Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/11.3FCPNI.L1-3
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
PROVA
OMISSÃO
COMUNICAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
INVALIDADE
NULIDADE
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROVIDO
Sumário: I – Em interrogatório judicial para aplicação de medida de coacção, a informação ao arguido dos elementos do processo que lhe são imputados apenas poderá ser dispensada pelo juiz, quando essa comunicação puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime.
II – In casu ocorreu uma omissão parcial de informação e os elementos de prova não foram regularmente comunicados ao arguido e defensor (que se restringem ao teor das declarações posteriores do co-arguido). Contudo, não afectam o essencial da fundamentação, sendo de entender que a decisão seria precisamente idêntica se a Senhora juíza tivesse em consideração somente os elementos comunicados ou seja, o teor do auto de apreensão e o teor dos documentos referentes à propriedade da embarcação.
III – A invalidade consistente em terem sido considerados no despacho de aplicação da medida de coacção elementos de prova que não foram comunicados ao arguido constitui uma irregularidade processual, daí decorrendo ter como não escritas a referências a tais factos. O que no caso concreto, nenhuma repercussão ou implicação assume quer no essencial da fundamentação de facto e decisivamente, na qualificação jurídica ali considerada.
IV – Ainda assim, quer se entenda como nulidade quer como mera irregularidade, o vício tem de ser alegado no decorrer do acto processual ou antes que este termine – arts. 120.º, nº 3, alínea a) e 123.º, nº 1, ambos do CPP – se o interessado estiver presente ou no prazo de 10 ou 3 dias, se não estiver presente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
I – RELATÓRIO
1. No processo nº 1/11.3FCPNI, a magistrada do Ministério Público no Tribunal Judicial de Peniche apresentou para primeiro interrogatório judicial os arguidos A… e N….
Concluída a diligência de interrogatório, foi proferido o seguinte despacho pela Mmª juíza, em serviço de turno no Círculo das Caldas da Rainha (transcrição):
Julgo válida a detenção nos termos do art. 255°, n.° 1, al. a) do CPP.
Começando pelo arguido N… e no que respeita à sua intervenção em factos susceptíveis de integrar a prática dum crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21°, n° 1, do Dec.-Lei n° 15/93, de 22/01, consideramos que não foram recolhidos indícios suficientes quanto à prática pelo mesmo de factos enquadráveis em tal tipo penal.
Com efeito, não só tal arguido negou que soubesse da existência dentro da embarcação do material estupefaciente encontrado, como as declarações prestadas pelo mesmo, se mostraram credíveis, atenta a forma circunstanciada como foram prestadas, recheadas de pormenores, sendo que as mesmas não só são coerentes em si mesmas, como são ainda coerentes com a documentação junta aos autos pelo arguido N…. Mais, o produto estupefaciente não estava visível, nem era facilmente detectável tanto mais que o arguido N… nunca chegou a entrar dentro do barco Lau….
Assim, considera-se que o arguido N… deverá aguardar os ulteriores trâmites do processo sujeito ao TIR já prestado, devendo ser de imediato restituído à liberdade, o que se determina.
Vejamos agora o arguido A….
Ora, quanto a este arguido consideramos que resulta fortemente indiciada a prática pelo mesmo dos factos supra enunciados e que lhe foram comunicados, sendo que os mesmos são susceptíveis de enquadrar a prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21°, n° 1, do Dec.-Lei n°15/93, de 22/01.
Com efeito, tal resulta fortemente indiciado, desde logo, atentas a declarações prestadas pelo arguido N… que indicou que o arguido A…, acompanhado de outros indivíduos, transportava/rebocava o barco Lau… (sua propriedade) através de uma Nissan Patrol (também propriedade do arguido A…) em direcção ao Algarve, sendo que os serviços de N… apenas foram necessários na sequência de tal avaria. Declarações que se mostraram credíveis, atentos, desde logo os documentos juntos aos autos pelo arguido N…. Ou seja, impossível era, atento o relato realizado pelo arguido N… que reiteramos se nos afigurou credível pelas razões já sobejamente expostas, que o arguido A… não soubesse que a embarcação em causa tinha um fundo falso e que nesse fundo falso se encontrava haxixe.
Mais, a elevada quantidade de haxixe em causa, a forma como o transporte da mesma foi realizado, a existência de várias pessoas envolvidas (todas de nacionalidade estrangeira), tudo aponta para a prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art. 21°, n° 1, do Dec.-Lei n° 15/93, de 22/01, tudo apontando ainda para o seu envolvimento numa organização com ramificações internacionais de tráfico de estupefacientes.
A isto acresce a restante documentação junta aos autos a fls. 18, 20, 25 e 26 a 29, designadamente o auto de apreensão efectuado, sendo que no que respeita à reacção positiva do produto estupefaciente apreendido importa considerar o teste rápido realizado.
O crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21°, n° 1, do Dec. Lei n° 15/93, de 22/01 é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
No que respeita à situação pessoal do arguido apenas se sabe que o mesmo é mediador imobiliário, vive com uma companheira e tem dois filhos menores, sendo certo que denota ligação a vários países (Holanda - país da sua nacionalidade e que cuja morada indicou como residência — Espanha - morada constante do registo da embarcação, bem como do Nissan Patrol — Alemanha — bandeira da embarcação) e por isso, desde logo, grande mobilidade.
Como é do conhecimento comum o tráfico de estupefacientes constitui uma actividade altamente lucrativa sem que a ela se dedica tenha que despender um grande esforço.
Está associada à prática de outros ilícitos e provoca um elevado dano social.
Ora, atenta a moldura penal abstractamente aplicável ao crime do qual o arguido se encontra fortemente indiciado, à quantidade de produto estupefaciente apreendido, bem como ao facto do arguido não ter qualquer residência em Portugal, resultando dos autos ligações a pelo menos 3 países distintos, resulta evidente, por um lado, o perigo de fuga do arguido, tendo em vista eximir-se à acção da justiça, e por outro, o perigo de continuação da actividade criminosa.
Considera-se, ainda, existir perigo da perturbação grave da ordem pública, consabido que é o alarme social que o tipo de crime em causa nos autos gera, para mais, numa cidade de médias dimensões como é a de Peniche.
Mais, considera-se que a única medida susceptível de acautelar tais perigos é a prisão preventiva, atentas as razões supra expostas, designadamente a inexistência de residência do arguido em Portugal e, por outro lado, a sua ligação a outros países.
Atento o que supra se deixa exposto, tendo presente os princípios subjacentes à aplicação das medidas de coacção, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 191°, 192°, 193°, 194°, n° 2, 196°, 202° als. a) e b) e 204°, als, a) e c) todos do CPP, determino que o arguido A… aguarde os ulteriores termos processuais sujeito ao TIR que deverá prestar - uma vez que do TIR a fls. 10 não consta a sua morada e em prisão preventiva.
Passe os competentes mandados de condução ao EP do arguido A….
Cumpra-se o disposto no art. 194°, n° 8, do CPP.
Restitua o arguido N… à liberdade.
Notifique e devolva os autos ao M P”.
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso e, das motivações extrai as seguintes conclusões (transcrição):
1º - O arguido não está na posse de todos os elementos que lhe permitam recorrer da medida de coacção que lhe foi determinada, nomeadamente não lhe foram fornecidos cópia dos autos de busca e apreensão, tendo tal acesso sido negado pelo MP em incumprimento do que se dispõe no artº 89º nº2 – irregularidade que se argui.
2º Entendimento diferente constitui inconstitucionalidade, que se deixa suscitada.
3º - Ao arguido só foi facultado o acesso ao despacho que determina a medida de coacção em 24.06.2011, pelo que só agora está em condições de arguir nulidades aí existentes.
4º Ao arguido foi aplicada medida de coação fundamentada em factos que não lhe foram concretamente comunicados aquando do seu 1º interrogatório.
5º Tal configura nulidade dependente de arguição, que expressamente se deixa para que seja conhecida.
6º A medida de coação de prisão preventiva deve ser aplicada apenas em situações em que nenhuma outra medida de coação seja suficiente a acautelar os fins do processo.
7º Ainda assim, aquando da sua aplicação incumbe ao Jic fornecer elementos concretos dos preenchimento dos pressupostos de que a lei faz depender a respectiva aplicação.
8º Não se basta a lei com a enunciação genérica do preenchimento dos mesmos, ou com o facto de o crime imputado ao arguido ter uma moldura penal grave.
9º O não preenchimento de tal dever de fundamentação gera nulidade do despacho que aplica a medida de coacção.
10º Ao arguido deve ser aplicada medida de coação de apresentação bi-diária em posto policial, por esta satisfazer as necessidades cautelares que ao caso cabem.
Foram violados os artºs 89º nº2 do CPP, art 18º CRP, 191º nº1, 193 nº 1 e 2, 194º, 195º, 196º, 202º nº1 al. a) e al. c)”
3. A magistrada do Ministério Público na comarca da Peniche apresentou resposta com as seguintes conclusões (transcrição):
a) O despacho do MP cuja irregularidade o recorrente vem arguir foi notificado ao arguido, mediante fax, em 24.06.2011, tendo a irregularidade apenas sido arguida em 29.06.2011 (data de interposição do presente recurso), pelo que, a arguição é declaradamente extemporânea.
