Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7844/05.5TBOER.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
OPOSIÇÃO À PENHORA
INADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- O procedimento cautelar não se destina a dar realização direta e imediata ao direito do requerente, mas apenas a assegurar/prevenir a eficácia da tutela que deve depois obter-se na ação principal (já proposta ou a propor);
II- A inversão do contencioso significa a inversão do ónus da propositura da ação principal que passa a caber ao requerido; assim, o juiz do procedimento cautelar não julga a causa principal, mas decreta uma providência que pode consolidar-se e converter-se numa decisão definitiva se o requerido não interpuser a ação principal;
III- Não pode o executado, como preliminar de incidente de oposição à penhora, instaurar procedimento cautelar comum pedindo seja declarada a impenhorabilidade do veículo cuja penhora foi requerida pelo exequente e a dispensa do ónus de apresentação do incidente de oposição à penhora na eventualidade desta, entretanto, ter sido realizada;
IV- A admitir-se tal pretensão, o requerente/executado conseguiria obter pela via do procedimento cautelar, e subvertendo o sistema processual, mais do que alguma vez poderia obter através da oposição à penhora, evitando mesmo que esta se realizasse.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
A [ Carlos ....]  veio, em 9.11.2020, por apenso à execução que contra si foi movida por B [ Banco ..., S.A. ], deduzir procedimento cautelar comum como preliminar de incidente de oposição à penhora, pedindo seja declarada a impenhorabilidade do veículo de sua propriedade, com a matrícula XX-DP-XX, e, ao abrigo do disposto no art. 369 do C.P.C., a dispensa do ónus de apresentação do incidente de oposição à penhora na eventualidade desta, entretanto, ter sido realizada.
Alega, para tanto e em síntese, que exerce a atividade de comércio a retalho de frutas e produtos hortícolas e de cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos, em diversas feiras e mercados, na sua maioria no Mercado Municipal de Castelo de Vide e no Mercado Municipal de Portalegre, bem como em diversas pequenas localidades próximas da cidade de Portalegre, não tendo qualquer loja ou ponto de venda próprio. Mais refere que para além do veículo Citroen Berlingo, com a matrícula XX-XX-RM, que se encontra penhorado no processo de execução, o único veículo de que é proprietário é o veículo ligeiro de mercadorias, marca Nissan Cabstar, com a matrícula XX-DP-XX, cuja penhora o exequente requereu em 6.10.2020. Diz ainda que tal viatura é a única de que dispõe para o exercício da sua atividade profissional, constituindo o seu indispensável instrumento de trabalho e único meio de sustento, sendo, por isso, impenhorável de acordo com o previsto no art. 737, nº 2, do C.P.C.. Conclui que a penhora do único veículo de que pode dispor representaria uma lesão grave e irreparável do seu direito o que justifica o recurso ao procedimento cautelar comum.
Por despacho de 11.11.2020, foi ordenada a citação do requerido, nos termos e para os efeitos previstos no art. 366 do C.P.C..
Na oposição deduzida sustenta o requerido que a petição inicial é inepta, uma vez que não contém pedido nem causa de pedir, e não existe probabilidade séria da existência do direito nem se encontra suficientemente fundado o receio da sua lesão.
Em 18.1.2021, foi proferido o seguinte despacho: “A veio, por apenso à execução que lhe foi movida por B deduzir o presente procedimento cautelar não especificado.
Melhor compulsados os autos e não obstante o despacho de 11.11.2020, cumpre analisar e apreciar o seguinte:
- Dispõe o artigo 362.º do CPC que sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado (nº 1), podendo o interesse do requerente fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor (n.º 2).
Ora é pacifico que apenas o exequente pode requerer procedimento cautelar como preliminar ou incidente da acção executiva (ver, neste sentido, Ac. RC 08.03.2005, relatado por Ferreira Barros, in www.dgsi.pt), sendo que a resposta da jurisprudência quanto à possibilidade de o executado o fazer por apenso a incidente declarativo de oposição mediante embargos é também ela negativa, na medida em que este não prevê a constituição de qualquer direito, não sendo, sequer, admissível a dedução de pedido reconvencional (ver, neste sentido, Acs. STJ, de 26.04.2012, relatado Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, de 14.03.2013, relatado por Granja da Fonseca, in www.dgsi.pt).
Em face de todo o exposto, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar.
Custas pelo requerente, sem prejuízo do AJ.
Registe, notifique e comunique ao A.E.”
