Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1205/10.1TTLSB.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: DECISÃO DE FACTO
SENTENÇA
TRANSFERÊNCIA DE JUIZ
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I.No âmbito do Código de Processo do Trabalho de 2010 e do Código de Processo Civil de 1961, o princípio da plenitude da assistência do juiz dirigia-se apenas à decisão a proferir sobre a matéria de facto; no Código de Processo Civil de 2013, abarca a matéria de facto e a de direito, já que ambas devem ser decididas na sentença pelo juiz que procedeu ao julgamento (art.º 605.º, n.º 4 do NCPC)
II.Já no processo laboral, incluindo o declarativo especial decorrente de acidentes de trabalho, a matéria de facto deve ser decidida por despacho do juiz imediatamente a seguir à finalização da audiência de julgamento, o qual só depois tem que proferir a sentença (art.os 131.º, n.º 268.º, n.º 5 e 73.º do CPT).
III.Tendo o despacho sobre a decisão da matéria de facto sido proferido por um juiz na vigência do CPT de 2010 e do CPC de 2013, que depois foi transferido, a sentença deve ser proferida pelo que o vier substituir, pois que agora são diferentes e incompatíveis entre si o princípio da plenitude da assistência do juiz laboral e civil, devendo a lacuna ser preenchida segundo os princípios do direito processual do trabalho (art.º 1.º, n.º 2, alínea d) do CPT).
IV. (…)
V.(…)
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa:


I-Relatório:


AA e BB, representadas pelos seus avós paternos CC e DD, intentaram contra EE, Ld.ª, FF, S. A., GG e HH, S. A. a presente acção especial emergente de acidente de trabalho do qual decorreu a morte de II, seu pai, delas reclamando o pagamento de uma pensão anual e vitalícia de € 9.835,06 a partir de 21/03/2010, até perfazerem 25 anos de idade, enquanto frequentarem respectivamente, o ensino secundário, ou curso equiparado ou o ensino superior, e as quantias de € 5.030,64 a título de subsídio de morte, € 3.353,76 a título de despesas de funeral, € 100.000,00, a título de indemnização pelo dano morte no global e conjuntamente a ambas e  30.000,00 a título de danos não patrimoniais, a cada uma dela.
(…)

Regularmente citadas, todas as rés contestaram.
(…)

As autoras responderam (…)

A Mm.ª Juíza proferiu despacho saneador, no qual, inter ali, decidiu que as rés GG E HH eram partes ilegítimas e, por via disso, absolveu-as da instância, julgou a acção improcedente relativamente à ré FF no que tange aos pedidos formulados nas alíneas d) e do e) e, de seguida, procedeu à condensação da matéria de facto, considerando uns assentes e outros a provar e com estes organizou a base instrutória.

As autoras reclamaram contra a forma como a Mm.ª Juíza condensou a matéria de facto, mas com isso não lograram qualquer sucesso.

Seguidamente, foi realizada a audiência de julgamento, tendo a produção de prova decorrido em quatro sessões, na primeira das quais além de terem sido produzidas provas a Mm.ª Juíza determinou a ampliação da matéria de facto relevante,[1] na segunda e terceiras concluiu essa tarefa[2] e, na quarta, proferiu despacho no qual proferiu decisão sobre a matéria de facto controvertida, contra o qual reclamou, sem sucesso, a ré empregadora.[3]

Após, foram os autos conclusos à Mm.ª Juíza entretanto ali colocada,[4] que então proferiu sentença na qual julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu as rés do pedido.[5]

Inconformadas com a sentença, reagiram as autoras de duas formas: reclamaram e recorreram, sendo que no concernente àquela o fizeram em separado do recurso.[6]

No que tange à reclamação, as autoras alegaram o seguinte:

Com a extinção do tribunal de trabalho em Almada e com a sua integração na 2ª secção de trabalho e com a transferência para outro Tribunal, da anterior Magistrada, que tinha a direcção deste processo e presidiu às sessões de Julgamento, os autos vieram a ser conclusos à M. Juiz. Todavia, impunha-se em face do disposto no art.º 605°/4 do CPC, por remissão do art.º 1.º/2 alínea a) do CPT, que fosse a anterior Magistrada que elaborasse a sentença e não, V. Ex.ª, por quem, apesar do imenso respeito e competência que lhe atribuímos, bem sabe que não podia menosprezar a referida disposição legal, pelo que ao tê-lo feito, praticou uma acto proibido por lei.