Aliás, a Mm.a JIC já se pronunciou sobre a mesma, por despacho de fls. 281, tendo concluído pela sua improcedência por extemporânea.
b) Acresce ainda que, nos termos do n°6 do art.° 194° do CPP, ex vi, al. b) do n°4 do referido normativo legal para efeitos de recurso, o arguido e o seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção, desde que o conhecimento destes “não puser gravemente em causa a investigação”; ora, é patente que os documentos que lhe foram negados (autos de busca e apreensão) se enquadram nesta excepção.
c) Duvidas não restam, pela mera leitura do despacho da Mmª Juíza que aplicou a medida de coacção em apreço, que este obedece integralmente aos requisitos legais previstos no art.° 194° n°4, do CPP.
d) Não obstante, o n°5 do art.° 194° do CPP, conjugado com o disposto na al. b) do n°4 do, mesmo, normativo legal, excepciona a obrigatoriedade do Juiz fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coacção em factos ou elementos do processo que não tenham sido comunicados ao mesmo, no decurso do interrogatório sempre que “a sua comunicação puser gravemente em causa investigação”; circunstância que, sem margem para dúvidas, aqui se encontra preenchida atenta a natureza dos elementos recolhidos e citados no referido despacho.
e) Conforme refere a Mma Juíza no despacho de aplicação da medida de coacção, tudo indica que a actividade do arguido estará ligada, pelo menos, a quatro países: Marrocos (onde terá estado a embarcação no dia 31.5.011, cfr. registo do GPS); Holanda (país da nacionalidade do arguido e cuja morada indicou como residência Espanha (morada constante do registo da embarcação) e Alemanha bandeira da embarcação), elementos estes que indiciam grande mobilidade por parte do arguido.
f) Dada a elevada quantidade de “cannabis” apreendida ao arguido 1.300Kg.), a forma como o transporte da mesma foi realizado, a existência de várias pessoas envolvidas (todas de nacionalidade estrangeira), e a ligação do arguido com diversos países, tudo indica, face aos elementos de prova recolhidos (documentais e declarações do co-arguido N…) que alude o despacho em apreço, o envolvimento do arguido A… numa organização com ramificações internacionais de tráfico de estupefacientes.
g) Tais factos, por si só, todos devidamente explanados no despacho que aplicou ao arguido a medida de coacção de “prisão preventiva”, permitem concluir pela existência de perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública e perigo de fuga, como bem se invoca no despacho recorrido.
Assim, o recurso interposto pelo arguido deve improceder e manter-se a decisão recorrida.
4. Neste Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer louvando-se na argumentação da magistrada do Ministério Público na primeira instância e concluindo pela improcedência do recurso.
Não houve resposta. Decorrido o prazo necessário para cumprimento do disposto no art. 417.º n.º 2 Código de Processo Penal, recolhidos os “vistos” e realizada a conferência, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTOS
5.Tendo em conta o teor das conclusões da motivação, que delimitam o âmbito do recurso, o arguido suscita no seu recurso três ordens de questões:
a) Acesso do arguido a cópia dos autos de busca e de apreensão;
b) Comunicação ao arguido no primeiro interrogatório judicial dos factos e dos elementos do processo que indiciam os factos imputados. Fundamentação do despacho em factos ou elementos não comunicados ao arguido ou em enunciação genérica;
c) Se no caso concreto, para evitar ou precaver as exigências cautelares, se torna imprescindível a aplicação ao arguido recorrente da medida mais grave, ou seja, a da prisão preventiva.
6. Quanto à questão sintetizada em primeiro lugar :
Em conformidade com o regime hoje constante nos arts. 86.º n.ºs 1 e 2 e 89.º n.º 2, ambos do Código de Processo Penal (C.P.P.), em inquérito sujeito a segredo de justiça, o Ministério Público pode opor-se à obtenção de reprodução de acto processual se considerar que daí advém prejuízo para a investigação; Caso em que o juiz decidirá se deve ou não ser facultada a pretendida cópia ou certidão, por despacho irrecorrível.
Com interesse para a decisão neste âmbito, mostram os autos que após a realização do interrogatório judicial, o arguido, invocando interesse na defesa e na preparação do recurso, requereu, em 21 de Junho de 2011 (fls. 201 a 203), que lhe fossem facultadas cópias do termo de constituição de arguido, dos mandados de busca e de apreensão, bem como dos autos referentes à efectivação destas diligências, do auto do primeiro interrogatório, da promoção do Ministério Público e do despacho judicial; Sobre esse requerimento incidiu despacho do magistrado do Ministério Público deferindo a entrega de cópia quanto ao termo de constituição de arguido e auto de interrogatório. Posteriormente, o arguido suscitou irregularidade processual em requerimento dirigido ao juiz de instrução, invocando que não lhe foram entregues as pretendidas cópias dos mandados e autos de busca e de apreensão em consequência de observância do segredo de justiça, mas sem que tivesse havido decisão do juiz, nos termos do art. 89.º n.º 2 do C.P.P. (fls. 266 a 268).
Em sequência, veio a ser proferido, a 1 de Agosto de 2011, despacho judicial que, reconhecendo a verificação de irregularidade processual, decidiu não permitir o acesso do arguido aos elementos pretendidos.
