.º e 429.º do CPC, dos artigos 573.º a 576.º do CC, e dos artigos 12.º a 18.º da LPE, nos termos discutidos na secção II.6 da presente Petição Inicial, a Autora requer que o Tribunal ordene à Ré a junção aos presentes autos (ou a disponibilização à Autora e ao Tribunal por outro meio que o Tribunal determine) dos documentos necessários à prova da matéria de facto alegada, indispensáveis à procedência da presente ação, e aos quais a Autora não tem acesso. Os referidos documentos estão na posse da Ré, tendo sido por esta elaborados ou recebidos, ou integram o processo que correu perante a AdC, estando na posse da Ré e não sendo públicos.
No que respeita aos documentos que integram o processo que correu perante a AdC, nos termos do artigo 14.º da LPE, a Autora apenas pode requerer a sua apresentação diretamente à AdC “caso nenhuma parte ou terceiro os possa fornecer de modo razoável”, razão pela qual a Autora não pode requerer certidão dos documentos em causa do processo junto da AdC.
No que respeita aos documentos não públicos, a Autora requer que os mesmos sejam juntos ao processo de um modo que seja assegurada a sua confidencialidade, sendo apenas acessíveis ao Tribunal e às partes dos presentes autos, nomeadamente sendo incluídos num apenso confidencial, ou outra solução que o Tribunal doutamente entenda adequada, nos termos do artigo 12.º(7) da LPE
Os documentos são os identificados na lista que segue 633:
633 Atenta a assimetria informativa, não é possível à Autora indicar todos os factos que os documentos aqui elencados poderão servir para demonstrar. Assim sendo, indicam-se apenas, sem pretensão de exaustão, os factos relativos aos quais a Autora sabe ou suspeita que os documentos em causa mais obviamente respeitam, atenta a sua natureza ou
informação publicamente disponível, para efeitos de justificação da necessidade da sua obtenção (demonstração de que os documentos em causa são relevantes para a prova de pelo menos um facto com interesse para a decisão da causa). Em consequência, não se pode presumir que a única informação potencialmente relevante nesses documentos seja apenas a que corresponde aos artigos da Petição Inicial aqui indicados. Muitos dos documentos requeridos são relevantes para provar factos que, direta ou indiretamente, relevam para a prova da causalidade, danos e sua quantificação. De modo a não sobrecarregar a justificação da relevância de cada tipo de documento solicitado com referências a todos os factos que respeitam a esses requisitos da responsabilidade civil, a Autora esclarece que se deve entender que todos os documentos cuja justificação da relevância inclui a prova da causalidade, danos e sua quantificação devem ser entendidos como sendo relevantes, inter alia, para a prova dos seguintes artigos da PI: 476, 477, 480-484, 487-489, 495, 496, 499, 502, 506-509, 519, 520, 522, 528, 531, 534, 543, 544, 550, 551 e 558.

R1. Documento(s) donde resulte a atual estrutura acionista da Ré, da Super Bock Group, SGPS, S.A., e da Viacer SGPS, Lda.634

Artigos da PI33-37
Justificação da
relevância
Documento(s) que servirão para demonstrar a unidade económica a que pertence a Ré, com impacto em vários requisitos da aplicação das normas de concorrência em causa, incluindo a existência de um efeito nas trocas entre Estados-membros e o elemento da culpa, bem como para identificar identidades que podem ser consideradas responsáveis pelo pagamento da indemnização devida pela Ré pelas práticas anticoncorrenciais em causa no presente processo. A Autora é incapaz de identificar com mais precisão os documentos em causa devido à assimetria informativa.
Motivo de
indisponibilidade à Autora
Documentos não públicos apenas na posse da Ré e de terceiros


634 Caso a SB alegue não dispor de documento8s) com esta informação relativa à Super Bock Group, SGPS, S.A., e à Viacer SGPS, Lda., a Autora desde já requer que sejam citadas estes terceiros para juntarem aos autos documento(s) donde resulte a sua respetiva estrutura acionista.
R2 (...) [até] R34 (...) [que o Tribunal aqui dá por integralmente reproduzidos]
R35. Documentos internos da Carlsberg ou de suas subsidiárias, ou estudos de mercado realizados para/adquiridos pela Carlsberg ou por suas subsidiárias, relativos, pelo menos em parte, ao período entre o ano 2000 e (pelo menos) a data de instauração da presente ação, que incluam ou permitam calcular a evolução dos PVPs médios das sidras Somersby no canal HORECA em Portugal e em Espanha


Artigos da PI502
Justificação da
relevância
Documento(s) que servirão para provar a causalidade e os danos e sua quantificação. A Autora é incapaz de identificar com mais precisão os documentos em causa devido à assimetria informativa.
Motivo de
indisponibilidade à Autora
Documentos não públicos apenas na posse da Carlsberg e, potencialmente, de terceiros


(...)”

7. A ré, na contestação cujo teor se dá aqui por reproduzido (cf. referência citius 376/145 junta ao presente recurso/referência citius 51037 de 25.5.2021 junta aos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso elecrónico), defendeu-se por via de excepção e de impugnação, pugnando pela improcedência da acção.

Na contestação a ré respondeu ao requerimento probatório da autora aqui em crise, pugnando pela sua improcedência, tendo alegado, nomeadamente o seguinte:
1.2.3 Documentos que a Ré não tem em seu poder em razão da sua antiguidade
2777º
Refira-se, além do mais, que os “documentos” indiscriminados cuja junção a Autora requer se reportam em geral a um período temporal de cerca de 20 anos, compreendido entre 2000 e dezembro de 2020 (data da entrada da presente ação),
2778º
Sendo que, nos termos do artigo 40.º, n.º 1, do Código Comercial, o comerciante é obrigado a arquivar e a conservar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos apenas pelo período de 10 anos.
2779º
Face à forma genérica e indiscriminada como a Autora apresenta os seus pedidos de junção de documentos, a Ré não tem obviamente como identificar os documentos em causa, nem como atestar, com absoluta segurança, se os potenciais documentos que podem estar em causa existem ou existiram,
2780º
Razão pela qual não pode deixar de equacionar a possibilidade de algum documento que porventura se possa considerar incluído nos pedidos genéricos da Autora tenha de facto existido, mas que tenha, entretanto, sido destruído por ter decorrido o referido prazo de 10 anos previsto no Código Comercial.
(...)
2788º
Em face de tudo quanto vem exposto, deverá ser indeferido o pedido de junção de documentos na posse da Ré efetuado nos autos pela Autora, nos termos e com os fundamentos constantes do quadro seguinte, elaborado, por uma questão de facilidade de exposição, por referência aos termos do requerimento de junção de documentos apresentados pela Autora:
(...).
A ré no quadro anexo ao artigo 2788.º da contestação (que aqui se dá por reproduzido) indicou especificadamente a sua argumentação por referência a cada um dos requerimentos de prova da autora, de R1 a R35, defendendo, no que releva para o presente recurso, que a junção de documentos em poder da ré, pedida pela autora, deve ser indeferida, respectivamente, com base em fundamentos que o Tribunal aqui sintetiza como se segue:
Tais documentos, consoante os casos aí especificados pela ré
§ ou podem ser obtidos directamente pela autora;
§ ou correspondem a categorias genéricas de documentos que implicam pesquisas indiscriminadas;
§ ou não são indicados os factos essenciais a cuja prova se destinam;
§ ou são irrelevantes para a decisão de mérito;
§ ou estão protegidos por regras de confidencialidade resultantes de segredo de negócio
§ ou estão sujeitos a regras que limitam o acesso a escrituração comercial;
§ ou são documentos confidenciais que constam do processo da AdC cuja junção aos presentes autos é inadmissível;
§ ou o pedido de acesso é indiscriminado e não respeita o princípio da proporcionalidade;
§ ou pertencem a terceiros e/ou envolvem o acesso a dados de terceiro e intromissão na correspondência;
§ ou consistem em pedidos de informação e não de junção de documentos.

8. A autora respondeu à contestação (cf. referência citius 53110 de 10.9.2021, junta aos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso elecrónico, cujo teor se dá por reproduzido).

9. No despacho saneador proferido em 25.5.2022, nos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso elecrónico, com a referência citius 358010, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o Tribunal a quo determinou a suspensão da instância na presente acção de indemnização, por determinação do juiz, ao abrigo do disposto no artigo 272.º n.º 1 do CPC, como se segue:

“(...) Em face do exposto, e pelas sobreditas razões, o Tribunal decide suspender a vertente ação, até ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo número 71/18.3YUSTR-M, ao abrigo do disposto no artigo 7.º, da Lei de Indemnização por Infração ao Direito da Concorrência e artigo 272.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil”.

10. Deste despacho foi interposto recurso para este Tribunal da Relação que foi julgado improcedente por acórdão de 20.2.2023, notificado às partes, mantendo-se no presente momento a suspensão da instância nos autos principais em que corre a acção de indemnização (cf. referência citius 19660972 de 20.2.2023, nos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso electrónico).

11. Por requerimento de 2.6.2022, junto aos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso electrónico, com a referência citius 62832, cujo teor se dá por reproduzido, a autora pediu ao Tribunal que:
(...) sejam notificadas a Ré e as suas acionistas Violas, SGPS, S.A., e Carlsberg Breweries A/S, da obrigação de conservação de todos os documentos e informações que se encontrem dentro do perímetro definido a pp. 352-365 da petição inicial, independentemente do decurso do prazo legal mínimo de arquivo de 10 anos ou de outro aplicável, sob cominação da inversão do ónus da prova, nos termos dos artigos 342.º(2) do Código Civil, 417.º(2) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 430.º do mesmo diploma e, no caso das acionistas da Ré, sob cominação de multa, sem prejuízo de outros meios coercitivos, nos termos das citadas disposições do Código de Processo Civil e do artigo 18.º da LPE (...).
12. Por requerimento de 17.6.2022, junto aos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso electrónico, com a referência citius 63110, cujo teor se dá por reproduzido, a ré pugnou pelo indeferimento total do requerimento da autora mencionado no parágrafo anterior.

13. Foi remetida notificação do despacho recorrido, mencionado no parágrafo 1, à ré e aos terceiros Carlsberg Breweries A/S, domiciliada na Dinamarca, Viacer SGPS Lda., domiciliada em Portugal, e Violas SGPS S.A., domiciliada em Portugal, mediante cartas registadas com aviso de recepção, remetidas em 13.7.2022, conforme referências citius 364629, 364628, 364627, 364626 que aqui se dão por reproduzidas, juntas aos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso electrónico.

14. Por decisão sancionatória da Autoridade da Concorrência (AdC) proferida em 24.7.2019, no processo de contraordenação PRC/2016/4, junta aos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso elecrónico, com a referência citius 47710/Doc.1, cujo teor se dá por reproduzido, a ré/recorrente foi condenada pela prática de uma contraordenação prevista e punida nos artigos 9.º n.º 1- a) e 68.º n.º 1 – a) e b) do Regime Jurídico da Concorrência (RJC), por violação do artigo 101.º n.º 1 – a) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), numa coima de 24 milhões de euros, relativamente a factos praticados no decurso de um período de onze anos, entre 15.5.2006 a 23.1.2017, em todo o território nacional.

15. Da decisão da AdC mencionada no parágrafo anterior foi interposto recurso para o Tribunal de primeira instância, que manteve a coima aplicada pela AdC e, dessa sentença da primeira instância foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde tal processo de contraordenação tem o número 71/18.3YUSTR-M.L1, no qual o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão a ordenar a suspensão da instância e o reenvio prejudicial  ao TJUE (cf. certidão do acórdão do Tribunal da Relação no processo 71/18.3YUSTR-M.L1, junta aos autos principais 20/20.9YQSTR.L1, aos quais este Tribunal tem acesso elecrónico, com a referência citius 60246, que aqui se dá por reproduzido).

