Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7876/10.1JFLSB.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: CONTRAFACÇÃO DE MOEDA
FALSIDADE INFORMÁTICA
CARTÃO DE CRÉDITO
FALSIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: I. O crime de falsidade informática previsto no art.3, nºs1,2 e 3, da Lei nº109/09, de 15Set., não veio esvaziar de sentido a al.c, do nº1, do art.267, do Código Penal, continuando este preceito a abranger a conduta que se traduza em adulteração de cartões de crédito;
II. No crime de contrafacção de moeda o bem jurídico protegido é a integridade ou intangibilidade do sistema monetário legal em si mesmo considerado, aqui representado pelos cartões de crédito por via da sua equiparação àquela;
III. A assinatura dos talões de pagamento não é abrangida pela actividade de passagem de moeda falsa, através do uso dos cartões de crédito adulterados, constituindo crime de falsificação autónomo;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência na (5.ª) Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I – Relatório.
I – 1.) Na 7.ª Vara Criminal de Lisboa foram os arguidos A..., e B..., com os demais sinais, submetidos a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, acusados pelo Ministério Público da prática de:

- Um crime de contrafacção e passagem de titulo equiparado a moeda falsa, na forma continuada e consumada, p. e p. pelos art.ºs 30.º, 262.º, n.º 1 e 265.º, n.º 1, alínea a), aplicável ex vi do artigo 267.º, n.º 1, alínea c), todos do Cód. Penal e artigo 151.º, da Lei n.º 23/2007, de 04.07.
- Um crime de burla informática, na forma continuada e consumada, p. e p. pelos art.ºs 30.º, 221.º, n.ºs 1 e 5, alínea b), por referência ao art. 202.º, alínea b), todos do Cód. Penal e art. 151.º, da Lei n.º 23/2007, de 04.07.
- Um crime de falsificação de documento, na forma continuada e consumada, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, alínea c), por referencia à alínea a) do artigo 255.º, ambos do Cód. Penal e art. 151.º, da Lei n.º 23/2007, de 04.07.
- Sendo que o arguido A..., ainda, da prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, alíneas a), e) a f) a n.º 3, do Cód. Penal, por referência aos art.ºs 10.º, e 181.º da Lei n.º 23/2007, de 04.07, Regulamento (CE) n.º 539/2001, do Conselho, de 15.03.2001 a art. 151.º, da Lei n.º 23/2007, de 04.07.

I – 2.) Efectuado o julgamento e proferido o respectivo acórdão foi decidido o seguinte:

- Absolver os arguidos do crime de contrafacção e passagem de título equiparado a moeda falsa de que estavam acusados.

- Absolver também os arguidos do indicado crime de burla informática, p. e p. pelos art.ºs 30.º, n.º 2, 221.º, n.ºs 1 e 5, alínea b), por referência ao art. 202.º, alínea b), todos do Cód. Penal.

Outrossim:

- Condenar o arguido A... pela prática, na forma continuada e consumada, de um crime de falsidade informática p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei 109/2009, de 15 de Setembro e art. 30.º, n.º 2, do C. Penal na pena de 2 (dois) anos e anos e 9 (nove) meses de prisão.
- Condená-lo pela prática, na forma continuada e consumada, de um crime de burla informática p. e p. pelo art.ºs 221.º, n.º 1 e 30.º, n.º2 do Cód. Penal na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
- Condená-lo pela prática, na forma continuada e consumada, de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256.º, n.º1, c) do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
- Condená-lo pela prática, na forma continuada e consumada, de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256.º, n.º1, a), e) e f) e n.º 3 do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, condenar o arguido A... na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.

- Condenar o arguido B... pela prática, na forma continuada e consumada, de um crime de falsidade informática p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 2 e 3 da Lei 109/2009, de 15 de Setembro e art. 30.º, n.º 2 do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
- Condená-lo pela prática, na forma continuada e consumada, de um crime de burla informática p. e p. pelo art.ºs 221.º, n.º 1 e 30.º, n.º2 do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
- Condená-lo pela prática, na forma continuada e consumada, de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256.º, n.º1, al. c) do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico condenar o arguido B... na pena única de 3 (três) anos de prisão

I – 3.) Inconformados com o assim decidido, recorreram quer o Ministério Público quer o arguido A... para esta Relação, desta forma concluindo as razões do respectivo inconformismo:

I – 3.1.) No recurso apresentado pelo Ministério Público:




I – 3.2.) No recurso apresentado pelo arguido A...:



I – 4.1.) Respondendo a este recurso o Ministério Público sustentou a sua improcedência.

II – Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer convergindo na procedência do por aquela apresentado.
*
No cumprimento do preceituado no art. 412.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
*
Seguiram-se os vistos legais
*
Teve lugar a conferência.
*
Cumpre pois apreciar e decidir:

III – 1.) Como é sabido, são as conclusões extraídas pelos recorrentes a partir das respectivas motivações, o que de forma consensual define e delimita o objecto dos recursos.
No interposto pelo Ministério Público, suscita o mesmo as seguintes questões:

- Se o arguido A... deveria ter sido condenado pelo crime de contrafacção e passagem de título equiparado a moeda falsa p. e p. pelos art.ºs 262.º, n.º 1 e 267.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal;
- Se o arguido B... o deveria ter sido também agora pelo crime de contrafacção e passagem de título equiparado a moeda falsa p. e p. pelos art.ºs 265.º, n.º 1, al. a) e 267.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal;
- Se este último deveria ser absolvido da prática do crime de falsificação p. e p. pelo art. 256.º, n.º1, do Cód. Penal, por ter assinado os talões de pagamento referentes às transacções com cartões falsificados;
- Se o mesmo deve suceder com o arguido A...;
- Se o crime de burla informática não deverá ser considerado como continuado, mas antes a sua unicidade decorrer da circunstância de ter havido uma única resolução criminosa;
- Se ambos os arguidos deveriam ter sido absolvidos deste crime, já que tendo natureza semi-pública, nenhum dos ofendidos exerceu o seu direito de queixa.

No interposto pelo arguido A...:

- A eventual suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada.