Inconformado, interpôs recurso o requerente/executado, apresentando as respetivas alegações que culmina com as seguintes conclusões:

1. É admissível a instauração de Procedimento Cautelar Comum, pelo Executado, como preliminar do Incidente de Oposição à penhora, sempre que este incidente não permita garantir em tempo útil o reconhecimento da impenhorabilidade do bem nomeado à penhora;
2. O douto Despacho recorrido interpretou e aplicou erradamente o disposto no art. 362º do CPC,
3. Devendo o mesmo ser interpretado e aplicado por forma a que seja reconhecida a admissibilidade de tal Procedimento.”
Pede a procedência do recurso e o prosseguimento dos autos.
Não se mostram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentos de Facto:
Com interesse para a apreciação do presente recurso, e para além do que acima consta do relatório, tem-se ainda como assente que:
1) Credibom-Instituição Financeira de Crédito, S.A., instaurou contra o aqui requerente A e outra, em 8.6.2005, execução para pagamento de quantia certa, no valor de € 15.957,91, que corresponde ao processo principal;
2) Na referida execução foi penhorado, em 6.1.2016, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Citroen, modelo Berlingo, matrícula XX-XX-RM, pertencente ao executado;
3) Por sentença de 5.4.2017, foi julgada improcedente a oposição, deduzida pelo executado, à penhora do referido veículo, com a seguinte fundamentação: “(…) não se apuraram factos que levem a concluir pela indispensabilidade de dois veículos para o exercício de tal actividade, tendo em conta o tipo de produtos comercializados e a localização das feiras e mercados em que participa, afigurando-se que o veículo de maiores dimensões de que continua a dispor e a utilizar para esse mesmo fim, salvaguarda suficientemente o exercício da actividade profissional/comercial do Oponente.
Conclui-se assim, ponderada a actividade profissional do executado, atento o disposto no art.º 737.º, 2, do CPC, pela não impenhorabilidade relativa do veículo identificado no auto de penhora de 06.01.2016.(…).” (Apenso A);
4) Em 6.10.2020, o exequente requereu ao agente de execução a penhora da viatura de matrícula XX-DP-XX;
5) O referido veículo foi penhorado em 12.11.2020;
6) Em 23.11.2020, o aqui requerente deduziu oposição à penhora que incidiu sobre este veículo (Apenso C), requerendo o levantamento da mesma e invocando a impenhorabilidade do bem com os motivos aduzidos nos presentes autos;
7) Notificado para o efeito, o exequente apresentou contestação, pedindo a improcedência da oposição deduzida;
8) O indicado processo encontra-se a aguardar, desde 9.2.2021, a realização de diligências de prova (audição de testemunhas), “Considerando que nos termos do disposto no artigo 6.º-B, n.º1 e n.º6, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º4-B/2021 (publicada no Diário da República n.º21/2021, 1.º Suplemento, Série I de 2021-02-01) estão suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais e quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo”.                      *
III- Fundamentos de Direito:

Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões acima transcritas, cumpre analisar se é admissível o procedimento cautelar como preliminar do incidente de oposição à penhora.
Vejamos.
Constituem requisitos essenciais das providências cautelares não especificadas (procedimento cautelar comum), o fundado receio de que outrem, antes de proposta a ação principal ou na pendência dela, cause lesão grave ou de difícil reparação ao direito do requerente, probabilidade séria da existência do direito ameaçado, adequação da providência solicitada para evitar a lesão e não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar (cfr. arts. 362 e 368 do C.P.C. de 2013).
A providência cautelar comum visa, assim, a remoção do periculum in mora concretamente verificado e assegurar, garantir, a efetividade do direito ameaçado.
O procedimento cautelar tem, por outro lado, natureza claramente instrumental sendo, em princípio, “dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado” (art. 364 do C.P.C.). De resto, os efeitos da providência estão dependentes do resultado obtido na ação definitiva e caducam, por regra, se essa ação não for instaurada, se a mesma vier a ser julgada improcedente ou se o direito tutelado se extinguir (art. 373 do C.P.C.).
Conforme nos explica A. Abrantes Geraldes, ainda que no âmbito do C.P.C. revogado, os procedimentos cautelares “Representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (sumaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora). São, afinal, uma antecâmara do processo principal, possibilitando a emissão de uma decisão interina ou provisória destinada a atenuar os efeitos erosivos decorrentes da demora na resolução definitiva ou a tornar frutuosa a decisão que, porventura, seja favorável ao requerente.”([1])
E, mais adiante, diz-nos ainda o mesmo autor, de forma esclarecedora: “Atenta a natureza instrumental do procedimento cautelar e a sua dependência relativamente ao resultado a alcançar através da acção principal, não é o efeito definitivo correspondente ao exercício do direito potestativo que pode ser alcançado imediatamente através do procedimento cautelar. Por exemplo, não compete à actividade cautelar fazer operar os efeitos constitutivos da acção de execução específica, mas tão só assegurar que quando essa acção for julgada procedente (se tal vier a ocorrer) o bem prometido vender ainda se encontra na esfera jurídica do promitente-vendedor, a fim de se poder operar, por força da decisão judicial, a transferência para a titularidade do promitente-comprador.(…).”([2])
Ou seja, o procedimento cautelar não se destina a dar realização direta e imediata ao direito do requerente, mas apenas a assegurar/prevenir a eficácia da tutela que deve depois obter-se na ação principal (já proposta ou a propor).