Delimitação do âmbito do recurso

16. Têm relevância para a decisão do presente recurso as seguintes questões:

A. Admissibilidade do recurso

B. Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto

C. Erro de direito quanto ao meio processual aplicável à medida de preservação da prova


Factos que o Tribunal leva em conta para decidir o recurso

17. Os autos e termos processuais acima mencionados nos parágrafos 1 a 15.

Quadro legal relevante

18. Têm particular relevo para a apreciação do recurso as seguintes disposições legais:

Directiva 2014/104/EU (relativa a certas regras que regem as acções de indemnização no âmbito do direito nacional por infracção às disposições do direito da concorrência dos Estados Membros e da União Europeia)
Considerando (14)
As ações de indemnização por infração ao direito da concorrência da União ou nacional requerem normalmente uma análise factual e económica complexa. Os elementos de prova necessários para fundamentar um pedido de indemnização estão frequentemente na posse exclusiva da parte contrária ou de terceiros e o demandante não tem suficiente conhecimento de tais elementos ou acesso aos mesmos. Nessas circunstâncias, a existência de requisitos legais estritos que exijam aos demandantes a especificação pormenorizada de todos os elementos factuais relativos às suas alegações no início de uma ação e a produção precisa de elementos de prova específicos pode impedir indevidamente o exercício efetivo do direito a reparação garantido pelo TFUE.

Artigo 5.º
Divulgação de elementos de prova
1.  Os Estados-Membros asseguram que, nos processos relativos a ações de indemnização na União e a pedido do demandante que apresentou uma justificação fundamentada com factos e elementos de prova razoavelmente disponíveis, suficientes para corroborar a plausibilidade do seu pedido de indemnização, os tribunais nacionais possam ordenar ao demandado ou a um terceiro a divulgação dos elementos de prova relevantes que estejam sob o seu controlo, sob reserva das condições estabelecidas no presente capítulo. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais possam, a pedido do demandado, ordenar ao demandante ou a terceiros a divulgação de elementos de prova relevantes.
O presente número não prejudica os direitos e as obrigações dos tribunais nacionais nos termos do Regulamento (CE) n.º 1206/2001.
2. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais possam ordenar a divulgação de determinados elementos de prova ou de categorias relevantes de elementos de prova, caracterizados de forma tão precisa e estrita quanto possível com base em factos razoavelmente disponíveis indicados na justificação fundamentada.
3. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais limitem a divulgação dos elementos de prova ao que for proporcional. Ao determinar se a divulgação requerida por uma parte é proporcional, os tribunais nacionais ponderam os interesses legítimos de todas as partes e dos terceiros interessados. Têm, nomeadamente, em consideração:
a) A medida em que o pedido de indemnização ou a defesa são fundamentados em factos e elementos de prova disponíveis que justificam o pedido de divulgação dos elementos de prova;
b) O âmbito e os custos da divulgação, em especial para os terceiros interessados, inclusive para evitar pesquisas não específicas de informação de relevância improvável para as partes no processo;
c) Se os elementos de prova cuja divulgação é requerida contêm informações confidenciais, em especial no que respeita a terceiros e quais os procedimentos adotados para proteger tais informações confidenciais.
4. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais tenham competência para ordenar a divulgação dos elementos de prova que contêm informações confidenciais quando a considerarem relevante para a ação de indemnização. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais disponham de medidas eficazes para proteger tais informações quando ordenam a sua divulgação.
5.  O interesse das empresas em evitar ações de indemnização na sequência de uma infração ao direito da concorrência não constitui interesse que justifique proteção.
6. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais confiram pleno efeito ao sigilo profissional de advogado aplicável nos termos do direito da União ou do direito nacional, quando ordenam a divulgação de elementos de prova.
7. Os Estados-Membros asseguram que as pessoas de quem se requer a divulgação tenham oportunidade de ser ouvidas antes de o tribunal nacional ordenar a divulgação nos termos do presente artigo.
8. Sem prejuízo dos n.ºs 4 e 7, e do artigo 6.o, o presente artigo não impede que os Estados-Membros mantenham ou introduzam regras que conduzam a uma divulgação mais alargada dos elementos de prova.

Artigo 6.º
Divulgação de elementos de prova incluídos no processo de uma autoridade da concorrência
1.   Os Estados-Membros asseguram que, para efeitos de ações de indemnização, caso os tribunais nacionais ordenem a divulgação de elementos de prova incluídos no processo de uma autoridade da concorrência, seja aplicado o presente artigo, para além do artigo 5.º.
2.   O presente artigo não prejudica as regras nem as práticas ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1049/2001 em matéria de acesso do público aos documentos.
3.   O presente artigo não prejudica as regras nem as práticas ao abrigo do direito da União ou do direito nacional em matéria de proteção de documentos internos das autoridades da concorrência e da correspondência entre estas autoridades.
4.  Ao avaliar, de acordo com o artigo 5.º, n.º 3, a proporcionalidade de uma decisão de divulgação de informações, os tribunais nacionais ponderam também o seguinte:
a) Se o pedido foi formulado especificamente no que respeita à natureza, ao objeto ou ao conteúdo dos documentos apresentados à autoridade da concorrência ou incluídos no processo dessa autoridade, ou se é um pedido não específico relativo a documentos apresentados a uma autoridade da concorrência;
b) Se a parte que requer a divulgação o faz no âmbito de uma ação de indemnização perante um tribunal nacional; e
c) Relativamente aos n.ºs 5 e 10, ou a pedido da autoridade da concorrência nos termos do n.º 11, se é necessário salvaguardar a efetividade da aplicação do direito da concorrência pelas entidades públicas.

5. Os tribunais nacionais só podem ordenar a divulgação das seguintes categorias de elementos de prova depois de a autoridade da concorrência, mediante decisão ou outro meio, ter concluído o seu processo:
a) A informação preparada por uma pessoa singular ou coletiva especificamente para o processo de uma autoridade da concorrência;
b) A informação elaborada por uma autoridade da concorrência e enviada às partes no decurso do seu processo; e
c) As propostas de transação revogadas.
6.  Os Estados-Membros asseguram que, para efeitos de ações de indemnização, os tribunais nacionais não possam em nenhum momento ordenar a uma parte ou a um terceiro a divulgação das seguintes categorias de informação:
a) As declarações de clemência, e
b) As propostas de transação.
7. O demandante pode apresentar um pedido fundamentado de acesso do tribunal nacional aos elementos de prova referidos no n.º 6, alínea a) ou b), para o efeito exclusivo de assegurar que o conteúdo de tais elementos é conforme com as definições estabelecidas no artigo 2.o, pontos 16 e 18. Nessa avaliação, os tribunais nacionais só podem pedir assistência à autoridade da concorrência competente. Os autores dos elementos de prova em causa também podem ser ouvidos. O tribunal nacional não pode em nenhuma circunstância permitir o acesso de outras partes ou de terceiros a esses elementos de prova.
8.  Se o elemento de prova requerido apenas for parcialmente abrangido pelo âmbito do n.º 6, as restantes partes são divulgadas nos termos das disposições aplicáveis do presente artigo, conforme a categoria a que pertençam.
9.  A divulgação de elementos de prova incluídos no processo da autoridade da concorrência e não abrangidos por nenhuma das categorias mencionadas no presente artigo pode ser ordenada a qualquer momento em ações de indemnização, sem prejuízo do presente artigo.
10.  Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais só requeiram à autoridade da concorrência a divulgação de elementos de prova incluídos no seu processo, caso nenhuma parte ou nenhum terceiro os possa fornecer de modo razoável.
11. Na medida em que pretenda pronunciar-se sobre a proporcionalidade dos pedidos de divulgação, uma autoridade da concorrência pode, por sua própria iniciativa, apresentar observações escritas ao tribunal nacional junto do qual se pede que seja ordenada a divulgação.

Artigo 7.º
Limites à utilização de elementos de prova obtidos exclusivamente através do acesso ao processo de uma autoridade da concorrência
1. Os Estados-Membros asseguram que os elementos de prova das categorias referidas no artigo 6.º, n.º 6, obtidos por uma pessoa singular ou coletiva, exclusivamente através do acesso ao processo de uma autoridade da concorrência, sejam considerados inadmissíveis em ações de indemnização ou de outro modo protegidos ao abrigo das regras nacionais aplicáveis, a fim de assegurar o pleno efeito dos limites à divulgação dos elementos de prova estabelecidos no artigo 6.o.
2.  Os Estados-Membros asseguram que, até a autoridade da concorrência concluir o seu processo mediante decisão ou outro meio, os elementos de prova das categorias referidas no artigo 6.º, n.º 5, obtidos por uma pessoa singular ou coletiva, exclusivamente através do acesso ao processo de uma autoridade da concorrência, sejam considerados inadmissíveis em ações de indemnização ou de outro modo protegidos ao abrigo das regras nacionais aplicáveis, a fim de assegurar o pleno efeito dos limites à divulgação dos elementos de prova estabelecidos no artigo 6.º.
3. Os Estados-Membros asseguram que os elementos de prova obtidos por uma pessoa singular ou coletiva, exclusivamente através do acesso ao processo de uma autoridade da concorrência e não abrangidos pelos n.ºs 1 ou 2, só possam ser utilizados numa ação de indemnização por essa pessoa ou por uma pessoa singular ou coletiva que seja sucessora nos seus direitos, incluindo a pessoa que adquiriu o seu direito à indemnização.

Artigo 8.º
Sanções
1. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais possam impor de forma efetiva sanções às partes, a terceiros e aos seus representantes legais em qualquer dos seguintes casos:
a) Incumprimento de uma ordem de divulgação de um tribunal nacional ou recusa de a cumprir;
b) Destruição de elementos de prova relevantes;
c) Incumprimento das obrigações impostas por decisão do tribunal nacional destinadas a proteger informações confidenciais ou recusa de as cumprir;
d) Violação dos limites à utilização dos elementos de prova, previstos no presente capítulo.
2. Os Estados-Membros asseguram que as sanções que podem ser impostas pelos tribunais nacionais sejam efetivas, proporcionais e dissuasivas. As sanções ao dispor dos tribunais nacionais incluem, no que respeita ao comportamento de uma parte na ação de indemnização, a possibilidade de tirar conclusões desfavoráveis, tais como presumir que os factos controvertidos ficaram provados ou julgar, total ou parcialmente, improcedentes os pedidos e meios de defesa, bem como condenar no pagamento das custas.

Lei 23/2018 de 5 de Junho
Artigo 12.º
Apresentação de meios de prova no âmbito da ação de indemnização
1 - O tribunal pode, a pedido de qualquer parte na ação de indemnização, ordenar à outra parte ou a um terceiro, incluindo a entidades públicas, a apresentação de meios de prova que se encontrem em seu poder, com as limitações estabelecidas no presente capítulo.
2 - O pedido referido no número anterior é fundamentado com factos e meios de prova razoavelmente disponíveis e suficientes para corroborar a plausibilidade do pedido de indemnização ou da defesa e indica os factos que se quer provar.
3 - O pedido identifica de forma tão precisa e estrita quanto possível os meios de prova ou as categorias de meios de prova cuja apresentação é requerida, com base nos factos que o fundamentam.
4 - O tribunal ordena a apresentação dos meios de prova caso considere que a mesma é proporcional e relevante para a decisão da causa, sendo recusados os pedidos que pressuponham pesquisas indiscriminadas de informação.
5 - Ao determinar a proporcionalidade do pedido de apresentação de meios de prova, o tribunal pondera os interesses legítimos de todas as partes e dos terceiros interessados, tendo nomeadamente em conta:
a) A medida em que o pedido de indemnização ou a defesa são fundados em factos e meios de prova disponíveis que justificam o pedido de apresentação de documentos;
b) O âmbito e os custos da apresentação dos meios de prova, em especial para os terceiros interessados, tendo designadamente em conta a necessidade de evitar pesquisas indiscriminadas de informação de relevância improvável para as partes;
c) A existência de informações confidenciais nos meios de prova cuja apresentação é requerida, em especial no que respeita a terceiros, e a natureza dos procedimentos adotados para proteger tais informações.
6 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 4 e 5, o interesse em evitar ações de indemnização na sequência de uma infração ao direito da concorrência não constitui interesse que justifique proteção.
7 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal ordena a apresentação de meios de prova que contenham informações confidenciais quando as considerar relevantes para a ação de indemnização, mediante a adoção de medidas eficazes para as proteger, nomeadamente:
a) Ocultar excertos sensíveis de documentos;
b) Conduzir audiências à porta fechada;
c) Restringir o número de pessoas autorizadas a ter acesso aos meios de prova, nomeadamente, limitando o acesso aos representantes legais e defensores das partes ou a peritos sujeitos a obrigação de confidencialidade;
d) Solicitar a elaboração por peritos de resumos da informação de forma agregada ou de outra forma não confidencial.
8 - O tribunal não ordena a divulgação de informações abrangidas pelo sigilo profissional do advogado, nos termos do direito nacional ou do direito da União Europeia.
9 - O tribunal não ordena a apresentação de meios de prova sem que o possuidor tenha oportunidade de se pronunciar.