III – 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro a factualidade que se mostra definida:

Factos provados:


1.1. A sociedade “C…, S.A.”, a seguir apenas designada por C..., presta serviços de prevenção, detecção e investigação de fraude no funcionamento de sistemas de pagamentos electrónicos e afins.
1.2. A C... foi constituída em Janeiro de 2009 com a participação de 60% pela SIBS e 40% pela UNICRE.
1.3 A UNICRE é a entidade que representa em Portugal os cartões de crédito bancários pertencentes aos sistemas VISA, MASTERCARD/EUROCARD e DINERS, e que celebra os contratos com os estabelecimentos comerciais para a aceitação dos mesmos.
1.4. Nessa sequência, é a UNICRE a entidade responsável pelo pagamento das despesas efectuadas com recurso a cartões de crédito dos referidos sistemas, cujas contas constituem uma linha automática e contínua de crédito.
1.5. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 19.07.2010, o arguido A... decidiu dedicar-se à gravação de elementos bancários falsos em bandas magnéticas de cartões bancários e não bancários, com o fim de se locupletar de quantias a que sabiam não ter direito.
1.6. Para o efeito, decidiu deslocar-se a Portugal com o único propósito de, aproveitando conhecimentos técnicos previamente adquiridos, copiar dados de cartões de crédito que trazia consigo e, posteriormente, utilizar esses dados para efectuar compras em estabelecimentos.
1.7. O arguido A... veio para Portugal no dia 19.07.2010 e instalou-se nos hotéis SA... e No..., sitos em Lisboa.
1.8. O arguido A... tinha ao seu dispor aparelhos electrónicos e programas informáticos, obtidos de modo não concretamente apurado, bem como informação sobre o modo de proceder à “clonagem” de cartões de crédito.
1.9. Após ter obtido os dados constantes das bandas magnéticas de inúmeros cartões de crédito e respectivos PIN’s, sem que os mesmos tivessem saído da posse dos respectivos titulares, o arguido A... procedeu à gravação e cópia das informações constantes nas respectivas bandas magnéticas para outros cartões de banda magnética regravável, sem qualquer tipo de característica de segurança exigida pelos sistemas de pagamento internacionais Visa e Mastercard.
1.10. Para o efeito, o arguido A... utilizou os computadores portáteis de marca Samsung, modelo NP-R530-JA01DE, marca Apple, modelo A1342, marca Macbook Pro e marca Sony Vaio, modelo VPCW12J1E, os quais continham os ficheiros com os dados destinados à gravação em bandas magnéticas.
1.11. Para inscrição daqueles elementos nos cartões foi usado pelo arguido A... um dispositivo electrónico leitor/gravador de bandas magnéticas “Skimmer”, utilizando para a gravação os dados do computador de marca Samsung referido em 2.1.10.
1.12. A duplicação dos caracteres de identificação electrónica codificados na banda magnética permitia que, ao serem introduzidos os cartões bancários com a banda magnética adulterada em terminais de pagamento de multibanco, o sistema informático destes os identificasse como se de verdadeiros cartões se tratassem com a informação original.
1.13. Tendo na sua posse os dados constantes dos cartões de crédito e cartões de banda magnética regravável o arguido A... decidiu colocá-los em circulação, efectuando compras.
1.14. Foram detectados pela C... numerosos movimentos de cartões bancários emitidos por entidades estrangeiras que estariam a ser utilizados na zona de Lisboa e arredores.
1.15. Os cartões originais encontravam-se nos Estados Unidos da América, sendo utilizados outros com a informação dos originais, designados clones, que seguem discriminados no quadro que segue:
…..
…….
1.16. Utilizando o aparelho e os computadores supra indicados o arguido A... introduziu em bandas magnéticas de cartões regraváveis os dados dos cartões de crédito indicados na listagem que antecede com os seguintes números:
…….


1. 17. Tendo na sua posse os dados constantes dos cartões de crédito identificados em 2.1.16., o arguido A... dirigiu-se a estabelecimentos comercias e procedeu a pagamentos, nas datas, horas e locais conforme quadro que segue:
…..

1.18. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 19.07.2010, os arguidos A... e B... decidiriam que este último se deslocaria também a Portugal com o único propósito de utilizar dados de cartões de crédito regravados para efectuar compras em estabelecimentos.
1.19. De acordo com tal plano o arguido B... chegou a Portugal no dia 20.07.2010 tendo-se instalado no hotel SA... juntamente com o arguido A....
1.20. E, tendo na sua posse os dados constantes dos cartões de crédito que haviam sido regravados o arguido B... dirigiu-se a estabelecimentos comercias e procedeu a pagamentos para aquisição de mercadoria nas datas, horas e locais conforme quadro que segue:
…..

1.21. Assim, através da utilização fraudulenta de cartões contrafeitos, foram realizadas em terminais de pagamento as operações supra referidas, tendo destas, sido consumadas pelo arguido A... 12 operações e pelo arguido B... 9 operações, das quais resultaram um benefício para ambos no valor de 19.453,47 € (dezanove mil, quatrocentos e cinquenta e três euros e dezassete cêntimos), a que correspondeu o inerente prejuízo para terceiros. As restantes operações indicadas nos quadros não foram efectuadas por não terem sido autorizadas pela UNICRE, facto a que foi de todo alheia a vontade dos arguidos.
1.22. Por vezes os arguidos assinavam por seu punho os talões de compra, como se dos titulares dos cartões se tratassem.
1.23. No dia 22-07-2010, foi efectuada revista pessoal e apreensão ao arguido A..., tendo sido apreendidos:

1. A quantia de € 4.410 € (quatro mil quatrocentos e dez euros), em notas diversas do Banco Central Europeu;
2. O passaporte Ganês n.º H250…, titulado por A..., emitido pela Republica do Ghana a 21.03.2010;
3. Um Fato de homem, composto por casaco e calça, da "VERSAGE collection" de cor bege, n° 46, acondicionado num saco de plástico do ...;
4. Um Fato de homem, composto por casaco colete e calças, da "VERSAGE collection" de cor cinza com riscas, n.° 48R, acondicionado num saco branco da "VERSAGE collection";
5. Uma gravata da "VERSAGE collection" de cor cinza com nuances azuis e pintas vermelhas, acondicionado num saco de papel branco da "VERSAGE collection;
6. Uma gravata da "VERSAGE collection" de cor cinza com nuances azuis e pintas vermelhas, acondicionada num saco de papel branco da "VERSAGE collection;
7. Uma gravata da "VERSAGE collection" de cor cinza com riscas e "V", acondicionada num saco de papel branco da "VERSAGE collection;
8. Uma calça da "VERSAGE collection" de cor azul n.º 31;
9. Uma calça da "VERSAGE collection" de cor preta n.º 32;
10. Uma calça da "VERSAGE collection" de cor preta n.º 29;
11. Uma camisa da "VERSAGE collection" de cor branca n.° 36/15; Uma camisa da "VERSAGE collection" de cor branca n° 41/16;
12. Um par de sapatos da "VERSAGE collection" de cor preta n.° 43, acondicionados num saco de pano branco da "VERSAGE collection";
13. Uma calça da "VERSAGE collection" de cor preta n.° 32;
14. Uma pulseira de metal prateado, supostamente de prata, com aproximadamente 21 cm de comprimento;
15. Um fio de metal prateado, supostamente de prata, com aproximadamente 45 cm de comprimento;
16. Uma pen drive da marca ALCATEL "TCT mobile limited", com o IMEI 3565 2502 2087 023, sem cartão SIM e igualmente sem cartão de memória "micro SD";
17. Quatro "Key card" do Hotel No...- LISBOA;
18. Um "Key card" do Hotel SA...;
19. Uma factura da "VOBIS" do C.C. V…, respeitante a uma compra de CPU IMAC 21.5 e uma câmara de Video Samsung, no valor total de 1.598,00 €, efectuada no dia 20/07/2010;
20. Um cartão de visita da agência de viagens ABREU, ...;
21. Um telemóvel da marca "SAMSUNG", com o IMEI …210, "SIM" da rede "TMN", com o n.° "96... e "PIN" 8705, com o respectivo cartão de segurança, um cartão de memória micro SD de 1 GB e bolsa de transporte;
22. Um telemóvel da marca "Blackberry" com o IMEI "…140", com um cartão SIM da rede 3 e um cartão de memória da SCAN DISK de 2GB;
23. Um telemóvel da marca "NOKIA", modelo “N 97-1" com o IMEI …323, com cartão "SIM" da rede "TMN", de cor branca;
24. Um cartão de segurança da Operadora TMN, com o n.º …481;
25. Um cartão de visita da T.A.F.A. A&G Comércio Internacional, Lda;
26. Uma folha A4 com o timbre da "GEOSTAR" e manuscritos nas suas costas;
27. Uma folha manuscrita a vermelho, relativos a várias passagens aéreas;
28. Dois talões de TPA de pagamentos na agência de viagens Abreu, ..., com os valores de 1.237,99 € e 650,00 € respectivamente, ambos do dia 21/07/2010;
29. Um talão de TPA de pagamento na firma "Bem …, Lda.", com o valor de 600,00 € do dia 21/07/2010;
30. Um relógio da marca "MARC ECKO" de cor dourada, com uma coroa frontal de substituição;
31. Um relógio da marca "GUESS" de cor prateada e dourada, com o n.º de série "GC5300 1 G";
32. Um cartão Visa Electron da "postepay" com o n.º 4023600564822643;
33. Um cartão da "Paypal" da master card com o n.º 53387501 04776036;
34. Um cartão master card da "MMM" com o n.º 5274 5565 1291 7500;
35. Um cartão master card da "Prime" com o n.º 5274 4210 3801 0662;
36. Um cartão da "Paypal" da master card com o n.º 5338755127652015;
37. Um cartão master card da "MMM" com o n.º 5274556560123852;
38. Um papel manuscrito com os seguintes caracteres, "sarah-lun chor" 4978020037763982…..;
39. Uma pasta de cor preta da marca "SAMSONITE" black label;

1.24. Foi efectuada revista pessoal e apreensão ao arguido B..., tendo sido apreendidos:
1. …..

1.25. Foi efectuada busca à viatura de marca Volkswagen, com a matrícula …-…-…, tendo sido apreendido o seguinte:
1. …

1.26. Em sede de busca domiciliária foram ainda apreendidos no quarto 920 do hotel No...:

1. …..

1.27. Em sede de busca domiciliária foram ainda apreendidos a B... e A... no quarto 828 do hotel SA...:

1. ….

1.28. Com excepção dos documentos, os artigos apreendidos aos arguidos resultam das aquisições efectuadas por aqueles com recurso aos cartões bancários contrafeitos.
1.29. Na banda magnética dos cartões apreendidos aos arguidos constavam os elementos (dados) dos seguintes cartões de crédito que haviam sido previamente clonados e utilizados em território nacional:
….
1.30. O arguido A... é titular do Passaporte n.º H250…, com a data de emissão de 2010-03-21 e data de validade 2015-03-20.
1.31. Para a entrada em território nacional os cidadãos naturais do Gana devem ser titulares de visto válido e adequado à finalidade de deslocação concedido pelas autoridades competentes, o que era do conhecimento do arguido A....
1.32. Porque não era titular de visto de entrada em território nacional e por forma não concretamente apurada, o arguido A... forjou aquele documento por meio de impressão por offset, a apôs o mesmo no Passaporte como se de um visto verdadeiro se tratasse.
O visto contém as seguintes inscrições:

….
Contém dois carimbos e rubrica

1.34. (assim também no original) Com recurso a esse Passaporte e ao Visto no mesmo aposto, o arguido A... deu entrada em território nacional no dia 19.07.2010.
1.35. Os arguidos agiram em comunhão de ideias e de esforços, movidos pelo propósito de obter para si benefícios patrimoniais a que sabiam não ter direito.
1.36. Ao copiar os dados constantes de cartões de crédito para cartões sem as mesmas garantias de segurança e cartões próprios, actuou o arguido A... com o propósito de colocar estes cartões em circulação como se de verdadeiros cartões de crédito se tratassem e assim obter proventos materiais a que sabiam não ter direito.
1.37. O arguido A... sabia que a cópia de dados de cartões de crédito para outro tipo de cartões com bandas magnéticas regraváveis não lhe era permitido, pois que tal função cabia exclusivamente aos Bancos emissores daqueles cartões.
1.38. Os arguidos A... e B... sabiam que os cartões que foram por si utilizados para proceder a pagamentos em terminais de multibanco, não tinham sido emitidos por entidades bancárias, mas que tinham sido forjados, com o desconhecimento e contra a vontade, quer da respectiva entidade emissora dos dados nas mesmas inseridos, quer dos seus legítimos titulares.
1.39. Tinham também os arguidos A... e B... conhecimento que os caracteres de identificação electrónica codificados constantes da banda magnética dos cartões que utilizaram eram uma duplicação de outros cartões de crédito genuínos regularmente emitidos pelas instituições bancárias, os quais não lhes pertenciam. --
1.40. Igualmente sabiam os arguidos A... e B... que esses dados configuravam dados informáticos confidenciais e pessoais, que utilizavam esses dados com o desconhecimento e contra a vontade das entidades emitentes desses cartões e dos seus legítimos titulares e, ao utilizar tais cartões junto das máquinas ATM, actuavam sobre o tratamento dos dados informáticos da UNICRE.
1.41. Tinham ainda os arguidos A... e B... consciência de que os cartões em questão constituem uma forma de pagamento idêntica à moeda, uma vez observados os necessários procedimentos para a sua utilização.
1.42. Conscientes desses factos, actuaram, ainda assim, os arguidos A... e B... com o propósito de utilizar todos esses cartões como meio legítimo de pagamento, como se de verdadeiros cartões de crédito se tratassem e para tanto tivessem legitimidade, com vista a, por meio de tal artifício, alcançarem para si, como alcançaram, benefícios económicos ilegítimos.
1.43. Bem sabiam os arguidos A... e B... que, da sua actuação, resultava inevitavelmente uma diminuição quantitativa no conjunto dos bens pertença da sociedade gestora da rede VISA e MATERCARD, a sociedade UNICRE, e do banco emissor dos cartões de crédito copiados, sendo esse também o seu propósito.
1.44. Os arguidos A... e B... assinaram os talões de pagamento referentes às compras efectuadas como de verdadeiros titulares dos cartões se tratassem, actuando igualmente com o propósito de, com esta sua conduta, obter para si benefícios patrimoniais a que sabiam não ter direito, colocando em causa a veracidade dos elementos constantes nos talões dos terminais de pagamento junto dos estabelecimentos comerciais.
1.45. O arguido A... sabia que o visto aposto no seu passaporte não havia sido emitido pelas autoridades competentes para o efeito, pretendendo com a sua conduta entrar em território nacional sem que as autoridades portuguesas o impedissem, o que logrou.
1.46. Ao apor o documento de visto no passaporte, que sabia estar viciado quis o arguido A... colocar em causa a fé pública que o visto titula, causando prejuízo ao Estado.

