Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1297/12.9TBBRR.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. É de admitir o acordo de ambos os progenitores, divorciados, visando, no âmbito da regulação do poder paternal, que a filha menor, agora com dez anos de idade, passe a viver alternadamente em casa de cada um deles.
2. Trata-se de uma situação que já vem ocorrendo desde 2007, sem que seja conhecido qualquer efeito nefasto na menor.
3. Estamos aqui perante uma medida excepcional, face ao critério geral mais recomendável de os menores viverem à guarda e com um dos progenitores, beneficiando o outro do regime de visitas, e que se justifica porque no caso em apreço ambos os progenitores são tripulantes de aviões e a sua profissão obriga-os a estarem ausentes no estrangeiro duas semanas intercaladas em cada mês.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Vieram nos presentes autos de alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, os requerentes Susana e João, apresentar o seguinte acordo relativo à alteração da regulação do poder paternal:

1º - A menor fica entregue à guarda e cuidados da mãe e do pai;

2º - O poder paternal será exercido por ambos os pais;

3º - A menor estará com o pai durante uma semana, sendo entregue à mãe às 19.00h de domingo. E assim alternadamente com a mãe, que a terá de entregar às 19.00 h do domingo subsequente.

4º - Nas férias escolares, a menor passará metade do período de férias com o pai e metade com a mãe, nas datas previamente combinadas.

5º - A menor passará os dias festivos como Carnaval, Páscoa, Natal e Ano Novo e bem assim os seus aniversários, alternadamente com a mãe e com o pai.

6º - Na data de aniversário do pai e no dia do pai, a menor passará o dia com o pai.

7º - No dia de aniversário da mãe e no dia da mãe a menor passará o dia com a mãe.

8º - As despesas médicas não comparticipadas pelos Serviços da Assistência Social ou outros, serão liquidadas em 50% por cada um dos pais, contra recibo.

9º - As despesas de educação e de actividades extracurriculares serão liquidadas em 50% por cada um dos pais contra recibo”.

Esta alteração referia-se ao acordo de regulação do poder paternal, com o seguinte teor:

1º - A menor fica entregue à guarda e cuidados de sua mãe.

2º - O poder paternal será exercido por ambos os pais.

3º - O pai poderá estar com a menor, sempre que entender, avisando previamente a mãe e podendo a menor com ele pernoitar.

4º - De acordo com os seus planeamentos de trabalho, o pai estará com a menor nos dias de folga, bem como em dias livres de actividade, pelo que comunicará à mãe o seu planeamento, logo que obtido.

5º - Nas férias de Verão, a menor passará com o pai metade do período das férias escolares, nas datas previamente a combinar com a mãe.

6º - A menor passará os dias festivos como Carnaval, Páscoa, Natal, Ano Novo e bem assim os seus aniversários, alternadamente, com a mãe e com o pai, a começar por aquela.

7º - Na data de aniversário do pai e no dia do pai, a menor passará o dia com o pai.

8º - Na data de aniversário da mãe e no dia da mãe a menor passará o dia com a mãe.

9º - O pai contribuirá a título de prestação de alimentos à menor, com a quantia mensal de euros: 160,00 (cento e sessenta euros), que deverão ser entregues à mãe, por meio de transferência bancária, para conta por ela a indicar, até ao dia 5 de cada mês a que disser respeito.

10º - A prestação de alimentos estipulada na cláusula anterior será actualizada anualmente, pelo coeficiente da taxa de inflação, verificada de acordo com o índice de preços ao consumidor, publicada pelo I.N.E.

11º - As despesas médicas não comparticipadas pelos Serviços de Assistência Social ou outros, serão liquidadas em 50% por cada um dos pais, contra recibo.