Em todo o caso, o C.P.C. de 2013 passou a prever, no seu art. 369 e sob a epígrafe “Inversão do contencioso”, a possibilidade de composição definitiva do litígio no procedimento cautelar.
Assim, dispõe aquele art. 369 do C.P.C. que: “1. Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio. 2. A dispensa prevista no número anterior pode ser requerida até ao encerramento da audiência final; tratando-se de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada. 3. (…).”
Deste modo, se a matéria adquirida no procedimento permitir ao juiz formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e a natureza da providência decretada for adequada, pode o juiz, mediante requerimento, proceder à composição definitiva do litígio na decisão que decrete a providência.
Porém, estabelece art. 371 do C.P.C., sob a epígrafe “Propositura da ação principal pelo requerido”, que: “1. Sem prejuízo das regras sobre a distribuição do ónus da prova, logo que transite em julgado a decisão que haja decretado a providência cautelar e invertido o contencioso, é o requerido notificado, com a advertência de que, querendo, deve intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação, sob pena de a providência decretada se consolidar como composição definitiva do litígio. 2. (…). 3. (…).”
Por conseguinte, a inversão do contencioso significa a inversão do ónus da propositura da ação principal que passa a caber ao requerido. Assim, o juiz do procedimento cautelar não julga a causa principal, mas decreta uma providência que pode consolidar-se e converter-se numa decisão definitiva se o requerido não interpuser a ação principal([3]).
O intuito da inversão do contencioso é o de aproveitar o procedimento cautelar para a composição do objeto final do litígio, quando os elementos disponíveis habilitam o julgador a emitir, com a necessária segurança, esse juízo definitivo, evitando a existência de duas ações judiciais, uma providência cautelar e uma causa principal, que, no essencial, têm o mesmo objeto.
Passando agora ao processo executivo, constatamos que a oposição à penhora constitui o meio adequado para o executado reagir contra a penhora ilegal.
Assim, estabelece o art. 784 do C.P.C., sob a epígrafe “Fundamentos da oposição”,  que:
“1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 - Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.”
O incidente de oposição à penhora deve ser deduzido pelo executado no prazo de 10 dias a contar da notificação do ato da penhora (art. 785, nº 1), seguindo o mesmo os termos dos arts. 293 a 295, e aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 732 (art. 785, nº 2).
Esta remissão final significa, designadamente, que há lugar a despacho liminar, cabendo ao juiz indeferir a oposição à penhora se o incidente tiver sido deduzido fora de prazo, se o fundamento não se ajustar ao disposto no art. 784, nº 1, ou se for manifestamente improcedente (art. 732, nº 1)([4]).
A oposição à penhora não tem efeito suspensivo pelo que, salvo o disposto no nº 4 do art. 785, a execução só será suspensa se o executado prestar caução, circunscrevendo-se tal suspensão aos bens a que a oposição respeita, e podendo a execução prosseguir sobre outros bens penhorados (art. 785, nº 3), sem prejuízo do reforço ou da substituição da penhora (art. 751, nº 5, al. d), do C.P.C.).
Por fim, a procedência da oposição à penhora implica o levantamento da penhora e o cancelamento de eventuais registos (art. 785, nº 6).
Revertendo para o caso em análise, temos que o executado no processo principal veio deduzir o presente procedimento cautelar comum como preliminar de incidente de oposição à penhora, pedindo seja declarada a impenhorabilidade do veículo de sua propriedade, com a matrícula XX-DP-XX, e, ao abrigo do disposto no art. 369 do C.P.C., a dispensa do ónus de apresentação do incidente de oposição à penhora na eventualidade desta, entretanto, ter sido realizada.
Alega, no essencial, que tal viatura, cuja penhora o exequente requereu em 6.10.2020, é a única de que dispõe para o exercício da sua atividade profissional de comércio a retalho de frutas e produtos hortícolas em feiras e mercados, não tendo qualquer loja ou ponto de venda próprio, pelo que a referida viatura constitui para si indispensável instrumento de trabalho e único meio de sustento, sendo impenhorável de acordo com o disposto no art. 737, nº 2, do C.P.C.. Conclui que a penhora do único veículo de que pode dispor representaria uma lesão grave e irreparável do seu direito o que justifica o recurso ao procedimento cautelar. Invoca, em abono da sua tese, o Ac. da RE de 18.10.2018, proferido no Proc. 99/16.8T8LLE-C.E1, disponível em www.dgsi.pt.