1.47. Sobre o percurso de vida do arguido A... e as suas condições pessoais:
- O arguido não apresenta condenações em Portugal
- O arguido, de nacionalidade do Gana, é o primogénito de uma fratria de três elementos, tendo o seu processo de desenvolvimento e socialização decorrido no agregado de origem, junto dos progenitores, irmãos germanos e uma prima, num contexto económico equilibrado, encontrando-se satisfeitas as necessidades básicas, para o que contribuía a actividade profissional do pai como mecânico de automóveis e a actividade laboral da mãe, que exercia trabalhos de agricultura e comércio de arroz. O pai faleceu quando o arguido contava 14 anos de idade.
- O arguido completou o ensino secundário desistindo de estudar para auxiliar a mãe nas despesas do agregado, vindo a trabalhar numa oficina auto.
- Casou com cerca de 23 anos de idade tendo tido três filhos.
- Em Janeiro de 2010, emigrou para Itália face às dificuldades económicas que vivenciava no seu país de origem; aí permaneceu durante cerca de seis meses, junto de uma prima ali estudante e residente, tendo efectuado trabalhos de publicidade.
- No E.P. recebeu visitas da prima residente em Itália e recebe ainda regularmente visitas de uma amiga que terá conhecido cerca de um mês antes da data da detenção.
- O arguido não revela uma postura crítica face ao real desvalor da conduta de que vem acusado.
- Em meio prisional, o arguido foi sancionado em oito dias de cela disciplinar, em Setembro do presente ano, por agressão a um companheiro.

1.48. Sobre o percurso de vida do arguido B... e as suas condições pessoais:
- O arguido não apresenta condenações em Portugal.
- O arguido é originário do Gana, tendo crescido num agregado com algumas carências económicas, designadamente, após a separação dos pais.
- Concluiu o 12º ano de escolaridade, praticando desde muito novo a actividade desportiva de futebol, que lhe permitiu, no contexto de um torneio, ir viver para Itália com um tio.
- Em Itália, além de praticar futebol, exerceu actividades indiferenciadas.
- Aos 19 anos de idade casou e tem uma filha com 6 anos de idade.
- À data da sua prisão trabalhava como empregado de limpeza.
- Tem apoio familiar tendo a mulher vindo a Portugal visitá-lo; contacta telefonicamente com os pais e os irmãos, a residirem no Gana.
- Não revela autocrítica face à conduta que adoptou que assume apenas parcialmente.

Factos não provados:
- Que em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 19.07.2010, os arguidos decidiram, em conjunto, dedicar-se à gravação de elementos bancários falsos em bandas magnéticas de cartões bancários e não bancários, com o fim de se locupletarem de quantias a que sabiam não ter direito.
- Que o arguido B... decidiu deslocar-se a Portugal com o único propósito de, aproveitando conhecimentos técnicos previamente adquiridos, copiar dados de cartões de crédito que traziam consigo e, posteriormente, utilizar esses dados para lograr proceder a levantamentos em dinheiro junto de máquinas ATM.
- Que o arguido B..., de acordo com o plano previamente traçado, gravou e copiou as informações constantes nas respectivas bandas magnéticas para outros cartões de banda magnética regravável, sem qualquer tipo de característica de segurança exigida pelos sistemas de pagamento internacionais Visa e Mastercard.
- Que, desde pelo menos 02.06.2010, os arguidos utilizam cartões contrafeitos cujos dados contidos nas bandas magnéticas terão sido capturados dos originais, através de material próprio para esse efeito.
- Que, obtidos que foram os dados constantes das bandas magnéticas de 55 cartões de crédito/débito e respectivos PIN’s, sem que os mesmos tivessem saído da posse dos respectivos titulares, o arguido B... introduziu esses dados para outros cartões de banda magnética regravável, uns sem qualquer tipo de característica de segurança exigida pelos sistemas de pagamento internacionais VISA e MASTERCARD, e outros cartões bancários dos próprios, com o seu nome aposto, ou de terceiros, emitidos por entidades bancárias várias.
- Que foi o arguido A... que introduziu em bandas magnética de cartões regraváveis os dados dos seguintes cartões:
…..

- Que na sequência da conduta supra descrita praticada pelos arguidos, tiveram as entidades bancárias que suportar o depósito, nas contas bancárias dos verdadeiros titulares das contas, as quantias monetárias referentes a essas transacções, no montantes dos respectivos prejuízos, ficando destituídos desse valor pecuniário.
- Que tenham sido os arguidos a realizar as seguintes operações:

….

