Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VERA ANTUNES | ||
Descritores: | CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO CLÁUSULA ACESSÓRIA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL PRAZO DE PRESCRIÇÃO JUROS DE MORA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I–A cláusula de fidelização é um verdadeiro acessório da obrigação principal celebrada – a celebração do contrato de prestação de serviço de telecomunicações mediante o pagamento do respectivo preço. II–Ao incumprimento desta cláusula de fidelização associam a maioria dos contratos uma cláusula penal, cláusula acessória do núcleo essencial do contrato. III–O prazo de prescrição estabelecido para a obrigação principal não pode, pois, deixar de abranger também esta, que é obrigação acessória. IV–Apenas a violação da obrigação principal pode constituir a R. em mora e na obrigação de indemnizar a A., indemnização essa que, nos termos do art.º 806º corresponde aos juros. V–Ou seja, sempre o pagamento de juros depende da verificação de uma causa necessária e adequada à constituição dessa obrigação, que é a constituição do vínculo contratual e a violação de (pelo menos) uma das cláusulas contratuais que foram assumidas pelas partes - pagamento pontual do preço. Decorrendo assim a obrigação de indemnização - consistente no pagamento de juros - da obrigação principal e sua violação, não se vê como justificar a sua autonomia em relação a esta, sendo-lhe extensível o regime da obrigação principal, incluindo o prazo de prescrição. VI–Nem se compreende que, prevendo o legislador um regime especial destinado a proteger o utente de serviços públicos essenciais, tal regime de protecção não se estenda, salvo melhor opinião, à obrigação de juros. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I.–Relatório: N… intentou requerimento de injunção, que passou a tramitar como acção comum ao abrigo do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 63/2013 de 10/5, contra C…, peticionando a condenação desta a pagar à autora a quantia de €17.662,34 a título de capital, acrescida dos juros de mora no valor de €1.394,31, de €600,00 pelos custos administrativos e internos da cobrança da divida, bem como, de €229,50 relativos a taxa de justiça paga, tudo no valor total de €19.886,15. Alega, para tanto, que, no âmbito do contrato celebrado entre A. e R., a Requerente obrigou-se a prestar o serviço/equipamentos, no plano tarifário escolhido pela R. e esta obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas e manter o serviço pelo período fixado no contrato sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento à A., a título de cláusula penal e nos termos das condições contratuais, do valor relativo à quebra do vínculo contratual, valor que inclui os encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato. A A. ativou os serviços, tendo emitido as faturas correspondentes. Das faturas emitidas e vencidas permanecem em dívida a seguinte, relativa à cláusula penal contratual reclamada pela A.: Fatura n.º FT 202003/5453, no valor de €17662.34, emitida em 08.01.2020 e vencida em 07.02.2020. Tal fatura foi enviada à R. logo após a data de emissão, para a morada por esta indicada para o efeito. Pelo facto de não a ter pago, apesar das diligências da Requerente, constituiu-se a R. em mora e devedora de juros legais desde o vencimento, calculados à taxa de juro comercial, sucessivamente, em vigor - a qual é de 8,00% à presente data -, juros vencidos que totalizam o valor supra indicado. É a R., também, devedora do montante peticionado em "outras quantias", a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança. * A R. foi notificada e deduziu oposição, alegando, em primeiro lugar, que a factura ora reclamada não é devida, na medida em que o contrato que vinculava Requerente e Requerida foi por esta resolvido em 30/04/2019, resolução que foi comunicada através de comunicação escrita registada com aviso de recepção, por si enviada em 12/04/2019 e recebida pela Requerente em 15/04/2019. Sem prejuízo, invoca a prescrição da obrigação. * Ordenou-se a notificação da A. para responder à matéria da excepção por escrito, o que esta fez. * Por se considerar conterem os autos todos os elementos necessários que permitiam conhecer do objecto do processo, o Tribunal proferiu decisão, julgando a excepção de prescrição procedente e, em consequência, julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a R. C… da totalidade do pedido formulado pela autora N…. * Não se conformando com a decisão proferida, dela recorre a A. formulando as seguintes Conclusões: “1.–A sentença recorrida considerou prescritos os juros de mora, as outras quantias e a cláusula penal, considerando-os como “acessórios” do preço do serviço prestado. 2.