Para assim decidir, foi tido em conta fundamentalmente o rumo e a estratégia que a investigação se encontra a traçar, concluindo-se que no caso concreto o interesse para a defesa na obtenção de cópia dos elementos processuais deve ceder perante as exigências de investigação.
Essa decisão do juiz de primeira instância, que entretanto transitou em julgado e aqui não está em apreço, significou a sanação ou resolução da irregularidade processual arguida.
Trata-se com efeito de uma solução de eventual conflito entre o interesse do arguido em melhor se documentar na motivação de recurso de decisão de aplicação de prisão preventiva e as exigências de investigação num crime indiciariamente de tráfico de elevada quantidade de estupefacientes.
Ora, no caso em apreço evidencia-se um conjunto de elementos susceptível de justificar um excepcional recuo dos direitos de defesa do arguido: em tempo útil para a elaboração das motivações de recurso foram facultados todos os restantes elementos pretendidos, incluindo cópia do auto de interrogatório - onde consta a enumeração dos elementos do processo que indiciam os factos imputados e se enuncia o que de relevante a investigação extrai da apreensão (quantidade e qualidade de substância estupefaciente detectada numa embarcação indiciariamente pertença e utilizada pelo arguido).
Sopesando em conjunto estes elementos, forçoso se torna concluir que a omissão de entrega de cópia do mandado e do auto de apreensão não afecta de forma relevante as garantias de defesa do arguido, designadamente do direito ao contraditório ou de igualdade de armas num processo leal e equitativo.
7. Quanto à questão enunciada sob a alínea b):
7.1 Como bem invoca o recorrente, o art. 141º do C.P.P. impõe que no interrogatório judicial para aplicação de medida de coacção, seja dado conhecimento ao arguido dos factos que lhe são imputados, nestes se incluindo os referentes às circunstâncias de tempo, lugar e modo (nº 4 alínea c)). Assim como se prevê como obrigatória a comunicação ao arguido, dos elementos probatórios que no processo sustentam os factos imputados (nº 4, alínea d).
Numa interpretação correctiva conforme a Constituição, o sentido útil desta ultima disposição há-de ser harmonizado com o segmento correspondente da alínea b) do n.º 4 do art. 194.º por forma a entenderem-se aplicáveis sempre os critérios “mais exigentes” desta ultima norma: apenas poderá ser dispensada pelo juiz a informação ao arguido e defensor dos elementos do processo relevantes, quando essa comunicação puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime (assim, Brandão, Nuno, Medidas de coacção: o procedimento de aplicação na revisão no C.P.P. in Revista do CEJ 1.º semestre 2008, n.º 9, pp 71 a 92, maxime pp. 86 e 87, e Albuquerque, Pinto de, Comentário, Univ. Católica, 3ª ed. pp. 392, anotação 23 e pp 393 anot. 29).
Pelo particular relevo dos interesses susceptíveis de serem atingidos, a “dispensa” de comunicação ao arguido nunca poderá ser “tácita” ou presumida, mas expressamente decidida em despacho judicial, com concreta indicação do perigo que justifica a omissão, em ordem a poder aferir-se da proporcionalidade de tal medida para o equilíbrio desejável entre os fins da investigação e a restrição dos direitos fundamentais do arguido.
No art. 194.º, n.º 5 e n.º 6 do C.P.P., estabelece-se o conteúdo do dever de fundamentação do despacho judicial de aplicação de medida de coacção. Aí se consigna além do mais que não podem servir para sustentar tal despacho quaisquer factos ou elementos do processo que não tenham sido comunicados ao arguido durante a audição prévia.
Vejamos então:
No auto de interrogatório do arguido A… (fls. 74 e 75 deste apenso) consta o seguinte (transcrição):
O arguido foi informado dos motivos, dos factos que lhe são imputados e dos elementos do processo que os indiciam, nos termos do art. 141º, als. B), c) e d) nº 4 C.P.P. da seguinte forma:
Conforme consta do auto de notícia, de fls. 5 a 8, no dia 2.6.2011, o Destacamento de Controle Costeiro de Portimão, informou a UCC da GNR de Peniche, de que uma embarcação de recreio de nome Lau…, com registo SW-G …, de bandeira Alemã, propriedade do arguido A… (cfr. fls 26) se dirigia a esta cidade de Peniche, rebocada por uma viatura ligeira de mercadorias, de marca Mitsubishi, modelo L200, matrícula 79-37-…, propriedade da empresa M… náutica com sede Estrada … – Peniche.
A embarcação em apreço teria chegado ao porto de Portimão por via terrestre e colocada na água no dia 30.05.2011, de onde partiu para destino desconhecido, regressando no dia 2.06.2011.
Nesse mesmo dia, pelas 11H00 foi logo retirada da água e colocada no reboque de matrícula espanhola R-9577… que se encontrava estacionado nas proximidades, saindo de Portimão rebocado à viatura da firma “M… Náutica”, supra mencionada, com destino em Peniche.