                                                    

Vindo a ser proferida sentença nos seguintes termos:

Homologo. pela presente sentença, o acordo junto a fls. 2 e 3, uma vez que, por ser válido quer pelo seu objecto quer pela qualidade dos seus intervenientes, e por considerar salvaguardados os interesses da menor Beatriz, uma vez que os progenitores residem perto um do outro, são tripulantes de aviões, ausentando-se do país duas semanas intercaladas por mês, e traduzir a realidade de facto, vigente desde Abril de 2007 até à presente data, atinente à residência alternada da menor, uma semana com cada um dos progenitores, o que não sucedia com o acordo de Regulação do Poder Paternal vigente, visto o mesmo fixar a residência da menor apenas junto da mãe, e em consequência condeno ambos os pais a cumpri-lo nos seus precisos termos.”

Inconformado recorre o Ministério Público, concluindo que:

- O pedido de alteração do exercício das responsabilidades parentais só pode ter lugar quando a regulação primitiva está a ser incumprida por ambos os progenitores ou quando ocorram circunstâncias supervenientes que tomem necessária a alteração.

- O pedido deve ser efectuado por qualquer dos pais ou pelo curador (MºPº) e deve ser conter os seus fundamentos, como qualquer outra petição judicial.

- Esta imposição legal justifica-se pelo facto de a ocorrência de circunstâncias supervenientes pode influir decisivamente na impossibilidade de cumprimento da decisão ou acordo e, por isso, pôr em causa os interesses do menor a que se reporta a regulação, ou pelo facto de ambos os pais não querem ou não poderem cumprir o acordo, tornando-o inexequível.

- Não sendo admitida pela lei a instauração de processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais quando é peticionado por ambos os progenitores de um menor a homologação de um acordo com aquele fim.

- Tal tipo de acção deve ser apresentado por um dos pais ou  pelo curador.

- Estando regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto a um menor, se os pais, por comum acordo, decidirem alterar alguma das cláusulas do acordo de regulação ou da própria decisão judicial que fixa a regulação, não se vislumbra necessidade da intervenção judicial por não existir qualquer litígio a dirimir.

- A não entender assim e ao homologar um acordo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais peticionado por ambos os pais de um menor, o Tribunal "a quo" violou o disposto no art. 182° da O.T.M.       

- As responsabilidades parentais, cujo conteúdo é estabelecido pelo artigo 1878.° do Código Civil, compreendem a segurança, saúde, sustento, educação, representação e administração de bens do menor, sendo que o seu exercício compete aos pais.  

- Quando os pais vivem juntos, quer porque são casados um com o outro ou porque vivem em condições análogas ás dos cônjuges, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais, de acordo com o disposto nos art. 1901° n° 1 e 1911º n° 1 do Cod. Civil, devendo esse exercício ser levado a cabo de comum acordo, como refere o art. 1901° nº 2 do mesmo diploma legal.

- Em caso de separação ou divórcio, estabelece o art. 1906° do Cód. Civil (aplicável aos casos de regulação das responsabilidades parentais de menor filhos de progenitores não unidos pelo casamento, por força do disposto no artigo 1911° nº 2 do mesmo diploma) que o exercício daquelas responsabilidades continuam a ser exercidas por ambos os pais nos mesmos termos que vigoravam na constância do matrimónio ou da vida em comum.   

- Ainda segundo a mesma disposição legal, o tribunal deverá fixar a residência do filho e os direitos de visita.

- No que concerne á fixação da residência do menor, a lei atribui uma importância especial a tal escolha, sendo certo que o progenitor a quem o filho é confiado deve determinar as orientações educativas mais relevantes deste último e o outro progenitor não as deve contrariar, como determina o n° 3 do citado art. 1906° do Cod. Civil.

- Da formulação legal respeitante á regulação das responsabilidades parentais, a lei mostra que actualmente, como antes, o legislador não quis permitir aquilo que é vulgarmente designado por "guarda alternada", ou seja, o facto de a criança viver com cada um dos progenitores durante um período de tempo idêntico.

- Atribuir duas residências ao menor, uma com cada um dos pais, tornaria a aplicação do disposto no nº 3 do art. 1906° do Cod. Civil impraticável.

- Ao redigir o novo texto do art. 1906° do Cod. Civil, o legislador da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, não admitiu a possibilidade da referida "guarda alternada", antes tendo em mente a tradicional "guarda única ou singular".                