Artigo 14.º
cesso a meios de prova constantes de um processo de uma autoridade de concorrência
1 - Aos pedidos de apresentação de meios de prova constantes de um processo de uma autoridade de concorrência são aplicáveis, para além do artigo 12.º, as disposições seguintes.
2 - O tribunal apenas pode determinar a apresentação de meios de prova constantes de um processo de uma autoridade de concorrência caso nenhuma parte ou terceiro os possa fornecer de modo razoável.
3 - Ao avaliar a proporcionalidade do pedido de apresentação de meios de prova de acordo com o n.º 5 do artigo 12.º, o tribunal pondera também o seguinte:
a) Se o pedido foi formulado especificamente quanto à natureza, ao objeto e ao conteúdo dos meios de prova constantes de um processo de uma autoridade de concorrência ou se se trata de um pedido indiscriminado relativo a meios de prova constantes de tal processo;
b) Se a parte requer a divulgação no âmbito de uma ação de indemnização já intentada;
c) Nas situações previstas nos n.ºs 2 e 4 do presente artigo ou a pedido de uma autoridade de concorrência nos termos do n.º 1 do artigo 15.º, se é necessário salvaguardar a efetividade da aplicação pública do direito da concorrência, designadamente por estar em causa a proteção dos interesses da investigação, nos termos do artigo 32.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio.
4 - A apresentação dos seguintes meios de prova só pode ser ordenada pelo tribunal depois de uma autoridade de concorrência ter concluído o seu processo:
a) Documentos especificamente preparados por uma pessoa singular ou coletiva para um processo de uma autoridade de concorrência;
b) Documentos elaborados por uma autoridade de concorrência e enviados às partes no decurso de um processo;
c) Propostas de transação revogadas.
5 - O tribunal não pode ordenar a apresentação de meios de prova dos quais constem:
a) Declarações para efeitos de isenção ou redução de coima;
b) Propostas de transação.
6 - Se um elemento de prova for parcialmente abrangido pelo número anterior, é aplicável ao restante conteúdo as disposições relevantes do presente artigo, conforme a categoria a que pertençam.
7 - A parte que requereu a apresentação de meios de prova pode apresentar um pedido fundamentado de acesso pelo tribunal aos documentos a que se refere o n.º 5 exclusivamente para o efeito de assegurar que os mesmos correspondem às exceções aí contempladas.
8 - Na apreciação do pedido a que se refere o número anterior o tribunal pode solicitar a assistência da autoridade de concorrência e ouvir os autores dos documentos em causa, não podendo permitir o acesso de outras partes ou de terceiros a esses documentos.
9 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 a 3, a apresentação de documentos constantes de um processo de uma autoridade de concorrência não abrangidos pelas categorias mencionadas nos n.ºs 4 e 5 pode ser ordenada pelo tribunal a qualquer momento.
10 - O disposto no presente artigo não prejudica:
a) As normas de direito nacional relativas ao acesso aos processos da Autoridade da Concorrência;
b) As normas em matéria de acesso público aos documentos ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1049/2001, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão;
c) As normas de direito nacional ou de direito da União Europeia em matéria de proteção dos documentos internos das autoridades de concorrência e da correspondência entre as autoridades de concorrência.

Artigo 15.º
Observações escritas
1 - Qualquer autoridade de concorrência pode, por iniciativa própria, apresentar observações escritas ao tribunal sobre a proporcionalidade dos pedidos de apresentação de meios de prova incluídos nos seus processos.
2 - Para efeitos do número anterior, o tribunal competente junto do qual seja apresentado pedido de acesso a meios de prova nos termos previstos no artigo 14.º notifica a autoridade de concorrência em causa desse facto, mediante envio de cópia do respetivo requerimento, para que esta, querendo, apresente observações escritas.
3 - As observações referidas nos números anteriores podem ser apresentadas no prazo razoável que para o efeito for fixado pelo tribunal, o qual não será inferior a 10 dias. Artigo 16.º

Artigo 17.º
Medidas para preservação de meios de prova
1 - Sempre que haja indícios sérios de infração ao direito da concorrência suscetíveis de causar danos, pode o alegado lesado requerer ao tribunal medidas provisórias urgentes e eficazes que se destinem a preservar meios de prova da alegada infração, com as limitações estabelecidas no presente capítulo.
2 - Nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Civil, havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de perícia ou inspeção, pode o depoimento, a perícia ou a inspeção realizar-se antes de ser proposta a ação.
3 - A produção antecipada de prova prevista no número anterior obedece à forma estabelecida no artigo 420.º do Código de Processo Civil.

Artigo 18.º
Sanções em matéria de acesso a meios de prova
1 - São sancionadas com multa processual, a fixar pelo tribunal, as seguintes condutas:
a) O incumprimento ou a recusa em cumprir uma ordem de apresentação de meios de prova emitida nos termos do n.º 1 do artigo 12.º;
b) A destruição, ocultação ou qualquer outra forma de tornar impossível o acesso efetivo aos meios de prova cuja apresentação é ordenada ao abrigo do n.º 1 do artigo 12.º;
c) O incumprimento ou a recusa em cumprir as medidas decretadas pelo tribunal destinadas a proteger informação confidencial, nos termos do n.º 7 do artigo 12.º;
d) A violação dos limites à utilização dos meios de prova previstos no artigo 14.º
2 - O montante da multa a que se refere o número anterior é fixado pelo tribunal entre 50 e 5000 UC, em função da gravidade da conduta e da medida em que a mesma dificulte a prova do autor ou do réu no âmbito da ação de indemnização, podendo ser imposta às partes, a terceiros e aos seus representantes legais.
3 - No caso da alínea a) do n.º 1, o tribunal pode, adicionalmente, aplicar uma sanção pecuniária compulsória fixada entre 5 e 500 UC por cada dia de atraso e até cumprimento da ordem de apresentação de meios de prova.
4 - Sempre que as condutas referidas no n.º 1 forem imputáveis a uma parte, o tribunal aprecia livremente o seu valor para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
5 - As condutas referidas no n.º 1 determinam ainda a condenação no pagamento das custas relativas ao requerimento de apresentação de meios de prova, independentemente do resultado da ação de indemnização.
6 - A recusa ao dever de cooperar é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 7.
7 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.

Artigo 23.º
Direito aplicável
1 - Em tudo o que não for contrário à presente lei, são aplicáveis as normas substantivas e processuais constantes, respetivamente, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, do Código Civil e do Código de Processo Civil.
2 - A aplicação das regras substantivas e processuais relativas a ações de indemnização por danos resultantes de infrações ao direito da concorrência não podem tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à indemnização.
3 - A aplicação das regras substantivas e processuais relativas a ações de indemnização por infração ao disposto nos artigos 101.º e 102.º do TFUE não pode ser menos favorável para os alegados lesados do que as regras relativas a ações de indemnização análogas relativas a violações do direito nacional.

Artigo 24.º
Aplicação no tempo
1 - As disposições substantivas da presente lei, incluindo as relativas ao ónus da prova, não se aplicam retroativamente.
2 - As disposições processuais da presente lei, incluindo as alterações pela mesma introduzidas à Lei da Organização do Sistema Judiciário, não se aplicam a ações intentadas antes da sua entrada em vigor.

Artigo 25.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação.

Código de Processo Civil ou CPC
Artigo 154.º
Dever de fundamentar a decisão
1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

Artigo 193.º
Erro na forma do processo ou no meio processual
1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.

Artigo 195.º
Regras gerais sobre a nulidade dos atos
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.

Artigo 196.º
Nulidades de que o tribunal conhece oficiosamente
Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º
e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.

Artigo 272.º
Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes
1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4 - As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.

Artigo 275.º
Regime da suspensão
1 - Enquanto durar a suspensão só podem praticar-se validamente os atos urgentes destinados a evitar dano irreparável; a parte que esteja impedida de assistir a estes atos é representada pelo Ministério Público ou por advogado nomeado pelo juiz.
2 - Os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão; nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 269.º a suspensão inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente.
3 - A simples suspensão não obsta a que a instância se extinga por desistência, confissão ou transação, contanto que estas não contrariem a razão justificativa da suspensão.
4 - No caso previsto no n.º 4 do artigo 272.º, a suspensão não prejudica os atos de instrução e as demais diligências preparatórias da audiência final.

Artigo 644.º
Apelações autónomas
1 - Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.

Artigo 662º
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Regulamento 2020/1784 (citação e notificação transnacionais se actos judiciais ou extrajudiciais em matéria civil e comercial)

Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
1.   O presente regulamento é aplicável à citação ou notificação transnacionais de atos judiciais ou extrajudiciais, em matéria civil ou comercial. Não é aplicável, nomeadamente, a matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade de um Estado-Membro por atos e omissões no exercício do poder público («acta iure imperii»).
2.   Sem prejuízo do artigo 7.o, o presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.
3.   O presente regulamento não é aplicável à citação ou notificação de um ato, no Estado-Membro do foro, ao mandatário da pessoa a citar ou a notificar, independentemente do local de residência da pessoa em causa.

Artigo 7.º
Prestação de assistência para descobrir um endereço
1.   Quando o endereço da pessoa que deva ser citada ou notificada de um ato judicial ou extrajudicial noutro Estado-Membro seja desconhecido, esse Estado-Membro deve prestar assistência para determinar o endereço, pelo menos de um dos seguintes modos:
a) Prever autoridades designadas às quais as entidades de origem possam endereçar pedidos relativos à determinação do endereço da pessoa que deva ser citada ou notificada;
b) Permitir que pessoas de outros Estados-Membros apresentem um pedido, incluindo um pedido por via eletrónica, de informação quanto ao endereço das pessoas a citar ou a notificar, diretamente junto de registos com informação domiciliária ou de outras bases de dados acessíveis ao público, através de um formulário disponível no Portal Europeu da Justiça; ou
c) Prever informações pormenorizadas, através do Portal Europeu da Justiça, sobre o modo de encontrar os endereços de pessoas a citar ou notificar.
2.   Cada Estado-Membro comunica à Comissão as seguintes informações, a fim de as disponibilizar através do Portal Europeu da Justiça:
a) Meios de assistência que disponibilizará no seu território, nos termos do n.o 1;
b) Quando aplicável, os nomes e dados de contacto das autoridades a que se refere o n.o 1, alíneas a) e b);
c) Se as autoridades do Estado-Membro requerido apresentam, por sua própria iniciativa, pedidos para albergar registos ou outras bases de dados relativos a informação sobre os endereços, nos casos em que o endereço indicado no pedido de citação ou notificação não esteja correto.
Os Estados-Membros devem notificar a Comissão de qualquer alteração ulterior às informações referidas no primeiro parágrafo.

Artigo 8.º
Transmissão de atos
1.  Os atos judiciais são transmitidos, diretamente e no mais breve prazo possível, entre as entidades de origem e as entidades requeridas.
2. O ato a transmitir deve ser acompanhado de um pedido, utilizando o Formulário A do anexo I. O formulário deve ser preenchido na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local em que deva ser efetuada a citação ou notificação, ou ainda numa outra língua que o Estado-Membro requerido tenha indicado poder aceitar.
Cada Estado-Membro deve comunicar à Comissão qualquer língua oficial da União que, além da sua ou das suas, possa ser utilizada no preenchimento do formulário.
3.   Os atos transmitidos ao abrigo do presente regulamento ficam dispensados de requisitos de legalização ou de qualquer outra formalidade equivalente.
4.   Sempre que a entidade de origem pedir que lhe seja devolvida uma cópia do ato enviado em papel nos termos do artigo 5.º, n.º 4, acompanhada da certidão a que se refere o artigo 14.o, deve remeter duplicado do ato.

