Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1220/14.6TVLSB.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
EXEQUENTE
MÁ-FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.O Artigo 819º do Código de Processo Civil (correspondente aos atuais artigos 858º e 866º do Código de Processo Civil ) consagra uma responsabilidade civil por comportamento processual ilícito e culposo do exequente que atuou sem a prudência normal, o que ocorre quando o exequente instaura execução apesar de conhecer, ou não poder desconhecer, a insusceptibilidade de exercício da pretensão exequenda.
II.Para efeitos de aferição da existência de litigância de má fé, a negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um».
III.A parte deduz pretensão, cuja falta de fundamento não devia ignorar, quando negligencia o dever de indagação quanto à existência de fundamento suficiente para a pretensão que deduz, atuando com desleixo. Para este efeito, basta a demonstração de que era exigível à parte a consciencialização da falta de fundamento da pretensão, não sendo necessário demonstrar que a parte sabia, efetivamente, da falta de fundamento, sob pena de se inviabilizar o funcionamento da regra prevista no Artigo 542º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


... ... ... ... e ... ... ... ... ... intentaram ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra ... - Banco Internacional do ... S.A., ... Da Conceição ... e ... José Mega ..., alegando, em síntese:

-Em 04.06.2000, a sociedade comercial Confeções ..., Lda. – então sociedade por quotas, representada pelos seus dois sócios-gerentes (1ª e 2º AA.), pediram um financiamento à 1ª Ré, ..., SA.
-Para tanto, os então dois sócios assinaram o documento n.º 3, constituído por uma proposta de concessão de uma abertura de crédito.
-No entanto, o financiamento não foi concedido pela 1ª R. à sociedade comercial Confeções ……, Lda., ficando os documentos (que já estavam assinado), sem efeito mas na posse ilegítima da 1ª R. ....
-No ... disseram à 1ª A. que os documentos que haviam assinado – por esta e pelo 2º A. – já não tinham valor e que seriam dados sem efeito.
-No entanto, um ano volvido, os documentos referidos acima ainda existiam não tendo sido destruídos ou restituídos aos AA., mas aproveitados pelo RR, mesmo que rasurados.
-Contudo, em 2001, os AA. não assinaram algum documento igual ao doc. 3.
-Em 2001, a 2ª ré, ... ..., aceitou prestar penhor do empréstimo a conceder pela 1ª Ré A Confeções ..., Lda.
-Nessa sequência, em 5.6.2001, foi celebrado contrato de gestão de tesouraria entre a Confeções …., Lda. (representada pela 1ª Autora) e a Ré ..., SA, no valor de € 125.000.
-Em decorrências de várias vicissitudes, tal empréstimo não foi cumprido e a 1ª Ré acionou o penhor e foi ressarcida do respetivo montante.
-A 1ª Ré, tendo ilicitamente na sua posse a livrança assinada em brando, apresentou-a a execução judicial (Execução 15119/04.0YYLSB) contra a ..., Lda. e contra os ora Autores;
-Assim, conclui-se que os RR. usaram abusiva e ilegalmente documentos (em que se incluem a proposta de concessão de uma abertura de crédito, uma livrança assinada em branco e um contrato de penhor) que deveriam ter sido destruídos, ainda em 2000, para se arrogarem detentores de direitos que não tinham contra os ora AA.
-Acresce que os documentos utilizados foram adulterados/rasurados, passando a constar como data aposta 4.6.2001.
-A ora 1ª A. procedeu a inúmeras interpelações escritas à 1ª R. para resolução do assunto.
-As condutas dos RR. causaram, direta e necessariamente, elevados prejuízos morais e patrimoniais aos AA., que apenas na presente data tomaram conhecimento, assim como, lucros cessantes e danos emergentes.

