Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
784/16.4PHSNT-A.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: LEIS COVID 19
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
REVOGAÇÃO
PERDÃO
RECLUSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - A Lei n.º 9/2020, de 10/4 aprovou um «regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19», concedendo perdão a «penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos» (artigo 2.º, n.º 1), dele excluindo os condenados pela prática de determinados crimes, que foram discriminados no n.º 6 do mesmo artigo 2.º.
- A razão de ser dessas medidas de caracter excecional consta da exposição de motivos que acompanhou a respetiva «Proposta de Lei 23/XIV», sendo que, no âmbito do combate àquela doença e de molde a evitar a entrada e transmissão do vírus no interior dos estabelecimentos prisionais, visa a aludida medida de graça reduzir a população prisional, dentro dos limites traçados, razão por que, a lei se dirige aos «reclusos» cuja condenação já houvesse transitado em julgado.
- Todavia, em caso de condenação em penas de substituição, manda o n.º 5 do mesmo artigo que o perdão seja aplicado se houver lugar à revogação de tal pena, ou seja, quando o arguido tiver de recolher ao estabelecimento prisional para cumprimento da prisão que havia sido substituída, sendo nosso entendimento que, em caso de revogação da pena de substituição e havendo lugar ao cumprimento, em estabelecimento prisional, da prisão que havia sido substituída, nos termos do n.º 5 do artigo 2.º, da Lei n.º 9/90, de 10/4, o perdão a que o “condenado” tiver direito e caso ele abranja toda a pena a cumprir, pode e deve ser de imediato aplicado, sem que haja necessidade de serem emitidos mandados de detenção e de aquele adquirir a qualidade de “recluso”, sendo tal ato da competência do tribunal em que pende o processo e que será o tribunal da condenação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO:
1. O arguido W. interpôs recurso do despacho de 29/10/2020 (fls. 61 dos presentes autos) que, ao abrigo do disposto no art. 44.º, n.ºs 2 al. a) e 3, do CP, revogou o regime de permanência na habitação e determinou o cumprimento da pena de 1 ano e 6 meses de prisão em estabelecimento prisional.
Encerrou a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1º.  Ora, conforme resulta dos autos foi o Arguido, ora Recorrente, condenado a cumprir a sua pena em estabelecimento prisional, revogado que foi a aplicação da mesma em regime de permanência na habitação com aplicação dos meios técnicos de vigilância à distância.
2°. A aludida revogação, teve por base a consideração de que o Arguido infringiu, de forma grosseira e repetida, os deveres decorrentes do regime de execução da pena de prisão uma vez que afirma que o Arguido não consentiu à DGRSP a implementação de tal regime, tendo deixado de atender os telefonemas realizados pelos técnicos, nos termos do art. 44.º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do Código Penal.
3°. Ora conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-06-2012 "O regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e, deste modo, apenas pode ser decidida na sentença, pelo tribunal de julgamento, e não na fase de execução da sentença, como se constituísse mero incidente da execução da pena de prisão.
E, se o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, não permite o artigo 44°, do C. Penal, que, tendo sido suspensa a execução da pena de prisão, possa ser perspectivada a aplicação daquele regime, em caso de posterior revogação da referida suspensão.
Nota: Em idêntico sentido Ac. TRP de 7-03-2012 e Ac. TRC de 10-12-2013. "
4°. Pena essa que, salvo melhor opinião, de acordo com o n.º 1, do art. 2° da aludida Lei, a pena deveria ser perdoada por preencher todos os critérios para o perdão da pena.
5°. De facto, o Arguido, naquele preciso momento em que foi abordado pelos técnicos da DGRSP para a aplicação dos meios electrónicos de vigilância, não tinha condições objectivas para a sua realização, condições essas que aconteceram 2 dias depois desse contacto.
6°. A DGRSP limitou-se a efectuar tentativas de contactos telefónicos com o Arguido para a aplicação desses meios, não tendo efectuado qualquer outra deslocação ou utilizar outros meios de contactos, tendo tirado a conclusão que o Arguido não consentia a sua aplicação em absoluto.