–Porém, não só a fatura peticionada, porque titula uma cláusula penal contratual, não está prescrita, não decorre da lei civil - muito pelo contrário - disposição que estabeleça que os créditos resultantes do mesmo contrato prescrevam em igual prazo. Antes se estabelecem prazos de prescrição distintos. 3.–A teoria da acessoriedade não confere fundamento à sentença, nem a cláusula penal peticionada é acessória da obrigação de pagamento do preço 4.–Em relação aos juros de mora, dispõe o art.º 310º, alínea d) do Código Civil que “Prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais…”. 5.–Mais, consagra o art.º 561º do mesmo diploma a autonomia do crédito de juros: “Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro.”. 6.–Uma vez constituído o crédito de juros, este autonomiza-se da obrigação de capital. 7.–À data da injunção não se encontrava ultrapassado o prazo de prescrição estabelecido no art.º 310, alínea d) do CC para os juros de mora. 8.–Em relação à cláusula penal, confundiu a sentença recorrida a natureza da cláusula penal com o critério de fixação do seu valor, porquanto: 9.–Reconheceu o tribunal a quo a Recorrente peticionou uma cláusula penal, estabelecida com a celebração do contrato para o incumprimento do seu período de permanência. 10.–Ainda assim, decidiu-se pela aplicação do prazo de prescrição o prazo de prescrição previsto no art.º 10º da Lei 23/96. 11.–No entanto, “preço dos serviços” e “cláusula penal” são questões distintas na sua essência. 12.–Não se aplicam à cláusula penal os motivos que determinaram a estipulação do prazo de prescrição previsto na Lei 23/96, uma vez que (i) o utente dispõe, desde a celebração do contrato, de todas as condições para saber exactamente, qual é o montante que terá de suportar caso incumpra o período de fidelização, (ii) a obrigação constitui-se num momento único e por efeito de um comportamento único, pelo que evitá-la não é evitar um acumular de dívidas, é impedir a sua constituição. 13.–Não existindo, relativamente à prescrição, disposição legal prevista para a cláusula penal, se o Legislador não a excecionou do regime geral do art.º 309º do CC, não poderá tal regime deixar de lhe ser aplicável. 14.–A aplicação, à cláusula penal, do prazo ordinário de prescrição e 20 anos constitui jurisprudência dominante nos Tribunais superiores – cfr, nomeadamente, processo 2360/06.0YXLSB.L1-7: - “O crédito ao recebimento do preço, é uma coisa; o vínculo de fidelização, outra diferente. Quer uma, quer outra, retratam prestações debitórias emergentes do contrato. (…) - “Ao abrigo da autonomia da vontade é permitido às partes estipularem, por acordo, uma cláusula penal prevenindo a hipótese do incumprimento do vínculo de fidelização firmado (artigo 810º, nº 1, do Código Civil); O direito ao recebimento dessa indemnização (da quantia estipulada como cláusula penal) não está sujeita à prescrição de seis meses… mas antes ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309º do Código Civil).” De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos violou os art.ºs 309, 310º alínea d) e 561º, todos do CC, Deverá, pois, a decisão proferida ser declarada nula e substituída por outra que julgue tempestivamente reclamada a dívida da Recorrente em relação aos juros de mora, cláusula penal e outras quantias peticionadas.” * A R. contra-alegou concluindo como se segue: “1.ª-A factura cujo pagamento a Recorrente peticiona a “título de cláusula penal e nos termos das condições contratuais, do valor relativo à quebra do vínculo contratual, valor que inclui os encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato” foi emitida em 08/01/2020 e vencida em 07/02/2020. 2.ª-A factura ora reclamada não é devida, na medida em que o contrato que vinculava Recorrente e Recorrida foi por esta resolvido em 30/04/2019, através de comunicação escrita registada com aviso de recepção, por si enviada em 12/04/2019 e recebida pela Recorrente em 15/04/2019, resolução à qual a Requerente não se opôs, encontrando-se assim extinta a obrigação principal desde 30/04/2019. 3.ª-Por outro lado, além da extinção da obrigação principal acarretar a extinção de todas as obrigações que lhe são acessórias, neste caso, trata-se ainda de uma factura emitida em 08/01/2020, mais de 11 meses decorridos desde a data de resolução do contrato, que ocorreu em 30/04/2019. 4.ª-Ou seja, não pode ser judicialmente exigido o seu pagamento não só porque a mesma não é devida em virtude da extinção da obrigação principal operada por via da cessação do contrato com efeitos em 30/04/2019, através de comunicação de resolução do mesmo pela Recorrida e aceite pela Recorrente, 5.ª-Mas também porque, mesmo que assim não fosse, a possibilidade do exercício desse direito se encontra prescrito, nos termos do artigo 10.