Concluíram que deve a presente ação ser considerada procedente por provada e, em consequência, condenar, solidariamente, os Réus a pagar aos Autores, a quantia total de €.1.134.321,50 (um milhão, cento e trinta e quatro mil, trezentos e vinte e um euros e cinquenta cêntimos), sendo:
-€.634.321,52 (seiscentos e trinta e quatro mil, trezentos e vinte e um euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais;
-€.500.000,00 (quinhentos mil euros), a título de danos morais, acrescendo os juros vencidos e vincendos, até total ressarcimento, sem prescindir,
-O pagamento de todos e quaisquer prejuízos, despesas, danos, incluindo emergentes e lucros cessantes, encargos suportados e ainda a suportar pelos autores, a apurar e a liquidar em execução de sentença.

A 1ª Ré contestou, arguindo a exceção da prescrição, bem com que os Autores pretendem com esta ação ter uma segunda oportunidade para deduzir embargos de executado, o que não fizeram na sede própria. Mais requereu a condenação dos Autores como litigantes de má fé.

O Ministério Público contestou em representação da 2ª Ré ausente, arguindo também a exceção perentória da prescrição.

Foi proferido saneador-sentença que julgou procedente a exceção perentória da prescrição, tendo ainda os Autores sido condenados como litigantes de má fé em multa de cinco UCs.

Não se conformando com a decisão, dela apelou os requerentes, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

«A)O objeto do presente recurso é a douta Sentença, proferida a fls…, dos autos que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu os ora apelados dos pedidos, assim como, condenou os apelantes como litigantes de má-fé.
B)A decisão judicial, sub judice, padeceu de erro de julgamento aquando da aplicação do Direito aos factos provados.

C)O prazo de prescrição aplicável é o previsto no art.º 309º do Código Civil:
-Conforme factos provados nos pontos 1) a 4) e 6) a relação jurídica entre apelantes e apelados é única e exclusivamente contratual.
-Conforme outros factos invocados na p.i., a fls…, dos autos: o financiamento não foi concedido pela 1ª apelada à sociedade comercial Confeções ..., Lda., ficando os documentos (que já estavam assinados), sem efeito mas na posse ilegítima daquela apelada – .... No ... disseram à 1ª apelante que os documentos que haviam assinado (docs. 3 e 4) – por esta e pelo 2º apelante – já não tinham valor e que seriam dados sem efeito. No entanto, um ano volvido, os documentos referidos acima ainda existiam não tendo sido destruídos ou restituídos aos recorrentes, mas aproveitados pelos apelados, mesmo que rasurados. Contudo, em 2001, os apelantes não assinaram algum documento igual ao doc. 3, junto à p.i.. Assim, conclui-se que os apelantes usaram abusiva e ilegalmente documentos (docs 3, 4 e 12, juntos à p.i.) que deveriam ter sido destruídos, ainda em 2000, para se arrogarem detentores de direitos que não tinham contra os ora apelantes. A ora 1ª apelante procedeu a inúmeras interpelações escritas à 1ª
apelada para resolução do assunto, conforme docs. 17 a 20, que se juntaram à p.i..
-Assim, a responsabilidade dos recorridos é, unicamente, contratual, por incumprimento do acordado – relativamente aos documentos n.º 3, 4 e 12, juntos à p.i.
Não sendo este o entendimento,

D)Os factos danosos - referidas ações judiciais (proc. 15119/04.0YYLSB e proc. 9650/09.YYLSB) conforme factos provados nas alíneas 6) a 8), ainda não foram extintas, pelo que o direito dos apelantes ainda poderá ser exercido, legalmente – cf. art.º 306º do Código Civil e jurisprudência constante e pacífica, em que é expoente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 02-07-2009 (proc. 387/08-6).
-Efetivamente, são factos continuados, pelo que o prazo de prescrição só tem início depois daqueles cessarem, designadamente quanto aos danos futuros – que foram peticionados nos arts.º 31 e 32º da p.i., conforme fls…, dos autos.
E)Ademais o direito que os apelantes pretendem exercer baseia-se em títulos executivos – livrança e sentença, respetivamente, nos autos do processo n.º 15119/04.0YYLSB e proc. 9650/09.YYLSB – pelo que, também nos termos do art.º 311º do Código Civil, o prazo de prescrição é o ordinário – art.º 309º do Código Civil.
F)Acresce que, o direito que os apelantes pretendem fazer valer na presente ação, nunca podia ter sido exercido nos referidos autos de execução (cf. art.º 814º do C.P.C. então em vigor), pelo que, a oposição à execução não era o meio próprio e/ou idóneo para peticionar a condenação no pagamento de quantias indemnizatórias. Assim, o prazo de prescrição não podia ter início a partir da citação naquela ação executiva ou noutra de idêntica espécie processual. Aliás, apenas poderá ser contado a partir do momento em que o ato lesivo tenha cessado – o que ainda não ocorreu, conforme acima alegado.
Assim, a Douta Sentença deve ser revogada, prosseguindo os autos os seus termos até final.