Não obstante as razões apontadas pelo requerente, cremos, com o devido respeito, não poder proceder o procedimento cautelar instaurado.
Com efeito, o requerente pretende, através do mesmo, obter a realização direta e imediata do direito invocado, e não apenas assegurar/prevenir a eficácia da tutela que deveria depois conseguir por via da oposição à execução.
Mais do que isso, o requerente visa, antecipadamente, e de forma expressa, evitar a própria penhora do veículo em questão, obtendo nestes autos decisão que declare a respetiva impenhorabilidade.
Não está, por isso, em causa o carater não urgente do incidente da oposição à penhora para assegurar o direito do requerente – o levantamento da penhora por estar em causa bem isento nos termos do art. 737, nº 2, do C.P.C. – mas a possibilidade do executado conseguir, pela via do procedimento cautelar e subvertendo o sistema processual, mais do que alguma vez poderia obter através da oposição à penhora (que pressupõe, por definição, a anterior realização da mesma).
Assim, a ser decretada a providência requerida nas exatas circunstâncias em que foi instaurado o presente apenso – declaração (antecipada) de impenhorabilidade do veículo XX-DP-XX – nem sequer haveria lugar à penhora do mesmo nem, logicamente, a qualquer incidente de oposição a essa penhora.
Pediu ainda o requerente que, ao abrigo do art. 369 do C.P.C., e sendo-lhe a decisão favorável, fosse dispensado de apresentar incidente de oposição à penhora na eventualidade desta, entretanto, ter sido realizada.
Porém, como acima vimos, a inversão do contencioso significa a inversão do ónus da propositura da ação principal que passa a caber ao requerido (art. 371 do C.P.C.). Ou seja, o juiz do procedimento cautelar decreta apenas uma providência que, sendo invertido o contencioso, pode converter-se numa decisão definitiva se o requerido não vier a interpor, como lhe compete, a dita ação principal.
Fazendo um esforço de adequação e de aplicação do regime ao caso em análise, qual seria, então, na tese do requerente/executado, a iniciativa possível do exequente que obstaria à consolidação da providência ordenada? Que solução processual estaria disponível na execução e corresponderia, no caso, à dita “ação principal” a interpor pelo exequente, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 371 do C.P.C.?
Não vislumbramos qual poderia ser.
Cremos, pois, forçoso concluir que o pedido formulado pelo requerente se revela incompatível com a natureza de um procedimento cautelar.
Acresce a quanto se deixa dito que, entretanto, o aludido veículo de matrícula XX-DP-XX veio a ser efetivamente penhorado em 12.11.2020, tendo sido deduzida pelo aqui requerente a correspondente oposição à penhora em 23.11.2020 (Apenso C), tudo ainda antes de ter sido proferida a decisão recorrida.
Daí decorre que, para além de alteradas as condições em que foi instaurado o procedimento cautelar, será agora nesse incidente de oposição à penhora que deve ser apurada a invocada impenhorabilidade relativa do veículo DP, à luz do art. 737, nº 2, do C.P.C., podendo o executado, prestando caução, suspender a execução quanto ao referido bem (nº 3 do art. 785 do C.P.C.).
Em suma, a factualidade em que o ora requerente baseia a sua pretensão não preenche, a nosso ver, os requisitos essenciais para a decretação da providência cautelar requerida (ou de qualquer outra que pudesse decretar-se, nos termos do art. 376, nº 3, do C.P.C.).
Assim sendo, deve improceder o recurso.
Impõe-se, todavia, uma correção, posto que, contra o que se decidiu em 1ª instância, não é caso de indeferimento liminar, mas de improcedência do procedimento cautelar, uma vez que foi exercido o contraditório e o requerido/exequente deduziu oposição. Na verdade, o Tribunal a quo decidiu, ao abrigo dos arts. 367 e 368 do C.P.C., considerando desnecessária a produção de qualquer prova, e não em sede liminar.
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IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o procedimento cautelar.
Custas pelo apelante/requerente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Notifique.
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Lisboa, 13.4.2021                                                                         
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho       
Luís Filipe Pires de Sousa
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[1] Em “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Vol., 3ª ed, pág. 35.
[2] Ob. cit., págs. 92/93.
[3] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., págs. 45/46.
[4] Cfr. José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva – à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª ed., págs. 321 e 322.