Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2650/16.4T8LSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CRÉDITO CONDICIONAL
CRÉDITO LITIGIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–Um crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição, conquanto um crédito litigioso é aquele que não pode ser exigido, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.

2.–A menção “decisão judicial” introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20.04, ao nº 1 do artigo 50º do CIRE, nenhuma alteração essencial aditou ao preceito, apenas se pretendeu esclarecer que a fonte da condição também poderia derivar de decisão judicial e não apenas da lei ou do negócio jurídico.

3.–A nova redacção dada ao artigo 50º, nº 1 do CIRE, pela Lei nº 16/2012, de 20.04, não fez perder qualquer sentido ao Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2014, de 08.05.2013, mantendo o mesmo inteira aplicabilidade.

4.–Transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação no âmbito do respectivo processo de insolvência, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, pois estes sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência, já que aquela declaração obsta à instauração de qualquer acção executiva contra a massa insolvente.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:


ILÍDIO …., residente em ….., intentou, em 31.01.2016, acção declarativa de condenação com processo comum contra:
1º–Banco Espírito Santo, S.A., com sede na Rua Barata Salgueiro, 28, 6.º piso, em Lisboa,
2º–Novo Banco, S.A., com sede na Avenida da Liberdade, 195, em Lisboa,
3º–José …., Presidente do Conselho de Administração do Novo Banco, S.A., com domicílio profissional na Avenida da Liberdade, 195, em Lisboa, através da qual pede a condenação solidária dos réus a indemnizarem o autor:
a)-dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença;
b)-dos danos morais, que se computam simbolicamente em 5.000,00 €.

Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de, por influência do 1° Réu, através do gestor de conta, Hugo ….., ter aplicado € 189.000,00, em 18.900 acções preferenciais da sociedade Top Renda Investments Jersey Limited, com o ISIN: SCBES0AE0338, não tendo o autor recebido a ficha técnica ou qualquer outra informação escrita relativamente à aplicação feita, nem tão pouco lhe foi dada, verbalmente, qualquer informação técnica sobre a referida aplicação, pensando o autor ao aceitar a proposta que lhe foi feita pelo aludido gestor de conta que era um depósito a prazo, semelhante aos que já tinha efectuado anteriormente, nunca imaginando que o Top Renda 7 eram acções de uma sociedade veículo (SPV) com sede nas Ilhas Jersey.

Mais alegou que o autor que é um investidor não qualificado, não tem qualquer conhecimento em matéria de investimento, sendo avesso aos principais riscos, nomeadamente, capital, rendimento e liquidez. Tem perfil conservador, não fazendo aplicações de risco, procurando produtos com a garantia do capital investido e rendibilidades compatíveis com as taxas de juro de curto prazo. Trata-se de uma pessoa que tinha como projecto, um fim de vida “descansado”, entre a Suíça e Portugal, usufruindo das poupanças que tinha feito ao longo de uma vida de trabalho e sacrifícios na Suíça, necessitando de liquidez e sem qualquer apetência para o risco de perder o capital investido, e estas informações foram prestadas de forma clara, rigorosa e actual, ao seu gestor Hugo …..

Fundou, assim, a sua acção em responsabilidade do BES por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e de intermediação financeira, tendo-se transferido esta responsabilidade para o Novo Banco, por força da medida de resolução aplicada ao BES e criação do banco de transição. Por outro lado, o 3º R. sabia e não podia ignorar que o BES tinha garantido ao autor, assim como aos demais adquirentes de acções preferenciais das SPV’s, o pagamento do capital investido e dos juros convencionados. O 3º R. sabia e não podia ignorar que se tratava de uma responsabilidade efectiva, que se transferia necessariamente para o Novo Banco, por força da operação de resolução.

Citados, os réus apresentaram contestação.

Os 2º e 3º réus, NOVO BANCO, S.A., e JOSÉ …., contestaram, em 23.03.2016, por excepção, invocando a respectiva ilegitimidade passiva, e por impugnação. Para além de terem suscitado o incidente de verificação do valor da causa. 

Alegaram, para tanto, e em síntese que:
1.–Por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, foi aplicada uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”)
2.–A lei atribui ao Banco de Portugal uma competência discricionária para, no respeito dos pressupostos de aplicação de cada uma delas, bem como dos princípios gerais da adequação e da proporcionalidade (artigo 139.º/24 do RGICSF).

3.–Através da deliberação de 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal determinou:
O Ponto Um: constituir o NOVO BANCO, e aprovar os respectivos Estatutos (Anexo 1 da deliberação);
O Ponto Dois: transferir para o NOVO BANCO, determinados activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (Anexos 2 e 2A da deliberação);
O Ponto Três: designar uma entidade independente para avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, transferidos para o NOVO BANCO;
O Ponto Quatro: designar os membros dos órgãos sociais do Banco Espírito Santo, S.A.

4.–Foi o que o Banco de Portugal fez no caso do BES: aplicou uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. : a transferência parcial da actividade e constituiu uma instituição de transição (NOVO BANCO, S.A.),

5.–No Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal integrou na categoria de «Passivos Excluídos»  responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que se mantiveram na sua esfera jurídica, não tendo sido transferidos para o NOVO BANCO “quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais” (alínea b), subalínea (v)).

6.–Na relação material controvertida, na forma como é apresentada, o Autor imputa ao BES, um conjunto de factos que, se provados, o que não se concede, mas se alvitra por mera hipótese o constituiriam, pelo menos, uma violação de disposições regulatórias que o A. imputa a título de dolo eventual ou negligência grosseira.

7.–Estando tais situações claramente abrangidas nos “passivos excluídos” designadamente na referida alínea b), subalínea v) do Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal.

8.–Por via, e de acordo com a nova redacção da subalínea (vii), se conclui que não houve transferência para o NOVO BANCO das eventuais responsabilidades do BES assumidas na comercialização, intermediação financeira de acções preferenciais.

9.–Face à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 e considerando as respectivas aclarações e a expressa inclusão do presente processo na deliberação do Banco de Portugal, é indiscutível que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e no uso das suas competências legais, não transferiu para o NOVO BANCO a responsabilidade ou as contingências decorrentes dos créditos relativos a acções preferenciais vendidas pelo BES.

10.–Tal significa que, em termos processuais, a legitimidade passiva nos presentes autos pertence exclusivamente ao BES.

11.–A resolução bancária tem cobertura constitucional, porquanto, através, designadamente, da constituição de uma instituição de transição, permite, em especial, preservar a estabilidade do sistema financeiro no seu todo, salvaguardar as funções bancárias desempenhadas pela instituição  de crédito em crise  e proteger  os  depositantes, como, outrossim, com a resolução da instituição
de crédito, tutela os contribuintes e ressalva o erário público.

12.–A verdade é que a resolução não agravou a posição jurídica que o Autor teria se o BES tivesse entrado em liquidação.

13.–Face ao exposto, impõe-se, concluir que o NOVO BANCO é parte ilegítima nos presentes autos, na medida em que a responsabilidade perante o Autor, a existir, não foi transferida para o NOVO BANCO, enquanto instituição de transição, tendo permanecido na esfera jurídica do BES.