7°. Por sua vez, o tribunal a quo não esgotou todos os meios de notificação do Arguido que estão ao seu alcance, especialmente numa questão de vital importância, tanto para o Arguido como para a Republica de Portugal neste contexto de pandemia e de emergência nacional.
8°. Não resultando claramente que existe impossibilidade de tal cumprimento se efectivar de imediato, antes pelo contrario.
9°. Face ao facto do Arguido ter ficado incontactável telefonicamente, tal como a DGRSP está até este momento, tendo acontecido o acidente de ter estragado o seu telemóvel e ter demorado alguns dias para reunir verba para adquirir outro, não pode resultar claro que a aplicação do regime de vigilância é uma inviabilidade ou que o mesmo não presta o seu consentimento.
10°.    Ademais, o próprio Arguido manifestou a sua concordância por diversas vezes nos autos.
Nestes termos e sempre com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente Recurso sendo, a pena perdoada por aplicação da Lei 9/2020 de 4 de Abril de 2020 ou, caso assim não ponderem, o douto Despacho de revogação da aplicação da pena em regime de permanência na habitação com aplicação de meios de vigilância à distância ser revogado, mandando o Tribunal a quo notificar ao DGSRP para efectuarem contacto pessoal com o arguido para a aplicação dos meios electrónicos de vigilância à distancia.
Reclamando-se assim a costumada JUSTIÇA.

2. Admitido o recurso, o MP respondeu, concluindo do seguinte modo:
1. Não se conformando com a decisão que determinou o cumprimento da pena em regime prisional o arguido veio apresentar recurso formulando para tal conclusões nos quais pugna, em síntese, que a pena de prisão está perdoada nos termos da Lei 9/2020 e ainda, subsidiariamente, e caso assim não se entenda, que a pena de prisão seja cumprida em regime de permanência em habitação ao invés do que foi decidido devendo ser anulada a decisão na parte em que revogou a pena de prisão em regime de permanência na habitação (artigo 43.º do Código Penal). Vejamos se o arguido tem razão:
2. W. foi condenado, por sentença destes autos, proferida em 7-10-2016, e transitada em julgado em 7-11-2016, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.
3. Veio o arguido a ser condenado, por sentença transitada em julgado em 11-03-2019, proferida no processo n.º 271/18.6PCCSC, que correu termos no Juízo Local Criminal de Cascais – J1, na pena de 5 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, pela prática em 26-04-2018 de um crime de condução sem habilitação legal. 
4. Por estar preenchido o disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada e determinado o cumprimento, pelo arguido W. Fernandes Freire, da pena de 1 ano e 6 meses de prisão nos termos do artigo 43.º do Código Penal, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
5. Tal modalidade de cumprimento em regime de permanência em habitação, ou pena de substituição, foi, no entanto, revogada em 29-10-2020.
6. Desta decisão veio o arguido interpor o recurso a que agora se responde.
7. Ora, a primeira questão que o recurso levanta é saber se a pena de prisão aplicada ao arguido, na decorrência da revogação da suspensão, está perdoada pela Lei 9/2020 de 10-4 e, no caso afirmativo, qual o Tribunal competente para decidir o perdão e ainda se é necessário que o arguido tenha de ter a condição de recluso para ser beneficiário de tal perdão.
8. A decisão que revogou a suspensão da pena e determinou o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação foi notificada através de via postal simples tendo sido depositada na caixa de correio no dia 11-2-2020.
9. Tal despacho transitou, assim, em data anterior à entrada em vigor da Lei 9/2020 de 10-4 sendo que a revogação do modo de cumprimento em regime residencial foi igualmente anulado pelo despacho recorrido datado de 29-10-2020.
10. Quanto às questões colocadas pelo presente recurso há que atentar no artigo 2.º da Lei 9/2020 de 10-4 (o qual se mantém em vigor à presente data como tem sido unanimemente reconhecido nos termos do artigo 10.º de tal Lei na redação introduzida pelo artigo 3.º da Lei 16/2020 de 29/5). 