Artigo 9.º
Tradução de atos
1. A entidade de origem para a qual o requerente tenha reencaminhado o ato para transmissão avisa o requerente de que o destinatário pode recusar a receção do ato se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 12.º, n.º 1.
2. Cabe ao requerente suportar as despesas de tradução que possam ocorrer previamente à transmissão do ato, sem prejuízo de eventual decisão posterior do tribunal ou autoridade competente em matéria de imputação dessas despesas.

Artigo 12.º
Recusa de receção de um ato
1. O destinatário pode recusar a receção do ato a citar ou notificar, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução:
a) Numa língua que o destinatário compreenda; ou
b) Na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.
2.   A entidade requerida informa o destinatário do direito previsto no n.º 1, se o ato não estiver redigido, ou não for acompanhado de uma tradução, numa das línguas a que se refere a alínea b) desse número, juntando ao ato a ser citado ou notificado o Formulário L do anexo I, que deve ser fornecido:
a) Na língua oficial ou uma das línguas oficiais do Estado-Membro de origem; e
b) Na língua a que se refere o n.º 1, alínea b).
Se houver uma indicação de que o destinatário compreende uma língua oficial de outro Estado-Membro, o Formulário L do anexo I deve igualmente ser fornecido nessa língua.
Se um Estado-Membro traduzir o Formulário L do anexo I para uma língua de um país terceiro, comunica essa tradução à Comissão, a fim de a disponibilizar ao público no Portal Europeu da Justiça.
3. O destinatário pode recusar a receção do ato, quer no momento da citação ou notificação, quer no prazo de duas semanas a contar do momento da citação ou notificação, fazendo uma declaração escrita de recusa de receção. Para o efeito, o destinatário pode devolver à entidade requerida o Formulário L do anexo I ou uma declaração escrita que indique que o destinatário recusa a receção do ato devido à língua em que foi citado ou notificado.
4. Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a receção do ato ao abrigo do disposto nos n.ºs 1, 2 e 3, comunica imediatamente o facto à entidade de origem, por meio da certidão de citação/notificação ou de não citação/não notificação, utilizando o Formulário K do anexo I, e devolve-lhe o pedido, bem como cada um dos atos para os quais foi solicitada uma tradução, se estiverem disponíveis.
5. A citação ou notificação do ato recusado pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do ato acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no n.º 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do ato é a data em que o ato acompanhado da tradução foi citado ou notificado de acordo com o direito do Estado-Membro requerido. Todavia, caso, de acordo com o direito de um Estado-Membro, um ato tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente é a data da citação ou notificação do ato inicial, determinada nos termos do artigo 13.o, n.º 2.
6. Os n.ºs 1 a 5 aplicam-se igualmente aos outros meios de transmissão e de citação ou notificação de atos judiciais previstos na secção 2.
7. Para efeitos dos n.ºs 1 e 2, os agentes diplomáticos ou os funcionários consulares, nos casos em que a citação ou notificação é efetuada nos termos do artigo 17.º, e a autoridade ou pessoa, nos casos em que a citação ou notificação é efetuada nos termos dos artigos 18.º, 19.º ou 20.º, informam o destinatário de que pode recusar a receção do ato e de que o Formulário L do anexo I ou uma declaração escrita de recusa deve ser enviada àqueles agentes ou funcionários ou àquela autoridade ou pessoa, conforme o caso.

Artigo 18.º
Citação ou notificação pelos serviços postais
A citação ou notificação de atos judiciais pode ser efetuada diretamente pelos serviços postais a pessoas que estejam noutro Estado-Membro, por meio de carta registada com aviso de receção ou equivalente.

Convenção da Haia sobre a obtenção de provas no estrangeiro em matéria civil e comercial ou HCCH 70

Artigo 3.º
A carta rogatória especificará:
a) A autoridade requerente e, se possível, a autoridade requerida;
b) A identidade e o endereço das partes e, se for caso disso, dos seus representantes;
c) A natureza e o objecto da instância e uma exposição sumária dos factos;
d) Os actos de instrução ou outros actos judiciários a ser cumpridos;
além disso, a carta rogatória conterá, se for caso disso:
e) O nome e o endereço das pessoas a ouvir;
f) As perguntas a fazer às pessoas a ouvir ou os factos sobre os quais elas devem ser ouvidas;
g) Os documentos ou outros objectos a examinar;
h) O pedido de receber o depoimento sob juramento ou afirmação e a indicação de qualquer fórmula especial a ser utilizada;
i) Quaisquer formalidades especiais cuja aplicação seja pedida, de harmonia com o Artigo 9.º
A carta rogatória fornecerá também as informações necessárias à aplicação do Artigo 11.º
Não poderá ser exigida a legalização da carta rogatória ou qualquer outra formalidade análoga.

Artigo 4.º
A carta rogatória deverá ser redigida na língua da autoridade requerida ou acompanhada de uma tradução para essa língua.
Contudo, os Estados contratantes deverão aceitar as cartas rogatórias redigidas em francês ou inglês, ou acompanhadas de uma tradução para uma dessas línguas, a não ser que tenham feito a reserva permitida pelo Artigo 33.º
Os Estados contratantes que tenham mais do que uma língua oficial e não possam, por razões de direito interno, aceitar cartas rogatórias numa dessas línguas para a totalidade do seu território especificarão, por meio de uma declaração, a língua na qual as cartas ou as suas traduções deverão ser redigidas para execução em determinadas partes do seu território. Em caso de inobservância, sem motivos justificáveis, da obrigação decorrente daquela declaração, as custas da tradução para a língua exigida ficarão a cargo do Estado requerente.
Os Estados contratantes poderão, por meio de declaração, especificar outra língua ou outras línguas, diferentes das previstas nas alíneas precedentes, nas quais as cartas rogatórias possam ser dirigidas à sua autoridade central.
As traduções anexas às cartas rogatórias serão certificadas como conformes, quer por agente diplomático ou consular, quer por tradutor ajuramentado ou por pessoa para o efeito autorizada num dos dois Estados.

Artigo 10.º
No cumprimento de uma carta rogatória, a autoridade requerida lançará mão dos meios de coacção apropriados e previstos para cada caso pela sua lei interna, na mesma medida em que são utilizados para a execução de ordens provenientes de autoridades do Estado requerido ou de pedidos formulados por uma parte interessada em processo interno.

Apreciação do recurso

A. Admissibilidade do recurso de apelação autónoma

19. A discórdia das partes sobre a admissibilidade do presente recurso de apelação autónoma tem por base o facto de o despacho recorrido não ter ordenado a junção de documentos em poder da parte contrária e de terceiros, mas se limitar a ordenar a notificação para que os respectivos detentores os conservem, para o caso de vir a ser ordenada judicialmente a sua apresentação em juízo. Neste contexto, a recorrente defende que o recurso é admissível e a recorrida defende que não é.

20. O Tribunal a quo baseou-se, além do mais, nos artigos 429.º e 432.º do CPC, que estabelecem um regime específico quanto ao uso, prazo da junção e ao momento da apresentação desses documentos.

21. Ora, neste contexto, o que resulta do despacho recorrido é que o Tribunal a quo cindiu a sua decisão em dois momentos: admitiu desde já a necessidade de conservação dos documentos, que ordenou; relegou para uma fase processual posterior a decisão sobre a sua junção.

22. Independentemente de saber se se aplicam ou não os artigos 429.º e 432.º do CPC, indicados na fundamentação do despacho impugnado, foi à luz de tais preceitos legais, que regulam a admissão ou rejeição de meios de prova, que foi proferido tal despacho.

23. Acresce que, ainda que a medida esteja coberta pelo disposto no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 (o que será apreciado na questão seguinte), importa levar em conta que tal preceito se insere no capítulo II da referida lei, intitulado “Acesso a meios de prova”.

24. Ora, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a razão de ser das normas acima indicadas nos parágrafos 20, 22 e 23 (cf. artigo 9.º do Código Civil ou CC) que é assegurar o acesso a meios de prova, afigura-se que o despacho recorrido se enquadra na previsão do artigo 644.º n.º 2 – d) do CPC que prevê o recurso de apelação autónoma dos despachos que admitem ou rejeitam meios de prova, neles devendo incluir-se todos os  despachos que ordenam medidas relativas ao acesso a meios de prova, designadamente as medidas de preservação da prova aqui em causa.

25. Em consequência, este Tribunal julga que o despacho recorrido é passível de apelação autónoma ao abrigo do disposto no artigo 644º n.º 2 – d) do CPC, ficando prejudicada, por inútil, a apreciação da questão igualmente controversa entre as partes, de saber se a apelação é ou não admissível à luz do disposto no artigo 644.º n.º 2 – h) do CPC.

B. Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto

26. A recorrente alega que o despacho recorrido carece de fundamentação de facto, nomeadamente por falta de prova do requisito previsto no artigo 275.º n.º 1 do CPC nos termos do qual, durante a suspensão da instância só podem praticar-se os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável. Segundo defende, não foi feita prova sobre o dano irreparável. Adicionalmente, alega a ausência de prova dos requisitos previstos no artigo 419.º do CPC.

27. O dever de fundamentação dos despachos interlocutórios, como é o despacho recorrido, rege-se pelo disposto no artigo 154.º do CPC, nos termos do qual as decisões judiciais são sempre fundamentadas e, em regra, a fundamentação não deve consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no pedido ou na oposição excepto se se verificarem três condições: o despacho for interlocutório; não tiver havido oposição ao pedido; e a questão revestir manifesta simplicidade. No caso em análise houve oposição ao pedido pelo que, a fundamentação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos indicados por uma das partes.

28. A violação do disposto no artigo 154.º do CPC está sujeita às regras gerais sobre a nulidade dos actos, constantes do artigo 195.º do CPC.

29. No que toca à motivação de facto, cuja omissão é aqui controvertida, o despacho recorrido indica o seguinte:
(...) Assim sendo, a resposta ao douto requerimento da Autora há de repousar na adequação do requerido aos pressupostos presentes no artigo 419.º e 420.º, ambos do Código de Processo Civil, sendo que o quadro fáctico em presença é imediatamente intuído, porque incontrovertido: a conservação de variada documentação, concretizada a pontos R1 a R35, que pode ser, em abstrato, destruída em função da obrigatoriedade de conservar os documentos, nomeadamente em função do disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Comercial. (...)”
30. Da fundamentação acima transcrita no parágrafo 29 resulta que, embora referindo-se ao “quadro fáctico”, “intuído” e “incontrovertido”, o Tribunal a quo indica o quadro jurídico aplicável, mas não indica que factos servem para fundamentar a sua decisão nem quais os elementos de prova juntos aos autos e/ou quais os actos e termos processuais e respectivas referências citius, em que baseia a convicção sobre a sua existência.

31. Com efeito, a circunstância de o Tribunal poder levar em conta factos de que conhece oficiosamente, designadamente quando consistem em actos e termos processuais já juntos aos próprios autos, de que tem conhecimento no exercício das suas funções, desde que notificados às partes (cf. artigos 5.º n.º 2 – c) e 412.º n.º 2 do CPC), não dispensa o Tribunal de indicar tais fundamentos concretos e as referências que têm nos autos, quando os mesmos constituem a base de facto de uma decisão interlocutória.

32. Convém relembrar que o dever de fundamentação das decisões judiciais, que não sejam de mero expediente, está consagrado no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Ora o despacho recorrido, ao ordenar medidas de preservação da prova não é um despacho de mero expediente, uma vez que o acesso à prova e a sua preservação, interfere no conflito de interesses entre as partes, ao passo que os despachos de mero expediente se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes (cf. artigo 152.º n.º 4 do CPC).

33. Pelo que, tal despacho está sujeito ao dever de fundamentação previsto nos artigos 205.º n.º 1 da CRP e 154.º do CPC. O dever de fundamentação tem por objectivos impedir a arbitrariedade, garantir a qualidade das decisões judiciais e permitir aos destinatários compreender a decisão, impugnar os seus fundamentos e, sendo o caso, preparar a sua defesa. Acresce que, o dever de fundamentar as decisões é uma garantia processual implicita ao direito a um processo equitativo previsto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

34. À luz destes princípios, a recorrente tem razão quando alega que o despacho recorrido não contém motivação de facto. Com efeito, da leitura integral do despacho em crise (que este Tribunal deu por reproduzido no parágrafo 1), resulta que o mesmo se limita a indicar as normas jurídicas aplicáveis, a interpretação dessas normas e a decisão. Porém, falta a fundamentação de facto, nomeadamente, a indicação dos factos que permitiram ao Tribunal a quo concluir que se verificam os pressupostos da aplicação do regime jurídico previsto nos artigos 419.º, 420.º e 275.º do CPC, pelo qual optou, a saber: os factos que, segundo o Tribunal, motivam o justo receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a produção da prova documental (cf. artigo 419.º do CPC) e os factos dos quais resulta que a medida se destina a evitar dano irreparável (cf. artigo 275.º do CPC).

