Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3313/2006-7
Relator: SOARES CURADO
Descritores: NULIDADE
CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: É inatendível a arguição de nulidade da notificação por preterição de formalidades legais sem se arguir a falsidade da certidão lavrada pelo Oficial de Justiça consignando ter procedido à mesma “nos termos e para os efeitos do art. 926º do Código de Processo Civil”, em diligência de contacto pessoal com o legal representante da executada.

( JLSC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I RELATÓRIO
i Na execução para pagamento de quantia certa e processo sumário que L.[…] instaurara contra si, a executada,  “S.[…] LDA”, foi aos autos arguir a nulidade da sua notificação, alegando não constar da certidão da diligência mais do que a referencia à norma (art. 926º, 1, Código de Processo Civil – CPC) em cujos termos e para cujos efeitos aí se consignou ter sido efectuado o acto, sem que dela resulte ter sido dado conhecimento à executada de quais os mecanismos processuais de que podia socorrer-se para reagir à execução e/ou à penhora bem como do prazo legalmente prescrito para tal efeito.
ii Foi ouvida a contraparte, que se opôs sob alegação de no momento da penhora ter a executada sido informada dos direitos que lhe assistiam, sem qualquer preterição de formalidades legais.
iii Conheceu então o Exmo. Juiz da arguição que desatendeu por extemporaneidade e total ausência de fundamento.
iv É deste despacho que a exequente traz agravo, para o ver revogado e substituído por outro que ordene a anulação de todo o processado depois da efectivação da penhora ordenada e realizada nos autos. Rematando a sua alegação, formulou ela as seguintes conclusões:
(a) De acordo com o disposto no nº 1 do art. 926º do CPC, feita a penhora, é o executado notificado simultaneamente do requerimento executivo, do despacho determinativo da penhora e da realização desta, para deduzir, querendo, no prazo de 10 dias, embargos de executado ou oposição à penhora, sendo que de acordo com o disposto no nº 4 desta mesma norma legal (art. 926º do CPC), a tal notificação aplicam-se as disposições referentes à realização da citação.
(b) De acordo com o disposto no nº 4 do art. 926º do CPC, a tal notificação aplicam-se as disposições referentes à realização da citação regulada no art. 235º do CPC;
(c) De acordo com o disposto no art. 235º do CPC, no acto da citação indicar-se-á ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia;
(d) Aquando da efectivação da penhora ordenada a fls.. 6 dos presentes autos, foi lavrado o respectivo Auto de Penhora, constante de fls. 45 dos presentes autos, dele constando frase redigida pelo Senhor Funcionário incumbido da realização de tal diligência na qual afirma que "Notifiquei o sócio-gerente da executada, R.[…] nos termos e para efeitos do disposto do art. 926º do CPC';
(e) Por outro lado, em parte alguma dos autos se encontra evidenciado que o Senhor Funcionário incumbido da realização da diligência tenha informado a executada, aqui agravante designadamente do disposto nos arts. 926º/ art. 235º/2 do CPC e de quais as cominações em que incorreria no caso de revelia;
(f) De acordo com o disposto no nº 1 do art. 198º CPC é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei;
(g) Como tal, a notificação da penhora à agravante efectuada nos presentes autos é nula;
(h) De acordo com o disposto no nº 5 do art. 926º do CPC, à falta ou nulidade da notificação prevista nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 921º, sendo que, de acordo com o disposto no nº 1 deste preceito legal, se a execução correr à revelia do executado e este não tiver sido citado, quando o deva ser, ou houver fundamento para declarar nula a citação, pode o executado requerer a todo o tempo, no processo de execução, que esta seja anulada;
(i) Como tal a arguição de tal nulidade foi pertinente e tempestiva;
(j) Consequentemente, a decisão de indeferimento da pretensão da agravante contida no despacho recorrido merece censura na medida em que viola, nomeadamente, o disposto nos arts. 198/1 e 235º aplicáveis ex vi arts. 926º e 921º,  todos do CPC.
v Não ouve contra-alegações e o Exmo. Juiz proferiu despacho de sustentação.
vi Corridos os vistos, cabe conhecer.
II FUNDAMENTOS
vii O âmbito dos poderes de cognição desta instância é definido pelas conclusões de quem recorre (arts. 684º e 690º, CPC) e delimitado pelo quadro factual que não deva alterar por apelo aos mecanismos previstos no art. 712º, id.. Enumeradas as conclusões e as incidências fácticas que interessam o processamento do recurso, cumpre agora enunciar a questão a decidir, que é a de saber se, contrariamente ao decidido pelo despacho recorrido, a notificação da exequente por referência ao art. 926º, nºs 1 e 4, CPC, é nula por preterição de formalidades essenciais e se a correspondente arguição foi tempestiva.
viii Dada a simplicidade da questão e a pertinência – adiante-se já – do despacho recorrido, importa, brevitatis causa, transcrevê-lo aqui na íntegra. Apreciando a arguição de nulidade, escreveu-se na primeira instância:
«Nos presentes autos de acção executiva com a forma de processo sumário em que é exequente L.[…] e executado S.[…]Lda., veio a executada arguir a nulidade da citação.
Para tanto alega que:
Aquando da realização da penhora foi lavrado auto no qual consta frase redigida pelo senhor funcionário que deu cumprimento à diligência na qual afirma ter notificado o sócio-gerente da executada, Rui […], nos termos e para os efeitos do disposto no art. 926° do Cód. de Processo Civil.
Apesar daquela referência o funcionário incumbido da realização da diligência não observou as formalidades legais a cujo cumprimento estava obrigado;
Nomeadamente não informou a executada de que poderia opor-se à execução mediante embargos de executado ou opor-se à execução, qual o prazo para o fazer, a obrigação de constituição de mandatário judicial, e quais as cominações em que incorreria em caso de revelia.
Nas peças do processo não se encontra evidenciado que o senhor funcionário tivesse cumprido tais formalidades.
Pelo que é patente a falta de notificação, ou pelo menos a sua nulidade,
Requerendo a executada a consequente anulação da execução, nos termos previstos no art. 921 ° nº1 do Cód. de Processo Civil.
Notificado, veio o exequente pronunciar-se no sentido de se indeferir o requerido, porquanto no momento da penhora a executada foi devidamente informada dos direitos que lhe assistiam, não havendo qualquer preterição de formalidades essenciais.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no art. 926° nº l do Cód. de Processo Civil “Feita a penhora, é o executado notificado simultaneamente do requerimento executivo, do despacho determinativo da penhora e da realização desta, para deduzir, querendo, no prazo de 10 dias, embargos de executado ou oposição à penhora”, dispondo ainda o nº 4 do mesmo normativo que “à notificação prevista no nº 1 aplicam-se as disposições referentes à realização da citação”.
Nos termos do disposto no art. 195° do Cód. de Processo Civil, há falta de citação quando o acto tenha sido completamente omitido, além de outras situações de todo inaplicáveis ao caso concreto.
Ora analisados os autos constata-se que não houve uma completa omissão do acto, uma vez que o senhor Funcionário fez constar ter dado cumprimento ao disposto no art. 926° do Cód. de Processo Civil.
Alega ainda a executada que a citação é nula por preterição de formalidades essenciais.
Dos autos não resulta qualquer elemento de onde se possa concluir que tal tenha sucedido, nem a executada solicita a realização de qualquer diligência probatória, pelo que assim não se pode concluir.
O senhor Funcionário, ao consignar ter notificado a executada na pessoa do seu sócio gerente “nos termos e para os efeitos do disposto no art. 926° do Cód. de Processo Civil” pressupõe exactamente que tenha dado cumprimento ao previsto naquele artigo, e não apenas no nº1 do mesmo.
Ao não juntar prova do alegado, ou sequer solicitando a realização de qualquer diligência probatória – nem o podendo fazer senão no articulado em que invoca a nulidade (cfr. art. 303° nº1 do Cód. de Processo Civil) – não logrou o exequente demonstrar que o senhor Funcionário não procedeu à notificação/citação de acordo com as formalidades legais.
Mesmo que assim se não entendesse, também a presente alegação de nulidade de citação deveria ser desatendida por extemporânea.
O prazo para alegar a nulidade da citação é o mesmo prazo para oposição, ou seja, e no caso, 10 dias (arts. 926° e 198° nº 2). Quando muito poderia o prazo ser estendido – caso se entendesse não ter sido indicado ao citando o prazo para defesa – e a nulidade ser arguida aquando da primeira intervenção da executada no processo (art. 198° nº 2 in fine).
Ora a executada teve diversas intervenções no processo e nunca, até ao presente, invocou a legada nulidade.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, entende-se desatender o peticionado, não só por extemporâneo, mas também por total ausência de fundamento.
Custas do incidente pela executada, (art. 446° nº l do Cód. de Processo Civil).
Notifique. »