G)Sem prescindir, os apelantes devem ser absolvidos do pedido de condenação de litigantes com má-fé, porque, em súmula, não se verificando a prescrição (conforme acima alegado e que aqui se avoca), consequentemente, carece de sustento a condenação em litigância de má fé!
- Os apelantes limitaram-se – legitimamente – a exercer o direito de ação e de aceder aos Tribunais – Cf. art.º 20º da C.R.P. Conforme Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/91, de 20.11.1991: BMJ, 411º-611 e Acs TC, 20º-469 e Ac. n.º 200/94 do Trib. Const., de 1.3.1994: DR, II, de 30.05.1994, pág. 5315.
-A exceção da prescrição (mesmo que se verificasse – o que não se concede) sempre teria de ser invocada pelas partes – cf. art.º 303º do Código Civil, pelo que ao instaurarem a presente ação inexistia alguma preclusão do direito dos apelantes.
-A mera verificação de exceção perentória não implica - direta e necessariamente – que os apelantes agiram com má-fé processual, como é notório!
-Os apelantes agiram com manifesta boa-fé processual, não se encontram preenchidos os pressupostos do art.º 542º, ns.º 1 e 2, alíneas a) a d) do C.P.C.

H)Salvo o devido respeito por melhor opinião, a Douta Sentença não respeitou o Princípio da Igualdade das partes (art.º 4º do C.P.C.), pois utilizou critério distinto relativamente à apreciação das mesmas condutas processuais das partes pois, relativamente à 1ª R consignou, como se transcreve: “A pretensão dos AA., no sentido da condenação da 1ª Ré como litigante de má-fé, carece de total fundamento.
Com efeito, a Ré limitou-se a contestar, pondo em causa a pretensão dos AA, invocando factos verdadeiros.”
Ora, os AA. - apelantes, também limitaram-se a demandar os RR. – apelados - no pressuposto do exercício legítimo do direito e invocaram factos verdadeiros! Aliás, o Douto Tribunal “a quo” jamais considerou os factos carreados pelos apelantes como falsos.

I)Não sendo suficiente a multa aplicada sempre seria manifestamente excessiva, desproporcional e irrazoável, até porque o Tribunal “a quo” jamais averiguou a situação económica dos recorrentes para aferir do respetivo quantum, conforme impõe a Jurisprudência constante em que é expoente o Ac. RE, de 16.1.1997: Col. Jur., 1º-287.
J)Daí que, a Douta Sentença ora em crise é NULA, não produzindo efeitos.
K)Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, a Douta Sentença, sub júdice desrespeitou a legalidade e justiça; violou os Princípios da Igualdade das Partes e das legítimas expectativas dos apelantes, e ainda, nomeadamente, arts.º 306º, 309º e 311º todos do Código Civil e art.º 814º do C.P.C. do anterior C.P.C, art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, art.º 303º do Código Civil, arts.º 4º, 542º, ns.º 1 e 2, alíneas a) a d) ambos do C.P.C..
L)Concluindo, a decisão proferida pelo Douto Tribunal “a quo” violou os preceitos legais e Princípios, supra citados, deve ser integralmente revogada e/ou alterada por outra que ordene o prosseguimento dos autos, até final, com as demais consequências legais.
Termos em que, nos melhores de direito doutamente supridos, requer, muito respeitosamente, a V Exas. Se dignem revogar e/ou alterar a douta sentença do tribunal “a quo”, face ao supra exposto e, em consequência, ordenar o prosseguimento dos autos até final.»