- Que tenha sido o arguido B... a realizar as seguintes operações:
……

Que os arguidos tivessem utilizado os cartões em levantamentos ATM.
- Que ao copiar os dados constantes de cartões de crédito para cartões sem as mesmas garantias de segurança e cartões próprios, o arguido B... actuou com o propósito de colocar estes cartões em circulação como se de verdadeiros cartões de crédito se tratassem e assim obter proventos materiais a que sabiam não ter direito.
- Que o arguido B... sabia que a cópia de dados de cartões de crédito para outro tipo de cartões com bandas magnéticas regraváveis não lhe era permitido, pois que tal função cabia exclusivamente aos Bancos emissores daqueles cartões.
*

III – 3.1.) Passando agora a procurar dilucidar as questões acima deixadas elencadas, e havendo forçosamente, dada a sua precedência lógico-jurídica, que começarmos pelas suscitadas no recurso interposto pelo Ministério Público, a primeira que se nos apresenta para análise, é a que diz respeito ao eventual preenchimento preferencial da apurada conduta dos arguidos nos limites previsivos do crime de contrafacção de moeda, que recorde-se, era o constante da acusação.

Preceitua com efeito o art. 262.º, n.º 1, do Cód. Penal, que “quem praticar contrafacção de moeda, com a intenção de a pôr em circulação como legítima, é punido com prisão de 3 a 12 anos”.
Como é óbvio, a convocação deste normativo, na situação dos autos, não decorre tanto da ideia clássica que comummente se associa à moeda, seja ela metálica ou em papel, mas antes, daquela outra que a concebe mais genericamente como “todo o meio geral e definitivo de pagamentos que goza de curso legal, quer dizer, a que o Estado ou outra entidade por ele autorizada confere capacidade liberatória universal imediata e, portanto, salvo convenção das partes em contrário, não pode ser recusado na aquisição de bens e serviços ou no cumprimento de quaisquer dívidas” – assim Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Parte Especial, T.2, pág.ª 739 – e de um modo mais concreto, a que decorre da equiparação dos cartões crédito a moeda, operada pelo art. 267.º, n.º1, al. c), daquele Código.

Já sabemos que, neste domínio, o crime que colheu a preferência do Colectivo foi o de falsidade informática (art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3) da Lei n.º 109/2009, de 15/09), que estatui o seguinte:

1. Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão ate 5 anos ou com multa de 120 a 600 dias.
2. Quando as acções descritas no número anterior incidirem sobre os dados registados ou incorporados em cartão bancário de pagamento ou em qualquer outro dispositivo que permita o acesso a sistema ou meio de pagamento, a sistema de comunicações ou a serviço de acesso condicionado, a pena é de 1 a 5 anos de prisão.
3. Quem, actuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um beneficio ilegítimo, para si ou para terceiro, usar documento produzido a partir de dados informáticos que foram objecto dos actos referidos no n.º 1 ou cartão ou outro dispositivo no qual se encontrem registados ou incorporados os dados objecto dos actos referidos no número anterior, é punido com as penas previstas num a noutro número, respectivamente”.

Porque assim se entendeu?
Basicamente convocando a autoridade da anotação ao preceito em causa pelo Exm.º Procurador Pedro Verdelho, no Comentário das Leis Penais Extravagantes, Universidade Católica Editora, Volume I, pág.ª 505 a 509, no ponto em que refere, que “quanto ao demais, verifica-se que a aplicação prática desta nova norma da lei do Cibecrime esvazia de sentido a remissão operada pelo art. 267.º, n.º1, al. c)”.

A este propósito diz-se com efeito no acórdão da 7.ª Vara:
“Assim, e conforme entendimento defendido na supra citada anotação, a norma prevista na Lei do Cibercrime veio esvaziar de sentido a remissão operada pela alínea c) do n.º 1 do art. 267.º do C. Penal, porquanto a conduta ai tipificada é abrangida agora pelo tipo legal do crime de falsidade informática. Pelo que a conduta que se traduza objectivamente em introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, e/ou na utilização de documentos assim produzidos, é agora punida, independentemente de estar em causa um cartão de crédito (sendo que os cartões de garantia já desapareceram de circulação) ou um cartão de débito, pelo art. 3.º do Lei 109/2009.”

Da nossa parte não estamos tão seguros em relação ao que aquele Ilustre magistrado tem em vista significar quando na anotação em epígrafe deixa escrito “quanto ao demais”.
No limite, porque antes havia mencionado que os cartões de crédito à data em que o Código Penal foi elaborado não tinham qualquer inscrição electrónica – “eram apenas pequenos rectângulos de plástico” -, não incluía os cartões bancários de débito, da mesma maneira que a Lei do Cibercrime não refere agora os cartões de garantia, porque entretanto desapareceram, não fica sequer arredada a hipótese de estarmos perante um simples lapso gráfico: o que se terá pretendido dizer é “quanto ao(s) demais cartões”…
III – 3.2.) Especulações à parte, o que importa realmente consignar, é que na situação dos cartões de débito - que como é sabido nunca gozaram daquela equiparação (assim Prof. Faria e Costa no Comentário Conimbricense, T. 2, pág.ª 811/2) - , e como tal, não podiam integrar a previsão do mencionado art. 262.º, do Cód. Penal, concordamos plenamente que ganharam actualmente a protecção do art. 3.º do Lei 109/2009, desde que se mostrem preenchidos os respectivos requisitos.

Já quanto aos cartões de crédito, sem embargo da perturbação interpretativa habitualmente aportada por quase todas as leis penais extravagantes, nada inculca que tenham perdido a que anteriormente beneficiavam, ou que essa fosse a intenção legislativa.

Como a este propósito se fez ressaltar no acórdão desta Relação e Secção de 30/06/2011, no processo 189/09.3JASTB.L1 (consultável no endereço electrónico www.dgsi./jtrl.pt), estamos perante bens jurídicos distintos.

Na Lei do Cibercrime “o que se pretende acautelar é a integridade dos sistemas de informação”, ou como se alude no preâmbulo da Convenção sobre o Cibercrime do Conselho da Europa, aprovada em Budapeste, a 23/11/2001, “(…) impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes de dados informáticos, bem assim como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados informáticos (…)”.
No fundo, como o refere a Digna recorrente, “a integridade dos sistemas de informação e, em primeira linha os direitos humanos fundamentais e o respeito pela vida privada.”
Na contrafacção de moeda “o bem jurídico protegido é a integridade ou intangibilidade do sistema monetário legal em si mesmo considerado”, aqui representado pelos cartões de crédito por via da sua equiparação àquela.

Ora como também se alude na motivação apresentada, basta olhar para as sanções aplicáveis a ambas as infracções, para logo se poder concluir pelo superior valor deste último, já que se “reporta ao fulcro do ordenamento económico e respeita ao poder exclusivo que só um Estado soberano pode exercer ou delegar; o poder de emitir moeda que corresponde a um modo de concretização de políticas com impacto social profundo”.
Donde, dever ser esta a norma jurídica que importa primacialmente convocar para sua protecção e punição.