ix Este despacho merece inteira concordância a esta instância, porquanto o considera suficiente na extensão temática e acertado na equação e decisão das questões suscitadas ante o tribunal recorrido através da arguição de nulidade. Apenas no sentido de sublinhar o ponto nuclear da questão, convém recordar à agravante as regras contidas nos arts. 363º e 369º e segs. do Código Civil (CC), que esclarecem em que consiste um documento autêntico (é assim que cabe qualificar a certidão da notificação), qual o alcance da sua força probatória, que é plena (art. 371º, CC) e em que consiste a sua consistência probatória – só pode ilidir-se aquela força probatória quando se demonstre a sua falsidade (art. 372º, id.), sem esquecer a regra aplicável relativamente ao ónus da prova (que não se atreveu a pedir), pilar do direito probatório, estabelecida no art. 342º, 1, CC. Ao alegar a matéria em que pretendia fundar a anulação do processado sem a menor relação com o travejamento normativo do sistema no que tange à pretendida preterição de formalidades essenciais ao acto de citação, a agravante mais não fez do que ocupar ambas as instancias com a insustentável irrelevância da sua argumentação. Situação que bem se poderá ver enquadrada na previsão do art. 456º, 1, a) e d), CPC, em que contou com a benévola complacência do tribunal recorrido.
x Como assim, porque a decisão recorrida ajuizou com propriedade das questões objecto de arguição, nenhum reparo substantivo merece o despacho recorrido, que se manterá intocado.
III DECISÃO
xi Acordam pelo exposto em negar provimento ao agravo.
Custas pela agravante.

Lisboa,4 de Junho de 2006



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(J. L. Soares Curado - Relator)
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(J.M. Roque Nogueira)
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(J.D. Pimentel Marcos)