- A actual fórmula legal respeitante ao exercício das responsabilidades parentais por parte dos pais que vivem separados ou estão divorciados não admite que à criança seja fixada mais que uma residência.

- Ao não entender assim e ao homologar um acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais onde se prevê que a residência da menor seja atribuída a ambos os progenitores, o Tribunal "a quo" violou o disposto nos art. 1878°, 1901°, 1906° e 1911° do Cod. Civil.

Cumpre apreciar.

A questão que aqui se coloca reside, por um lado, na possibilidade de uma alteração do regime da regulação por acordo de ambos os progenitores e por outro, na viabilidade legal de a menor passar a viver alternadamente em casa de cada um dos pais.

Refere o recorrente, com base no art. 182º nº 1 da OTM que o pedido de alteração só pode ter lugar quando a regulação primitiva está a ser incumprida por ambos os progenitores ou quando ocorram circunstâncias supervenientes que tornem necessária tal alteração, sendo que no caso dos autos não foram indicados fundamentos para tal.

É verdade que no requerimento de 26/4/2012 os progenitores não indicaram a razão de ser da alteração. Contudo, em sede de conferência de pais, ambos referiram que, desde o divórcio em 2007, que a menor vem residindo alternadamente com cada um dos progenitores, umas vez que ambos são tripulantes de aviões e ausentam-se do país duas semanas intercaladas por mês, pelo que o Acordo de Regulação do Poder Paternal nunca teve correspondência com a prática.

Ou seja, deparamos com circunstâncias altamente relevantes que não haviam sido levadas anteriormente ao conhecimento do tribunal ou, pelo menos, não figuram no prévio acordo de regulação de poder paternal. Por outro lado, existe objectivamente um incumprimento do acordo homologado, na medida em que a menor reside alternadamente com cada um dos progenitores e não exclusivamente com a mãe.

A norma do art. 182º deve ser interpretada com flexibilidade suficiente para poder acolher situações como as dos autos. Hoje em dia, a dinâmica da vida, nomeadamente profissional, não se compadece com soluções rígidas e formalistas que poderão forçar a um incumprimento de facto ou a soluções que poderão ir contra os interesses do menor.

A acolher a tese do Mº Pº o resultado seria que os progenitores continuariam a manter uma situação diversa do acordo homologado, no tocante à residência da menor. É preferível que tal situação seja devidamente ponderada pelo tribunal, tendo em consideração a situação real que os progenitores vivem desde o divórcio e os interesses da menor.

De resto, não vemos que o presente requerimento de alteração incumpra os requisitos do nº 1 do art. 182º. Na verdade, ambos os progenitores estão a desrespeitar o acordo de regulação, e vêm-no fazendo nos últimos quatro ou cinco anos. Não há razão para que não possam, eles próprios, requerer a alteração ao regime fixado, tendo em conta as circunstâncias concretas das suas vidas que os forçaram a adoptar um regime diverso do anterior fixado.

Alega ainda o ilustre recorrente que a fixação da residência da menor junto de ambos os pais, de forma alternada, não tem em conta os interesses da menor e viola a lei.

Na realidade, a situação de a menor viver com cada um dos progenitores alternadamente, não parece ser a melhor em termos de estabilidade de vida, da possibilidade da menor organizar o seu espaço pessoal, da preservação das referências e rotinas quotidianas.

Como refere Maria Clara Sottomayor - “Exercício do Poder Paternal” pág. 256 - “também os acordos que consagram a guarda conjunta devem ser especialmente controlados a fim de se verificar se tal acordo constitui um processo de evitar uma decisão difícil quanto à guarda dos filhos, se os pais são sinceros na opção que fizeram ou se utilizam a guarda conjunta para obter vantagens financeiras e não por preocupação com os filhos. Quanto aos acordos de alternância de residência, salvo casos excepcionais, não devem ser permitidos, sobretudo tratando-se de crianças em idade pré-escolar (...)”.

O art. 1906º nº 5 do Código Civil dispõe que:

O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.

E o nº 3 prevê que:

“O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como estas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente”.