Conclusão que a nosso ver não fica prejudicada pela circunstância da matéria de facto provada espelhar no seus pontos 1.9. e 1.12., que afinal o arguido A..., o que fez, foi converter cartões de crédito em cartões sem esse tipo de características e como tal capazes de passar incólumes v.g. no sistema Multibanco (onde são predominantes os de débito).
Para todos os efeitos, estamos perante uma contrafacção daqueles primeiros.

III – 3.3.) Como decorre da matéria de facto provada, o arguido A... não só procedeu à “contrafacção” dos indicados cartões como também os utilizou.

Seja como for, nos termos Doutrinais e Jurisprudenciais tidos por dominantes, esta última actuação é consumida pela primeira.
Sendo a mesma pessoa que contrafaz a moeda e, depois, a coloca em circulação, ao menos por força das regras da consunção impura, sempre se terá de punir-se o agente no quadro da sanção estabelecida no art. 262.º-1, para a falsificação de moeda” (assim Faria e Costa, Comentário Conimbricense, pág.ª 763).

Praticou assim o mesmo, o crime de contrafacção de moeda p. e p. pelo art. 262.º, n.º1, e 267.º, n.º1, al. c), do Cód. Penal.

Já o arguido B..., de harmonia com o ponto 1.18. da factualidade considerada provada, deslocou-se a Portugal “com o único propósito de utilizar os cartões de crédito regravados para efectuar compras em estabelecimentos”.
Nessa conformidade, sabendo daquela sua não genuinidade constitutiva, praticou o crime de passagem de moeda falsa previsto no art. 265.º, n.º 1, al. a), por referência ao mencionado art. 267.º, n.º1, al. c), todos do Cód. Penal.

Todos estes normativos constavam já da acusação deduzida, pelo que não importam qualquer alteração de qualificação que possa constituir “surpresa” para a Defesa.

III – 3.4.) Com a questão seguinte, pretende o Ministério Público introduzir uma perspectiva algo diferente no tratamento jurídico de uma questão associada a situações com esta mesma conformação factual.

A utilização dos cartões de crédito, como é sabido, pode implicar a aposição de uma assinatura nos talões de pagamento referentes às transacções efectuadas.
Tendo os cartões em causa sido adulterados, designadamente pela duplicação dos caracteres de identificação electrónica, de modo a que os respectivos sistemas informáticos de pagamento os identificassem como se tratasse da informação original, significa isso então, que as assinaturas efectuadas pelos arguidos, naturalmente, não foram realizadas pelos verdadeiros titulares.

Por isso mesmo foram condenados pela prática de um crime continuado de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.º1, al. c), do Cód. Penal.

A Digna recorrente sustenta no entanto que a conduta “traduzida na exibição dos cartões falsificados e na assinatura dos respectivos talões de pagamento reconduz-se à passagem de moeda falsa”, e como tal, deve “ser compreendida na própria actividade de passagem de moeda falsa”.

Se em relação ao primeiro aspecto da actuação apontada nada temos a opor a tal consideração, o mesmo já não sucede em relação à aposição das referidas assinaturas.
A questão está longe de ser simples.

Procurando-a simplificar e reconduzi-la ao quadro orientador pressuposto no art. 30.º, n.º1, do Cód. Penal, para o qual a unidade e pluralidade de infracções praticadas, em termos de tipos violados, se opera essencialmente na aferição dos bens jurídicos ofendidos nas diversos normas legais chamadas à sua subsunção, julgamos existir, ainda assim, espaço para uma consideração autónoma da veracidade dos elementos identificativos manuscritos nos talões dos terminais de pagamento junto dos estabelecimentos comerciais (cfr. ponto 1.44.).

III – 3.5.) No que concerne à última questão suscitada, a que se prende com a unicidade do crime de burla informática fundada na unidade da resolução criminosa que lhe terá presidido, julgamos que assiste razão à Digna recorrente, ainda que por razões perfeitamente colaterais à circunstância da subsunção conferida pelo Colectivo, afinal, dever redundar na absolvição dos arguidos, por o respectivo delito ser semi-público e nenhum dos ofendidos ter exercido o seu direito de queixa…

Note-se que a conformação como crime continuado tem como fonte a própria acusação. E para corroborar esta posição, o acórdão agora objecto de discussão não deixou de referir que:
“Vemos, pois, que na génese do crime continuado existe um concurso de crimes, os quais foram unificados pela lei para efeitos punitivos pelas razões descritas no n.º 2 do citado art. 30.º homogeneidade da forma de actuação/situação exterior propiciadora da execução e susceptível de diminuir consideravelmente a culpa.
Ora, analisados os factos, os mesmos mostram que, por um lado, a actuação dos arguidos foi sempre a mesma e resulta de um mesmo quadro por eles projectado, e, por outro lado, o facto de terem logrado as diferentes gravações a subsequentes pagamentos, leva a que se considere que a sua conduta repetida assentou num condicionalismo exógeno que a facilitou, tornando-a menos culposa.
Acresce que, a muito embora a limitação temporal entre os vários actos não seja um elemento essencial na definição do crime continuado, aponta também para a ideia generalizada de “continuação" a circunstancia dos factos terem sido praticados num curto espaço de tempo, ou seja, entre 19-07-2010 a 22-07-2010.”

Ou seja, convoca como factor exógeno susceptível de diminuir consideravelmente a culpa, aquela mesma circunstância adiantada pelo Professor Eduardo Correia, no elenco por si enumerado (mormente na sua obra Direito Criminal, que para esse efeito é expressamente citada) como capaz de a sugerir, que se traduz na “circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime, que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa”.

Ainda que os pressupostos em causa não padecem nos seus termos enunciativos abstractos de qualquer objecção relevante, já não concordamos como resultado prático que deles se retirou.

Em primeiro lugar, porque como pertinentemente se anota no recurso interposto, a matéria de facto que foi considerada provada não é coerente com essa conclusão.

O que se deixou escrito nessa sede, foi que:
1.5. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 19.07.2010, o arguido A... decidiu dedicar-se à gravação de elementos bancários falsos em bandas magnéticas de cartões bancários e não bancários, com o fim de se locupletar com quantias a que sabia não ter direito.
1.6. Para o efeito, decidiu deslocar-se a Portugal com o único propósito de, aproveitando conhecimentos técnicos previamente adquiridos, copiar dados de cartões de crédito que trazia consigo e, posteriormente, utilizar esses dados para efectuar compras em estabelecimentos.
1.18. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 19.07.2010, os arguidos A... e B... decidiram que este último se deslocaria também a Portugal com o único propósito de utilizar dados de cartões de crédito regravados para efectuar compras em estabelecimentos.