35. A falta de fundamentação do despacho interlocutório acima apontada constitui uma nulidade secundária sujeita à disciplina prevista no artigo 195.º do CPC. Com efeito, o Tribunal a quo, ao não indicar a fundamentação de facto omitiu um acto que a lei prescreve no artigo 154.º do CPC. Esta omissão, não constitui nulidade principal, mas é uma irregularidade que, se influir no exame ou na decisão da causa, gera uma nulidade, como resulta dos artigos 195.º n.º 1, 199.º n.º 2 e 200.º n.º 3 do CPC.

36. Tendo os actos processuais, por finalidade principal assegurar a justa decisão da causa e, em particular, no caso da fundamentação de facto omitida, visando a mesma alcançar os objectivos enunciados no parágrafo 33, a sua falta tem influência no exame e decisão da causa.

37. Verificam-se assim os dois pressupostos da nulidade mencionados no artigo 195.º n.º 1 do CPC: a omissão do acto imposto pelo artigo 154.º do CPC; e a influência no exame e decisão da causa. Pelo que, o despacho recorrido é nulo por falta de indicação da fundamentação de facto.

38. Tendo em conta o regime previsto no artigo 662.º do CPC, este Tribunal depara-se com duas opções: a substituição ao Tribunal recorrido, se a reapreciação dos meios de prova disponíveis nos autos permitir ao Tribunal da Relação sanar a deficiência (cf. artigo 662.º n.º 1 e n.º 2 – a) e b) do CPC); ou, caso contrário, a cassação, mediante anulação do despacho recorrido e reenvio ao Tribunal a quo para que supra a falta de indicação da fundamentação de facto (cf. artigo 662.º n.º 2 – c) e d) do CPC) – cf. António Santos Abrantes Geraldes, 6.ª Edição, Almedina, página 357.

39. Neste contexto, com base nos factos levados em conta para decidir o presente recurso, indicados supra nos parágrafos 1 a 15, este Tribunal apenas poderia optar pela substituição se os elementos de facto disponíveis nos autos fossem suficientes. Porém, pelos motivos a seguir indicados na análise da questão C, tendo havido erro quanto ao meio processual aplicado, não só é necessário ampliar a base de facto acima enunciada nos parágrafos 1 a 15, à luz do regime jurídico aplicável constante da Lei 23/2018, como também há que garantir o contraditório prévio de terceiros e recolher informação sobre os elementos em falta a seguir mencionados.

40. Pelo que, é preferível anular a decisão recorrida e reenviar o processo ao Tribunal de primeira instância (cf. artigo 662.º n.º 2 – c) do CPC).

C. Erro de direito quanto ao meio processual aplicável à medida de preservação da prova

41. A questão que o Tribunal passa agora a apreciar prende-se com o erro de direito na interpretação e aplicação do regime legal previsto nos artigos 419.º (produção antecipada de prova), 429.º (documentos em poder da parte contrária) 417.º n.º 2 e 430.º (sanções aplicáveis à falta de colaboração), todos do CPC e na aplicação destes preceitos pelo Tribunal a quo, em alternativa ao disposto no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018.

42. A este propósito, a recorrente alega que, tendo o Tribunal de primeira instância afastado a aplicação do artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 e fundado a sua decisão no artigo 419.º do CPC e sendo este último preceito uma norma excepcional, o mesmo não comporta a aplicação analógica que foi feita pelo Tribunal a quo. Ainda que se aplicasse o artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, os respectivos pressupostos também não se encontram preenchidos. Enfim, estando a instância suspensa por determinação do juiz (artigo 272.º n.º 1 do CPC) o despacho que ordenou a preservação da prova não podia ser proferido por não estarem preenchidos os pressupostos do artigo 275.º do CPC. Por seu lado, a recorrida defende que o Tribunal a quo interpretou e aplicou correctamente os preceitos legais aqui em crise não tendo afastado a aplicação do disposto no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018.

43. Sobre essa questão, o despacho recorrido refere o seguinte: “Não obstante se apresente como passível de aplicação o disposto no artigo 18.º, da Lei de Indemnização por Infração ao Direito da Concorrência, importa perscrutar do enquadramento da questão sem o incurso em tal disputado bloco normativo.” Daqui resulta que, embora reconhecendo que é aplicável o regime previsto na Lei 23/2018 o Tribunal a quo decidiu aplicar o regime previsto no CPC em vez de aplicar, como devia, o regime especial previsto na referida lei. No entanto, importa desde já sublinhar que o regime legal e, portanto, o meio processual, aplicável à medida de preservação dos meios de prova ordenada no despacho recorrido é o previsto nos artigos 17.º n.º 1 e 18.º da Lei 23/2018 e não o previsto nos artigos 419.º, 429.º, 417.º e 430.º do CPC pelo qual optou o Tribunal a quo, não estando este Tribunal sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito que será feita na análise que se segue (cf. artigo 5.º n.º 3 do CPC).

44. Dito isto, antes de mais, este Tribunal começa por analisar o contexto em que se insere o artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018. A esse propósito, importa recordar que a apresentação de meios de prova em poder da contraparte ou de terceiros, no âmbito de uma acção de indemnização por infracção ao direito da concorrência, como é a presente acção, está prevista no artigo 12.º da Lei 23/2018 que transpõe o artigo 5.º da Directiva 2014/104/EU. Importa também levar em conta que, na contestação, ao responder ao requerimento probatório da autora/recorrida, a ré/recorrente alegou que alguns desses elementos de prova se encontram juntos ao processo de contraordenação instaurado pela AdC com o n.º PRC/2016/4, atualmente pendente no Tribunal da Relação com o n.º 71/18.3YUSTR-M.L1 (cf. factos constantes dos parágrafos 7, 14 e 15). Pelo que, nesse caso – que cabe ao Tribunal a quo averiguar – a apresentação de meios de prova incluídos no processo de contraordenação instaurado pela AdC rege-se também pelo disposto no artigo 14.º da Lei 23/2018 que transpõe o artigo 6.º da Directiva 2014/104/EU.

45. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nos acórdãos C-57/21 (parágrafos 44 a 47) e C-163/21 (parágrafos 30 a 35 e 47, 57, 64 e 68), os artigos 5.º e 6.º da Directiva 2014/104/EU não são disposições de natureza substantiva, mas são antes disposições processuais.

46. Daqui resulta que os artigos 12.º e 14.º da Lei 23/2018, que transpõem, respectivamente, as disposições constantes dos artigos 5.º e 6.º da Directiva 2014/104/EU, são disposições de natureza processual e, por isso, aplicam-se à presente acção de indemnização ratione temporis, uma vez que esta acção foi intentada em 2020, ou seja, após a entrada em vigor da Lei 23/2018 – cf. artigo 24.º n.º 2 da Lei 23/2018 e facto descrito no parágrafo 6.

47. Importa agora considerar que a medida de preservação da prova aqui em crise, prevista no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, não se encontra expressamente prevista em nenhuma das disposições da Directiva 2014/104/EU, designadamente nos seus artigos 5.º ou 6.º. Afigura-se assim que é uma medida nacional, que pode ser adoptada à luz do disposto no artigo 5.º n.º 8 da Directiva 2014/104/EU que confere aos Estados Membros a possibilidade de manter ou introduzir regras que alarguem o acesso à prova desde que tais regras observem determinados limites, a saber, não prejudiquem o disposto nos números 4 e 7 do artigo 5.º e no artigo 6.º da referida directiva. Ou seja, os Estados Membros podem adoptar outras disposições, além das previstas na Directiva 2014/104/EU, que garantam um acesso mais alargado aos meios de prova, desde que tais disposições (i) não impeçam os Tribunais de adoptar medidas para proteger a informação confidencial, (ii) respeitem o exercício do contraditório e (iii) não comprometam a eficácia do processo de contraordenação (public enforcement) em curso, (iv) nem abranjam a divulgação de declarações de clemência e propostas de transacção.

48. Assim, embora a medida prevista no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 não esteja expressamente prevista enquanto tal na Directiva 2014/104/EU, o certo é que a mesma visa assegurar que o Tribunal possa ordenar medidas provisórias, urgentes e eficazes para a preservação de quaisquer meios de prova, neles incluídos os previstos nos artigos 5.º e 6.º da referida directiva. Neste contexto, afigura-se que o artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 consagra uma medida provisória de natureza cautelar, aplicável aos processos de indemnização por infracção ao direito da concorrência, destinada a preservar qualquer meio de prova, sem enunciar as medidas concretas a aplicar, o que deixa ao juiz uma larga margem de apreciação para determinar que medidas julga mais eficazes para atingir os objectivos pretendidos pela norma.

49. Com base no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 o juiz pode, desde logo, ordenar a produção antecipada de qualquer meio de prova, incluindo prova documental ou optar por outras medidas que julgue eficazes sem necessidade de recorrer à interpretação extensiva do disposto no artigo 419.º do CPC, como será a seguir explicado. No caso em análise, o Tribunal a quo optou por decretar medidas de conservação da prova documental pelos  alegados detentores (a ré e terceiros) para que essa prova possa ser (ulteriormente) junta aos autos. Segundo este Tribunal julga perceber, nenhuma das partes defende, no presente recurso, a substituição de tal medida por medida diversa, designadamente pela apresentação imediata dos elementos de prova ou por outra medida. Pelo que, tendo em conta, por um lado, a margem de apreciação conferida ao Tribunal a quo pelo artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018,  na escolha da medida que julgue mais eficaz e, por outro lado, o objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões e pelas questões de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente a seguir enunciadas, afigura-se que este Tribunal não pode pronunciar-se sobre a escolha da medida provisória feita pelo Tribunal a quo, uma vez que não é essa escolha que é objecto do recurso nem tal questão é do conhecimento oficioso.

50. Feita esta clarificação, importa ainda sublinhar que, diversamente do que sucede com o artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, o artigo 17.º nºs 2 e 3 da Lei 23/2018, que remete, respectivamente, para as normas nacionais pré existentes, constantes dos artigos 419.º e 420.º do CPC, tem um âmbito mais estreito, quer quanto aos meios de prova abrangidos, que se limitam a depoimento, perícia ou inspecção, quer quanto às medidas a adoptar pelo Tribunal, que só podem consistir na produção antecipada desses meios de prova e não noutras medidas provisórias, urgentes e eficazes determinadas pelo Tribunal.

51. A luz da análise que acaba de ser feita sobre o contexto em que foi adoptado o artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, tem razão a recorrente quando defende que o artigo 419.º do CPC é uma norma excepcional que não comporta aplicação analógica (cf. artigo 11.º do CC). Quando muito poderia comportar interpretação extensiva se fosse de concluir que o legislador disse menos do que queria, mas não é o caso, como a seguir será explicado. Com efeito, a prova em crise no presente recurso é documental e/ou refere-se à agregação de informações e dados, pelo que, não se enquadra na hipótese prevista no artigo 17.º n.ºs 2 e 3 da Lei 23/2018, que remete para os artigos 419.º e 420.º do CPC, nem é necessário, nem adequado, fazer uma interpretação extensiva destes preceitos uma vez que o legislador consagrou expressamente uma regulamentação especial para as medidas de preservação de quaisquer meios de prova, incluindo os que aqui estão em crise, no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018.

52. Em consequência, afigura-se que é ao abrigo do disposto no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, que importa apreciar o requerimento probatório da autora/recorrida tendo em conta, adicionalmente, que esse preceito legal tem por finalidade assegurar os princípios da efectividade e da equivalência, previstos no artigo 4.º da Directiva 2014/104/EU. Em particular, destina-se a fazer face à dificuldade que resulta, para os lesados, da complexidade da análise da prova e da assimetria da informação. Com efeito, as acções de indemnização por infracção ao direito da concorrência requerem normalmente uma análise factual e económica complexa, estando os elementos de prova necessários frequentemente na posse exclusiva da parte contrária ou de terceiros de modo que, o demandante não tem conhecimento suficiente de tais elementos ou não tem acesso aos mesmos – cf. considerando (14) da Directiva 2014/104/EU.