Sustentam, todavia, os réus, “Ad cautelam” a suspensão da instância, invocando, para tanto, que:

– a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal reveste a natureza de acto administrativo, beneficiando da presunção de legalidade do exercício do poder de autoridade nos actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal no uso das suas competências legais
– a lei imputa expressamente aos tribunais administrativos a competência para conhecer dos litígios emergentes das decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução (artigo 145.º-AR/134 do RGICSF), estabelecendo regras especiais para o processo (artigo 145.º-AR/2/435 do RGICSF) e atribui ao Banco de Portugal inclusive a prerrogativa de invocar causa legítima de inexecução no caso de sentenças anulatórias (artigo 145.º-AR/336 do RGICSF).
– cabe, assim, ao autor, querendo, impugnar nos tribunais administrativos a medida de resolução, estando-lhe vedado recorrer aos tribunais cíveis para discutir contenciosamente, ainda que prejudicialmente, aquele acto administrativo.
– Pelo que não deverá o Tribunal julgar improcedente a excepção de ilegitimidade arguida, com base na invalidade da medida de resolução, sem primeiro suspender a instância, remetendo essa competência anulatória para os tribunais administrativos (artigo 92.º/1 do CPC).
Terminam os réus pedindo que o seja determinado o valor da causa em 194.000 Euros, julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva dos 2º e 3º réus, absolvendo-se os mesmos do pedido ou, pelo menos, da instância. Em qualquer caso, ser a acção julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se, em consequência os réus dos pedidos.

A 1ª ré, BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (“BES”), contestou, em 01.04.2016, por excepção, invocando a inexigibilidade do cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas em resultado da medida de resolução aplicada ao BES, por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, visto que apesar do BdP ter determinado a transferência parcial da sua atividade para o Réu Novo Banco, não foi determinada a revogação da autorização do Réu BES “simultaneamente ou em momento imediatamente posterior à aplicação” da medida de resolução.

Mais invocou que mesmo que se entenda - o que não se admite - que o Réu BES teria uma eventual obrigação de restituição e de indemnização com base nos factos alegados pelo Autor, o cumprimento destas obrigações não é legalmente exigível ao BES, razão pela qual, deverá o Réu BES ser absolvido dos pedidos.

Contestou a 1ª ré, também por impugnação, alegando que o Autor conhecia o produto que subscreveu e optou por adquiri-lo, sabendo os riscos associados, tendo solicitado desde a data de subscrição da aplicação TOP RENDA 7, as sucessivas renovações, que eram realizadas de acordo com os procedimentos em vigor. O Autor conhecia o tipo e as características das aplicações financeiras que subscreveu, queria aplicar o seu capital através de (i) um contrato com função de financiamento do BES, (ii) remunerado a uma taxa fixa contratada, (iii) durante um período pré-determinado, (iv) com duração de 12 a 24 meses. Aceitou e conformou-se, o autor,  com o risco BES. O autor tinha  preferência em produtos que garantisse a dispensa de reporte, razão pela qual se conclui que o Autor tinha plena consciência de que o investimento sub judice não constituía um depósito a prazo.

Alegou também  que o BES não violou o dever de adequação previsto no artigo 314.º, n.º 1, do CVM nem os deveres instrumentais alegados pelo Autor, porque a eles não estava obrigado, atendendo à configuração da relação de intermediação como uma mera recepção e execução de ordens, nos termos e para os efeitos do artigo 314.º-D do CVM.

Termina a 1ª ré, pedindo, que seja:
i)- Julgada procedente a exceção peremptória de inexigibilidade do cumprimento da alegada obrigação de indemnização do RÉU BES, absolvendo-o dos pedidos; ou
ii)- Subsidiariamente, julgada improcedente a ação, por não provada, com todas as legais consequências.

Em 25.07.2016, o autor e o 3º réu apresentaram requerimento, no qual, e nos termos do disposto no nº 1 do artigo 290º do CPC, declararam:
1- O A. desiste da instância em relação ao 3º R., prosseguindo o processo em relação aos demais R.R.
2- O 3ºR. declara, nos termos do disposto no nº1 do artº 286º do CPC, que aceita a desistência da instância, e declara que prescinde de custas de parte, incluindo devolução de taxas de justiça já pagas.

Em 07.09.2016 foi proferido a seguinte Decisão:
Na presente ação declarativa comum que ILÍDIO …., portador do cartão de cidadão nº …, move contra JOSÉ …., contribuinte fiscal nº …, na qualidade de …. do Novo Banco, S.A., e outros réus, devidamente  identificados  nos  autos, veio o autor  desistir  da  instância relativamente a este réu, que a aceitou, por requerimento de 25.07.2016, de fls. 582.
Tendo em conta o objeto do processo e a qualidade dos intervenientes, homologo por sentença a desistência da instância, assim se extinguindo a causa (artigos 285º nº 2, 289º, 290º e 277º al. d) do C. P. Civil) relativamente ao 3º réu, contribuinte fiscal nº…., na qualidade de ….. Administração do Novo Banco, S.A. e prosseguindo a lide quanto aos demais réus.
Custas a cargo do autor (artigo 537º nº 1 do C. P. Civil).
Valor: o indicado pelo autor.
Notifique e Registe.

Em 21.09.2016, a 1ª ré, BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO, apresentou requerimento, invocando o seguinte:

1.–Conforme constitui facto público e notório, por deliberação do passado dia 13.07.2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade do Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”).
2.–Nos termos da referida Deliberação, o Banco Central Europeu determinou que: “A presente decisão produz efeitos a partir das 19:00 h CET (hora da Europa Central) do dia em que for notificada à Entidade Supervisionada.”.
3.–BES foi notificado da supra referida decisão, por e-mail datado de 13.07.2016.
4.–Por outro lado, e conforme consta do Comunicado divulgado no
site do Banco de Portugal: https://www.bportugal.pt/pt-PT/OBancoeoEurosistema/ComunicadoseNotasdeInformacao/Paginas/combp20160714.aspx, “O Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”) para o exercício da atividade de instituição de crédito. A decisão de revogação da autorização do BES implicará a dissolução e a entrada em liquidação do banco, em conformidade com o disposto nos números 1 e 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 199/2006. Desta forma, o Banco de Portugal vai requerer, nos termos da lei, junto do tribunal competente início da liquidação judicial do BES.”
5.–Nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de outubro (“D.L. 199/2006”), “A decisão de revogação da autorização […] produz os efeitos da declaração insolvência.”.
6.–Na sequência da revogação da autorização para o exercício da atividade, veio o Banco de Portugal, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 8.º do mencionado D.L. 199/2006, requerer a liquidação judicial do BES.
7.–Tal requerimento foi distribuído à 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, tendo-lhe sido atribuído o n.º de processo 18588/16.2T8LSB.
8.–Em 21.07.2016, foi proferido, no âmbito dos referidos autos de liquidação judicial, despacho de prosseguimento, nos termos do artigo 9.º do DL 199/2006, o qual foi publicado na plataforma “Citius” em 22.07.2016.
9.–De acordo com o referido despacho de prosseguimento, foi, além do mais, fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos [artigos 36.º, alínea j), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”) e 9.º, n.º 2, do D.L. 199/2006].
10.–Nos termos dos artigos 8.º, n.º 1 e seguintes do supra mencionado D.L. 199/2006, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas do CIRE.
11.–Resulta do artigo 90.º do CIRE que os credores da insolvência só podem exercer os seus direitos no processo de insolvência e de acordo com os meios processuais previstos no CIRE.
12.–Dispõe o n.º 1 do artigo 128.º do CIRE, que “dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória de insolvência, devem os credores da insolvência (…) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham (…)”,
13.–Sendo que, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, “a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvente, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”.
14.–Tal significa que, independentemente de o aqui Autor poder obter, através da presente ação, o reconhecimento do seu crédito e a condenação do BES no pagamento das quantias aqui peticionadas – hipótese que se suscita a título meramente académico e sempre sem conceder– nunca estaria, nem está dispensado de as reclamar no processo de insolvência /liquidação judicial, se nele quiserem obter pagamento.
15.–Por outro lado, no artigo 130.º do CIRE prevê-se a possibilidade de impugnação judicial da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, através de requerimento dirigido ao juiz e no artigo 146.º do CIRE estabelece-se que é possível reconhecer outros créditos não reclamados dentro do prazo para esse efeito, em ação a propor contra a massa insolvente, os credores e o devedor.
16.–Aliás, a partir da apresentação das listas de credores reconhecidos e não reconhecidos, o reconhecimento dos créditos passa a competir ao Tribunal.
17.–Havendo impugnações das listas, abre-se o incidente no processo de insolvência, in casu no processo de liquidação judicial, regulado nos artigos 131.º a 140.º do CIRE, o qual reveste a natureza de uma ação declarativa, na qual há oportunidade de discutir o reconhecimento ou não reconhecimento do crédito reclamado, o que demonstra que os direitos do aqui Autor em nada saem beliscados, na medida em que no âmbito do processo de liquidação – a sede própria - serão devidamente apreciados e, a final, sendo caso disso, o que não se concede, verificados os créditos de que se arroga titular. (Cfr. a este propósito, Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, Quid Iuris, Lisboa, 2008, pág. 459).
18.–Assim, e em face do exposto, é pois, manifesto que o expediente processual, previsto nos artigos 128.º e ss. do CIRE, que constitui um verdadeiro ónus de todos quantos se arrogam credores do Insolvente (Cfr. artigo 90.º do CIRE), retira todo e qualquer efeito útil à presente ação declarativa de condenação (Cfr. neste sentido Carvalho Fernandes / João Labareda, ob. Cit., pág. 364).
19.–Ora, com base nos preceitos legais supra citados e atenta a natureza jurídica do processo de insolvência – concurso universal de credores – formou-se uma corrente jurisprudencial sustentando ora a impossibilidade, ora a inutilidade superveniente das ações declarativas para apuramento de créditos contra os insolventes.
20.–O referido entendimento vem sintetizado no Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de junho de 2009: “(…) de nada serve a sentença proferida na ação instaurada contra o devedor se o credor não reclamar o crédito no processo de insolvência, porquanto jamais poderá tal decisão ser dada à execução para cumprimento coercivo, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 88.º do CIRE, a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência.”
21.–Nesse sentido, lê-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Novembro de 2008, “a sentença declaratória que proferisse na ação declarativa não teria quaisquer efeitos no âmbito do processo de insolvência, pois tinha sempre, neste último, de ser efectuada a respetiva reclamação de créditos”.
22.–Porém, uma corrente jurisprudencial divergente apontava no sentido de que apenas haveria inutilidade superveniente da instância após a prolação no processo de insolvência de sentença de verificação de créditos.
23.–Ora, a essa divergência dos tribunais superiores, quanto aos efeitos da declaração de insolvência nas ações para reconhecimento e condenação no cumprimento de obrigações pecuniárias em que o devedor é o insolvente, veio pôr cobro, no dia 8 de maio de 2013, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1 /2014 [publicado no DR 1ª série, n.º 39, de 25 de Fevereiro de 2014].
24.–Nestes termos, a jurisprudência uniforme adoptada foi a seguinte: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (…)”.
25.–Perante esta jurisprudência é hoje claro que as ações declarativas destinadas ao reconhecimento de créditos sobre entidades insolventes não têm utilidade processual.
26.–Esta asserção é válida independentemente do título ou causa jurídica do crédito, não se distinguindo créditos com origem contratual dos que têm a sua fonte noutras formas de responsabilidade civil.
27.–No caso em apreço, em que se pretende à margem do processo de insolvência ver reconhecido um crédito contra o Réu declarado insolvente, deixou de haver necessidade de usar o presente, porquanto nenhuma utilidade ou efeito prático destes se poderá extrair para a esfera jurídica do Autor.
28.–Filiando a inutilidade superveniente da lide aos pressupostos da instância, crê-se, acompanhando o ensinamento de Antunes Varela, que a mesma se reconduz ao interesse processual ou interesse em agir, consistente “na necessidade de usar [ou continuar a usar] o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação” [Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 179].
29.–A declaração de insolvência do BES, consubstanciada na deliberação do BCE que revogou a autorização para o exercício do BES com efeitos a partir das 19:00 do dia 13 de julho de 2016, acarreta a falta de interesse em agir do Autor contra o BES.
30.–A declaração de insolvência do BES, ademais associada ao prosseguimento do processo de Liquidação Judicial, implica, por conseguinte, a inutilidade superveniente da presente lide no que ao Réu BES respeita, uma vez que, independentemente da sorte da presente ação, a existência ou inexistência do crédito invocado pelo Autor terá necessariamente de ser julgada no âmbito do processo de liquidação judicial do BES acima identificado, a correr os seus termos sob o n.º 18588/16.2T8LSB na 1.ª Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa
31.–Nos termos do artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da decisão de revogação da autorização para o exercício da atividade emanada do Banco Central Europeu, cabe recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
32.–O prazo para interposição do referido recurso é, nos termos do supra citado dispositivo legal, de 2 meses, pelo que, sendo a aludida decisão passível de recurso datada de 13.07.2016, tal prazo encontra-se atualmente em curso, não se tendo tal decisão tornado definitiva.
33.–Nessa medida, e entendendo-se não haver fundamento para a imediata extinção da instância por inutilidade da lide, requer-se a V. Exa. seja declarada então a suspensão da presente instância, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil até que se torne definitiva a decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da atividade do BES.
34.–De todo o modo, ou de imediato, ou verificada que seja a definitividade da referida decisão, e perdendo os pedidos formulado pelo Autor nos presentes autos todo e qualquer efeito útil no que respeita ao BES, nos termos dos fundamentos acima aduzidos e que se dão por reproduzidos, deverá ser declarada extinta a instância quanto ao BES, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.

35.–Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exa. se digne:
(i)-Declarar a extinção da instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, absolvendo-se, consequentemente, o Réu Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, da instância. Ou, caso assim não se entenda,
(ii)-O a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 272.º, n.1, do Código de Processo Civil, até que se torne definitiva a decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da atividade do BES, sendo, logo que se verifique tal definitividade, declarada extinta a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, absolvendo-se o Réu Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, da instância.