Contra-alegaram o Ministério Público e o ..., SA, propugnando pela improcedência da apelação.

QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
I.Aferir se ocorreu a prescrição do direito que os Autores pretendem exercer;
II.Litigância de má fé por parte dos autores.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
«- No dia 04.06.2000, os 1º e 2º AA, na qualidade de gerentes, em representação da - então denominada e atualmente extinta - sociedade comercial Confeções Filipina, Lda., apresentaram, junto da 1ª R., uma “proposta de concessão de uma abertura de crédito” no valor de Esc.25.000.000,00;
-Para garantia do cumprimento das obrigações que poderiam advir daquela proposta, entregaram à 1ª R., na mesma data, uma Livrança em branco, avalizada pelos AA., com o necessário mandato de preenchimento;
-A 05.06.2001, foi então celebrado o contrato de gestão de tesouraria, entre a Confeções ..., unipessoal, Lda. (representada pela 1ª A.) e a 1ª R., no valor de €.125.000,00;
-Para garantia do cumprimento de obrigações foi também celebrado, a 09.06.2001, contrato de penhor entre a 2ª R. - Sra. D. ... Conceição ... Mega e a 1ª R.;
-Houve falta de pagamento do referido empréstimo;
-A 1ª R. preencheu a Livrança em branco e apresentou-a à execução judicial, correndo os seus termos o processo n.º 15119/04.0YYLSB, do 1º Juízo – 3ª Secção dos Juízos de Execução de Lisboa.
-Os AA., executados no processo n.º 15119/04.0YYLSB, do 1º Juízo – 3ª Secção dos Juízos de Execução de Lisboa, citados em 02/06/2009 não deduziram oposição à execução ou à penhora.
-A 2ª e o 3º RR. intentaram, contra a Autora e Outra, uma providência cautelar de arresto onde foi decretado, além do mais, o arresto da fração autónoma propriedade da A., tendo a A. sido citada do decretamento do arresto em 17/11/2004.
-A A. deduziu oposição ao arresto, oposição que foi julgada improcedente em 30/09/2005, decisão de que foi interposto recurso e julgado deserto por falta de alegações.
-Os AA. intentaram a presente ação em 06/10/2014.»

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Prescrição do direito que os Autores pretendem exercer.

A execução movida pelo ..., SA contra os ora Autores foi intentada em 2004, tendo os ora Autores sido citados em 2.6.2009. O 2º e 3º Réus intentaram contra a Autora uma providência cautelar de arresto, tendo sido decretado o arresto em 17.11.2004. A Autora deduziu oposição a esse arresto, oposição que foi julgada improcedente em 30.9.2005, tendo sido interposto recurso que veio a ser julgado deserto por falta de alegações.
Atenta a data em que foram propostas tais execuções, as mesmas regem-se pelo Código de Processo Civil então vigente.
O Código de Processo Civil então vigente continha um regime específico da responsabilidade do exequente sob o Artigo 819º com o seguinte texto: Procedente a oposição à execução sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado, o exequente responde pelos danos a este culposamente causados e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça, quando não tenha agido com a prudência normal, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possa também incorrer.

O atual Código de Processo Civil contém duas disposições absolutamente correspondentes: os Artigos 858º e 866º do Código de Processo Civil.
A ratio dessa norma é, designadamente, a de associar ao benefício do credor de dispensa de citação um especial dever de cuidado processual – cf. ... Pinto, Manual da Execução e Despejo, 2013, p. 472. A falta de prudência normal ocorre sempre que o exequente intenta uma ação executiva conhecendo ou não podendo desconhecer a insusceptibilidade de exercício da pretensão exequenda – Catarina Pires Cordeiro, “A Responsabilidade do Exequente na Nova Ação Executiva: Sentido, Fundamento e Limites”, in Cadernos de Direito Privado, nº 10, p. 23. A ação pode ser intentada por apenso à execução ou autonomamente – cf. Acórdão da Relação do Porto de 2.2.2007, José Ferraz, 0536252 e ... Pinto, Op. Cit., p. 475.

