Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9974/2007-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: SOLICITADOR
EXECUÇÃO
DESTITUIÇÃO
PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre sob controlo jurisdicional.
II -  Por força do princípio dispositivo, se o exequente tiver cumprido adequadamente com o ónus de indicar bens a penhorar, deverá o agente de execução começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do nº 1 do artigo 834º do Código de Processo Civil.
III - O juiz deve ordenar a penhora dos bens indicados pelo exequente quando a satisfação do direito daquele o imponha face à inércia da actuação do agente de execução.

(ISM)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa



 I - RELATÓRIO

T. […] SA, intentou no dia 11.08.2006, na Secretaria-Geral de Execuções do Tribunal de Lisboa, a presente acção executiva para pagamento de quantia certa no montante de € 6.135,54 contra Paulo […] e Rosário […] residentes em […] Gondomar, indicando logo como bens a penhorar “todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnecem a residência dos Executados”

Dispensada a citação dos executados, foi o solicitador de execução, em 17.10.2006, notificado da sua nomeação.

Entretanto, em 12.01.2007 a exequente veio requerer ao tribunal que oficiasse ao solicitador de execução no sentido de levar a efeito de imediato, e antes de qualquer outra, a penhora dos bens que guarnecem a residência dos executados, conforme logo requerera no requerimento executivo, juntando ainda um fax que dirigira ao solicitador de execução, no qual, além de pedir a penhora dos referidos bens, declarou disponibilizar “ os meios necessários para a remoção dos bens, providenciando ao respectivo armazenamento sem encargos para a execução, desde que a penhora seja feita com intervenção das autoridades policiais para evitar deslocações e despesas eventualmente em vão”.

Por despacho proferido em 02.03.2007, foi indeferida a pretensão do exequente, com o fundamento de que as diligências de penhora são da competência do agente de execução, em conformidade com o artigo 808º nº 1 do C.P.C, que decidirá pela penhora dos bens que entenda por convenientes, não tendo qualquer obrigação legal de penhorar os bens atribuídos pelo exequente. Por outro lado, não está legalmente atribuído ao juiz o poder de ordenar ao solicitador de execução a penhora deste ou daquele bem, mas controlar a legalidade da actuação deste, nos termos dos artigos 808º nº 1 e 809º do mesmo código.

Não se conformando com aquele despacho, dele recorreu a exequente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - A satisfação do direito do exequente é conseguida no processo de execução.
2ª - A execução principia pelas diligências a requerer pelo exequente, consignadas no requerimento executivo, nos termos do disposto nos artigos 802º e 810º do Código de Processo Civil.
3ª - Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 821º do Código de Processo Civil.
4ª - As diligências para a penhora têm início após a apresentação do requerimento de execução, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 832º do Código de Processo Civil.
5ª - A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja mais fácil de realização e se mostre adequado ao montante do crédito exequendo, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 834º nº 1, do Código de Processo Civil.
6ª - A penhora das coisas móveis não sujeitas a registo é realizada com a efectiva apreensão dos bens e a sua imediata remoção, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 848º do Código de Processo Civil.
7ª - Nos termos e de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 2º do Código de Processo Civil “a protecção jurídica através dos Tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em Juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.
8ª - Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
9ª - Ao entender e decidir, no despacho recorrido, pela forma que dele consta, ou seja que o exequente não pode impor que o Solicitador de Execução designado pelo Tribunal leve a efeito a penhora nos bens que guarnecem a residência dos executados, podendo o Solicitador de Execução, a seu belo prazer, praticar os actos que quiser e entender, e não aqueles que o exequente, ora requerente, titular do direito dado à execução, requer e solicita, o tribunal violou o disposto no artigo 2º, no artigo 3º, nº 3, no artigo 4º, nº 3, no artigo 802º, no artigo 810º, no artigo 821º, no artigo 832º, no artigo 834º, nº 1, e no artigo 848º do Código de Processo Civil.
Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que defira o que nos autos, em 1ª instância, requerido foi pela exequente, ora recorrente.

Não houve contra-alegação e o despacho recorrido foi sustentado.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A- Fundamentação de facto
Para a apreciação do recurso é relevante a factualidade constante do relatório que antecede.

B- Fundamentação de direito

A questão a decidir consiste em saber se, face ao actual regime da acção executiva instituído pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março, o exequente tem o direito de requerer ao solicitador de execução que leve a efeito a penhora nos bens que indica e, se o agente de execução o não fizer, o juiz pode determinar-lhe que proceda à penhora dos bens indicados pelo exequente. 

Uma das principais inovações deste regime foi a criação da figura do agente de execução, cuja competência funcional é definida pelo artigo 808º nº 1 do Código de Processo Civil.
Com essa criação pretendeu-se, especialmente, “ deslocar do tribunal (juiz e funcionários) para o agente de execução o desempenho dum conjunto de tarefas que, não constituindo exercício do poder jurisdicional, podem ficar a cargo de funcionários ou profissionais liberais, oficialmente encarregados de, por conta do exequente, promover e efectuar as diligências executivas”[1].

Assim, e de acordo com o nº 1 do artigo 808º do Código de Processo Civil, cabe ao agente de execução, salvo quando a lei determine diversamente, efectuar todas as diligências do processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações, sob controlo do juiz, nos termos do nº 1 do artigo seguinte.

Trata-se de um “controlo jurisdicional dos actos executivos, cabendo sempre ao juiz, ainda que sob sugestão ou reclamação das partes, a última decisão… nesses actos executivos, estão naturalmente contemplados os da autoria do agente de execução, podendo o juiz, no âmbito do controlo jurisdicional, intervir oficiosamente, quando o fim da execução – regular e célere realização coerciva do direito do credor – o torne justificável”[2].