11. Ora, de uma leitura exigente e atenta deste normativo a competência para aplicar o perdão aos arguidos condenados não é exclusiva do TEP (não obstante a corrente jurisprudencial - ao que sabemos unânime - em sentido contrário que não se ignora) entendendo-se igualmente que a pena principal do arguido, aplicada em 29-10-2020, está perdoada.
12. Por tal razão, (e enveredando por uma doutrina mais moderada), temo-nos posicionado, em diversos processos, no sentido da decisão que revogou pena substitutiva em momento posterior ao da entrada em vigor da Lei 9/2020 ser comunicada ao TEP para que este dê cumprimento aos n.ºs 3 e 5 do artigo 2.º desta Lei nos termos anteriormente aludidos, caso assim o entenda, e independentemente da situação de reclusão do beneficiário do perdão.
13. Isto decorre de razões literais do artigo e de razões de sistema do ordenamento jurídico.
14.     Com efeito, o n.º 7 do artigo 2.º da Lei 9/2020 de 10-4 (onde se refere a condição de recluso do beneficiário do perdão) remete apenas para o n.º 1 e 2 olvidando o n.º 3 onde consta a prisão subsidiária decorrente de conversão de penas de multa nos termos do artigo 49.º do Código Penal.
15. Por outro lado, o n.º 5 de tal normativo diz que “relativamente a condenações em penas de substituição, o perdão a que se refere este artigo só deve ser aplicado se houver lugar à revogação ou suspensão” o que inculca a existência de penas principais que deverão ser perdoadas independentemente da situação de reclusão se for revogada a pena substitutiva no período de vigência da Lei 9/2020 de 10-4 e posteriormente à data de entrada em vigor desta Lei.
16. Na verdade, se tivesse sido intenção do legislador aplicar o perdão apenas a condenados reclusos ao invés de ter dito, neste n.º 5, “se houver lugar à revogação ou suspensão” deveria ter dito “se tiver havido lugar à revogação ou suspensão” pois é pressuposto da reclusão ter existido, no passado, em momento anterior à entrada em vigor da Lei 9/2020 uma revogação de pena substitutiva.
17. Por outro lado, a remissão do n.º 7 do artigo 2.º, onde se refere a condição de recluso do beneficiário apenas remeteu para o n.º 1 e 2, deixando de fora o n.º 3 e o n.º 5 (desse mesmo artigo) onde o beneficiário do perdão não tem, obrigatoriamente, a condição de recluso.
18. Isto significa de acordo com os n.ºs 3 e 5 deste artigo 2.º que caso uma pena de multa tenha de ser convertida em prisão subsidiária nos termos do artigo 49.º n.º 1 do Código Penal ou determinado o cumprimento da pena principal de prisão nos termos do artigo 45.º n.º 2 do Código Penal ou mesmo revogado o regime de permanência na habitação nos termos do artigo 44.º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do Código Penal há que ponderar pelo Tribunal da condenação se não é aplicável o perdão à pena principal de prisão que houver a cumprir, desde logo em obediência a um princípio de economia de meios.
19. Decorre assim que no caso da pena de prisão subsidiária aplicada nos termos do artigo 49.º n.º 1 do Código Penal, no caso da revogação de pena substitutiva nos termos do artigo 45.º n.º 2 do Código Penal ou do artigo 44.º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do Código Penal (na decorrência de condenações transitadas em data anterior à entrada em vigor da Lei 9/2020 de 10-4) poderá questionar-se a exequibilidade de tais penas pelo Tribunal da condenação e se não é aplicável o perdão.
20. Assim, é a nosso ver defensável intelectualmente que o tribunal da condenação também pode pronunciar-se sobre o perdão de penas de prisão subsidiárias convertidas relativas a condenações em pena de multa aplicadas em momento anterior à entrada em vigor da citada lei 9/2020, assim como da aplicação do perdão a pena de prisão aplicada nos termos do artigo 45.º n.º 2 do Código Penal e nos termos do artigo 44.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do Código Penal (cumprimento de pena em regime prisional por revogação do cumprimento de pena em regime de permanência na habitação) por condenação anterior a 10-4-2020, por uma questão de economia de meios.