º n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, que é aplicável ao serviço de comunicações electrónicas nos termos do artigo 1º, nº 2, alínea d). 6.ª-Sem conceder, nos termos do artigo 10.º n.º 4 da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, no limite, o prazo de 6 meses dentro dos quais a Recorrente poderia tentar lançar mão da Injunção, terá de ser contado desde a data de vencimento da factura, caso a mesma fosse devida (o que apenas por mero exercício intelectual se analisa, pois na realidade não foram prestados quaisquer serviços à Requerida desde Abril de 2019…), 7.ª-E, atendendo ainda assim ao regime de excepção resultante da vaga legislativa operada em virtude da COVID19 que em 2020 – entre outras medidas – fez suspender os prazos de caducidade de prescrição relativos a todos os tipos de processos e procedimentos (mais concretamente a Lei nº 1-A/2020 de 19/03, ainda que com a benesse do artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio). 8.ª-Sempre se dirá - mesmo atendendo à suspensão operada ao prazo da prescrição de 6 meses, que caso aquele pagamento fosse efectivamente devido, em 01/02/2021 a ora Recorrente teria sempre visto já esgotado o prazo para promover o presente procedimento por prescrito, 9.ª-A prescrição constitui excepção peremptória do direito do autor, e que nos termos do artigo 576.º, n.º 3 do Código do Processo Civil (CPC), tem como consequência a absolvição do réu do pedido, pelo que andou bem a Sentença ora recorrida em julgar a excepção de prescrição procedente, por provada e, julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo a ora Recorrida da totalidade do pedido formulado pela ora Recorrente, 10.ª-Devendo a mesma manter-se integralmente.” * O Recurso foi devidamente admitido, com efeitos e modo de subida adequados. Colhidos os vistos cumpre decidir. *** II.–Questões a decidir: Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente. Deste modo no caso concreto a questão a apreciar consiste em saber se a decisão proferida nos presentes autos violou os art.ºs 309º; 310º alínea d) e 561º, todos do Código Civil. * III.–Fundamentação de Facto. Para além do que consta no Relatório supra, foram considerados na 1º Instância os seguintes Factos provados, relativamente aos quais se verifica ocorrerem lapsos nas datas indicadas que aqui se passa a corrigir, ao abrigo do disposto pelo art.º 249º do Código Civil e art.º 662º, n.º 1 do Código de Processo Civil: 1.-A autora intentou no Balcão Nacional de Injunções o requerimento de injunção que deu origem aos presentes autos em 4/2/2021. 2.-A autora peticiona o pagamento da fatura, no valor de €17.662,34 de 8/1/2020, respeitantes ao período de 1/12/2019 a 31/12/2019 e a indemnização por incumprimento do contrato. 3.-A ré foi notificada em 12/2/2021. *** IV.–Do Direito. Nos presentes autos, a sentença recorrida considerou prescritos os juros de mora, as outras quantias e a cláusula penal, considerando-os como acessórios do preço do serviço prestado e por aplicação do artigo 10º da Lei n.º 23/96 de 26 de Julho. Insurge-se a A. contra tal decisão por entender que, tanto a cláusula penal como os juros não são acessórios da obrigação em causa, antes revestem autonomia; assim não só a factura peticionada, porque titula uma cláusula penal contratual, não está prescrita; como não decorre da lei civil - muito pelo contrário - disposição que estabeleça que os créditos resultantes do mesmo contrato prescrevam em igual prazo, antes se estabelecem prazos de prescrição distintos. Vejamos. * Da Cláusula Penal. O objecto do presente recurso prende-se com a discussão que se tem vindo a verificar na doutrina e jurisprudência sobre a questão agora colocada pela Recorrente, sobre a acessoriedade, ou não, dos juros e cláusula penal e consequente aplicação a estes do prazo curto de prescrição; no caso, o de seis meses previsto pelo mencionado art.º 10º da Lei n.º 23/96. No sentido preconizado pela recorrente é exemplo o Acórdão da Relação do Porto de 11/10/2018, Proc. n.º 99372/17.8YIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se entendeu que a prescrição do direito ao pagamento do preço de serviços essenciais - n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho – não tem aplicação ao direito do valor da cláusula penal uma vez que a acessoriedade que lhe é característica é estabelecida em relação ao crédito de indemnização pela quebra do vínculo de fidelização e não em relação à obrigação de pagamento do preço dos serviços prestados; mais se estendeu esta interpretação ao crédito de juros. Neste Acórdão explicita-se que: “Uma outra posição, sufragada pela recorrente, sustentando o entendimento de que a cláusula penal não é acessória da obrigação de pagamento do preço, mas antes da obrigação de manutenção do vínculo contratual, em função do qual foram disponibilizados, em condições