Conforme resulta do preâmbulo do DL nº 38/2003, de 8 de Março, o legislador teve a intenção de simplificar os actos executivos “cuja excessiva jurisdicionalização e rigidez tem obstado à satisfação, em prazo razoável dos direitos do exequente”.

O caso presente respeita a execução que tem por título executivo uma decisão judicial. Trata-se de execução, em que se dispensa "despacho liminar"(artº 812°- nº 1 alª a) do  Código de Processo Civil , pelo que, recebido o requerimento inicial, se passa de imediato à fase da penhora, da competência do agente de execução, sobre quem recai agora a tarefa de executar todas as diligências do processo de execução, sem prejuízo, todavia, do poder geral de controlo do processo, que continua a caber ao juiz de execução (artigos 808° n°1 e 809° do CPC, na redacção dada pelo DL n° 38/2003, de 8 de Março).

Acresce que, no novo regime executivo, se abandonou a tradicional exigência de nomeação de bens à penhora, por parte do exequente, que agora só deve, "sempre que possível" indicar os bens do executado, bem como os ónus e encargos que sobre os mesmos incidam (art. 810º n° 3, alª d) do CPC).

Como refere Lebre Freitas, “esta indicação só é dada na medida do possível e não vincula o agente de execução a penhorar os bens indicados, tendo a liberdade de, em vez deles, penhorar outros”. É, com efeito, a este que cabe agora a determinação dos bens a apreender, com respeito por uma cláusula geral de proporcionalidade ou adequação que os art. 821 n° 3 e 834º nºs 1 e 2 consagram”[3].

Cabe ao agente da execução a realização da penhora, designadamente a determinação dos bens a apreender, com respeito pelo objecto da execução e para que o valor pecuniários dos bens a penhorar se mostre adequado ao montante do crédito do exequente, (artigos 821º nº 3 e 834º nºs 1 e 2 do C.P.C.) estando ainda sujeito às limitações previstas nos artigos 833º nº 4, 834º nº 3 alª a) e 835º, nº 1.

Conforme preceitua o artigo 833º do Código de Processo Civil, a realização da penhora é precedida da realização das diligências ali mencionadas.

Todavia, como escreveu Lopes do Rego,[4] “ não é perfeitamente clara a articulação deste regime com o ónus – que, aparentemente, continua a recair sobre o exequente – de indicar bens penhoráveis, logo no requerimento executivo (artigo 810º nº 3, alínea d) e nº 5).

Afigura-se que – desde logo, por força do princípio dispositivo – se o exequente tiver cumprido adequadamente tal ónus, deverá o agente de execução começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do nº 1 do artigo 834º (e destinando-se, neste caso, as diligências “preliminares” à penhora apenas a suprir alguma deficiência na precisa especificação ou localização de bens indicados como penhoráveis).

Se, pelo contrário, o exequente não tiver elementos bastantes para indicar, com um mínimo de precisão, quaisquer bens penhoráveis ( o que, a nosso ver, deverá ser por ele alegado justificadamente, sob pena de o requerimento executivo ser recusado, nos termos do artigo 811º nº 1 alínea a) cumprirá ao agente executivo proceder de pleno à averiguação oficiosa dos bens, porventura existentes…”

Voltando ao caso dos autos, é notório que o solicitador de execução se desinteressou, indevidamente, da indicação dos bens à penhora, feita desde logo no requerimento executivo, com a agravante de nada ter sido ainda penhorado, não obstante o largo lapso de tempo decorrido, quando a aceitação da respectiva função ocorreu em 17.10.2006, a acção foi instaurada em 11.08.2006 e o requerimento da exequente deu entrada em 12.01.2007.

Desta forma, na acção executiva donde emerge o presente recurso, a tutela do direito de crédito da recorrente foi manifestamente esquecida[5].

Do exposto deriva que, se é certo que, contrariamente ao que parece defender o recorrente/exequente, o agente de execução não está obrigado a proceder à penhora dos bens por si indicados, certo é também que essa faculdade de escolha, que lhe é legalmente concedida, a foi com o objectivo declarado de melhor e mais rápida defesa dos direitos do exequente, e sobre essa matéria, aliás como relativamente a todas as diligências que agora competem a solicitador da execução, sempre o juiz da execução tem um poder que se pode sobrepor à escolha do agente de execução, desde que razões fundadas aconselhem um afastamento da conduta-padrão desenhada pelo legislador exactamente como regime regra , por ser, em princípio, aquela que a melhor e mais rápidos resultados de apreensão dos bens conduziria[6].

Terminando, para concluir:

- O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre sob controlo jurisdicional.
- Por força do princípio dispositivo, se o exequente tiver cumprido adequadamente com o ónus de indicar bens a penhorar, deverá o agente de execução começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do nº 1 do artigo 834º do Código de Processo Civil.
- O juiz deve ordenar a penhora dos bens indicadospelo exequente quando a satisfação do direito daquele o imponha face à inércia da actuação do agente de execução.

III - DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, ordenando ao solicitador da execução a penhora dos bens indicados pela exequente.

Sem custas – artigo 2º nº 1 alª g) do Código das Custas Judiciais.

Lisboa, 29 de Novembro de 2007

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
 Carla Mendes  

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[1] Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil, Anotado, III volume, pág. 267.
[2] Autores e ob cit, pág. 275 e 394.
[3] A Acção Executiva, 4ª ed. pág. 243.
[4] Comentários ao Código de Processo Civil, Volume II, 2ª edição, pág. 66.
[5] Neste sentido foi decidido pelo acórdão desta Relação de 22.11.2007, proferido no processo nº 9716/07 da 6ª Secção (Olindo Geraldes).
[6] Acórdão desta Relação de 15.11.2007, proferido no processo nº 8277/07 da 6ª Secção ( Manuela Gomes).