21. Resulta assim legítimo o entendimento que o n.º 8 do artigo 2.º citado apenas reflete a regra geral de que o TEP tem competência relativa a reclusos condenados sendo o tribunal da condenação competente para aplicar e decidir o perdão relativamente a indivíduos condenados que não sejam reclusos.
22. Assim, entende-se que é correto o entendimento que (a) o Tribunal competente para a decisão relativamente ao perdão requerido é o Tribunal recorrido; (b) a revogação da pena de prisão em regime residencial na pendência da lei do perdão implica que nos termos do artigo 2.º n.º 5 da Lei 9/2020 de 10-4 a pena principal está perdoada já que a pena de prisão em regime residencial assume a natureza de pena de substituição; (c) tal perdão é concedido independentemente do beneficiário ter ou não a condição de recluso.
23. No que tange á segunda parte do recurso, em que se pede a revogação da decisão que aplicou a pena principal em 29-10-2020, somos de parecer que o mesmo deverá improceder.
24. Com efeito, o arguido ao ver-se sem modo de ser contactado deveria ter entrado em comunicação com o seu defensor e procurado inteirar-se do modo de cumprimento da pena e informar a DGRSP dessa situação estando tal decisão corretamente alicerçada na factualidade dos autos e nos relatórios da DGRSP elaborados.
25. Entende-se assim ser correta a decisão que revogou o modo de cumprimento de pena nos termos do artigo 43.º do Código Penal não tendo sido violadas nessa parte quaisquer normas.
26. Nesta conformidade, entende-se que o recurso merece parcialmente provimento devendo ser decretado o perdão da pena de prisão efetiva sob a condição resolutiva do beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente tendo sido violado o artigo 2.º e 10.º da Lei 9/2020 de 10-4.
Nestes termos e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão deverá ser o recurso considerado parcialmente procedente e ser decidido no sentido de considerar que a pena de prisão efetiva aplicada na decorrência da revogação da pena de prisão em regime residencial está perdoada sob a condição resolutiva constante do n.º 7 da Lei 9/2020 de 10-4 nos termos supra expostos.
3. Subidos os autos, nesta segunda instância a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls.72, «no sentido da parcial procedência do recurso», acompanhando a «fundamentada argumentação do digno magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância».
4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente não respondeu àquele parecer.
5. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o artigo 418.º, n.º 1, do referido Código, teve lugar a Conferência, cumprindo decidir.
***
II -    FUNDAMENTAÇÃO:
1. Perante as conclusões formuladas pelo recorrente no final da respetiva motivação e que acima transcrevemos na íntegra, aquele pretende que a pena de prisão em que foi condenado (1 ano e 6 meses de prisão) seja declarada perdoada, ao abrigo da Lei n.º 9/2020, de 10/4, ou, se assim não for entendido, que o despacho recorrido seja revogado e admitido o cumprimento daquela pena em regime de permanência na habitação.
2. Vejamos, então, o teor do despacho recorrido, que passamos a transcrever:
«Na audiência realizada em 20.05.2019 o arguido prestou o seu consentimento ao eventual cumprimento de pena em regime de permanência na habitação, tendo reiterado tal consentimento por requerimento de 26.11.2019. 
Por despacho de 05.02.2020 foi determinado o cumprimento da pena de 1 ano e 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. 
Contudo, chegado o momento de implementar tal regime pela DGRSP o arguido não o consentiu e deixou de atender as chamadas telefónicas realizadas pelos técnicos. 
Notificado para se pronunciar, nada disse. 
Considerando que o comportamento do arguido é impeditivo do início do cumprimento da pena, conclui-se necessariamente que constitui uma infração grosseira e repetida dos deveres decorrentes do regime de execução da pena de prisão, razão pela qual se revoga a aplicação de tal regime e se determina o cumprimento da pena de 1 ano e 6 meses de prisão em estabelecimento prisional, nos termos do artigo 44.º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do Código Penal. 