O autor respondeu, em 29.09.2016, nos seguintes termos:
1.–É verdade e do domínio público que o Banco Espírito Santo, S.A. (BES) se encontra em liquidação.
2.–Assim como é certo que ao processo de liquidação do BES se aplica o CIRE, por força do art.º 8.º, n.º 1 do Dec-Lei nº 199/2006 de 25 de Outubro.
3.–Também é certo que, nos termos do art.º 90.º do CIRE: “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os processos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.
4.–Porém, as concordâncias com o douto requerimento ficam por aqui, não se podendo tirar as ilações nele pretendidas, como se passa a demonstrar.
A)–Efeitos processuais do processo de insolvência.
5.–O art.º 90.º é um corolário natural do processo de insolvência, como processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação do credor num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. (art.º 1.º).
6.–Como bem fazem notar Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda: “Na verdade, o art.º 90.º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos «em conformidade com os preceitos do presente Código». Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE. É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o art.º 1.º do Código. Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo (cfr. art.º 98.º, n.º 3; vd., também, o n.º 2 do art.º 87.º).”
7.–Se no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de executado o património.
8.–Mas, isto apenas significa que os credores têm de ser contemplados e graduados num processo de insolvência, mesmo que já tenham o seu crédito reconhecido por sentença transitada (art.º 128.º, n.º 3).
9.–Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.º 128.º).
10.–E, para serem reconhecidos no processo de insolvência, não é necessário uma sentença com trânsito em julgado.
11.–Disponibilizado o CIRE um processo para reconhecimento e impugnação de créditos reconhecidos (art.º 129.º e segs.).
12.–Mas, isto não significa que os créditos não possam - ou não tenham – que ser reconhecidos em processo autónomo, nomeadamente quando não se trata de créditos comuns, em particular com origem na responsabilidade civil.
13.–A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
14.–Assim, ou o processo de insolvência se transforma num emaranhar de processos, que colidiriam necessariamente com a natureza urgente do processo de insolvência (art.ºs 8.º e 9.º) e prejudicaria a satisfação dos credores, que é a finalidade do processo.
15.–Ou, seriam a atropelados e prejudicados os direitos dos credores - ou a própria defesa do devedor insolvente - com prejuízo para a justiça e violação do princípio constitucional de um processo justo e equitativo (art.º 20.º da Constituição)
16.–Consciente desta situação, o legislador do CIRE, no Capítulo II do Título IV (Efeitos Processuais), não determina a suspensão das acções declarativas.
17.–E, apenas, no art.º 85.º, n.º 1 determinou que: “(…)
18.–Mas, mesmo neste caso, a apensação não é automática, dependendo de requerimento do administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo. (art.º 85.º, n.º 1 in fine) ou de requisição do juiz em todos os processos “nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”. (art.º 85.º, n.º 2).
19.–Bem se compreende este regime excepcional relativamente a bens compreendidos na massa insolvente, porquanto, tratando-se de um processo de liquidação universal, é necessário saber, em concreto, qual o acervo patrimonial do devedor insolvente.
20.–Como bem frisam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda: “O art.º 85.º não inclui uma norma equivalente à do art.º 154.º do Código pregresso, segundo a qual não se verificava a apensação das «acções sobre o estado e a capacidade das pessoas». Nem por isso se deve entender ter havido alteração desse regime, pois do art.º 85.º, no seu conjunto, resulta com suficiente clareza que a apensação só faz sentido quanto a acções de carácter patrimonial.”.
21.–Mas, daí não se pode depreender que este regime excepcional seja extensivo a todas as acções declarativas.
22.–Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).
23.–Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam.
24.–Em suma, A declaração de insolvência determina a apensação das acções de exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.
25.–Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.

B)–Da necessidade da reclamação de créditos.

26.–Como resulta do exposto, sendo o processo de insolvência um processo execução universal, que tem como finalidade a satisfação dos credores (art.º 1.º), é necessário que estes reclamem os créditos no processo de insolvência, mesmo que já tenham o seu crédito reconhecido por sentença com trânsito em julgado (art.º 128.º n.º 3).
27.–A reclamação de créditos deve ser efectuada nos termos previstos no (art.ºs 90.º e 128.º).
28.–Naturalmente que, sendo o processo de insolvência um processo execução universal, se os credores, efectivos ou potenciais, não reclamarem os seus créditos no processo de insolvência, perdem a possibilidade de ver satisfeitos os seus direitos de crédito com a liquidação e extinção de património do devedor insolvente.
29.–O que o legislador pretendeu com o regime da reclamação de créditos foi evitar entropias no processo de insolvência.
30.–Mas, uma vez feita a reclamação de créditos no processo de insolvência, este não interfere com as acções declarativas a correr, em que o credor seja parte, ou, mesmo, noutras, que este veja interesse em intentar, para reconhecimento do seu crédito.

31.–Este, é, aliás, o regime natural em direito comparado, citando-se, a título exemplificativo, os art.ºs 47.º e 48.º da lei francesa n.º 85 - 98, na redacção vigente, relativa ao “Redressement et Liquidation Judiciaires”: “Article 47. - Le jugement d’ouverture suspend ou interdit toute action en justice e la part de tous les créanciers dont la créance a son origine antérieurement audit jugement et tendant:
- à la condamnation du débiteur au paiement d’une somme d’argent;
- à la résolution d’un contrat pour défaut de paiement d’une somme d’argent;
II arrête ou interdit également toute voie d’exécution ”de la part de ces créanciers tant sur les meubles que sur les immeubles.
délais impartis à peine de déchéance ou de résolution des droits sont en conséquence suspendus.
Article 48. - Sous réserve des dispositions de l’article 124, les instances en cours sont  suspendues  jusqu’à ce que  le  créancier  poursuivant  ait  procédé  à  la  déclaration de sa créance. Elles sont alors reprises de plein droit, le représentant des créanciers et, le cas échéant, l’administrateur appelés, mais tendent uniquement à la constatation des créances et à la fixation de leur montante.”

32.–Em suma, se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
33.–Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.º 85.º, n.º 1 in fine e n.º 2).
34.–Pelo contrário, se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
35.–Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente graduado e acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.

C)–Da graduação de créditos.
36.–Dispõe o art.º 47.º, n.º 1: (…)
37.–E, o n.º 3 do mesmo artigo acrescenta que: (…)

38.–Nos termos do n.º 4 da mesma disposição, esses créditos sobre a insolvência são graduados do seguinte modo:
i.-garantidos ou privilegiados;
ii.-subordinados;
iii.-comuns.

39.–Por outro lado, o art.º 50.º, na actual redacção, prevê outra categoria créditos sob condição, nos termos seguintes: “Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico”.
40.–Acresce que nada impede que um crédito fique graduado, sob condição suspensiva e com garantia, até ao trânsito em julgado da acção declarativa subjacente.
41.–Também pode acontecer que o administrador da insolvência reconheça um crédito, não obstante estar a correr acção declarativa relativamente ao mesmo.
42.–Nesse caso, se o crédito não for impugnado, ou se a impugnação for julgada improcedente e se tornar definitivamente reconhecido, poderá haver lugar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, pelo menos quanto ao Réu devedor insolvente, se houver outros Réus.

