Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOSÉ GABRIEL SILVA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO CREDOR GARANTIA REAL FALTA DE CITAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/13/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | I – A Lei, entre o interesse do credor prejudicado pela falta de citação e o interesse do comprador, do adjudicatário, do remidor, do interessado que obteve pagamento, dá predomínio a este, sem, no entanto, deixar desprotegido o interesse da pessoa que devia ser citada. II — Na norma do nº 3 do artigo 864° do CPC, asseguram-se os interesses do credor, possibilitando-se a efectivação do direito de indemnização aí previsto, uma vez que se permite ao credor indevidamente preterido que obtenha, por via do exercício desse direito, contra o exequente, o valor patrimonial de que se viu privado. III - A regra quanto à falta de citações prescritas é no sentido, por um lado, de ter o mesmo efeito que a falta da citação do réu (artigo 864º, nº 3, primeira parte, do Código de Processo Civil). E, por outro, que ela não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados, dos quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário (artigo 864º, nº 3, segunda parte, do CPC). FG | ||
| Decisão Texto Integral: | 1) Relatório. 1.1) Nos autos de acção executiva com processo ordinário instaurada por Banco S.A”, contra M e outros, veio a “Caixa, S.A” arguir a nulidade de falta de citação. Alegou, em síntese, que de acordo com a certidão de registo predial junta aos autos, a fls. 188, a mesma Caixa é credora com garantia real registada (duas hipotecas) sobre a fracção penhorada. De acordo com o art. 864, nº 1, al. c), e nº 2, do C.P.C., a então Requerente deveria ter sido citada pessoalmente. Contudo, não o foi, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 864, do C.P.C. De acordo com o art. 864, nº 3, do C.P.C., a falta de citação dos credores tem o mesmo efeito da falta de citação do réu, ou seja, a anulação de todo o processado após o momento em que deveria ter sido citado (cfr. art° 194°, al. a), C.P.C.). Excepciona esse normativo legal da anulação as vendas das quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário. No presente caso já existiu venda por negociação particular e o exequente é o único beneficiário da mesma já que não há créditos reclamados. 1.2) Notificada a Exequente, veio a mesma aderir ao requerimento apresentado pela “Caixa, S. A” (cfr. fls. 348). 1.3) Notificados os Executados, nada vieram dizer. 1.4) Notificado o adquirente, veio o mesmo pronunciar-se pelo indeferimento da arguida nulidade, com os fundamentos constantes a fls. 357 dos autos. 1.5) Foi proferido despacho que exarou: " Pelo exposto, julga-se procedente a arguição de nulidade de falta de citação da “Caixa, S.A” e em consequência, determina-se a anulação de todo o processado desde o despacho em que se ordenou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a modalidade da venda do bem penhorado a fls. 216 dos autos, nomeadamente a venda do imóvel efectuada." 1.6) Deste despacho veio o Adquirente interpor recurso de agravo, tendo desenhado na sua peça recursória as seguintes conclusões: " 1. A parte final do douto despacho de fls. 359 a 361, na parte em que pretende anular a venda realizada ao aqui Agravante, viola directa e frontalmente o disposto no art. 864, nº 3, do Código de Processo Civil; 2. Sendo certo que a Meritíssima Senhora Juíza não desconhece a abundante e unânime jurisprudência e doutrina que afirma peremptoriamente não ser o exequente “beneficiário exclusivo” quando o comprador seja outra pessoa e, como tal, preceituando o art. 864, nº 3, do C.P.C., que a falta da citação da credora hipotecária não importa a anulação da venda já efectuada, apenas a mero lapso se pode dever o douto despacho de fls. 359 a 361, “in fine”; 3. Crê-se bem ser unânime o sentido da jurisprudência e da doutrina, que inequivocamente propugnam pela sustentação da venda efectuada em processo em que se tenha omitido alguma citação das previstas no art. 864, do C.P.C, desde que o comprador seja pessoa distinta do exequente, como sucedeu neste caso; 4. Não havendo qualquer hipótese de dúvida que a venda foi definitivamente concretizada e que o comprador nada tem a haver com o exequente, tem sido desde sempre opinião unânime que o exequente não é o exclusivo beneficiário da venda e consequentemente, não pode esta ser anulada; 5. Esta é, sem dúvida, a solução mais justa e equilibrada de interpretar a Lei, pois não se deve penalizar o comprador que nada teve a haver com a irregularidade praticada e a sua intervenção no processo até visou a realização da Justiça e, por outro lado, o art. 864. °, n.° 3, do Código de Processo Civil, protege adequadamente a pessoa que devia ter sido citada, conferindo-lhe o direito de ser indemnizada, pelo exequente, do dano que haja sofrido; 6. De resto, saliente-se que nada se ganharia com a anulação da venda, já que a mesma esteve marcada por proposta em carta fechada, com o valor base de € 50. 000,00 e não houve qualquer oferta, nem desse valor, nem de 70% desse valor, conforme permitido no art. 889, nº 2, do Código de Processo Civil; 7. Entre o interesse do Comprador de boa-fé e o interesse do Exequente em ver a venda anulada, para não ter de indemnizar a credora hipotecária, é indubitável que a Lei, protegendo na mesma os direitos da credora hipotecária, privilegia a manutenção da venda, em detrimento da sua destruição, por evidentes razões de melhor equilíbrio e consequentemente maior justiça, já para não falar da economia processual conseguida; 8. Deve, em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido, ao menos na parte em que determina a anulação da venda feita nos autos ao aqui Agravante, e a mesma mantida na sua plenitude, como é de inteira Justiça." 1.7) A Caixa contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido. 1.8) Correram e foram colhidos os vistos legais. 2) Em termos de circunstancialismo de facto relevante para a decisão do agravo, há que ter em conta o já descrito no relatório, bem como que: a) Resulta provado que a secção de processos, ao cumprir o disposto no art. 864, do Cód. Proc. Civil, não citou a “Caixa, S.A”, (cfr. fls. 196 a 215), muito embora resulte da certidão constante a fls.188 e segs. dos autos que a “Caixa, S.A” está registada como credora hipotecária (credora com garantia real relativamente ao bem penhorado); b) Foi realizada a venda do imóvel penhorado por negociação particular (cfr. fls. 291), tendo sido lavrada a respectiva e competente escritura de compra e venda – fls. 309/312 dos autos; c) A execução foi instaurada em 13.2.2001 (vd. artigo 21, nº 1 e 2 da Lei 38/03 de 8.3) 3) Apreciando. 3.1) Nos termos do disposto no art. 864, nº 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, "feita a penhora, e junta a certidão dos direitos, ónus ou encargos inscritos, quando for necessária, são citados para a execução os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, sendo certo que “a falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, mas não importa a anulação das vendas, (...), das quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário, ficando salvo à pessoa que devia ter sido citada o direito de ser indemnizada, pelo exequente, do dano que haja sofrido” (cfr. nº 3 do citado preceito legal, na redacção aqui aplicável). 3.2) O Acórdão do Tribunal Constitucional de 26.2.2002, (que analisou a extensão normativa da regra em apreço, em caso similar), não julgou inconstitucional a norma do nº 3 do artigo 864 do CPC, interpretada no sentido de que a omissão do acto judicial destinado à convocação de credores e subsequente verificação de créditos, nos termos do nº 1 do mesmo preceito, em execução hipotecária cuja instância foi julgada extinta, mas que prosseguiu sob o impulso do Ministério Público, para cobrança das custas em dívida, não importa a anulação da venda nesse interim, efectuada do imóvel sobre o qual recaía o ónus real, entretanto caducado, de que o primitivo exequente era titular, sendo o seguinte o respectivo sumário: "I – A Lei, entre o interesse do cônjuge ou do credor prejudicado pela falta de citação e o interesse do comprador, do adjudicatário, do remidor, do interessado que obteve pagamento, dá predomínio a este, sem, no entanto, deixar desprotegido o interesse da pessoa que devia ser citada. II — Com efeito, na norma do nº 3 do artigo 864° do CPC, asseguram-se os interesses do credor, possibilitando-se a efectivação do direito de indemnização aí previsto, uma vez que se permite ao credor indevidamente preterido que obtenha, por via do exercício desse direito, contra o exequente, o valor patrimonial de que se viu privado. III – Não se coloca, por conseguinte, o problema da intangibilidade do direito à justiça: a omissão de um acto processual destinado a chamar ao processo quem nele tenha interesse é, nas suas consequências, suprida pelo mecanismo previsto na própria norma impugnada e que não só permite ao credor hipotecário, privado de efectivar a garantia real de que era titular, obter a respectiva indemnização, como protege o terceiro que viu ser transmitidos a seu favor bens livres de garantia real. IV — Significa isto no caso vertente que tem direito a «obter real, efectivo e total ressarcimento dos danos que lhe resultaram da falta de notificação para intervir na execução» a satisfazer pelo Estado. V — De igual modo não se desenha ofensa do princípio da igualdade: a diferenciação de regime obedece a parâmetros de ponderação de interesses entre o credor hipotecário, efectivamente privado da possibilidade de aceder à acção executiva para efectivar a garantia real, e o terceiro adquirente dos bens, que, naturalmente, dispõe de legitimas expectativas na subsistência da venda judicial, parâmetros esses que especificamente se colocam nesta fase processual." 3.3) Mais recentemente, em acórdão do Supremo Tribunal de 22.11.07, em que foi relator o Senhor Conselheiro Salvador da Costa, em caso também em que era necessário determinar o sentido normativo do artigo 864, nº 3, do CPC, com a redacção já apontada, em tipologia processual próxima da dos autos, foi explicitado no respectivo sumário que: "1. Na acção declarativa destinada a exigir indemnização do prejuízo derivado da omissão de citação do credor com garantia real de que derivou a perda desta é aplicável a versão do artigo 864º do Código de Processo Civil que vigorava ao tempo da instauração da acção executiva em que ocorreu aquela omissão. 2. No regime do nº 3 do artigo 864º do Código de Processo Civil – redacção anterior – a responsabilidade do exequente pela indemnização do prejuízo sofrido pelo credor com garantia prioritária, por virtude da perda de garantia patrimonial do direito de crédito, a que se reporta aquele normativo, apenas depende da omissão da sua citação para o concurso. 3. No domínio da vigência do mencionado regime, recai sobre o exequente a aludida responsabilidade, independentemente de algum outro credor ter aproveitado, no concurso de credores, do produto da venda do bem penhorado." Mais à frente foi dito: "É ao exequente que incumbe a junção ao processo da execução do certificado do registo da penhora e dos ónus e encargos sobre a fracção predial objecto do acto de penhora, pressuposto do seu prosseguimento (artigo 838º, nº 4, do Código de Processo Civil. Feita a penhora, e junta a certidão dos direitos, ónus e encargos inscritos, quando for necessário, são citados para a execução, por um lado, os credores com garantia real sobre os bens penhorados, e, por outro, os credores desconhecidos (artigo 864º, nº 1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil). Os credores a favor de quem exista o registo de algum direito de garantia sobre os bens penhorados são citados no domicílio que conste do registo, salvo se tiverem outro domicílio conhecido (artigo 864º, nº 2, primeira parte, do Código de Processo Civil). Os credores desconhecidos, por seu turno, são citados por éditos de vinte dias (artigo 864º, nº 2, última parte, do Código de Processo Civil)." Ainda: " Prossigamos com a análise do regime da indemnização derivado da perda da garantia patrimonial. A regra quanto à falta de citações prescritas é no sentido, por um lado, de ter o mesmo efeito que a falta da citação do réu (artigo 864º, nº 3, primeira parte, do Código de Processo Civil). E, por outro, que ela não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados, dos quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário (artigo 864º, nº 3, segunda parte, do Código de Processo Civil). E, finalmente, ficar salvo à pessoa que devia ter sido citada o direito de ser indemnizada, pelo exequente, do dano que haja sofrido (artigo 864º, 3, última parte, do Código de Processo Civil). Visa essencialmente o mencionado regime a protecção dos adquirentes estranhos à execução, a segurança das alienações e a protecção dos credores a quem já tenham sido pagos os