Cerca das 17h00 desse mesmo dia, elementos do Subdestacamento de Controle Costeiro de Peniche detectaram a viatura ligeira de mercadorias, de marca Mitsubishi, matrícula 79-37-…, com o reboque de matrícula espanhola R-9577… e respectiva embarcação em cima, indo no seu encalço e vindo a interceptá-la ma sede da empresa M… Náutica.
No referido local deram início à fiscalização da viatura e da embarcação, tendo recorrido à perfuração de alguns pontos da mesma com recurso a ferramentas de corte, vindo a detectar, num fundo falso, 1.300 Kg (mil e trezentos quilos) de uma substância que, submetida ao teste DIK 12, reagiu como sendo “Cannabis”, vulgo, Haxixe”.
Na sequência da referida apreensão a referida brigada procedeu à detenção do condutor da viatura que transportou a embarcação, N…, funcionário da empresa M… Náutica, bem como, do proprietário da embarcação A…, residente na Avenida Pais Valenciano, … – Alicante.
Os factos supra mencionados indiciam a prática pelos arguidos, de um (1) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do Decreto-Lei nº 25/93 de 22.1, com referência à tabela I-C, anexa ao referido diploma legal.
Prova:
a) auto de apreensão de fls. 18, 20 e 25
b) documentos de fls. 26 a 29”

Embora de forma porventura não modelar, o referido texto da comunicação inicial contem os factos em concreto imputados ao aqui recorrente. Aqui em apertada síntese, é imputada ao arguido a participação directa numa operação de detenção e transporte de 1300 Kg de cannabis, por ser o proprietário da embarcação de recreio “Lau…” onde o estupefaciente se encontrava, num fundo falso.
A descrição feita dos factos imputados ao arguido revela-se medianamente compreensível e concretizada, por forma a permitir o contraditório na diligência, bem como o posterior recurso e utilização dos restantes meios de defesa.
Concomitantemente, aquela comunicação inicial contém, de forma compreensível, a indicação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, aí sintetizados na indicação do auto de apreensão e dos documentos de fls. 26 a 29. Quer o arguido, quer o ilustre defensor presente no interrogatório poderiam ter solicitado a consulta desses documentos de fls. 26 a 29 para melhor preparem a sua defesa (nº 7 do art. 194º do CPP) e, ao que tudo indica, não o fizeram.
Assim como se pode verificar que o despacho judicial enuncia os fundamentos da aplicação da medida de coacção, sendo possível descortinar que a decisão assenta também nos elementos de prova constantes da comunicação inicial (“documentação junta aos autos a fls. 18, 20, 25 e 26 a 29”).
Contudo, assiste parcialmente razão ao arguido: na sua decisão, a Mmª juíza teve em conta o teor das declarações prestadas no subsequente interrogatório judicial pelo co-arguido N…, bem como os documentos por ele apresentados e uma indicação do “GPS” da embarcação e não houve posterior comunicação desses elementos de prova ao arguido recorrente para exercício do contraditório nesse âmbito, nem justificação para essa omissão por ocorrência de qualquer circunstância constante da alínea b) do nº 4 do art. 194.º do Código de Processo Penal.
Se pretendia socorrer-se na fundamentação desses elementos de prova trazidos pelo co-arguido, deveria a Mmª juíza reiniciar a audição do arguido A…, comunicar-lhe e descrever os novos elementos de prova e perguntar-lhe de novo se nesse âmbito queria prestar declarações em sua defesa.
Assim não se procedeu e a consideração cumulativa daqueles elementos probatórios que não foram comunicados ao arguido constitui violação do disposto no art. 194.º, n.º 6 do CPP por inobservância parcial do dever de enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados.
Cumpre seguramente saber qual a natureza que vício ou invalidade foi cometido, para determinar as consequências processuais.
Neste âmbito será possível encontrar dois entendimentos distintos:
Segundo a posição expressa pelo Tribunal da Relação do Porto no acórdão de 20 de Outubro de 2010 (processo 760/09.3PPPRT-A.P1, Melo Lima, www.dgsi.pt) e no CPP dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, 1999, pp.379, a inobservância do dever de informar o arguido dos elementos do processo que indiciam os factos imputados constitui nulidade dependente de arguição , uma vez que ocorre a omissão de um acto imposto na lei, que deve ser arguida/suscitada antes que o acto esteja terminado (art. 141.º, n.º 6 e 120.º, n.º 3, al. a), do CPP).
Segundo uma outra orientação, seguida pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 23 de Setembro de 2009, processo nº 221/08.8JAPRT-F.P1, Ernesto Nascimento, in www.dgsi.pt e no Acórdão de 9 de Fevereiro de 2011 processo 70/10.3SFPRT-A.P1, Luís Teixeira e pelo Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 18 de Janeiro de 2010, processo 758/09.1JABRG-H.G1, Cruz Bucho, essa mesma omissão constitui antes mera irregularidade, a arguir nos termos dos arts. 118º, n.º 2 e 123º, ambos do CPP.