D)–Do Acórdão Uniformizador.
43.–Para apoiar a sua tese, o R. BES invoca o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014.
44.–Acontece que este Acórdão perdeu a validade, porque respeita a uma situação decidida ao abrigo de um quadro legislativo diferente.
45.–Na verdade, o citado Acórdão respeita a uma acção declarativa, com processo comum, instituída a 04/03/2008, no Tribunal do Trabalho de Almada, em que esse tribunal proferiu a decisão de declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, logo após a sentença de 20/01/2011 do 3º Juízo do Tribunal da Comarca de Lisboa, que decretou a insolvência da A. naquele processo.
46.–Acontece que, na data da declaração de insolvência (20/01/2011), no processo que deu origem ao citado Acórdão Uniformizador, a redacção do n.º 1 do art.º 50.º do CIRE era a seguinte: “Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um futuro e incerto tanto por força da lei como de negócio jurídico.”
47.–Só com a Lei nº 16/2012 de 20 de Abril, é que o n.º 1 do citado art.º 50.º passou a ter a actual redacção, a partir de 20 de Maio de 2012: “Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.”.
48.–Ora, esta alteração legislativa faz toda a diferença, porquanto, a anterior redacção parecia não abranger as decisões judiciais como condição suspensiva.
49.–Assim, poderia colocar-se a questão da inutilidade da acção declarativa se o crédito subjacente não poderia figurar na graduação como crédito subordinado.
50.–Nesse contexto e entendimento, o crédito ou era reconhecido ou não, com a consequente tramitação no processo de insolvência.
51.–Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara sobre o assunto, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva relativamente aos créditos subjacentes.
52.–Pelo que o citado Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
53.–Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, ficou claro que as acções declarativas contra o devedor insolvente são fundamento da graduação do respectivo crédito sob condição suspensiva, só ficando impossibilitadas de alcançar o seu efeito útil normal se o crédito subjacente não for reclamado no processo de insolvência, nos termos do CIRE.
54.–Assim, no actual quadro legislativo, só na falta dessa reclamação, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.
CONCLUSÃO
55.–O(s) Autor(es) reclamou(aram) o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação.
56.–Reclamação essa que é do conhecimento do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, tanto mais que os seus actuais Administradores integram a Comissão Liquidatária.
57.–Pelo que a presente acção declarativa não perdeu o seu interesse e fundamento para reconhecimento definitivo do crédito do(s) Autor(res).
58.–O qual, se não for reconhecido definitivamente no processo de insolvência, deverá ser graduado como crédito sob condição suspensiva.
59.–Prosseguindo a presente acção a sua tramitação normal.
60.–Pelas mesmas razões, não terá sentido a suspensão da instância, como pretensão subsidiária do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. – em Liquidação.
61.–De qualquer forma, à cautela, sem admitir, sempre se diga que, caso o tribunal decretasse a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, essa extinção só operaria relativamente ao BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, mantendo-se a instância contra o outro R., Novo Banco, S.A., à semelhança, aliás, do que ocorre nas acções executivas,  termos do art.º 88.º, n.º 1 in fine e 2.

Em 19.10.2016, foi proferida Decisão, constando do seu Dispositivo, o seguinte:
Face ao exposto:
- Indefiro o requerido pelo réu BES – Em Liquidação quanto à declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;
- Determino a suspensão da instância pelo prazo de três meses, nos termos do artigo 272º nº 1 do C.P. Civil, a aguardar o decurso do processo de verificação de créditos no âmbito da liquidação judicial do BES, Processo 18588/2016.2T8LSB da 1ª Seção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa;
- Dou sem efeito a audiência prévia agendada;
- Decorrido este prazo, convida-se o autor e o réu BES a informarem se o
crédito reclamado pelo autor foi incluído na lista de créditos reconhecidos e se não foi objeto de impugnação.
Notifique.

Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs, em  08.11.2016, recurso de apelação, relativamente à aludida decisão.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:
i.-Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena nada poderem vir a receber depois de excutido o património.
ii.-Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.º 128.º), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.
iii.-Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (artº. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.
iv.-A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.
v.-Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.
vi.-Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).
vii.-Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
viii.-A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
ix.-Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam.
x.-Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, consignado expressamente para as acções executivas (art.º 85.º, n.º 1 in fine e n.º 2).
xi.-Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
xii.-Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.
xiii.-Nesta conformidade, o art.º 181º n. 1 do CIRE dispõe que “Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição”.
xiv.-Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
xv.-Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial, tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de “(…) decisão judicial ou de negócio jurídico”.
xvi.-No actual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.
xvii.-O Autor reclamou o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. – em Liquidação, como é do conhecimento deste R..
xviii.-A acção declarativa não viola o princípio da igualdade dos credores.
xix.-Tendo sido reclamado o crédito no processo de insolvência, a presente acção não depende da verificação e graduação de créditos no processo de insolvência.
xx.-A douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50º e 90º do CIRE e uma errada aplicação do art.º 272º nº 1 do CPC.

Pede, por isso, o apelante, que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que não decrete a suspensão da instância e mande prosseguir a presente acção declarativa.