53. O legislador português optou, assim, não só por prever expressamente a aplicação do regime da produção antecipada de prova, pré-existente na legislação processual nacional, quando estejam em causa depoimento, perícia ou inspecção, mediante observância da forma estabelecida no artigo 420.º do CPC (cf. artigo 17.º n.º 3 da Lei 23/2018), como também, por prever a possibilidade de o Tribunal ordenar medidas provisórias, urgentes e eficazes para preservar quaisquer meios de prova da alegada infracção, incluído meios de prova documental pré existentes ou informações, conhecimentos ou dados que devam ser agregados ex novo pela parte ou pelos terceiros que os tenham em seu poder (cf. C-163/21, parágrafo 69), mediante a observância de requisitos expressamente previstos na Lei 23/2018 que não são puramente nacionais, como será explicado a seguir.

54. No que releva para a apreciação do presente recurso, a interpretação do artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 suscita, pelo menos, dois problemas que o Tribunal tem aqui de resolver: o primeiro é saber se constitui ou não uma norma processual para decidir se se aplica à presente acção por força do artigo 24.º n.º 2 da Lei 23/2018; e o segundo, é saber se se verificam as condições da sua aplicação.

55. Para resolver o primeiro problema, da aplicação no tempo do artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, este Tribunal leva em conta que a natureza substantiva ou processual das normas da Directiva 2014/104/EU deve ser apreciada exclusivamente à luz dos critérios do direito da União e, a esse propósito, o TJUE, nos acórdãos C-163/21 (parágrafos 33 e 34) e C-57/21 (parágrafo 40 e 43), veio clarificar, como se segue, quais são esses critérios:

§ Uma disposição da referida directiva tem carácter processual, quando tem por objecto apenas medidas processuais adoptadas nos Tribunais nacionais, que conferem a estes últimos poderes especiais para apurar os factos invocados pelas partes nos litígios objecto de acções de indemnização por infracções ao direito da concorrência, não afectando directamente a situação jurídica das partes, uma vez que não incidem sobre elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual;
§ Uma disposição da referida directiva é substantiva, quando incide sobre os elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual, em especial, quando estabelece novas obrigações materiais que recaiam sobre qualquer das partes.

56. De acordo com esta jurisprudência, afigura-se que o artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 tem por objecto uma medida processual na medida em que confere ao Tribunal poderes para apurar factos e/ou preservar meios de prova de tais factos, mas não afecta directamente a situação jurídica das partes.

57. Porém, uma vez que o artigo 17.º n.º 1 não transpõe uma disposição da Directiva 2014/104/EU e pode, nessa medida, ser considerado uma norma nacional que consagra um regime mais generoso do que o previsto na referida directiva, este Tribunal leva em conta os critérios do direito nacional, à luz dos quais tal norma deve também ser considerada uma disposição processual. Isto porque regula providências conservatórias ou antecipatórias da instrução do processo que, nos termos dos artigos 362.º e 410º a 422.º do CPC, têm, no plano interno, natureza processual.

58. Pelo que, tendo a presente acção sido intentada em 2020 e sendo o artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 uma disposição de natureza processual, o mesmo aplica-se à presente acção ratione temporis – cf. artigo 24.º n.º 2 da Lei 23/2018. Pelos mesmos motivos, aplicam-se também à presente acção, ratione temporis, as restantes disposições do capítulo II da Lei 23/2018 indicadas infra no parágrafo 72, como aí será explicado.

59. Para resolver o segundo problema acima enunciado, dos requisitos da aplicação do artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, é forçoso constatar que a aplicação das medidas provisórias previstas nessa disposição legal depende da verificação dos requisitos nela enunciados, que não são puramente de direito nacional pois correspondem a requisitos consagrados nos artigos 5.º a 7.º da Directiva 2014/104/UE, a saber:

§ A existência de indícios sérios de infracção ao direito da concorrência;
§ Que tal infracção seja susceptível de causar danos;
§ Que sejam observadas as limitações estabelecidas no capítulo II da lei 23/2018.

60. Do que acaba de ser dito resulta a necessidade adicional de interpretar quais são as limitações estabelecidas no capítulo II da lei 23/2018 a que se refere o artigo 17.º n.º 1 dessa lei. Para isso, o Tribunal leva em conta a letra da lei, os seus objectivos e o contexto em que se insere (cf. artigo 9.º do CC).  Assim, resulta da letra do artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 que tal preceito remete para as limitações estabelecidas no capítulo II da referida lei e não apenas para os limites à utilização de provas obtidas exclusivamente através do acesso a um processo de uma autoridade da concorrência, previstas no artigo 16.º da mesma lei (que transpõe o artigo 7.º da Directiva 2014/104/EU). De onde resulta que o artigo 17.º n.º 1 não remete apenas para o artigo 16.º da Lei 23/2018 mas para todo o seu capítulo II. Adicionalmente, importa ter em consideração o contexto em que a norma foi adoptada, acima explicado, designadamente os limites impostos aos Estados Membros quando prevejam medidas mais generosas, pelo artigo 5.º n.º 8 da Directiva 2014/104/EU, limites esses que são diversos dos consagrados no artigo 16.º da Lei 23/2018 e foram transpostos para o artigo 12.º n.ºs 7 a 9 da referida lei. Enfim, na interpretação da norma o Tribunal leva em conta os seus objectivos, já acima enunciados nos parágrafos 48 e 52. Tendo em conta estes elementos interpretativos, afigura-se que as medidas provisórias previstas no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, para serem ordenadas, devem observar os seguintes limites previstos no capítulo II da referida lei:

§ Os limites resultantes do teste de proporcionalidade consagrado no artigo 12.º e, no caso de a prova se encontrar junta ao processo instaurado pela AdC, nos artigos 12.º e 14.º da Lei 23/2018, que transpõem, respectivamente, os artigos 5.º e 6.º da Directiva 2014/104/EU;
§ Os limites resultantes do artigo 12.º n.ºs 7 a 9 da lei 23/2018 que transpõe o artigo 5.º n.º 8 da Directiva 2014/104/EU;
§ Os limites resultantes do artigo 14.º n.ºs 2, 6, 9 e 10 e dos artigos 15.º e 16.º, da Lei 23/2018 que transpõem, respectivamente, o disposto nos artigos 6.º n.ºs 8 a 11, 7.º e 8.º, da Directiva 2014/104/EU.

61. Neste contexto, a questão que foi colocada ao Tribunal a quo, não é fácil, pois exige que o Tribunal observe o esquema de divulgação dos meios de prova consagrado pela Directiva 2014/104/EU, transposto para o direito nacional, coordenando-o, adicionalmente, com normas existentes no plano interno. De acordo com a interpretação acima enunciada, este Tribunal julga que as medidas provisórias previstas no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, quando os meios de prova se encontrem na posse da contraparte ou de terceiros, devem ser sujeitas ao teste de proporcionalidade previsto no artigo 12.º da Lei 23/2018 interpretado em conformidade com o artigo 5.º da Directiva 2014/104/UE. O teste de proporcionalidade previsto nos artigos 12.º e 14.º da Lei 23/2018 aplica-se aos elementos de prova juntos ao processo instaurado pela AdC. Acresce que, o teste de proporcionalidade aplica-se, quer os elementos de prova sejam confidenciais, quer não sejam, como resulta do artigo 5.º n.º 3 – c) da Directiva 2014/104/EU.

62. Em consequência, no quadro previsto pela Lei 23/2018, interpretada em conformidade com a Directiva 2014/104/UE, o Tribunal deve levar em conta, em primeiro lugar, o considerando (22) da Directiva 2014/104/EU que proíbe os pedidos de acesso exploratórios e de relevância improvável – cf. artigo 12.º n.º 4 da Lei 23/2018.

63. Em segundo lugar, o Tribunal tem de verificar se a autora/recorrida indica factos e provas razoavelmente disponíveis, suficientes para apoiar a plausibilidade do seu pedido de indemnização (cf. artigos 5.º n.º 1 da Directiva 2014/104/EU e 12.º n.º 2 da lei 23/2018).

64. Em terceiro lugar, o Tribunal tem de apreciar se as provas objecto do pedido de preservação são relevantes e especificadas da forma mais precisa possível (cf. artigos 5.º n.º 2 da Directiva 2014/104/EU e 12.º n.º 3 da lei 23/2018). A este propósito, contrariamente ao que defende a recorrente, é admissível requerer o acesso a determinadas categorias de elementos de prova (cf. considerando (16) e artigo 5.º n.º 2 da Directiva 2014/104/EU e artigo 12.º n.º 3 da Lei 23/2018). Assim como é admissível requerer o acesso a elementos de prova que impliquem a criação ex novo de meios de prova, pela contraparte ou pelos terceiros que tenham em seu poder informações, conhecimentos ou dados que devam ser agregados.  Porém, neste caso, em aplicação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal deve ter em conta o carácter adequado do volume de trabalho e o custo ocasionado pela constituição ex novo de suportes físicos, em especial de documentos, e deve levar em consideração todas as circunstâncias do processo, em especial as previstas no artigo 12.º n.º 5 – a) a c) da Lei 23/2018, como, por exemplo, o período em relação ao qual é pedida a produção dos elementos de prova aqui em crise (cf. acórdão do TJUE C-163/21, parágrafos 68 e 69).

65. Em suma, o Tribunal a quo, ao fazer o teste de proporcionalidade previsto no artigo 12.º da lei 23/2018, tem de levar em conta o seguinte: a medida em que a acção de indemnização intentada é suportada por factos e provas já disponíveis e juntas aos autos, que justificam o pedido de acesso aos elementos pretendidos; o âmbito e o custo da medida de preservação da prova; se as provas a preservar contêm informações confidenciais e as disposições em vigor para proteger essas informações confidenciais – cf. artigo 12.º n.º s 5 e 7 da Lei 23/2018 que transpõe o artigo 5.º n.º 3 da Directiva 2014/104/EU. Estes factores aplicam-se a todos os pedidos de acesso ou preservação de elementos de prova, independentemente da pessoa, entidade ou autoridade que detenha tais elementos, incluindo a autoridade da concorrência – cf. artigo 14.º nº 1 da Lei 23/2018.

66. Quando as provas se encontram no processo de contraordenação instaurado pela AdC, adicionalmente, devem ser levados em conta os seguintes factores, no teste de proporcionalidade, tal como prevê o artigo 14.º da lei 23/2018: se o pedido de acesso especifica a natureza, o objecto ou o conteúdo dos documentos a divulgar ou se, em vez disso, é um pedido não específico; se o requerente está a pedir o acesso no contexto de uma acção de indemnização já intentada em Tribunal; e a necessidade de salvaguardar a eficácia da aplicação pública do direito da concorrência ( cf. artigos 6.º n.º 4) – a) a c) da Directiva 2014/104/EU e 14.º n.º 3 – a) a c) da Lei 23/2018). Adicionalmente, importa considerar que no processo 71/18.3YUSTR-M.L1, instaurado e concluído pela AdC, mas pendente atualmente na fase de recurso judicial, não é de excluir a hipótese de anulação, que pode implicar o reenvio do processo à AdC.  

67. Ora, o Tribunal a quo nem averiguou, nem indicou no despacho recorrido se,  de entre os documentos em crise, alguns se encontram no processo 71/18.3YUSTR-M.L1, ou se alguns dos documentos em crise são acessíveis ao público, circunstâncias essas que são controvertidas entre as partes e que é necessário averiguar para poder decidir que teste de proporcionalidade e que regime de acesso se aplicam a tais elementos de prova, à luz dos artigos 12.º ou 14.º da Lei 23/2018; assim como não procedeu ao teste de proporcionalidade previsto, consoante o caso, nessas disposições legais e que  constitui uma das limitações constantes do capítulo II da Lei 23/2018.