especiais e vantajosas para o cliente, diversos equipamentos de telefone móveis, não lhe sendo por isso aplicável o prazo de prescrição previsto no nº 1, do artº 10º, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, mas o prazo geral de prescrição de vinte anos previsto no artº 309º, do Código Civil, em virtude de estar em causa a indemnização por responsabilidade contratual. Corroborando este último entendimento entendemos que efetivamente haverá que distinguir entre o crédito do preço pelo serviço de telecomunicações prestado, e o crédito de indemnização pela quebra do vínculo de fidelização contratualmente estabelecido. E nesse contexto temos para nós evidente que a cláusula penal, que tem em vista o estabelecimento de uma pena pelo incumprimento, se refere a este último crédito – indemnização pela quebra do vínculo de fidelização contratualmente assumido - e não ao crédito do pagamento do preço dos serviços prestados. E assim sendo a acessoriedade que é característica da cláusula penal é estabelecida em relação ao crédito de indemnização pela quebra do vínculo de fidelização, não podendo por isso invocar-se o vínculo da acessoriedade à obrigação principal para extrair da prescrição do direito ao preço pelo serviço de telecomunicações prestado, a caducidade da cláusula penal convencionada.” Resulta do exposto que o cerne da questão é saber se, afinal, a cláusula penal, porquanto se destinando a indemnizar a “quebra do vínculo de fidelização” reveste autonomia em relação ao “crédito do preço pelo serviço de telecomunicações prestado”. E aqui, com respeito pela opinião contrária, se julga que tal construção é artificiosa, não merecendo acolhimento. Senão, vejamos, o que é a cláusula de fidelização senão um verdadeiro acessório da obrigação principal celebrada – a celebração do contrato de prestação de serviço de telecomunicações mediante o pagamento do respectivo preço? Em última ratio, seria concebível ocorrerem circunstâncias em que a parte celebraria um contrato com um prestador do serviço de telecomunicações que recaísse sobre o estabelecimento de um vínculo autónomo de fidelização sem que houvesse a prestação do serviço de telecomunicações? A resposta, segundo se julga, não pode deixar de ser negativa. Termos em que aqui se segue o entendimento preconizado pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 20/12/2016, Proc. n.º 140866/14.9YIPRT.L1-1, igualmente disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual as denominadas “cláusula de fidelização”, a cujo incumprimento em muitos contratos os contraentes associam uma indemnização tabelar, por cláusula penal, quando esse não cumprimento ocorre, constituem uma cláusula acessória do núcleo essencial do contrato (prestação de um serviço tendo como contrapartida o pagamento do preço do mesmo), sendo ética e socialmente inaceitável e, portanto, violador das regras de interpretação inscritas nos art.ºs 9º, 334º e 335º do Código Civil, configurar que possa existir um prazo prescricional de seis meses para a obrigação principal (art.º 10º n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 26 de julho) e um prazo prescricional geral de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil) para a obrigação cuja existência só se justificava em face daquela. E como pode ainda ler-se nesse Acórdão, não há dúvida que “O núcleo do contrato de prestação do serviço de telecomunicações entre a Autora e a Ré, o seu objecto, é constituído pela prestação do serviço. Esta é a prestação principal, prestação e contraprestação, incidindo sobre cada uma das partes no contrato. A denominada “cláusula de fidelização”, a cujo incumprimento as partes associaram uma indemnização tabelar, por cláusula penal, em caso de incumprimento, é uma cláusula acessória daquele núcleo do contrato, que se pode classificar como um preço indirecto do serviço, ou, pelo menos, como um auxiliar do bom cumprimento da obrigação de pagamento do preço do serviço mas, em qualquer caso, como obrigação acessória da obrigação principal, porque fora do núcleo do contrato. Na economia do contrato, a “cláusula de fidelização” em caso de incumprimento só existe em função da prestação do serviço e da entrega do respectivo preço, fazendo parte deste sinalagma. Não tem autonomia por si própria, não lhe correspondendo uma contraprestação directa a ela dirigida. O prazo de prescrição estabelecido para a obrigação principal não pode, pois, deixar de abranger também esta, que é obrigação acessória. De outro modo, aportaríamos à situação bizarra de termos um prazo prescricional de seis meses para a obrigação principal e um prazo prescricional geral, de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil) para a obrigação cuja existência só se justificava em face daquela. Uma tal interpretação é, de todo, afastada pelo disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, nos termos do qual o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. Solução de todo desacertada seria aquela em que prescrito, decorridos seis meses, o direito ao recebimento do preço de um serviço de telecomunicações, o consumidor desses serviços continuasse adstrito ao cumprimento dos seus deveres acessórios daquela prestação e às consequências do seu incumprimento, durante vinte anos. (…) Tal resulta aliás, relativamente à cláusula penal, do disposto no artigo 810.