O Artigo 819º, mais do que uma norma estritamente processual, é uma norma substantiva que atribui direitos ao executado e deveres ao exequente, sob pena de incorrer em responsabilidade civil extracontratual. Com efeito, a responsabilidade do exequente prevista no artigo 819º do Código de Processo Civil depende da verificação dos requisitos processuais específicos constantes do preceito e ainda dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual, consagrando-se uma responsabilidade civil por comportamento processual ilícito e culposo – cf. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 21.6.20123, Pinto de ..., 1616/11 e da Relação de Lisboa de 8.11.2012, Ondina ..., 7643/07; Paula Costa e Silva, A Litigância de Má fé, 2008, p. 492. No sentido de que se trata de responsabilidade civil extracontratual, cf., ainda Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva, Anotada e Comentada, 2016, p. 566.

Tratando-se de um caso de responsabilidade civil extracontratual, o termo inicial para a contagem do prazo de prescrição corresponde – nos termos do Artigo 819º - ao momento em que procede a oposição à execução, contando-se a partir daí o prazo de três anos a que se reporta o Artigo 498º, nº1, do Código Civil.

E como se conta o prazo de prescrição se o executado não tiver deduzido oposição à execução, como é o caso em apreço?

Nos termos do Artigo 498º, nº1, do Código Civil, o prazo contar a partir da data em que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos.

Para este efeito prescricional "conhecer o direito" não é necessariamente conhecer na perfeição e na sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar. Como diz a lei, o exercício do direito é independente do desconhecimento da "pessoa do responsável" e da «extensão integral dos danos» (neste sentido, A. VARELA, Das Obrigações em Geral, Almedina, 7ª Ed., I, pp. 621 e 622; Vaz Serra, in RLJ, ano 107, p. 208 e sgs). E isto, porque é possível que a fixação dos prejuízos seja remetida para momento posterior, em execução de sentença.
Assim, sabendo o lesado que sofrerá danos, mesmo sem conhecer a sua extensão (liquidação que poderá ser relegada para momento posterior), não deixará de intentar ação desde que saiba da existência dos restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Ou seja, o lesado tem conhecimento do direito que lhe compete quando toma conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil (facto ilícito, culpa, dano e nexo causal entre facto e dano).


Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.4.2004, Pires da ..., 04B4235,
“O que significa que se alguém entra na propriedade de um determinado imóvel e outrem - ilicitamente, porque sem título e sem consentimento - o ocupa (o que provoca o correspondente dano ao proprietário) esse alguém conhece, a partir do momento em que toma contacto com essa violação ilícita daquilo que é seu, o seu direito a ser indemnizado pelo prejuízo que está a sofrer, embora desconheça ainda designadamente a extensão integral do seu "sofrimento". Este direito a ser indemnizado existe ou não existe, mas se existe, existe e é conhecido a partir desse preciso momento. Não passa a existir e a ser conhecido apenas no momento - posterior - em que vier a ser reconhecido por decisão judicial transitada. Basta pensar, até, que uma decisão de tal tipo tem natureza declarativa e não natureza constitutiva: ela declara, se vier a tornar-se necessária, a existência de um direito e não é ela que faz nascer um direito (que, já existente, se limitou a declarar). «O preceito em causa [o art. 498º, nº1 do Código Civil] - escreve-se no acórdão deste STJ e desta secção 7ª, de 18 de Abril de 2002, www.dgsi.pt/jstj - quer significar que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento».