68. A segunda limitação prevista pelo capítulo II da Lei 23/2018, que deve ser observada quando é ordenada uma medida de preservação dos meios de prova prevista no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, prende-se com o disposto no artigo 12.º n.ºs 7 a 9 da referida lei e subdivide-se em duas. Assim, no que releva para a medida de preservação aqui em causa, o Tribunal a quo, por um lado, devia ter averiguado e identificado quais são os documentos confidenciais abrangidos pela medida ordenada a fim de determinar, quanto a eles, caso existam, que medidas de protecção da confidencialidade, de entre as previstas no artigo 12.º n.º 7 – a) a d) da Lei 23/2018, devem ser aplicadas ou de relegar fundamentadamente essa aplicação para o momento ulterior, da junção aos autos. Por outro lado, o Tribunal a quo não devia ter ordenado a preservação de meios de prova em poder de terceiros, como fez, sem lhes dar a oportunidade de se pronunciarem antes de a medida ser ordenada, como impõe o artigo 12.º n.º 9 da Lei 23/2018.

69. Com efeito, antes de ser ordenada a medida foi ouvida a ré/recorrente, mas os terceiros em cuja posse se encontram parte dos documentos em crise não foram previamente ouvidos. Ora, a este propósito, resulta do artigo 5.º n.º 8 da Directiva 2014/104/EU que os Estados Membros, ao adoptarem regras mais generosas no que diz respeito ao acesso aos meios de prova, como se afigura ser a medida provisória prevista no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, não podem afastar a aplicação do artigo 5.º n.ºs 4 e 7 e do artigo 6.º da referida directiva. Pelo que, o exercício prévio do contraditório, previsto no artigo 5.º n.º 7 da Directiva 2014/104/EU, transposto para o artigo 12.º n.º 9 da Lei 23/2018, tem de ser observado relativamente aos terceiros alegadamente detentores de parte dos documentos em crise também quando é aplicada uma medida provisória prevista no artigo 17.º n.º 1 da lei 23/2018. A sua inobservância constitui um erro no meio processual, que é uma nulidade principal e do conhecimento oficioso, como a seguir será explicado.

70. No que diz respeito ao terceiro grupo de limitações constantes do capítulo II da Lei 23/2018, tendo a ré, na resposta ao requerimento probatório em crise, alegado que alguns dos documentos estão juntos ao processo instaurado pela AdC, o Tribunal a quo, não só devia ter averiguado se alguns dos documentos em crise fazem parte do processo 71/18.3YUSTR-M.L1 e quais, como, em caso afirmativo, devia ter-se pronunciado sobre se tais documentos se enquadram na previsão do artigo 14.º n.ºs 2, 4, 9 ou 10  (ou noutra situação aí prevista) e/ou se estão cobertos pelos limites  à sua utilização estabelecidos no artigo 16.º da Lei 23/2018. Ou seja, a decisão devia ter-se pronunciado  sobre se: apesar de juntos ao processo instaurado pela AdC os documentos podem ser razoavelmente fornecidos pela contraparte ou por terceiro;  tendo em conta que a AdC já concluiu o seu processo, se os documentos em crise foram especificamente preparados por uma pessoa singular ou colectiva para esse processo, ou se foram elaborados e enviados às partes pela AdC, ou se contêm propostas de transacção revogadas; se não estão abrangidos por nenhuma dessas categorias; se estão sujeitos a regras de acesso e/ou protecção previstas no Regime Jurídico da Concorrência ou na restante legislação indicada no artigo 14.º n.º 10 da Lei 23/2018. Adicionalmente, devia ter-se pronunciado sobre os limites à sua utilização, consoante os casos previstos no artigo 16.º da Lei 23/2018, ainda que só venham a ser juntos posteriormente. Enfim, afigura-se que o Tribunal devia ter notificado a AdC para esta, querendo, apresentar observações escritas sobre o pedido de acesso a tais elementos de prova, como prevê o artigo 15.º da Lei 23/2018, pelos motivos já acima indicados no parágrafo 69, pois a falta desta notificação constitui igualmente um erro no meio processual, que é uma nulidade principal e do conhecimento oficioso, como a seguir será explicado.

71. Por fim, a recorrente impugna a aplicação das sanções previstas nos artigos 417.º e 430.º do CPC e no artigo 344.º n.º 2 do CC, em caso de incumprimento da medida de preservação da prova. A este propósito, como já foi referido supra, as sanções aplicáveis em matéria de acesso a meios de prova, no caso em análise, são as previstas especificamente no artigo 18.º da Lei 23/2018, consoante a natureza da medida ordenada e, portanto, a aplicação do disposto no artigo 344.º n.º 2 do CC é a que resulta da remissão feita pelo artigo 18.º n.º 4 da Lei 23/2018. Afigura-se, assim, que, em tudo o que estiver regulado na Lei 23/2018 deve ser este o regime jurídico a levar em conta pelo Tribunal. Em tudo o que não for contrário à Lei 23/2018 aplica-se subsidiariamente a Lei 19/2012 de 8 de Maio, o Código Civil e o Código de Processo Civil – cf. artigo 23.º da Lei 23/2018.

72. Tal como resulta da jurisprudência do TJUE acima mencionada no parágrafo 55, os artigos 5.º e 6.º da Directiva 2014/104/EU são disposições de caracter processual pelo que, é forçoso concluir que os artigos 12.º, 14.º e 15.º da Lei 23/2018, que transpõem essas disposições da directiva, também são normas processuais. À luz desses mesmos critérios do direito da União, estabelecidos pelo TJUE, afigura-se que as normas constantes dos artigos 16.º e 18.º da Lei 23/ 2018, que transpõem, respetivamente, os artigos 7.º e 8.º da Directiva 2014/104/EU, ao preverem limites à utilização da prova e a aplicação de sanções em caso de incumprimento de medidas decretadas sobre a divulgação ou sobre a protecção da confidencialidade de meios de prova, são igualmente disposições de natureza processual, pois regulam o exercício dos poderes especiais do Tribunal para apurar os factos invocados pelas partes nos litígios objecto de acções de indemnização por infracções ao direito da concorrência, não afectando directamente a situação jurídica das partes, nem incidindo sobre elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual. No que diz respeito ao artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, pelos motivos já acima indicados nos parágrafos 56 e 57, este Tribunal julga igualmente que o mesmo é uma disposição de natureza processual.

73. Em consequência, a inobservância das disposições legais indicadas no parágrafo anterior, pelo Tribunal a quo, constitui um erro no meio processual aplicável, que se traduziu não só na falta do contraditório já acima apontada, mas também na inobservância das restantes regras de natureza processual, acima enunciadas, incluindo as que prevêem o teste de proporcionalidade e a aplicação de medidas de protecção da informação confidencial, que não podem ser afastadas como já foi explicado. Ora, o erro na forma de processo ou no meio processual é uma nulidade principal (cf. artigo 193.º do CPC) da qual este Tribunal pode conhecer oficiosamente (cf. artigo 196.º do CPC).

74. Embora a recorrente tenha invocado um erro de direito, a controvérsia no presente recurso versa precisamente sobre a questão de saber qual o meio processual aplicável. Assim, a apreciação dessa questão não é nova para as partes, pelo contrário, corresponde à que foi submetida à apreciação do Tribunal no presente recurso não estando o Tribunal sujeito às alegações das partes no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigo 5.º n.º 3 do CPC), como já foi referido.

75. Adicionalmente, este Tribunal verifica que o envio da cópia do despacho recorrido, com vista ao cumprimento da medida de preservação da prova, a um dos terceiros detentores dos documentos em causa, foi endereçado a uma pessoa colectiva domiciliada na Dinamarca (cf. referência citius 364629 mencionada no parágrafo 13). A este propósito, convém recordar que o artigo 5.º n.º 1, parte final, da Directiva 2014/104/EU estabelece que, a possibilidade de os tribunais nacionais ordenarem ao demandado ou a um terceiro a divulgação de elementos de prova sob o seu controlo “não prejudica os direitos e as obrigações dos tribunais nacionais nos termos do Regulamento (CE) n.º 1206/2001”. A remissão para o Regulamento 1206/2001 (Regulamento de obtenção de prova) deve considerar-se feita atualmente para o Regulamento 2020/1783 (Regulamento de obtenção de prova reformulado) que, entretanto, revogou, reformulou e veio substituir o anterior – cf. artigo 34.º n.º 2 do Regulamento 2020/1783.

76. Da remissão feita pelo artigo 5.º n.º 1 da Directiva 2014/104/EU para o Regulamento de obtenção de prova resulta que as medidas tomadas relativamente ao acesso a elementos de prova, devem ser tratadas como medidas de obtenção de prova e, por isso, quando a obtenção de prova deva ter lugar noutro Estado, há que observar o formalismo previsto no instrumento legal de cooperação aplicável que, no caso de uma pessoa colectiva com sede na Dinamarca, como acontece nos autos, é a Convenção da Haia de 1970 sobre obtenção de prova no estrangeiro em matéria civil e comercial, doravante também HCCH 70. Isto porque a Dinamarca não participou na adopção do Regulamento 2020/1783, nem está vinculada por ele (cf. considerando (38) do referido regulamento). Assim, caso seja aplicada medida de preservação da prova como a constante do despacho recorrido, na parte em que tenha de ser executada na Dinamarca, a mesma não pode prejudicar as obrigações que recaem sobre o Tribunal a quo de solicitar directamente à autoridade central da Dinamarca, de preferência mediante o  envio do formulário recomendado de carta rogatória, nos termos previstos nos artigos 3.º e 4.º da HCCH 70, o cumprimento da medida, com a indicação de que nos termos previstos na lei nacional são aplicáveis sanções e dos motivos legítimos de recusa previstos no artigo 18.º n.º 6 da Lei 23/2018, solicitando, às autoridades judiciárias da Dinamarca, a aplicação das sanções previstas na sua própria legislação para situações equivalentes, como será explicado a seguir.

77. Afigura-se, assim, que aplicação da HCCH 70 não pode ser prejudicada pela aplicação do artigo 18.º da Lei 23/2018 sempre que o Tribunal nacional não se limite a requerer a notificação, mas tenha em vista igualmente a aplicação de sanções, como parece ser o caso, sob pena de estas não serem efectivas. Uma vez que  os destinatários da medida de preservação de prova não são parte e um deles está domiciliado na Dinamarca, o Tribunal português não pode – de acordo com os princípios gerais de direito internacional público –  exercer, quanto ao terceiro residente noutro Estado, o seu jus imperii mediante a aplicação de sanções previstas no direito nacional para a recusa de cooperação de terceiros, fora das suas fronteiras; tem, antes, de pedir a cooperação das autoridades judiciárias da Dinamarca para a aplicação das sanções previstas na legislação da Dinamarca para situações equivalentes de recusa de colaboração por parte do terceiro ai domiciliado – cf. artigo 10.º da HCCH 70.

78. Pelo que, tendo o Tribunal a quo aplicado sanções a um terceiro alegadamente detentor de elementos de prova, domiciliado na Dinamarca, afigura-se que não se trata aqui de uma mera notificação noutro Estado Membro. Mas ainda que assim fosse, convém sublinhar que nesse caso seria obrigatório, nas circunstâncias dos autos, aplicar à notificação transnacional o Regulamento 2020/1784, que vincula a Dinamarca por força do Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à citação e à notificação de atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil ou comercial (cf. Jornal Oficial L 19, de 21.1.2021).

79. Com efeito, de acordo com uma jurisprudência constante do TJUE, o recurso ao Regulamento 1393/2007 (Regulamento das citações e notificações) é obrigatório sempre que se verifiquem três pressupostos: a pessoa singular ou colectiva a notificar seja domiciliada no espaço da União; não tenha passado procuração com poderes especiais para receber a citação a mandatário ou representante no país onde corre o processo; e a morada da pessoa a citar seja conhecida (cf. C-325/11). Esta jurisprudência mantém-se válida para o Regulamento 2020/1784 (Regulamento das citações e notificações reformulado) que revogou e reformulou o Regulamento 1393/2007, consagrando um regime semelhante embora com a possibilidade acrescida de um Estado Membro pedir agora a cooperação de outro, na averiguação da morada do citando/notificando (cf. artigos 1.º e 7.º do Regulamento 1393/2017).