montantes relativos aos seus direitos de crédito. No caso vertente, o exequente não foi o único beneficiário da alienação da fracção predial em causa, sobre a qual a recorrida tinha um direito de hipoteca, certo que a mesma foi adquirida por uma pessoa estranha à execução, e pelo seu produto foi pago o credor interveniente no concurso de credores, o Banco… Ora, resulta do normativo em análise, ser o dever de indemnizar exclusivamente do exequente, desde que a pessoa cuja citação para o concurso de credores foi omitida teria obtido a graduação prioritária em relação a ele. O exequente pode evitar esse efeito por via do controlo do processo de citação dos credores com garantia real conhecidos, suscitando oportunamente a respectiva omissão ao tribunal. Não lhe basta para que se exima à referida responsabilidade o cumprimento da sua obrigação de junção ao processo de execução da certidão de ónus e encargos nem a circunstância de requerer o cumprimento do disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil. O prejuízo dos credores cuja citação para o concurso foi preterida corresponde à perda resultante de não ter podido reclamar o seu direito de crédito e consequentemente realizar o seu direito de crédito por via da garantia que entretanto perdeu." (Os sublinhados são nossos) E sintetizando-se a solução adoptada no caso concreto, então em análise, exarou-se: "Como a acção executiva para pagamento de quantia certa em causa, intentada pela antecessora do recorrente contra CC, a que se reporta a acção declarativa de condenação em apreciação, foi instaurada no dia 7 de Abril de 1997, é aplicável no caso espécie o disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil na redacção anterior à inserida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março. Foi omitida ilegalmente a citação da recorrida para o concurso de credores na referida acção executiva porque ela dispunha de hipoteca, inscrita no registo predial na sua titularidade, sobre a fracção predial que foi penhorada, anteriormente ao acto de penhora. A falta de citação da recorrida para o referido concurso de credores não foi sanada visto que ela não chegou a intervir, em algum momento, no processo de execução. A responsabilidade do recorrente pela indemnização em causa não depende da culpa dos seus agentes ou representantes, mas tão só da circunstância de haver sido omitida a citação da recorrida, na sua posição de credora garantida por direito de hipoteca, para o concurso de credores. Não exime o recorrente da referida responsabilidade o facto de haver juntado ao processo a certidão de ónus e encargos, requerido o cumprimento do disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil e de ter havido publicação de anúncios para a citação de credores desconhecidos. Impossibilitada à recorrida a reclamação do seu direito de crédito com garantia de hipoteca, perdida esta por virtude da alienação da fracção predial penhorada, em quadro de insuficiência patrimonial por parte do devedor, ela tem direito a ser indemnizada pelo recorrente relativamente ao prejuízo sofrido." (Tentou-se, com as citações "entrecortadas", por um lado, não adulterar o sentido doutrinário explicitado pelo nosso Supremo, e por outro, referenciar a proximidade do explicado ao nosso caso, com as devidas adaptações.) 3.4) Como emana dos presentes autos, deveria ter sido citado o credor com garantia real, Caixa, em sede processual de convocação de credores, nos termos do artigo 864 do CPC, o que não aconteceu. Mas também é certo, que foi terceiro, de todo estranho à execução, o adquirente do imóvel penhorado e objecto da garantia real, sendo que, então, não foi apenas o Exequente, o único e exclusivo beneficiário da venda concretizada. Consequentemente, e tendo em linha de conta a densificação normativa que podemos adquirir, quanto à norma em análise, quer com a doutrina citada do Tribunal Constitucional, quer com aquela outra, que foi explanada através do aresto referido, do nosso mais Alto Tribunal, não há lugar à anulação da venda, concretizada neste processo. Decisão. Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar provido o recurso de agravo interposto, revogando-se a decisão recorrida. Sem custas. Notifique-se. DN. Lisboa, aos 13 de Dezembro de 2007 José Gabriel Silva Maria do Rosário Barbosa Rosário Gonçalves |