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que também as quantias devidas por via do funcionamento de cláusulas penais prescrevem pelo decurso do prazo de seis meses, prazo estabelecido pelo artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 (na redacção dada pela Lei n.º 12/2008).” Tal é a solução que se julga mais acertada, conforme e coerente com o espírito do legislador, bem como com a relação contratual estabelecida entre as partes, pelo que nada há aqui a alterar à decisão recorrida. * Dos Juros de Mora. Em relação aos juros de mora, o recorrente entende ser de aplicar o art.º 310º, alínea d) do Código Civil que dispõe: “Prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais…”, invocando o art.º 561º do mesmo diploma, que consagra a autonomia do crédito de juros: “Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”, e não, como fez o Tribunal a quo na Sentença recorrida, aplicar o mesmo prazo de seis meses do art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 (na redacção dada pela Lei n.º 12/2008). De acordo com o artigo 806.º, do Código Civil “nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”. É certo que não se faz referência expressa aos juros no art.º 10º da Lei 23/96, onde apenas se fala em “o direito ao recebimento do preço do serviço prestado…”. No entanto, e pelos motivos já expostos supra relativamente à acessoriedade da cláusula penal, idênticas razões levam a considerar os juros enquanto acessórios desta obrigação principal, encontrando-se assim abrangidos pela prescrição curta estabelecida neste normativo. Como vimos, a obrigação principal estabelecida entre A. e R. é a prestação do serviço de telecomunicações e pagamento do correspectivo preço. Apenas a violação desta obrigação pode constituir a R. em mora e na obrigação de indemnizar a A., indemnização essa que, nos termos do art.º 806º corresponde aos juros. Desta forma, sempre competirá à A. o ónus de alegar e provar a existência do contrato de prestação de serviços de telecomunicações entre ela e a Ré e a violação por parte desta do pagamento pontual do preço do serviço a que se obrigou, quando lhe era possível fazê-lo, sendo o pagamento dos juros sempre dependente da verificação deste ónus. Ou seja, sempre o pagamento de juros depende da verificação de uma causa necessária e adequada à constituição dessa obrigação, que é a constituição do vínculo contratual e a violação de (pelo menos) uma das cláusulas contratuais que foram assumidas pelas partes - pagamento pontual do preço. Decorrendo assim a obrigação de indemnização - consistente no pagamento de juros - da obrigação principal e sua violação, não se vê como justificar a sua autonomia em relação a esta, sendo-lhe extensível o regime da obrigação principal, incluindo o prazo de prescrição. Nem se compreende que, prevendo o legislador um regime especial destinado a proteger o utente de serviços públicos essenciais, tal regime de protecção não se estenda, salvo melhor opinião, à obrigação de juros. Que a lei entende, regra geral, a acessoriedade dos juros resulta de diversos institutos jurídicos; assim, cedendo-se o crédito principal, presume-se a transmissão do crédito de juros (artigo 582.º, n.º 1); o penhor (artigo 666.º, n.º 1) e a hipoteca (artigo 693.º, n.º 2 e n.º 3) constituídos para garantir o crédito principal abrangem os juros e, também o privilégio creditório os abrange (artigo 734.º) e, dando o credor quitação do capital sem reserva dos juros, presume-se o pagamento destes (artigo 786.º, n.º 1). É certo que o art.º 561º do Código Civil, prevê a possibilidade da autonomização de juros, mas tal ocorre em casos especiais, nomeadamente, o da cedência do crédito a terceiro (de juros ou de capital, ficando os créditos assim em diferentes titularidades). Desta forma, concorda-se com a Sentença recorrida, improcedendo o Recurso interposto. * Vencida na causa, é a Apelante a responsável pelas custas devidas pelo Recurso, conf. art.º 527º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil. * DECISÃO: Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a Sentença proferida. Custas pela Apelante. * Registe e notifique. Lisboa, 7/4/2022 Vera Antunes - (Relatora) Aguiar Pereira - (1º Adjunto) Teresa Soares - (2ª Adjunta) |