Conforme ainda se refere no Acórdão do STA de 1.6.2006, Madeira dos Santos, 0257/06,
 «(…) o prazo de prescrição a que alude o art. 498º do Código Civil é um só, e dentro dele há de exercer-se o direito de indemnização relativamente à «extensão integral dos danos» (cf. o acórdão do STJ de 15/11/83 ( «in BMJ, 331º, 535 e ss.). Por outro lado, importa reter que o instituto da prescrição serve o propósito de que não haja, entre os factos litigiosos e a instauração dos litígios, uma excessiva distância temporal. Sendo assim, percebe-se que a natureza continuada da conduta lesiva não afete o «dies a quo» do prazo prescricional – fosse de modo a diferir o seu início para o momento em que cessasse a ação danosa, fosse por forma a gerar o aparecimento contínuo de novos prazos de prescrição, relacionados com cada prejuízo instantâneo. O preceito acima referido mostra bem que, nas hipóteses de ações lesivas que se prolongam no tempo, o início do prazo prescricional coincide, por via de regra, com o início do conhecimento da ação; e que o acento tónico da continuação é posto, não na conduta lesiva, mas nos seus efeitos danosos. Precisamente por isso é que o início do prazo de prescrição não depende do conhecimento da «extensão integral dos danos», podendo a prescrição ocorrer mesmo que, por a conduta lesiva ser duradoura, a amplitude dos prejuízos vá continuamente aumentando e, por isso mesmo, ela não fosse determinável pelo lesado no início do prazo prescricional.»

Ora, os atos lesivos praticados na pendência de uma execução indevidamente instaurada residem na citação e na penhora: «(…) o ato de penhora será o ato mais potencialmente danoso, mas também o pode ser a simples constituição do putativo devedor como executado, pela citação, dados os gastos que este terá de fazer para se defender» - ... Pinto, Op. Cit., p. 473. No caso em apreço, na execução nº 15119/04 os ora Autores foram citados em 2.6.2009 (sendo que a penhora foi anterior, atento o regime então em vigor) e, no procedimento de arresto, o mesmo foi decretado em 17.11.2004 e os Autores deduziram oposição que foi julgada improcedente em 30.9.2005. Contando-se o prazo de prescrição de três anos a partir de qualquer destes momentos, é manifesto que o prazo de prescrição de três anos estava completo à data da propositura desta ação em 6.10.2014.

Assim sendo, nada há a censurar à decisão da primeira instância que julgou procedente a exceção perentória da prescrição.

Da litigância de má fé.

O tribunal a quo condenou os autores, como litigantes de má fé, em multa que fixou em cinco UCS bem como em indemnização de € 2.000 (fls. 256 e 306).

Na fundamentação de tal condenação, afirmou o tribunal a quo:
«Ora, face ao que já se deixou dito, conclui-se que os AA. deduziram pretensão cuja falta de fundamento não podiam nem deviam ignorar. Com efeito, os AA. vieram pedir condenação dos
RR. pela prática de factos alegadamente ilícitos, socorrendo-se da figura da responsabilidade contratual que sabiam infundada, para contornar a exceção alegada pelos RR.
Por outro lado, a instauração da presente ação configura um uso dos meios processuais manifestamente reprovável.
Com a instauração da presente ação os Autores, pretendem obter mais uma possibilidade de se oporem à execução, quando o deveriam ter feito em tempo naquela execução, bem como de obter segunda decisão sobre o processo de arresto, quando, sabem que a oposição deduzida foi julgada improcedente e, apesar de terem interposto recurso, o mesmo foi julgado deserto por falta de alegações, cf. fls. 234.
Instaurar a ação agora, volvidos mais de 10 anos após os factos e após passados todos os prazos legais que ao Autores tinham ao seu dispor para se opor à execução e ao arresto, é uma tentativa de obter o exercício de um direito que a lei não lhes confere, facto que não poderá ser ignorado pelos Autores.»

Sustentam os apelantes que deve ser revogada a sua condenação como litigantes de má fé, designadamente porque:
a)Os Autores limitaram-se a demandar os Réus no pressuposto do exercício legítimo do direito e invocaram factos verdadeiros;
b)A multa aplica é excessiva, não tendo o tribunal averiguado a situação económica dos recorrentes para tal efeito;
c)A decisão violou o princípio da igualdade das partes pois utilizou critério distinto para apreciação da litigância de má fé das Rés.

Apreciando.

Os comportamentos que a lei tipifica como integrando má fé são: a) dedução de pretensão ou oposição cuja fatal de fundamento, de facto ou de direito, a parte não devia ignorar, ou seja, a parte deve ponderar a razoabilidade da pretensão, evitando-a se não houver fundamento sério para a mesma;
b) alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa, v.g., mentira da parte, negação de factos pessoais que se provam, apresentação de versão de acidente que a parte sabia ser falsa;
c) omissão grave do dever de cooperação; d) instrumentalização manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com vista a impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (Artigo 542º, nº2 do Código de Processo Civil).

É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé nos termos do Artigo 542º. O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos. Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no Artigo 8º do Código de Processo Civil, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé.

A negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2001, Afonso de Melo, 01A3692.

Não deve confundir-se a litigância de má fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou (iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2.3.2010, Maria José Simões, 6145/09. A simples circunstância de se dar como provada uma versão factual contrária à alegada pela outra parte, sobretudo quando tal prova se alicerça em depoimentos testemunhais que se confrontam com outros de sentido contrário, não é suficiente para fundar e fundamentar a condenação da parte que viu triunfar a versão da parte contrária, como litigante de má fé – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.5.2009, Álvaro Rodrigues, 09B0681.

Nos termos do tipo previsto no Artigo 542º, nº2, alínea a), litiga de má fé que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamentação não devia ignorar. A «parte atuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspetos de facto, integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita.» - Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, p. 392. Basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo à parte indagar se a sua pretensão era fundamentada, no plano de facto e do direito, no caso concreto: «A parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quando à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável» (Op. Cit., p. 394), tanto relevando a negligência consciente como a negligência inconsciente. A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efetivo, sendo que a exigência deste “equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra» (Op. Cit., p. 393).Na síntese de Paula Costa e Silva, Op. Cit., p. 395,o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se assim: «A generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte.»

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a densificar a litigância de má fé nestes termos:
  
- « (… ) a  verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psicossociológico. / Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.5.2003, Quirino Soares, 03B3893);
-A defesa intransigente e reiterada pelo recorrente de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples expediente para protelar a decisão denegadora da razoabilidade da sua posição, pois de contrário, todo aquele que perde pode, só por isso, incorrer em condenação como litigante de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.4.2005, Araújo Barros, 05B3425);
-A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correta interpretação da lei não implica por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos, entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, inter alia porque, pela própria natureza das coisas, a certeza jurídica é meramente tendencial (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2003, Salvador da Costa, 03B3909);
-A defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do NCPC. Todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2015, Fonseca Ramos, 36/12);
-A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.2015, Silva Salazar, 1120/11, de 10.12.2015, Clara Sottomayor, 551/06);
-Para que se consubstancie em litigância de má fé, a conduta processual da parte terá de ser qualificável como grave em termos de censurabilidade, o que reclamará sempre uma objetivação ou tradução em factos que não são uma simples convicção íntima do julgador (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, João Trindade, 969/03);
-Com a reforma do CPC de 1995, os pressupostos subjetivos da litigância de má fé alargaram-se, sendo que, quem atuar com negligência grosseira, pode ser condenado como litigante de má fé; não obstante, sempre deverá estar presente uma intenção maliciosa ou uma negligência, de tal modo grave, que justifique um elevado grau de reprovação ou censura e idêntica reação punitiva. Não integra tal previsão a atividade recursiva que, só por si, não revele rebeldia, teimosia, deturpação processual de não acatamento das decisões (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.2.2014, João Trindade, 1986/06);
-Hoje (art. 542.º do NCPC que corresponde ao mencionado art. 456.º do CPC/61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.3.2014, Salazar Casanova, 1063/11);
-A condenação como litigante de má fé exige o dolo ou uma negligência grave, o que não se verifica quando estejamos perante a construção de uma tese errada (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2014, Távora Victor, 728/09);
-Litiga de má fé a parte que, ao longo do processo, usa de argumentação ilógica e contrária à facticidade assente, e faz uma leitura do contrato discutido que não tem o mínimo apoio na expressão formal deste, assim deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, omitindo gravemente o seu dever de cooperação e fazendo do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o que logrou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.3.2008, Santos Bernardino, 3843/07).

Ora, no caso em apreço, verifica-se que este é o terceiro processo emergente da ocorrência do mesmo conjunto de factos datados de 2000 a 2003 (a livrança foi preenchida e apresentada a pagamento dm 2003 – fls. 36 v.). Na execução instaurada, os ora Autores remeteram-se a uma posição de inércia, não tendo deduzido qualquer oposição quando o poderiam ter feito tanto mais que sustentam que ocorreu rasuração/viciação dos documentos – cf. Artigo 816º do Código de Processo Civil então vigente. No subsequente processo de arresto, a oposição foi julgada improcedente, face ao que os ora Autores recorreram mas depois deixaram o recurso ficar deserto.

O cidadão comum, em que se inserem os Autores, está ciente que as mesmas questões não podem ser repetidamente discutidas em sucessivos processos porquanto existem prazos perentórios para tal discussão, sendo ainda certo que os autores decaíram expressamente na oposição que deduziram ao arresto. Mesmo o instituto da revisão de sentença está sujeito a um prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da sentença revidenda – cf. Artigo 697º, nº2, do Código de Processo Civil. Estando os autores devidamente patrocinados por mandatário, esse sentido comum dos autores tinha que ser reforçado e clarificado pela intervenção do respetivo mandatário na medida em que cabe a este explicitar aos Autores as limitações e infundado da sua pretensão. Se tal foi feito, o que desconhecemos, certo é que não demoveu os autores de virem, mais uma vez, a juízo.

Por outro lado, a tese jurídica em que assenta a petição (a da responsabilidade contratual das Rés) é ostensivamente improcedente e impertinente o que decorre, desde logo, do regime especial da responsabilidade civil consagrado no Artigo 819º do Código de Processo Civil que, de forma clara, inculca que a responsabilidade do exequente assenta no regime da responsabilidade civil extracontratual. Tal tese da responsabilidade contratual foi invocada pelos autores como meio de contornar a questão da prescrição ocorrida.

Em suma, do que fica dito (em especial, face ao histórico processual anterior) resulta que era exigível aos autores a consciencialização da sua manifesta falta de razão ao intentar esta ação. Conforme se refere na jurisprudência citada, a desrazão do seu comportamento é manifesta aos olhos de qualquer um.

No que tange ao montante da multa, não se afigura elevado o montante aplicado de cinco UCs, tanto mais que a litigância de má fé ocorre ab initio, ou seja, desde o momento de propositura da ação. Recorde-se que tal multa pode ser fixada entre 2 e 100 UCs (Artigo 27.3. do RCP).

Também não ocorre a alegada violação do princípio da igualdade.

O princípio da igualdade de armas « (…) impõe o equilíbrio entre as pares ao longo do processo, na perspetiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respetivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações, gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objetiva intrínseca de certa posições processuais leva a atribuir a uma das partes meios processuais não atribuíveis à outra.» - Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3ª Ed., pp. 136-137.

O tribunal a quo julgou improcedente o pedido de condenação da 1ª Ré como litigante de má fé por ter considerado que «a Ré limitou-se a contestar, pondo em causa a pretensão dos Autores, invocando factos verdadeiros.» Esses factos verdadeiros são, designadamente, os assentes por acordo e documento atinentes ao histórico dos processos que precederam este (cf. máxime artigo 108 da contestação), fixados no saneador-sentença que ora se confirma.

Não ocorre violação do princípio da igualdade das partes porquanto o que determina a condenação dos Autores como litigantes de má fé, não reside no critério da veracidade/falsidade da alegação (Artigo 542º, nº2, alínea b)), mas sim na dedução de pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar (Artigo 542º, nº2, alínea a)), realidade distinta. Ou seja, a atuação dos autores subsume-se a um parâmetro diverso da atuação dos Réus em função da concreta estratégia processual adotada mas a aplicação da lei foi uniforme (a conduta das duas partes foi subsumida ao regime do Artigo 542º do Código de Processo Civil).

DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.



Lisboa, 20.12.2016


                                  
(Luís Filipe Pires de Sousa)                                  
(Carla Câmara)                                  
(Maria do Rosário Morgado)



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.