Notifique. 
Após trânsito emita mandados de detenção.»
3. Apreciemos:
3.1. Dos elementos constantes do processo é possível concluir que o arguido foi condenado, por sentença de 7/10/2016, transitada em julgado em 7/11/2016, pela prática, em 6/9/2016, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Em consequência da comissão de novo crime no período da suspensão, esta foi revogada, tendo sido determinado, por despacho de 5/2/2020, o cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, para o qual o arguido deu inicialmente o seu consentimento.
Todavia, chegado o momento de concretizar a medida com a colocação dos aludidos meios técnicos, tal não foi possível, dada a manifesta falta de colaboração do arguido, tendo de seguida ficado incontatável, tendo deixado de atender as chamadas telefónicas dos técnicos da DGRSP.
Notificado para se pronunciar, nada disse.
O que conduziu à prolação do despacho recorrido, no qual se determinou a revogação do aludido regime e o subsequente cumprimento da prisão em estabelecimento prisional.
3.2. Quanto ao perdão:
Nesta questão, o MP, na resposta ao recurso apresentada em primeira instância, tomou posição em sentido favorável à pretensão do arguido, defendendo que a pena de prisão que a este foi aplicada deveria ser declarada perdoada pelo tribunal da condenação, ao abrigo da referida Lei n.º 9/2020, de 10/4. Idêntico entendimento foi assumido pelo MP nesta Relação.
A mencionada Lei aprovou um «regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19», concedendo perdão a «penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos» (artigo 2.º, n.º 1), dele excluindo os condenados pela prática de determinados crimes, que foram discriminados no n.º 6 do mesmo artigo 2.º.
A razão de ser dessas medidas de caracter excecional consta da exposição de motivos que acompanhou a respetiva «Proposta de Lei 23/XIV», aí se referindo que “a Organização Mundial de Saúde qualificou, no dia 11 de março de 2020, a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional, e como calamidade pública. Face a essa qualificação e ordenado pelo fundamento final de conter a expansão da doença, o Presidente da República decretou, no dia 18 de março o estado de emergência. Portugal tem atualmente uma população prisional de 12 729 reclusos, 800 dos quais com mais de 60 anos de idade, alojados em 49 estabelecimentos prisionais dispersos por todo o território nacional … As especificidades do meio prisional, quer no plano estrutural, quer considerando a elevada prevalência de problemas de saúde e o envelhecimento da população que acolhe, aconselham que se acautele, ativa e estrategicamente, o surgimento de focos de infeção nos estabelecimentos prisionais e se previna o risco do seu alastramento. … Neste contexto de emergência, o Governo propõe a adoção de medidas excecionais de redução e de flexibilização da execução da pena de prisão e do seu indulto que, pautadas por critérios de equidade e proporcionalidade, permitem, do mesmo passo, minimizar o risco decorrente da concentração de pessoas no interior dos equipamentos prisionais, assegurar o afastamento social e promover a reinserção social dos reclusos condenados, sem quebra da ordem social e do sentimento de segurança da comunidade. Estas medidas extraordinárias constituem a concretização de um dever de ajuda e de solidariedade para com as pessoas condenadas, ínsito no princípio da socialidade ou da solidariedade que inequivocamente decorre da cláusula do Estado de Direito”.
Ou seja, no âmbito do combate àquela doença e de molde a evitar a entrada e transmissão do vírus no interior dos estabelecimentos prisionais, visa a aludida medida de graça reduzir a população prisional, dentro dos limites traçados.
Razão por que, a lei se dirige aos «reclusos» cuja condenação já houvesse transitado em julgado, sendo competente para a concessão do perdão e emissão dos respetivos mandados de libertação o Tribunal de Execução das Penas (n.º 8 do artigo 2.º).