Neste âmbito e sem prejuízo da correcta ponderação dos elementos concretos de cada caso, afigura-se-nos como decisiva a interpretação decorrente do relacionamento entre os preceitos que disciplinam o primeiro interrogatório de arguido e o despacho de aplicação de medida de coacção.
Com efeito, o legislador impõe no nº 4 do artigo 141º o cumprimento de determinadas obrigações, designadamente de informação ao arguido dos factos que lhe são imputados e dos indícios constantes do processo, sem tipificar a respectiva inobservância de nulidade, sanável ou insanável. Já na disciplina genérica do despacho de aplicação de medida de coacção, se impõe, no mesmo acto do interrogatório, a fundamentação do despacho segundo determinados requisitos e se, qualifica sua não observância como de nulidade. Com certeza que estamos perante um tratamento diferenciado quanto aos vícios da omissão, nas duas situações em apreço. Se o legislador pretendesse que a omissão do disposto no nº 4, do art. 141º, do CPP, fosse uma nulidade, tê-lo-ia referido expressamente. No mesmo sentido, a circunstância de o legislador não ter qualificado o vício como de nulidade, quando o fez relativamente às alíneas do nº 5 do mesmo artigo 194º terá de ser entendida como significando ter sido propositada o entendimento que a inobservância do dever de comunicação constitui mera irregularidade processual.
Como se assinala no citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-2-2011, haverá que distinguir: se a diferença de enumeração é apenas parcial, contendo elementos que foram comunicados e outros não comunicados, estes não poderão ser considerados para efeitos de fundamentação do despacho. Se os elementos considerados foram, todos eles, não comunicados, existe uma verdadeira falta de fundamentação neste aspecto, pois não podendo ser considerados os enumerados, automaticamente se fica sem qualquer enumeração. Mas então o vício reconduz-se não à discrepância dos elementos invocados pelo tribunal mas sim à pura inexistência de elementos, já que os enumerados ou invocados não contam (…).. De onde se pode concluir que, se o Juiz enumerar no despacho elementos que previamente não comunicou ao arguido, das duas, uma: - Ou os elementos acrescentados, que a lei diz que não podem ser considerados, não afectam, no essencial, a fundamentação do despacho e então trata-se de uma mera irregularidade. - Ou os elementos acrescentados, que a lei diz que não podem ser considerados, afectam, no essencial, se retirados, a fundamentação do despacho e então trata-se de uma nulidade por remissão para o nº 5 (anterior nº4), do artigo 194º
No caso concreto destes autos e segundo decorre do texto do despacho judicial, ocorreu uma omissão parcial de informação e os elementos de prova não regularmente comunicados ao arguido (que se restringem ao teor das declarações do co-arguido) não afectam o essencial da fundamentação, sendo de entender que a decisão seria exactamente idêntica se a Mmª juíza tivesse em consideração apenas os elementos comunicados ou seja, o teor do auto de apreensão e o teor dos documentos referentes à propriedade da embarcação.
Concluímos assim que a invalidade consistente em terem sido considerados no despacho de aplicação da medida de coacção elementos de prova que não foram comunicados ao arguido constitui uma irregularidade processual, daí decorrendo ter como não escritas a referências a tais factos. O que no caso concreto, nenhuma repercussão ou implicação assume, quer no essencial da fundamentação de facto e decisivamente, na qualificação jurídica ali considerada.
Ainda assim, quer se entenda como nulidade quer como mera irregularidade, o vício tem de ser alegado no decorrer do acto processual ou antes que este termine – arts. 120.º, n.º 3, alínea a) e 123.º, n.º 1, respectivamente, ambos do CPP – se o interessado estiver presente ou no prazo de 10 ou 3 dias, se não estiver presente –. No caso, quer o arguido recorrente quer o seu defensor estavam presentes no acto de interrogatório, a ele assistindo e participando, tendo sido notificados do teor do despacho. O que significa que a irregularidade deveria ter sido invocada logo no imediato ou antes de findo o acto judicial interrogatório. Não o sendo, a mesma tem de considerar-se sanada, não afectando os efeitos normais do despacho recorrido.
7.2 Ainda no campo da arguição de nulidades, afigura-se-nos que falece razão ao recorrente quando censura o despacho judicial por incumprimento do dever de fundamentação.
Como tem sido insistentemente recordado, o dever de fundamentação das decisões penais, além de constituir uma das fontes de legitimidade da jurisdição em geral, constitui um direito e garantia fundamental do cidadão contra a arbitrariedade no exercício do poder público.
Apesar do particular relevo da decisão jurisdicional que aplica uma medida de coacção, a maior ou menor exigência de pormenorização e concretização na enunciação dos elementos probatórios e da análise crítica depende da fase do processo e da complexidade dos meios de prova disponíveis. Naturalmente que será essencial que perante a concreta fundamentação factual e jurídica, se torne possível compreender os motivos e argumentos lógicos utilizados em ordem a um controlo e recurso da decisão.