A 1ª ré, BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO (“BES”), apresentou, em 22.11.2016, contra-alegações, propugnando pela manutenção do despacho proferido pelo Tribunal a quo, com a consequente suspensão da instância no que respeita ao Recorrido e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i.-O Tribunal a quo andou bem ao suspender a presente instância, tendo o despacho proferido plena justificação, sendo que, para além das razões por este aduzidas pelo Tribunal, há que ter em conta que a suspensão da presente ação decorre ainda do facto de a respetiva tramitação vir a constituir prática de atos inúteis, perante a antecipada definitividade da “declaração de insolvência” (rectius, revogação de autorização para exercício de atividade bancária) do BES e da consequente inutilidade superveniente da lide.
ii.-O processo de liquidação do BES resultou da decisão do BCE que revogou a autorização para o exercício da atividade desta instituição de crédito que, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 14 de agosto, produz os efeitos da declaração de insolvência, que, a requerimento do Banco de Portugal, foi proferido, no processo de liquidação judicial do BES, o despacho de prosseguimento previsto no artigo 9.º, n.º 1 do referido Decreto-Lei, cuja cópia foi, a seu tempo, também junta aos autos.
iii.-Nos termos dos artigos 8.º, n.º 1 e seguintes do supra mencionado D.L. 199/2006, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas do CIRE, decorrendo do artigo 90.º deste diploma legal que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos  de conformidade com os preceitos   deste   diploma   legal, vigorando assim um princípio de concentração nesse processo de todas as questões relevantes.
iv.-O n.º 1 do artigo 128.º do CIRE, por seu turno, dispõe que “dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória de insolvência, devem os credores da insolvência (…) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham (…)”, sendo que, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, “a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvente, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”.
v.-A deliberação do Banco Central Europeu que revogou a respetiva autorização para o exercício de atividade, acarreta assim a falta de interesse em agir do ora Recorrente, contra o BES, o que, por conseguinte, implica, em síntese, a inutilidade superveniente da presente lide no que ao BES respeita.
vi.-O Supremo Tribunal de Justiça veio a aderir a esta posição, por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, publicado no DR 1ª série, n.º 39, de 25 de Fevereiro de 2014, estabelecendo que: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (…)”, sendo que este não perdeu a sua validade ou atualidade com a entrada em vigor da nova redação do artigo 50.º, n.º 1 do CIRE, introduzida pela Lei 16/2012, de 20 de abril.
vii.-A alteração àquele preceito pela Lei 16/2012, apenas visou aperfeiçoá-lo, tendo deixado incólume os pressupostos jurídicos em que assentou o Acórdão Uniformizador.
viii.-Sendo manifesto que uma ação declarativa destinada ao reconhecimento de créditos sobre entidades insolventes não tem qualquer utilidade processual e, por esta razão, qualquer decisão que viesse a ser proferida no âmbito da presente ação em relação ao BES consubstanciaria a prática de um ato inútil, proibido por lei, nos termos do artigo 130.º do CPC.
ix.-Nestes termos, o Tribunal a quo andou bem ao suspender a instância na presente ação mas, porventura, à luz do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, bastaria que a suspensão tivesse sido decretada até à verificação da definitividade da decisão que produz efeitos equivalentes à declaração de insolvência, in casu, a decisão do Banco Central Europeu de revogação da autorização de atividade do BES, que aliás já ocorreu.
x.-De todo o modo, tendo a suspensão sido decretada para momento ulterior, deverá então a instância ser extinta, se não antes, terminado o prazo de 3 meses determinado pelo Tribunal a quo, à luz da definitividade da decisão do Banco Central Europeu que produz efeitos equivalentes à declaração de insolvência e pelas razões acima expostas.
SEM PRESCINDIR,
xi.-Em defesa do prosseguimento da presente ação, o Recorrente alega, em primeiro lugar, que não é exato o sentido que o Tribunal a quo atribuiu ao artigo 173.º do CIRE, na medida em que o referido artigo não faz referência à “sentença de verificação e graduação de créditos” mas apenas a uma “sentença transitada em julgado”, pelo que a sentença em causa tanto pode ser a de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência, como outra a proferir em processo declarativo, como no presente caso.
xii.-Não é de acolher, contudo, esta posição do Recorrente, que consiste numa tentativa errónea de isolar a referida norma do CIRE do seu contexto, isto é, de regulação do processo de liquidação, contrariando, ademais, o princípio da concentração que caracteriza este processo e a sua enquanto execução de vocação universal.
xiii.-Na verdade, este preceito deve ser interpretado em consonância com as características e com a finalidade do processo no qual está inserido, devendo-se ter em conta também a sua razão de ser,
xiv.-Sendo absurdo que o pagamento dos créditos sobre a insolvência dependesse do trânsito em julgado das várias sentenças proferidas nas diferentes ações declarativas em relação aos diferentes credores, e não da sentença de verificação e graduação de todos os créditos, proferida no âmbito do processo de insolvência, na sequência da impugnação da lista de créditos reconhecidos pelo administrador.
xv.-Pelo que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o referido preceito não se pode referir então a outra sentença que não a de verificação e de graduação de créditos proferida no processo de insolvência, in casu, de liquidação.
xvi.-Por outro lado, este reconhece nas suas alegações a necessidade de reclamar créditos no processo de insolvência para que os mesmos sejam contemplados neste processo, admitindo ainda que não se exige uma sentença transitada em julgado para que os mesmos sejam reconhecidos.
xvii.-Contudo, em clara contradição, considera que, pese embora o CIRE disponibilize um processo para reconhecimento e impugnação de créditos reconhecidos, isto não significa que os créditos não possam ou não tenham que ser reconhecidos em processo autónomo, nomeadamente quando não se tratam de créditos comuns, em particular com origem na responsabilidade civil.
xviii.-Ora, a posição do Recorrente parte, desde logo, da premissa errada de que os seus créditos podem ser reconhecidos em processo autónomo, apesar da pendência do processo de liquidação, sendo que, na verdade recai sobre os credores o ónus de reclamarem os seus créditos neste processo, se nele quiserem obter pagamento.
xix.-Assim, a “declaração de insolvência” do BES acarreta a falta de interessa em agir do ora Recorrente na presente ação declarativa.
xx.-Por conseguinte, não é de admitir o prosseguimento da presente ação para o reconhecimento do crédito peticionado pelo Recorrente e não se admitindo esta possibilidade, cai, por maioria de razão, o argumento do Recorrente de que poderia verificar-se a exigência de reconhecimento do seu crédito em processo autónomo.
xxi.-Isto mesmo nos casos em que os créditos não sejam comuns e de origem na responsabilidade civil pois esta não constitui um direito potestativo de exercício necessariamente judicial e a sentença condenatória do BES que viesse a ser proferida na presente ação seria meramente declarativa de direitos, e não constitutiva dos mesmos.
xxii.-O Recorrente considera ainda que a natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a ponderação necessária de “direitos litigiosos complexos ou especializados”, pelo que, ou o processo de insolvência se transforma num emaranhar de processos, que colidiriam necessariamente com a natureza urgente do processo de insolvência (artigos 8.º e 9.º do CIRE) e prejudicaria a satisfação dos credores, que é a finalidade do processo, ou, seriam atropelados e prejudicados os direitos dos credores – ou a própria defesa do devedor insolvente – com prejuízo para a justiça e violação do princípio constitucional de um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º da CRP, sendo por esta razão que o CIRE não determina a extinção das ações declarativas no Capítulo II do Título IV.
xxiii.-Ora, a estas considerações do Recorrente sobrepõem-se, desde logo, os princípios da concentração e “par conditio creditorium” que caracterizam este processo, bem como a sua finalidade enquanto execução de vocação universal.
xxiv.-Na verdade, os “direitos litigiosos complexos ou especializados” aos quais o Recorrente faz referência teriam sempre que ser ponderados, seja na presente ação declarativa, seja no processo de liquidação do BES, sendo que, por força destes princípios, a apreciação de tais direitos deverá ter lugar no âmbito do processo da liquidação (insolvência), não se vislumbrando razão para a presente ação prosseguir.
xxv.-Assim, o eventual prejuízo para a celeridade do processo de liquidação decorre da própria aplicação dos princípios que o caracterizam, designadamente o da concentração, resultando da opção do legislador de atrair todas as questões jurídica e patrimonialmente relevantes para o processo de liquidação, pelo que a questão colocada pelo Recorrente é de política legislativa e não cabe colocar nos presentes autos.
xxvi.-Por outro lado, nem se diga que os direitos dos credores, bem como o direito constitucional a um processo justo e equitativo são postos em causa nesta solução pois prevê-se no artigo 130º do CIRE a possibilidade de impugnação judicial da lista de credores reconhecidos e não e havendo impugnações das listas, abre-se o incidente no processo de insolvência, in casu no processo de liquidação judicial, que reveste a natureza de uma ação declarativa, na qual há oportunidade de discutir o reconhecimento ou não reconhecimento do crédito reclamado, garantindo-se assim o direito do Recorrente a um processo justo e equitativo, nos termos do artigo 20.º da CRP.
xxvii.-O Recorrente alega também que o legislador não determinou no CIRE a extinção das ações declarativas devido às consequências nefastas para a celeridade do processo de insolvência, para os direitos dos credores e para a própria justiça que daquela decorreriam.
xxviii.-É certo que o CIRE não possui qualquer disposição que determine expressamente a extinção das ações declarativas pendentes à data da declaração de insolvência, por inutilidade superveniente da lide mas o argumento “a contrario” é, contudo, um argumento bem pobre.
xxix.-Por outro lado, pese embora o Recorrente reconheça a necessidade de reclamação de créditos no processo de insolvência, alega, em defesa do prosseguimento da presente ação, que o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não poderá ser objeto de impugnação no processo de liquidação (insolvência), devendo ser obrigatoriamente reconhecido, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 205.º, n.ºs 2 e 3 da CRP.
xxx.-Ora, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, mesmo que este obtivesse tempestivamente o reconhecimento do seu crédito na presente ação, a respetiva sentença apenas produziria inter partes, nos termos do artigo 619.º do CPC, “mais não constituindo do que um documento para instruir o requerimento de reclamação/verificação de créditos (artigo 128.º), não dispensando a recorrente de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, nem a isentando da probabilidade de o ver impugnado e de ter aí de fazer a prova relativa à sua existência e conteúdo” [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 1/2014.
xxxi.-Não produzindo a sentença efeitos fora do presente processo, não pode naturalmente determinar o reconhecimento obrigatório do crédito do ora Recorrente no processo de liquidação, nem tampouco impedir a sua impugnação.
xxxii.-Se assim não fosse, seria naturalmente posto em causa o princípio par conditio creditorium que caracteriza o processo de liquidação, na medida em que os credores que tivessem intentado ações declarativas contra o liquidatário e que vissem os seus créditos reconhecidos nas mesmas seriam privilegiados, em relação àqueles que se limitaram a reclamar os seus créditos no processo de liquidação.
xxxiii.-Por outro lado, a eficácia inter partes da sentença não põe em causa o disposto no artigo 205.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, apenas se defendendo que a decisão proferida na presente ação não tem força obrigatória fora do processo, em especial no processo de liquidação judicial do Recorrido, em estrito cumprimento das regras da força de caso julgado previstas no CPC.
xxxiv.-O Recorrente considera ainda, com base na nova redação do artigo 50.º, n.º 1 do CIRE, que não haverá lugar à extinção da instância quando os credores reclamarem o respetivo crédito no processo de insolvência, uma vez que este deverá ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, como crédito sujeito a condição suspensiva quando, na verdade, não decorre do espírito nem sequer da letra do artigo 50.º do CIRE que o crédito dos Recorrentes se trate de um crédito sob condição suspensiva.
xxxv.-Com a alteração legislativa operada pela Lei n.º 16/2001, de 20 de abril apenas se clarificou que a decisão judicial é também uma possível fonte de imposição de uma condição suspensiva ou resolutiva, ao lado da lei e do negócio jurídico e não que esta constitui o acontecimento futuro e incerto, do qual depende a constituição do crédito do Recorrente.
xxxvi.-Ora, no caso em apreço, em momento algum estamos perante a verificação ou não de uma condição, mas sim sobre a pendência de um litígio que afinal determinará a existência ou não de um crédito e nunca de uma condição.
xxxvii.-Com efeito, a constituição do eventual crédito do Recorrente assentaria em factos passados, anteriores à declaração de insolvência do BES, nomeadamente no facto ilícito, culposo e danoso por este alegadamente cometido e a sentença que na presente ação declarativa reconhecesse o crédito peticionado, limitar-se-ia assim a verificar se o crédito se constituiu ou não efetivamente e, em caso afirmativo, a declarar o direito indemnizatório do Recorrente, produzindo efeitos meramente declarativos.
xxxviii.-O Recorrente refere ainda, em defesa do prosseguimento da presente ação, que o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014 perdeu atualidade e validade, na medida em que respeita a uma situação decidida ao abrigo de um quadro legislativo diferente, considerando, a este propósito, que resulta da alteração da redação ao artigo 50.º, n.º 1 do CIRE que o legislador passou considerar expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão.
xxxix.-Ora, o referido artigo limita-se a delimitar o conceito de crédito sob condição, para efeitos do CIRE e a alteração ao preceito pela revisão da Lei 16/2012 apenas visou aperfeiçoá-lo.
xl.-Se assim não fosse, no limite, todos os créditos cujo reconhecimento tivesse sido peticionado em ação declarativa, anteriormente à declaração de insolvência do BES, seriam sob condição suspensiva, frustrando-se a verificação e graduação de créditos no âmbito do processo de liquidação, por um lado, e pondo em causa o princípio da concentração, por outro, na medida em que o processo ficaria dependente do trânsito em julgado das sentenças proferidas nas várias ações declarativas intentadas contra o BES.
xli.-Por fim, o Recorrente afirma também que o prosseguimento da presente ação declarativa não viola o princípio da igualdade dos credores relativamente aos que apenas reclamaram créditos no processo de liquidação judicial do BES, defendendo que, no presente caso, só é possível obter o reconhecimento da existência do seu crédito através desta ação declarativa.
xlii.-Há aqui, desde logo, um equívoco de base na medida em que o Recorrente baseia a não violação do princípio da igualdade dos credores no facto de o reconhecimento do seu crédito apenas poder ser obtido na presente ação quando, na verdade, por força do princípio da concentração, o seu crédito terá necessariamente que ser reclamado e reconhecido no processo de liquidação do BES, se nele quiserem obter pagamento.
xliii.-Não se tratando, como supra exposto, de um crédito sob condição suspensiva, na medida em que a sua constituição não depende de qualquer acontecimento futuro e incerto, por força da lei, negócio jurídico ou decisão judicial, baseando-se sim, em eventuais factos ilícitos passados.
xliv.-Acresce que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a pendência de ações declarativas poderia, isso sim, colocar em crise o princípio da igualdade dos credores (par conditio creditorum).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a ponderação sobre:

A VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

O que implica analisar se a acção declarativa intentada pelo autor, no que diz respeito ao Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, deverá prosseguir, não obstante a pendência do processo de Liquidação Judicial.


III.–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi considerado pertinente para a Decisão, o seguinte:
1.–Por deliberação de 13.07.2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade do BES, tendo o Banco de Portugal, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 199/2006, de 25/10 (atualizado pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012, de 10/02), apresentado requerimento de liquidação judicial deste banco;
2.–Tal requerimento foi distribuído à 1ª Seção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, sendo-lhe atribuído o Número de Processo 18588/2016.2T8LSB, e em 21.07.2016 foi proferido despacho de prosseguimento nos termos do artigo 9º do Dec. Lei nº 199/2006, que fixou em trinta dias o prazo para a reclamação de créditos (artigo 36º alínea j) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aplicável com as necessárias adaptações por remissão do artigo 8º nº 1 do diploma citado;
3.–O autor reclamou o crédito subjacente à presente ação declarativa no processo de liquidação judicial do BES;
4.–O pedido principal formulado contra os réus NOVO BANCO e BES é condenação no pagamento de indemnização equivalente ao investimento efetuado na aquisição de ações preferenciais, por aconselhamento do réu BES, na qualidade de intermediário financeiro, que violou os seus deveres consagrados no artigo 304º do Código de Valores Mobiliários, e se constituiu na responsabilidade de indemnizar o autor pelos danos daí decorrentes,  responsabilidade  transferida  para o primeiro réu, por via da operação de resolução e constituição do NOVO BANCO determinada pelo Banco de Portugal.
5.–Não foi interposto recurso da decisão de revogação da autorização para o exercício da atividade bancária emanada do BCE.

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Insurge-se o autor/apelante contra a decisão recorrida que determinou a suspensão da instância pelo prazo de três meses, os termos do artigo 272º, nº 1 do Código de Processo Civil, ficando o processo o aguardar o decurso do processo de verificação de crédito, no âmbito da liquidação judicial do BES, defendendo, por seu turno, o autor que a presente acção deveria prosseguir os seus termos legais.

Vejamos se razão assiste ao recorrente.
Está demonstrado que o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade como instituição de crédito ao Banco Espírito Santo, S.A. e que, nos termos do artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 199/2006 de 25/10 (alterado pelo D.L. nº 31-A/2012 de 10/02), a decisão e revogação de autorização para o exercício da atividade equivale à declaração de insolvência dessa entidade.