Ou seja, na perspectiva acima deixada transcrita, os factos praticados foram-no sempre na base de uma prévia e única resolução voluntária em os cometer, que não na renovação desse processo voluntário na dependência das sucessivas circunstâncias que fossem encontradas pelos respectivos agentes.
Tanto assim que, não era o insucesso de uma operação de pagamento, que condicionava a sua não prossecução na loja seguinte.

Por outro lado, tenha-se em conta também, que a “circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime, já antes aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa”, deixa de ser factor de diminuição da culpa se esse mesmo aproveitamento das circunstâncias não for ele mesmo já o resultado do próprio plano criminoso que prevê essa contingência como forma específica de actuação, ou ainda, concebe como irrelevante o sucesso ou não de uma das suas realizações parciais.

Como o acórdão vem depois também a reconhecer, esta não é uma actuação “espontânea”, mas uma demonstração prática de epifenómenos, a mais das vezes de origem internacional, dotada de conhecimentos e equipamento de alguma sofisticação, para as quais, o desenvolvimento das suas actividades possa corresponder a simples obra do acaso.
Donde também se falar, que “a actuação dos arguidos (…) resulta de um mesmo quadro por eles projectado”.

Assim, tal com se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2010, no processo n.º 78/07.6JAFAR.E2.S1, que contempla uma situação de burla informática nos seus traços essenciais semelhantes à dos presentes autos, o “que se alcança da matéria provada é que o arguido concebeu um esquema para cometer múltiplos crimes e procurou os meios aptos para os levar a cabo, não tendo deparado "com uma situação exterior" que o tenha levado a repetir a sua actuação, por esta se mostrar facilitada”.

Sendo este então um crime único, posto que em diferente conformação, qual a sua exacta sede normativa?

Em nossa opinião, a do art. 221.º, n.ºs 1 e 5 al. a), do Cód. Penal, porquanto o benefício por ambos alcançado sendo de € 19.453,47 (conferir ponto 1.21 da matéria de facto) suplantando as 50 unidades de conta exigidas pela al. b) do art. 202.º do mesmo diploma, não ultrapassa os € 20.400,00 exigidos para que o respectivo valor possa ser qualificado como consideravelmente elevado (cfr. a al. a) daquele mesmo art. 202.º).

III – 3.6.) Em função do quadro normativo assim traçado, na habitualidade do silogismo judiciário próprio deste ramo do Direito, impor-se-ia agora a re-determinação concreta das penas correspondentes às infracções assim encontradas.

Com efeito, o crime de contrafacção e passagem de título equiparado a moeda falsa p. e p. pelos art.ºs 262.º, n.º 1 e 267.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal, aplicável ao arguido A..., é punível com prisão de 3 a 9 anos.
O de passagem de título equiparado a moeda falsa - p. e p. pelos art.ºs 265.º, n.º 1, al. a) e 267.º, n.º 1, al. c) - que impende sobre o arguido B..., com prisão até cinco anos.
O de burla informática tido por verificado e que a ambos abrange - art. 221.º, n.ºs 1 e 5 al. a), do Cód. Penal – com prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

Sucede todavia, que nesta matéria particular, o recurso interposto pelo Ministério Público não deixa de denotar alguma evanescência.
Aparentemente, desprende-se das consequências jurídicas dos crimes por si propugnados, quase deixando a entender que o escopo da sua irresignação se circunscreve a esse plano qualificativo, sendo indiferente às penas a aplicar, pois que em relação a elas nada alude.

Julgamos sinceramente que não será essa a intenção que se pretende veicular.
Em todo o caso, esta é uma incidência relevante em função da necessária delimitação do objecto do recurso e da proibição da reformatio in pejus.

Sobre o assunto entenderemos o seguinte: No que tange aos crimes de contrafacção e passagem de moeda falsa, porque é manifesto o propósito do Digno recorrente de que os arguidos sejam condenados nesse crime em substituição do de falsidade informática em que o haviam sido em 1.ª Instância, estando perfeitamente patente na argumentação utilizada para o sustentar, a sua maior gravidade sancionatória, tal pedido leva pressuposto aquele outro de que a nova condenação se opere na moldura penal que lhe é correspondente.

Diversamente, no crime de burla informática, em que o mesmo condicionalismo já não se verifica, pois o que se pretende é converter a unicidade encontrada para o crime tido por verificado simplesmente em termos diversos (posto que não irrelevantes em termos de pena), ao crime agora conformado será mantida a pena aplicada em face do enquadramento jurídico originalmente tido por subsistente.

III – 3.7.) Ao nível dos critérios doseométricos gerais utilizados na determinação das penas por parte do Tribunal Colectivo, destacaremos os seguintes considerandos:

Que a prática destes crimes “vem ocorrendo com frequência crescente, potenciada pela cada vez maior divulgação das tecnologias informáticas.
Tal actividade criminosa vem sendo assumida quase sempre por grupos que operam de forma organizada e a escala transnacional, conforme sucede manifestamente no caso em presença.
A frequência com que tais práticas tem lugar, a sua danosidade e a dificuldade muitas vezes experimentada pelas autoridades na oportuna descoberta a detenção dos seus agentes faz com que com que as exigências de prevenção geral se apresentem, relativamente às evocadas condutas, com grande intensidade (…)”.

Ao nível da ilicitude que: “Sendo a burla informática um crime contra o património, o seu grau de ilicitude ajuíza-se, essencialmente pelo valor do prejuízo infligido ao ofendido.
(…) O grau de ilicitude do crime de falsificação afere-se essencialmente em função da natureza do documento forjado ou alterado.
A conduta traduzida em forjar a subsequente utilização de cartões bancários é grave em termos de ilicitude, uma vez que permite o desenrolar de transacções comerciais que tem na sua base o recurso a valores monetários de contas a revelia dos respectivos titulares, com o prejuízo imediato consequente para estes a mediato para as entidades bancárias e para o normal desenvolvimento das relações comerciais.
Por outro lado, o visto é, por excelência, o instrumento comprovador de que aquela pessoa esta autorizada pelo Estado respectivo a entrar no seu espaço territorial, assumindo, por isso, uma função essencial a segurança do tráfego jurídico.”