Neste âmbito, como resulta do já supra exposto, o despacho recorrido contem, ainda que de forma sucinta e não modelar, a narração dos factos concretos imputados ao arguido, bem como a indicação dos meios probatórios que indiciam os factos imputados e os elementos que em concreto preenchem os pressupostos de aplicação da medida de coacção, permitindo a compreensão do processo lógico e racional que conduziu à decisão.
Nestes termos, concluímos que na elaboração da decisão o tribunal recorrido observou os requisitos estabelecidos no art. 194.º n.º 5 do CPP e inexiste qualquer nulidade por falta de fundamentação.
8. Quanto à questão enunciada em terceiro lugar:
Entre os requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, a Exmª juíza de instrução criminal considerou verificado em concreto o perigo de fuga, o receio de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas (alíneas a) e c) do artigo 204º do C.P.P.).
Como é por demais sabido, fuga significa em termos comuns evasão, retirada e por isso, se entende que foge quem se esconde, quem desaparece, quem evita, quem se esquiva para evitar um incómodo, um desagrado ou um acontecimento desfavorável. Neste âmbito, a finalidade de aplicação da medida de coacção consiste em acautelar a presença do arguido no decurso do processo e a execução da decisão final Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo, 1993, pag. 213 e fuga ou de receio de fuga enquanto realidades merecedoras de medida cautelar devem traduzir um efectivo incumprimento ou um concreto receio de incumprimento das obrigações de disponibilidade e de comparência que a lei impõe ao arguido em nome do normal desenvolvimento do processo penal (cfr. artigos 61º nº 3 alíneas a) e d) do Código de Processo Penal).
Impõe-se, por isso, a formulação de um juízo de prognose em relação a um futuro comportamento do arguido, a partir dos indícios já recolhidos e assente numa “qualificada” probabilidade de verificação das particulares exigências cautelares. Esse juízo de “prognose” terá necessariamente de encontrar sustentação em realidades tão díspares como a gravidade dos factos indiciados e a moldura penal abstractamente aplicável, a forma concreta de actuação, os sentimentos indiciariamente revelados pelo arguido na conduta, o relacionamento e estruturação familiar e afectiva, os meios económicos disponíveis, a existência e natureza de vínculos referentes a actividade profissional, bem como os antecedentes por factos desta natureza.
No caso em análise nestes autos, a gravidade dos factos indiciados – detenção e transporte numa embarcação de cerca de 1300 Kg de “haxixe”, susceptível de preencher o cometimento de um crime tráfico de estupefacientes do artigo 21º do Decreto-Lei nº - e a severidade da moldura penal abstractamente aplicável – prisão de 4 a 12 anos - são em nosso entender elementos concretos e seguros que fazem racionalmente temer por um particular receio de fuga. Acresce que o arguido, natural da Holanda e com residência indicada também em Alicante, Espanha, não tem qualquer ligação familiar ou de morada com Portugal, o que faz acrescer significativamente as dificuldades de localização e de notificação para comparecimento em julgamento ou nos actos processuais em geral.
Ao mesmo tempo, os factos indiciados e os meios utilizados fazem naturalmente prever que o arguido mantenha particular capacidade de se deslocar em longas distâncias.
Deste modo, sopesando em conjunto os indícios recolhidos, verifica-se um efectivo perigo que o arguido procure e consiga eximir-se ao contacto com as autoridades judiciárias e ao cumprimento de uma medida de coacção, deslocando-se para local onde não possa ser detido ou de onde não seja possível a extradição.
Em segundo lugar, subscrevemos o entendimento expresso na decisão recorrida de que se verifica no caso concreto um particular receio de prosseguimento da indiciada “actividade criminosa”.
Com efeito, não poderemos deixar de ter presente que o circunstancialismo indiciado, transporte por mar de 1300 Kg de substância estupefaciente – apenas se pode compreender logicamente mediante significativa intensidade de resolução e de propensão para a prática de actos desta natureza, envolvendo a intervenção de diversas pessoas em tarefas diversificadas, com pontos de contacto ou conhecimentos dispersos por diferentes locais, numa actividade que em princípio proporciona proventos económicos de valor muito elevado.
Existe assim um significativo temor de que o arguido, com a experiência adquirida, aliciado pela perspectiva de lucros significativos, venha a retomar as ligações anteriormente estabelecidas e, a partir daí, volte de novo a executar actos de aquisição ou transporte de canabis ou de outra substância estupefaciente proibida.
Por outro lado, discordamos da valoração da decisão recorrida no que respeita à verificação dos restantes perigos ou receios, enquanto requisitos gerais da aplicação de uma medida de coacção.