Acresce que, revogada que foi a autorização para o exercício da atividade bancária, ao Banco de Portugal cabe requerer nos prazos legalmente previstos, a sua liquidação nos tribunais competentes, no prazo e termos indicados nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 8.º., o que sucedeu no caso em análise, em que foi decretado o prosseguimento da liquidação judicial  do BES,  encontrando-se pendente o respectivo processo, tendo o autor ali reclamado o seu crédito, que é justamente aquele que está subjacente a esta acção – v. Nºs 1 a 3 da Fundamentação de Facto.

À aludida liquidação do BES aplica-se, de harmonia com o disposto no nº 3 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 199/2006, as disposições do CIRE que se mostrem compatíveis com as especialidades constantes do citado diploma, excluindo-se expressamente os títulos IX e X do CIRE.


Ora, como é sabido, nos termos do artigo 81º do CIRE, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si, ou no caso de pessoa coletiva, quanto aos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes e futuros, sendo ineficazes ou inoponíveis em relação à massa insolvente os negócios jurídicos realizados
pelo insolvente.


Dispõe o artigo 90º do CIRE que “
Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.”

A declaração de insolvência implica a dissolução da insolvente e, consequentemente, a perda da sua personalidade jurídica e judiciária, pelo menos para a generalidade dos efeitos (artigos 141º, nº 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais, e 11º do Código de Processo Civil).

Estabelece, por outro lado, o artigo 85º, nº 1 que:Declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na
conveniência para os fins do processo”.

E, decorre do nº 1 do artigo 128º do CIRE que “Dentro do prazo fixado para o efeito da sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que representa, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os elementos probatórios de que disponham”, com indicação das menções expressamente referidas nas suas diversas alíneas.

Tal significa que todos os credores da insolvência devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do citado normativo e dentro do prazo assinalado na sentença declaratória da insolvência (ou na decisão que decretou o prosseguimento da liquidação judicial), não estando o credor que, não obstante tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento, conforme se estatui no nº 3 do citado artigo 128º do CIRE.

É na reclamação de créditos, que se estrutura como uma verdadeira acção declarativa, que se irá apreciar da existência e o montante do crédito, tal como se discute na acção declarativa, prevendo-se no artigo 130º e ss do CIRE, a possibilidade dos outros credores ou mesmo o insolvente contestarem a existência do crédito reclamado, seguindo-se ulterior tramitação processual, independentemente do  mesmo se encontrar reconhecido noutro processo, com vista ao respectivo pagamento, através da liquidação do activo.


Como decorrência do que acima ficou dito, com a declaração de insolvência do devedor, transitada em julgado (ou decretamento do prosseguimento da liquidação judicial), há que concluir que deixa de ter interesse o prosseguimento de qualquer acção para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito da entidade declarada insolvente, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.

Com efeito, o entendimento da inexistência de interesse na duplicação de decisões sobre a existência de crédito, numa acção declarativa e no processo de insolvência, deu origem ao Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, DR 39, Série I, de 25.02.2104, segundo o qual “
Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”

É certo que haverá que ter em consideração o que se dispõe nos artigos 50º, 91º, 94º e 181º do CIRE.


Preceitua o artigo 50º do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 16/2012, de 20.04, que:
 “1-Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2-São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a)-Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de atos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b)-Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c)-Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.”

Invoca o apelante a alteração consagrada pela Lei nº 16/2012, para precisamente considerar que, no caso vertente, estamos perante um crédito condicional e, portanto, defender a prossecução da presente acção declarativa.

Labora, manifestamente o autor/apelante em erro, confundindo crédito condicional com crédito controvertido.

Um crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição.

Ao invés, um crédito controvertido ou litigioso é um crédito que não pode ser exigido, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.

No caso dos autos mostra-se invocada a responsabilidade do BES, enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, perante o autor, através da verificação dos pressupostos desta responsabilidade e da determinação do valor a ressarcir e do sujeito devedor, o que pressupõe o reconhecimento da existência do crédito, e não a declaração ou reconhecimento de uma condição suspensiva ou resolutiva, pelo que o Tribunal apenas poderia emitir, se fosse caso disso, um juízo declarativo sobre a existência do crédito invocado pelo autor e a consequente condenação do réu.

Acresce que a menção “decisão judicial” introduzida no nº 1 do artigo 50º do CIRE, pela Lei nº 16/2012, nenhuma alteração essencial aditou ao preceito, apenas se pretendeu esclarecer que a fonte da condição também poderia derivar de decisão judicial e não apenas da lei ou do negócio jurídico.

E, nesse sentido, referem CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, 306-307: «Em boa verdade, a inserção da decisão judicial entre os títulos geradores da condição, tendo, embora, um sentido esclarecedor, em nada contende com o regime do preceito. Com efeito, já na redação primitiva, onde se pudesse constatar que a sujeição do crédito a condição suspensiva ou resolutiva, no sentido e com o alcance do nº1, derivava de decisão judicial, o crédito não poderia deixar de ser havido como condicional, para os efeitos do Código, quando menos por aplicação analógica, e por manifesta identidade de ratio decidendi.»

Assim, a prolação de uma eventual sentença declarativa de condenação não poderá integrar um acontecimento futuro e incerto para efeitos do nº 1 do artigo 50º do CIRE.

Há, pois, que concluir que a redacção dada ao artigo 50º, nº 1 do CIRE, pela Lei nº 16/2012, não faz perder qualquer sentido ao citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, ao contrário do propugnado pelo autor/apelante, mantendo a sua inteira aplicabilidade.

De resto, a admitir-se o prosseguimento da acção declarativa aqui em apreciação, não obstante a plenitude da instância insolvencial em relação às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor, sempre se estaria a violar o princípio par condutio creditorum e, consequentemente, o princípio da concentração no processo de insolvência das pretensões de todos os credores, consagrado no artigo 90º do CIRE, decorrendo como corolário, como salientam CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 438, que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo.

Assim, ainda que se viesse a entender – o que se não entende – que a acção declarativa aqui em apreciação deveria prosseguir os seus termos legais e se lograsse obter uma sentença de condenação do BES, favorável ao autor/apelante, de nada valeria, já que nos termos do artigo 88º, nº1, do CIRE, a mesma não poderia ser executada.

Considera-se, portanto, perfeitamente aplicável a jurisprudência do AUJ n.º 1/2014, nos termos da qual, transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação no âmbito do respectivo processo de insolvência, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, pois estes sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência, já que aquela declaração obsta à instauração de qualquer acção executiva contra a massa insolvente.

Nestes termos, e como se fundamenta no citado AUJ, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência.

A partir da declaração de insolvência, os direitos que o credor pretenda exercitar com a instauração de uma acção declarativa só podem ser exercidos, durante a pendência do processo de insolvência em conformidade com os preceitos do CIRE, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance que justifiquem, a prossecução da acção declarativa pendente, assim tornada supervenientemente inútil.

Considerando, todavia, que no caso em apreciação apenas está em causa, a suspensão da instância, cautelarmente determinada pelo julgador de 1ª instância, durante um determinado período versus a prossecução dos termos do processo, quanto à 1ª ré, há que concluir que nenhuma razão assiste ao autor/apelante, no sentido do prosseguimento desta acção declarativa, no que ao BES concerne, atento o que acima ficou dito, pelo que improcede a apelação, mantendo-se a decisão recorrida, face à não impugnação da mesma pela 1ª ré/apelada.

O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV.–DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas.



Lisboa, 27 de Abril de 2017

Ondina Carmo Alves – Relatora
Pedro Martins 
Lúcia Sousa