Ao nível do dolo, este foi intenso, porquanto “não só (…) directo, mas também por que se mostra concretamente acentuado, em virtude da sofisticação da sua actuação, que é reveladora de planeamento a reflexão sobre os meios utilizados.
Propósitos inerentes, no que se refere aos crimes de burla informática, de falsidade informática (diríamos aqui, contrafacção e passagem de moeda falsa) a de falsificação simples, de virem a beneficiar economicamente da utilização dos cartões contrafeitos, e, relativamente ao crime de falsificação agravada, de ocultar as autoridades a inexistência de autorizado oficial de entrada em território nacional”.

Militou a favor dos arguidos o facto de não terem antecedentes criminais em Portugal, ainda que este factor, quanto a nós, só será merecedor de real valimento se se demonstrasse que anteriormente já aqui haviam permanecido ou estado.

A confissão foi parcial e não assumiu contornos de grande relevância, porquanto “apenas assumiram as operações em que surgem visualizados em fotogramas ou as que antecederam a sua detenção, sendo que o arguido A... nem sequer admitiu o acesso ao quarto do No... para as finalidades dadas como apuradas”.

Ao nível das condições pessoais, mais se considerou que: “ Antes de presos, os arguidos apresentavam deficiências a nível do respectivo enquadramento laboral assim como um nível de integração social com falhas, atenta a sua condição de imigrantes, em Itália, marcada pela precariedade dos empregos a dos vínculos comunitários. Os arguidos têm família constituídas”.

Finalmente, mais se sopesou o papel preponderante assumido pelo arguido A... em toda esta actuação, já que “manifestamente assume uma posição de liderança relativamente ao arguido B...”.

Tendo em conta também, que a apontada actuação concentrou-se basicamente em poucos dias, o arguido A... chega a 19/07, faz aquisições nos dias 20 e 21, e o arguido B… faz transacções em 21 e 22 de Julho, consideramos adequada a aplicação ao primeiro, em função da prática do indicado crime de contrafacção de título equiparado a moeda falsa p. e p. pelos art.ºs 262.º, n.º 1 e 267.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal, a pena de 4 anos e 3 meses de prisão.

Para o crime de burla informática p. e p. no art. 221.º, n.ºs 1 e 5 al. a), do Cód. Penal, manterá a condenação pelo crime continuado respectivo (nos termos acima sobreditos), que recorde-se, era de 1 ano e 9 meses de prisão.

Ao arguido B..., pelo crime de passagem de título equiparado a moeda falsa - p. e p. pelos art.ºs 265.º, n.º 1, al. a) e 267.º, n.º 1, al. c), a pena de 2 anos de prisão.
Para o crime de burla informática agora tido por verificado, manterá em identidade de situação, a anterior pena de 1 ano e 3 meses de prisão.

III – 3.8.) Nesta conformidade, haverá também que reformular os respectivos cúmulos jurídicos efectuados.

Em termos de molduras abstractas correspondentes, variarão agora para o arguido A... entre os 4 anos e 3 meses e os 9 anos e 9 meses anos de prisão, e para o arguido B..., entre os 2 anos e os 4 anos e 6 meses de prisão.

Atendendo ao conjunto dos factos disponíveis, que à falta de outros elementos nada permite filiá-los numa qualquer “carreira” criminal, mas que corresponde a uma actuação manifestamente danosa quer em termos de perigo potencial quer em função dos prejuízos efectivamente causados (praticamente € 20.000, em três dias), na decorrência de 42 operações efectivadas (25 para o arguido A..., das quais 12 consumadas, e 17 para o arguido B..., das quais 9 consumadas), concorrendo a ausência de uma verdadeira consciência crítica sobre o mal dos factos praticados, e descontando-se o carácter realmente confinado no tempo em que a mesma se realizou (posto que decorrente apenas da sua detenção pelas autoridades), entendemos adequada a aplicação das seguintes penas únicas:

Ao arguido A..., a pena de 5 anos 6 meses de prisão;
Ao arguido B..., a pena de 3 anos a que a esse título já se mostrava sancionado em 1.ª Instância.

III – 3.9.) Em função da pena concreta em que agora vai condenado, fica prejudicada a possibilidade de suspensão da respectiva execução impetrada no recurso interposto pelo arguido A..., já que não contida nos pressupostos formais exigidos pelo art. 50.º, n.º1, do Cód. Penal.

Nesta conformidade:

IV – Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, na parcial procedência do recurso interposto pelo Ministério Público decide-se:

A) - Em substituição do crime de falsidade informática em que foi condenado em 1.ª Instância, julgar o arguido A... incurso na prática de um crime de contrafacção de moeda p. e p. pelo art. 262.º, n.º1, e 267.º, n.º1, al. c), do Cód. Penal, e por ele condená-lo na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão.
- Julgá-lo incurso num crime de burla informática p. e p. pelo art. 221.º, n.ºs 1 e 5 al. a), com referência ao art. 202.º, al. b), todos do Cód. Penal (em vez do crime de burla informática, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 221.º, n.º1, e 30.º, n.º2, do Cód. Penal, em que o havia sido em 1.ª Instância), e por ele condená-lo na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão que lhe havia sido aplicada por aquela última infracção.

Na reformulação das penas parciais em que ficou condenado, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

B) Em substituição do crime de falsidade informática em que foi condenado em 1.ª Instância, julgar o arguido B... incurso na pratica de um crime de passagem de moeda falsa previsto no art. 265.º, n.º 1, al. a), por referência ao mencionado art. 267.º, n.º1, al. c), todos do Cód. Penal, e por ele condená-lo na pena de 2 anos de prisão.
- Julgá-lo incurso num crime de burla informática p. e p. pelo art. 221.º, n.ºs 1 e 5 al. a), com referência ao art. 202.º, al. b), todos do Cód. Penal (em vez do crime de burla informática, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 221.º, n.º1, e 30.º, n.º2, do Cód. Penal, em que o havia sido em 1.ª Instância), e por ele condená-lo na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão que lhe havia sido aplicada por aquela última infracção.

Na reformulação das penas parciais em que ficou condenado, manter-lhe a pena única de 3 (três) anos de prisão.

C) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A....

Pelo seu decaimento, e independentemente do benefício do apoio judiciário de que possa beneficiar, ficará este ultimo condenado em 2 (duas) UCs de taxa de justiça (art.ºs 513.º e 514.º do CPP e Tabela III, e respectivo Regulamento das Custas Judiciais).
Pelo seu não vencimento total o Ministério Público está isento.

Independentemente do respectivo trânsito, dê conhecimento imediato à 7.ª Vara Criminal de Lisboa do teor do presente acórdão.

Lisboa, 10 de Julho de 2012

Relator: Luís Gominho;
Adjunto: José Adriano;