80. Ora convém clarificar que,  enquanto no caso de ser ordenada a medida de preservação da prova, em regra o pedido de cooperação internacional deve ser feito ao abrigo do instrumento legal internacional relativo à obtenção de prova (a HCCH 70 que vincula Portugal e a Dinamarca) sempre que, além da notificação, seja necessária a prática de outros actos processuais, nomeadamente a aplicação de sanções, já no caso da mera notificação do terceiro, alegadamente detentor dos documentos, domiciliado na Dinamarca, para exercer o contraditório prévio, previsto no artigo 12.º n.º 9 da Lei 23/2018, o Tribunal a quo deve aplicar obrigatoriamente o Regulamento das citações e notificações reformulado – Regulamento 2020/1784 – desde que estejam reunidas as condições mencionadas no parágrafo anterior, que lhe cabe verificar. Se for esse o caso, sendo a pessoa a notificar uma pessoa colectiva que não foi estabelecida segundo a lei portuguesa, não é possível requerer a notificação consular e, no caso de não ser exequível a notificação electrónica prevista no artigo 19.º do referido regulamento, restará ao Tribunal a quo optar pela notificação através do envio do formulário previsto no artigo 8.º, directamente à entidade requerida mencionada no artigo 3.º (indicada pela Dinamarca no e-Justice Portal) ou, em alternativa, pela notificação via postal com aviso de recepção ou equivalente, prevista no artigo 18.º, do Regulamento 2020/1784. Em qualquer destas hipóteses, o Tribunal a quo deve cumprir o formalismo previsto no artigo 9.º do Regulamento 2020/1984 que consiste em notificar previamente a autora para os efeitos e com o aviso aí previsto. No caso de o Tribunal de primeira instância optar pela notificação via postal, com aviso de recepção ou equivalente, adicionalmente, deve remeter na carta o formulário informativo previsto no artigo 12.º do Regulamento 2020/1984, destinado ao terceiro, preferencialmente na língua oficial do Estado Membro de destino, na qual nunca pode ser recusada a notificação, como resulta desse preceito legal.

81. Enfim, este Tribunal recorda – e é nesse contexto, assim como do erro no meio processual aplicável, que aqui aprecia oficiosamente a questão – que a omissão das formalidades relativas à tradução e à informação do destinatário sobre a possibilidade de recusa da notificação com base no desconhecimento da língua, mencionadas no parágrafo anterior, embora não gerem a nulidade da notificação, geram uma irregularidade e devem ser conhecidas e sanadas oficiosamente pelo Tribunal do Estado Membro onde corre o processo, como resulta de uma jurisprudência constante do TJUE sobre a interpretação de disposições legais idênticas, constantes do Regulamento 1893/2017, que se mantém válida para a interpretação do Regulamento 2020/1784 – cf. C-433/03, C-519/13 e C-384/14.

82. Feito este enquadramento quanto aos dois instrumentos legais de cooperação internacional aplicáveis e ao formalismo legal a observar quanto à notificação de um terceiro domiciliado na Dinamarca para exercer o contraditório prévio previsto no artigo 12.º n.º 9 da lei 23/2018 , nos termos do Regulamento 2020/ 1784, por um lado e quanto à  obtenção da prova (preservação da prova) prevista no 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, detida por um terceiro domiciliado na Dinamarca, que não pode prejudicar as obrigações que impendem sobre os Tribunais nacionais, resultantes da HCCH 70, por outro lado, este Tribunal não ordena a prática dos actos necessários para que o processo se aproxime o mais possível da forma prevista no instrumento de cooperação aplicável (cf. artigos 193.º n.ºs 1 e 2 e 196.º do CPC), uma vez que o despacho recorrido é nulo e deve ser ordenado o reenvio do processo à primeira instância para que profira novo despacho, com observância do meio processual adequado, incluindo as formalidades omitidas, pelos motivos já acima expostos.

83. Enfim, a observância do meio processual previsto no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018 é a forma adequada, prevista na lei, que permite ao Tribunal proceder a uma ponderação dos interesses legítimos de todas as partes e dos terceiros interessados, à luz de um juízo de proporcionalidade, de modo a dar resposta: ao interesse da autora em ver decretada uma medida provisória válida e efectiva, de preservação dos elementos de prova existentes e relevantes para a acção de indemnização (cf. artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa); aos interesses de terceiros em que não sejam tomadas medidas que impliquem pesquisas não específicas de informação, de relevância improvável para a autora e  de custo desproporcionalmente elevado; ao interesse publico em que não seja frustrada a finalidade do processo de contraordenação ainda em curso; e ao interesse da ré nos presentes autos (visada no processo por infracção ao direito da concorrência) em que não sejam contornadas as regras do ónus da prova no processo de contraordenação pendente, uma vez que as acções cíveis (private enforcement) não podem substituir os processos de contraordenação (public enforcement) no âmbito dos quais o ónus da prova incumbe à autoridade que alega a infracção e não à visada (cf. C- 163/21, parágrafos 52 e 57 e C-57/21, parágrafos 50 a 52).

84. Por todo o exposto, este Tribunal julga nulo o despacho recorrido, reenvia o processo ao Tribunal de primeira instância e ordena que seja suprida a falta de fundamentação de facto e sejam praticados os seguintes actos, para que o processo se aproxime o mais possível da forma prevista:

§ Notificação prévia dos terceiros, alegadamente detentores de parte dos documentos/informação, cuja preservação é pedida, para, em prazo a fixar pelo Tribunal a quo, exercerem o contraditório previsto no artigo 12.º n.º 9, aplicável por remissão do artigo 17.º n.º 1 parte final da Lei 23/2018;
§ Caso se verifiquem as condições enunciadas no parágrafo 79, que cabe ao Tribunal a quo verificar, notificação do terceiro, domiciliado na Dinamarca, para exercer o contraditório previsto no artigo 12.º n.º 9, aplicável por remissão do artigo 17.º n.º 1 parte final da Lei 23/2018, em prazo a conceder pelo Tribunal, com observância das formalidades previstas no Regulamento 2020/1784, designadamente as acima enunciadas no parágrafo 80 que são de conhecimento oficioso;
§ Notificação da AdC para, querendo, apresentar observações escritas, em prazo a fixar pelo Tribunal, não inferior a 10 dias, nos termos do artigo 15.º aplicável por remissão do artigo 17.º n.º 1, parte final, da Lei 23/2018, atenta a alegação, por parte da ré, de que existem documentos juntos ao processo instaurado pela AdC, pendente em recurso;
§ Recolha, pelo Tribunal a quo, das informações escritas que julgue necessárias, de forma sumária, atenta a natureza incidental que reveste a questão do acesso aos meios de prova, nomeadamente junto do processo 71/18.3YUSTR-M.L1 e/ou da AdC e/ou dos alegados detentores, para averiguar, designadamente se os documentos se encontram juntos ao processo de contraordenação instaurado e, nesse caso, tendo em conta o modo como foi configurado o requerimento e as soluções plausíveis, se tais elementos de prova se enquadram nalguma das hipóteses previstas no artigo 14.º n.ºs 2, 4, 9 ou 10 (ou noutra aí prevista, que caberá ao Tribunal a quo verificar) e se estão sujeitos a alguma das limitações à sua utilização estabelecidas no artigo 16.º da Lei 23/2018; se são públicos; se já existem ou se a informação pretendida tem de ser agregada ex novo; que custos implica a preservação e/ou agregação; se existem documentos de natureza confidencial e, nesse caso, que medidas, de entre as previstas no artigo 12.º n.º 7 da Lei 23/2018, devem ser aplicadas aos documentos confidenciais e se a sua aplicação fica relegada para o momento ulterior da sua junção aos autos;
§ Fixação dos factos em que assenta a decisão que venha a ser tomada;
§ Apreciação do requerimento probatório em crise à luz do regime previsto no artigo 17.º n.º 1 e das demais regras de natureza processual constantes do capítulo II da Lei 23/2018, designadamente, mediante a verificação dos requisitos enunciados supra nos parágrafos 59 a 70 e, no caso de a instância se manter suspensa, dos requisitos adicionalmente previstos no artigo 275.º do CPC, assim como aplicação, consoante o caso e dependendo da decisão que venha a ser tomada, do regime sancionatório previsto no artigo 18.º da Lei 23/2018 sem prejuízo do regime de obtenção de prova consagrado na HCCH 70 mencionado no parágrafo 77, cujos pressupostos cabe ao Tribunal a quo verificar.

Em síntese

85. O meio processual aplicável à tramitação do requerimento probatório da autora, em causa no presente recurso, é o previsto no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2017, com observância das limitações previstas nas normas de caráter processual constantes do  capítulo II da referida lei, designadamente as que prevêem o contraditório prévio de todos os alegados detentores dos elementos de prova, incluindo os terceiros identificados no requerimento de prova em crise (cf. artigo 12.º n.º 9 da Lei 23/2018), a notificação prévia da AdC para se pronunciar sobre o teste de proporcionalidade aplicável aos documentos alegadamente juntos ao processo por ela instaurado (cf. artigo 15.º da Lei 23/2018), a aplicação de medidas de protecção da confidencialidade (cf. artigo 12.º n.º 7 da Lei 23/2018) e o teste de proporcionalidade acima explicado na análise da questão C (cf. artigos 12.º e 14.º da Lei 23/2018, consoante os casos).

86. Na notificação do terceiro, domiciliado na Dinamarca, para exercer o contraditório prévio o Tribunal a quo deve aplicar obrigatoriamente o Regulamento 2020/1784, caso se verifiquem os pressupostos da sua aplicação acima enunciados na análise da questão C, cuja observância é do conhecimento oficioso.

87. Para aplicar o regime processual previsto na Lei 23/2018, o Tribunal a quo deve recolher sumariamente, atenta a natureza incidental da questão, as informações escritas que julgue necessárias, nomeadamente junto do processo 71/18.3YUSTR-M.L1, das partes, dos terceiros detentores e da AdC, levar em consideração todos os elementos disponíveis nos autos e, subsequentemente, ao proferir nova decisão, indicar os factos que lhe servem de base e apreciar a questão à luz das normas processuais constantes  do capítulo II da Lei 23/2018 em tudo o que ai estiver especificamente previsto, como foi explicado na análise da questão C, incluindo o regime sancionatório consagrado no artigo 18.º da referida lei, consoante a decisão que venha a tomar.

88. No caso de vir a ser decretada uma medida de preservação da prova a cumprir junto de terceiro residente na Dinamarca (cf. parágrafo 13), o regime sancionatório previsto no artigo 18.º da Lei 23/2018 não pode prejudicar a observância do formalismo processual previsto na HCCH 70, que impõe aos Tribunais nacionais que, nesse caso,  requeiram às autoridades do Estado de destino que procedam à notificação do terceiro para cumprir a medida ordenada com a cominação de lhe serem aplicadas as medidas coercivas previstas no artigo 10.º da HCCH 70.

89. Estando suspensa a instância, aos requisitos previstos no artigo 17.º n.º 1 da Lei 23/2018, somam-se os requisitos previstos no artigo 275.º do CPC que, tal como já foi explicado na análise da questão B, o Tribunal a quo deve apreciar mediante a indicação dos factos de que se serve para os julgar verificados.

90. A falta de indicação dos factos em que se baseia a decisão recorrida e a inobservância do regime previsto no artigo 17.º n.º 1 e nas demais regras de natureza processual consagradas no capítulo II da Lei 23/2018 acima indicadas na análise da questão C, tornam nulo o despacho recorrido por falta de fundamentação e erro no meio processual (cf. artigos 154.º, 193.º, 196.º e 662.º n.º 2 – c) do CPC).

91. Pelo que, pelos motivos já acima explicados na análise das questões B e C, este Tribunal declara nulo o despacho recorrido e ordena o reenvio do processo à primeira instância para que supra a falta de fundamentação de facto e pratique os actos necessários para que o processo se aproxime o mais possível da forma prevista na lei.
 
Decisão
Acordam as Juízes desta secção em julgar procedente o recurso e, em conformidade:
I. Declarar nulo o despacho recorrido.
II. Ordenar o reenvio à primeira instância para que o Tribunal a quo profira nova decisão que supra os vícios da decisão anulada conforme indicado supra no parágrafo 83.
III. Sem custas por estar isenta delas a recorrida – artigo 4.º n.º 1 – f) do Regulamento das Custas Judiciais.

Lisboa, 10 de Março de 2023
Paula Pott
Eleonora Viegas
Ana Mónica Pavão