Todavia, em caso de condenação em penas de substituição, manda o n.º 5 do mesmo artigo que o perdão seja aplicado se houver lugar à revogação de tal pena, ou seja, quando o arguido tiver de recolher ao estabelecimento prisional para cumprimento da prisão que havia sido substituída.
Sendo, pois, de aplicar o perdão se tal revogação ocorrer ainda durante a vigência da Lei 9/90, sendo certo que, tal vigência só cessará com a publicação de nova Lei que “declare o final do regime excecional de medidas de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça no âmbito da prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-Cov2 e da doença COVID-10”, conforme decorre do artigo 10.º daquela Lei, na redação da Lei 16/2020, de 29/5.
Dúvidas não há em como a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos ao ora recorrente, bem como a revogação do regime de permanência na habitação, que substituiu aquela, com a consequente imposição do cumprimento da prisão, pelo arguido W. Freire, em estabelecimento prisional, ocorreram na vigência da Lei 9/90, a qual ainda não cessou.
Se o arguido, na sequência do despacho recorrido, for detido e apresentado em estabelecimento prisional para cumprimento da respetiva pena de prisão, terá de ser imediatamente equacionada a aplicação do perdão em causa, sendo-lhe o mesmo aplicável, do nosso ponto de vista e em concordância com a jurisprudência existente de que temos conhecimento acerca desta concreta questão, de que é exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7/10/2020, proferido no P. 719/16.4TXPRT-F.C1, do Juízo de Execução das Penas (j3) de Coimbra, em cujo sumário se pode ler:
«I. O perdão de pena previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, só pode ser concedido a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado fisicamente no estabelecimento prisional.
II. Todavia, o perdão do artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, verificados que sejam os demais requisitos substantivos legais, pode ser igualmente aplicado a condenados que, no decurso da vigência daquela Lei, venham a estar na situação de reclusão
Todavia, verificando-se no presente caso todos os demais pressupostos para a concessão do perdão e apenas faltando o estatuto de “recluso”, parece-nos completamente ilógico e insensato exigir que o arguido seja detido e apresentado nessa qualidade no estabelecimento prisional, ou que ele aí se apresente voluntariamente, de molde a adquirir aquele estatuto, para que lhe possa ser aplicado o perdão a que, então, terá direito, sendo certo que, com tal procedimento se estaria a frustrar o objetivo da lei ao conceder o perdão, fazendo entrar no EP alguém que, vindo do exterior, poderá estar contaminado com o vírus que se pretende combater, pondo em perigo de contágio quem aí se encontra e obrigando aquele estabelecimento, de qualquer modo e independentemente de existir infeção, a medidas de prevenção que à partida se tornarão inúteis com a libertação do arguido logo a seguir e que podem desde já ser evitadas com a concessão do perdão antes dessa entrada na prisão.
É nosso entendimento, pois, que, em caso de revogação da pena de substituição e havendo lugar ao cumprimento, em estabelecimento prisional, da prisão que havia sido substituída, nos termos do n.º 5 do artigo 2.º, da Lei n.º 9/90, de 10/4, o perdão a que o “condenado” tiver direito e caso ele abranja toda a pena a cumprir, pode e deve ser de imediato aplicado, sem que haja necessidade de serem emitidos mandados de detenção e de aquele adquirir a qualidade de “recluso”, sendo tal ato da competência do tribunal em que pende o processo e que será o tribunal da condenação.
Consequentemente, procedendo o recurso do arguido, declara-se perdoada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão em que aquele foi condenado nestes autos, ficando prejudicada a decisão recorrida na parte em que determina a passagem de mandados de detenção para cumprimento da aludida pena e implicando o subsequente arquivamento do processo.
***
III – DECISÃO:
Nos termos e em conformidade com o exposto, julga-se procedente o presente recurso do arguido W. e, consequentemente, declara-se integralmente perdoada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão aplicada ao mesmo arguido no presente processo, determinando-se o subsequente arquivamento deste.
***
Sem custas, por não serem devidas.
Notifique.
Lisboa, 23/02/2021
José Adriano
Vieira Lamim