Parece manifesto que estas disposições mostram a vontade do legislador em que o menor fique a residir com um dos pais, beneficiando o outro de regimes de visitas. Isto em nome da aludida estabilidade de vida do menor.

No caso dos autos, não se mostra que o facto de o menor residir alternadamente com cada um dos progenitores prejudique a sua vida escolar ou social, tanto mais que a mãe, que residia em (…) Sesimbra, se propõe passar a viver em Alcochete, onde o pai da menor igualmente mora.

A menor Beatriz tem neste momento 11 anos – tinha 10 à data do requerimento de alteração. A situação focada, ou seja, viver alternadamente com cada um dos progenitores vem ocorrendo desde 2007.

De certo modo, pode dizer-se que essa circunstância de viver em duas casas alternadamente, já se tornou ela própria uma rotina na vida da Beatriz, já representa uma certa estabilidade no modo de organizar a sua vida.

Mas outros factores deverão ser igualmente tidos em conta.

Vivemos, todos nós – ou quase – um período de grande dificuldades, que vão desde a insegurança no domínio do emprego, à crise financeiras das famílias. A manutenção dos postos de trabalho é um factor primordial para os progenitores na medida em que garante aos filhos condições de vida adequadas em termos de alimentação, vestuário, educação e saúde, mais ainda quando parece ser propósito político a redução drástica dos benefícios sociais.

É a luz destas realidades – para muitos aflitivas – que situações como a dos presentes autos deverão ser avaliadas. Não num sentido de resignação ao que é mau – para evitar uma situação ainda pior – mas no propósito de salvaguardar as situações que, mesmo que teoricamente mais discutíveis, pareçam estar a resultar adequadamente. Com efeito, não se mostra – nem o recorrente o invoca – que exista mau relacionamento dos progenitores ou incapacidade de harmonizarem tanto quanto possível os critérios na educação da filha, ou que esta venha denotando quaisquer dificuldades psíquicas ou emocionais na adaptação à situação.

Não vemos que vantagem pode existir em o tribunal fechar os olhos à realidade da situação que se nos depara e impor soluções em nome de princípios abstractos que poderão contribuir para construir um critério genérico mas que deverão ceder em certas situações particulares, quando a especificidade destas o imponha.

E a especificidade nos presentes autos é que cada um dos progenitores é tripulante de aviões, estando ausentes do país duas semanas intercaladas por mês. É esta a realidade em face da qual teremos de analisar o problema.

Por mais válida que se mostre, doutrinariamente, a tese defendida pelo recorrente, a consequência de uma procedência do recurso, com a manutenção do regime da regulação do poder paternal fixado em 2007, seria que pais da menor continuariam a fazer o que vêm fazendo desde então, ou seja, tendo a filha a viver consigo alternadamente, contrariamente ao regime fixado. E teriam de o fazer porque não dispõem de alternativas.

Nada nos autos permite assumir que a menor Beatriz não se tenha adaptado a uma situação que vem de 2007 e que, na altura, dada a sua idade, se revelaria bem mais problemática do que agora. E nada permite também concluir que a menor padeça de quaisquer problemas mentais ou emocionais resultantes da situação de viver alternadamente com cada um dos pais. É preciso compreender que, neste momento, a estabilidade da vida da menor se situa neste tipo de vivência e não que constava do acordo de regulação do poder paternal de 2007.

Podemos assim concluir que:

- É de admitir o acordo de ambos os progenitores, divorciados, visando, no âmbito da regulação do poder paternal, que a filha menor, agora com dez anos de idade, viva alternadamente em casa de cada um deles.

- Trata-se de uma situação que já vem ocorrendo desde 2007, sem que seja conhecido qualquer efeito nefasto na menor.

- Estamos aqui perante uma medida excepcional, face ao critério geral mais recomendável de os menores viverem à guarda e com um dos progenitores, beneficiando o outro do regime de visitas, e que se justifica porque no caso em apreço ambos os progenitores são tripulantes de aviões e a sua profissão obriga-os a estarem ausentes no estrangeiro duas semanas intercaladas em cada mês.

Assim e pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Sem custas.

LISBOA, 9/5/2013

António Valente

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais