Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1268/19.4YRLSB-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: UNIÃO DE FACTO
ESCRITURA PÚBLICA DECLARATÓRIA
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: PROCESSO ESPECIAL
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: - A declaração dos requerentes numa Escritura Pública Declaratória de União Estável, perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião) de que mantêm uma união estável desde 3/9/2006, não deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 978º nº 1, do CPC, não podendo ser revista e confirmada para produzir efeitos em Portugal
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

M… luso-brasileiro, em união estável, natural da cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, portador da Cédula de Identidade brasileira nº e A…, brasileira, em união estável, natural da cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, portadora da Cédula de Identidade brasileira nº, residentes e domiciliados na Rua na cidade do Rio de Janeiro, no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, intentaram acção de revisão de sentença estrangeira.
Em síntese, alegaram que os requerentes, vivem em situação análoga à dos cônjuges há ,aproximadamente, 12 anos .
No dia 31 de Março de 2014, os requerentes, com vistas a formalizarem esta união, compareceram perante o Oficial do 18º Ofício de Notas, da cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, a fim de lavrar Escritura Pública de União Estável, para fins de formalizar sua relação conjugal .
Desta relação adveio uma filha, …conforme cópia da Certidão de Nascimento brasileira anexa (documento 03).
Pedem que seja julgada procedente a acção e, consequentemente, julgada, revista e confirmada a Escritura Pública Declaratória de União Estável acima referida
Cumprido o disposto no artigo 982º do Código de Processo Civil, o Ministério Público produziu alegações, afirmando que na obsta à confirmação e revisão.
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Está documentalmente provado que:
1º- No dia 31 de Março de 2014, os requerentes, celebraram no Cartório do 18º Ofício de Notas, da cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, Escritura Pública declatória de União Estável, tendo tendo declarado que constituem uma unidade familiar desde 3-9-2006.
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Fundamentação de direito
Importa, então, analisar a factualidade ,a fim de saber se estão reunidos ,ou não, os requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da Escritura Pública Declaratória de União Estável.
O sistema do direito português, como o do direito brasileiro, é, portanto, o do reconhecimento das sentenças estrangeiras mediante revisão ou controlo prévio (homologação). Antes de confirmada (homologada), a sentença não opera na ordem jurídica nacional os efeitos que lhe correspondem como acto jurisdicional. Ela é simplesmente um facto jurídico, cuja eficácia está pendente até que sobrevenha a condição legalmente requerida (condicio uiris), que é a decisão de confirmação ou homologação proferida no referido processo especial de revisão de sentença estrangeira.
Na génese das razões que podem explicar o reconhecimento de uma decisão estrangeira, radica uma necessidade de assegurar a continuidade e estabilidade das situações da vida jurídica internacional, a fim de que os direitos adquiridos e as expectativas dos interessados não sejam ofendidos; trata-se do princípio da harmonia jurídica internacional.
O nosso sistema de reconhecimento das sentenças estrangeiras é informado pelo princípio da revisão predominantemente formal, ou seja, pelo controlo da regularidade formal ou extrínseca da sentença estrangeira, que dispensa a apreciação dos seus fundamentos de facto e de direito. Deve tão-somente tomar-se em linha de conta a decisão contida na sentença estrangeira e não os respectivos fundamentos, como era geralmente entendido na vigência da versão anterior do preceito, por ser mais compatível com o nosso sistema de controlo das sentenças estrangeiras, que é fundamentalmente de revisão formal (ou de delibação) .
Assim, o tribunal português competente para a revisão e confirmação, deve verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa.
Nessa perspectiva, se o tribunal nacional verificar que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais, não fazendo sentido que proceda a um novo julgamento da causa .
Este princípio de revisão formal é atenuado pelo estatuído no artº 983º do Código de Processo Civil:
No entanto, existe sempre um limite para esta subserviência perante decisões estrangeiras: a não violação dos princípios de ordem pública internacional do Estado Português .
No preâmbulo do DL nº 329-A/95, sobre este artigo, foi dito que se aperfeiçoou o teor da al. f), pondo-se a tónica no carácter ofensivo da incompatibilidade da decisão com a ordem pública internacional do Estado Português.
Daí que, na situação actual, o obstáculo à revisão e confirmação não é mais o ser proferida contra português, mas apenas a salvaguarda dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
A exigência deste requisito está em consonância com o artº 22º do Código Civil, que estabelece que não são aplicáveis os preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de conflitos, quando essa aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português. Cf Acs STJ de 21-2-2006 e de 3/7/2008 in DGSI
Voltando ao caso concreto:
-- no caso dos autos, os requerentes apresentaram na petição inicial a Escritura Pública Declaratória de União Estável lavrada no Cartório do 18º Ofício de Notas da Tabeliã Fernanda de Freitas Leitão, perante entidade com competência para o efeito, segundo a lei brasileira.
Dispõe o artigo 1723º do Código Civil brasileiro, que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objectivo de constituição de família”.
O artigo 978º do Código de Processo Civil estabelece a necessidade da revisão nos seguintes termos:
1 - Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.
2 - Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.
Os requerentes não obtiveram na escritura uma decisão homologatória por parte do tabelião que possa servir de base à presente revisão. Apenas declararam que “mantem uma união estável desde 3/9/2006 até aos dias actuais, constituindo uma unidade familiar nos precisos termos do artº 1723 do Código Civil Brasileiro”
Por conseguinte, estamos perante um simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa, ou seja, de quem haja de decidir sobre os direitos atribuídos ou reconhecidos em Portugal, pelo que a mencionada escritura invocada pelos requerentes, fica excluída do processo de revisão de sentença estrangeira - artigo 980º nº 2 do CPC.
Num caso muito similar ao dos presentes autos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2019 In Dgsi decidiu:
“O direito brasileiro não exige uma decisão judicial para o reconhecimento da união de facto e o direito português não exige que a prova seja feita por uma declaração da junta de freguesia competente. Em todo o caso, a prova feita por uma declaração da junta de freguesia não tem uma força superior à de uma escritura pública.
Como escrevem os Professores Francisco Manuel Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira,
A prova da uniaÞo de facto eì normalmente testemunhal; mas a possibilidade de prova documental não deve excluir-se. Interpretando com largueza o termo vida no artº 34º nº 1, do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril, que regula o modo como “os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos” devem ser passados pelas juntas de freguesia, pode admitir-se que a junta de freguesia da residência dos interessados passe atestado comprovativo de que uma pessoa vive ou vivia em união de facto com outra. […]
Não se tratando, porém, normalmente, de facto atestado “com base nas percepções da entidade documentadora” (artº 371º nº 1, C.Civ), o documento não faz prova plena, podendo provar-se que o facto naÞo eì verdadeiro, pois a união de facto não existiu ou não existiu durante determinado período. O documento prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação” .
Entre a força probatória da declaração emitida pela junta de freguesia e da escritura pública há uma relação de semelhança — como a declaração emitida pela junta de freguesia, a escritura “prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação”.
Por isso, seguindo ainda a decisão, acima transcrita também entendemos que “nem a declaração da junta de freguesia prevista pelo direito português nem (muito menos) a escritura declaratória de união estável prevista pela lei brasileira fazem com que o acto composto pelas declarações dos requerentes seja “caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” - com a consequência de que a escritura declaratória de união estável apresentada pelos Requerentes não pode ser confirmada / revista”.
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Síntese:
- a declaração dos requerentes numa Escritura Pública Declaratória de União Estável, perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião) de que mantem uma união estável desde 3/9/2006, não deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 978º nº 1, do CPC, não podendo ser revista e confirmada para produzir efeitos em Portugal.
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Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a presente acção de revisão de sentença estrangeira.
Custas pelos recorrentes.

17/10/2019
Teresa Prazeres Pais
Isoleta Costa
Carla Mendes