Na verdade, perante os elementos existentes nos autos e apesar da gravidade dos factos indiciados, não se descortina no circunstancialismo concreto em análise que o receio de perturbação da tranquilidade pública na cidade de Peniche e em geral se revele de particular intensidade para ser tido em conta na aplicação de uma medida de coacção.
Concluímos assim que findo o primeiro interrogatório judicial do arguido A…, os autos contêm elementos de onde se extrai a verificação em concreto de perigo de fuga bem como de um receio de continuação da actividade criminosa, enquanto requisitos constantes do artigo 204º, alíneas a) e c) do CPP.
Como o arguido invoca em recurso, a decisão de aplicar a prisão preventiva terá sempre de respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (impostos pelo artigo 193º, quanto a qualquer uma das medidas de coacção), assim como o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva (artigo 202º nº 1, ambos do CPP).
Respeitar o princípio da adequação significa escolher a medida que poderá constituir o melhor instrumento para garantir as exigências cautelares do caso, ou seja, para alcançar o fim visado O princípio da adequação tem carácter empírico, apoia-se no esquema meio-fim, segundo o qual a adequação há-de ser analisada em relação com a sua finalidade. Uma medida é adequada se com a sua aplicação se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares” Germano Marques da Silva, obra citada, página 217. .
Deste ponto de vista, dúvidas não existem que a medida de coacção detentiva constitui um meio adequado para evitar a fuga ou o prosseguimento de uma actividade como a indiciada.
O (particular) receio de fuga ou de continuação da actividade criminosa, decorrente do circunstancialismo indiciado nos termos já repetidamente expostos, nunca poderia ser alcançado por uma prestação de caução ou uma medida que se bastasse com meras apresentações periódicas (art. 198º), ou mesmo com a proibição de contactos, ou imposição de condutas (artigo 200º, todos do CPP).
Por outro lado, para respeitar o princípio da proporcionalidade, a medida de coação escolhida deverá manter uma relação directa com a gravidade do crime e da sanção previsível, cabendo ponderar aqui elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, a importância dos bens jurídicos atingidos.
Ora, nestes autos, considerando os elementos indiciariamente recolhidos e sem que se revele qualquer circunstância que permita uma excepcional benevolência ou uma atenuação extraordinária, nunca se poderia concluir que a prisão preventiva seja uma medida de coacção desproporcionada no caso em apreço.
Como sempre tem sido sublinhado, o respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excepcional (art. 28º nº 2 da Constituição da República Portuguesa), que só pode ser aplicada como extrema ratio Autor e obra citada, página 219 , quando nenhum outro meio se perfile ou anteveja como adequado e suficiente.
Essa subsidiariedade verifica-se mesmo em relação à medida de coacção considerada como a segunda mais gravosa e prevista no art. 201º do CPP, ou seja a obrigação de permanência na habitação, eventualmente com recurso a fiscalização de cumprimento por meios técnicos de controlo à distância.
As exigências cautelares decorrem de um intenso receio de fuga, de perigo do cometimento de actos idênticos aos que se encontram indiciados, o que validamente se receia com particular intensidade, tendo em conta a severidade das penas abstractamente aplicáveis e a viabilidade de rápida deslocação do arguido.
Neste quadro concreto, mesmo a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica se revela insuficiente e inadequada para as exigências cautelares e a prisão preventiva se torna a medida de coacção imprescindível para acautelar o receio de fuga e para evitar o prosseguimento pelo arguido da actividade criminosa aqui em investigação.
Em conclusão, improcede a pretensão do recorrente e o despacho recorrido terá de ser mantido.
9. Em caso de decaimento ou de improcedência total do recurso, há lugar ainda a condenação do arguido nas custas pela actividade processual a que deu causa (artigos 513º e 514º do CPP, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro).
De acordo com o disposto no art. 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, as custas incluem, além dos encargos, uma taxa de justiça, a fixar a final, entre três e seis UC.
Tendo em conta a menor complexidade do processo na presente fase, julga-se adequado fixar essa taxa em quatro UC.
Por ultimo, como estatui o artigo 4º, nº 1, alínea j) do citado diploma legal, estão isentos de custas os arguidos detidos, sujeitos a prisão preventiva ou em cumprimento de pena de prisão efectiva em estabelecimento prisional, quando a secretaria do Tribunal conclua pela insuficiência económica nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais (…)
Dos autos de recurso não consta a necessária informação da secretaria quando à situação económica do arguido recorrente mas, para evitar mais delongas, entende-se preferível a aplicação da taxa de justiça, sem prejuízo de se vir a reconhecer a isenção de pagamento.

III - DECISÃO
10. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, mantêm o despacho recorrido que determinou a prisão preventiva do arguido A….
Por ter decaído no recurso, condena-se o arguido em quatro UC de taxa de justiça, sem prejuízo da isenção que lhe seja reconhecida, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea j) do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 21 de Setembro de 2011.
Texto elaborado em computador e revisto pelo relator

João Carlos Lee Ferreira

Paulo Fernandes da Silva