Os princípios da imediação e da plenitude, consagrados no nosso sistema processual, impõem respectivamente, que toda a produção de prova se realize de uma forma directa e que só possam intervir na decisão da matéria de facto, os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na Audiência Final. Tendo a Audiência sido realizada em duas sessões e que ocorreram sob a presidência da mesma Juiz, entretanto transferida para outra Secção de outro Tribunal, compete-lhe ainda assim, apesar de ter proferido decisão sobre a matéria de facto, proferir a respectiva sentença (Cfr. Ac. RC de 30.05.00:BMJ, 497M47).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, as da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (regras do ónus da prova).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O principio da oralidade com os seus corolários de imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade da convicção; com efeito, só a partir da oralidade e da imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.

A oralidade da audiência, em que os intervenientes estão fisicamente perante o Tribunal, permite ao Juiz aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza, que se revelam por gestos, comoções, emoções.

A imediação que vem definida como relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.

É pela imediação, também chamado "principio subjectivo", que se vincula o juiz à utilização, à valoração e à credibilidade da prova, no exame critico das provas, que se Ihe impõe na elaboração da sentença, não às consideradas aquando da resposta aos quesitos.

Pois que, a análise critica das provas, para a fundamentação da resposta aos quesitos, é diferente do exame critico das provas, que o Juiz deve ter em consideração na elaboração da sentença e quer um juízo, quer outro, deverá ser feito pelo mesmo magistrado, no seu processo iter lógico e racional que imprimirá na decisão final.

Em bom rigor, não só M. Juiz não presidiu às sessões de Julgamento, como também não pode se socorrer, da gravação da prova, porque ela não se registou, não assistiu à discussão dos aspectos jurídicos da causa, às alegações produzidas pelas partes, ao contraditório, pelo que, não está em condições para proferir uma sentença, mormente atenta a complexidade da matéria dos autos.

Se é certo que no Código de Processo Civil de 1961, o princípio da plenitude da assistência dos juízes só valia para os actos de produção da prova e de julgamento da matéria de facto - e portanto, para a fase da audiência - e não também para a fase da sentença, o proferimento da sentença por juiz diferente daquele que decidiu a matéria de facto, não infringia aquele princípio - nem, aliás, qualquer outro princípio ou norma processual, o mesmo não acontece, perante a entrada no novo NCPC;
Pois que, o NCPC concentrou o julgamento da questão de facto na sentença final, esta sentença só pode ser proferida pelo juiz que assistiu aos actos de instrução e discussão praticados na audiência ou audiências de discussão e julgamento;
Além do que, aquando do início da discussão e julgamento, já estava em vigor o disposto no art.º 605.º/3 e 4 do CPC.

Pelo que, em face dos autos terem sido remetidos para a Secção do Barreiro, quando Ihe foram conclusos, deveria V. Exa. se ter abstido de proferir a sentença, atento o supra exposto, sob pena de violar a lei e princípios ordenadores do n/sistema.

Pelo que deverá V. Ex.ª anular a douta sentença, por forma a repor a legalidade dos actos, devendo a anterior Magistrada, ser chamada, a fim dos autos Ihe serem confiados, por forma a proferir nova sentença, nos termos das suas atribuições e competências, pois que, o facto de estar noutro Tribunal (inclusive tão próximo deste), não a impossibilita de o fazer.

Não sendo sanada tal nulidade, não se prescinde de se a invocar perante o Tribunal superior, em sede das próprias alegações que se juntam.

Já quanto às alegações do recurso, as autoras culminaram-nas com as seguintes conclusões:

1)A M. Juiz a quo, não cumpriu o disposto no art.º 605.º/4 do CPC, por remissão do art.º 1.º/2 alin. a) do CPT, porquanto, predispôs-se a elaborar a sentença, quando não presidiu às sessões de Julgamento, a prova não se mostra gravada, não assistiu à discussão dos aspectos jurídicos da causa, já que não assistiu ao contraditório plasmado nas alegações das partes, pelo que praticou assim um acto proibido por lei e portanto nulo, registando-se uma violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes.
2)Ora, no caso em apreço verifica-se também uma flagrante Violação do principio do contraditório - art.º 3.º/3 do CPC ex vi art.º 1.º/2, a) do CPT já que, o respeito pelo princípio do contraditório impõe, que o juiz o faça cumprir ao longo de todo o processo,  não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem  que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Consagra-se o princípio da proibição das decisões-surpresa.
3)Afigura-se irrecusável a conclusão de que é praticado um acto que a lei não admite: prolação de sentença de mérito, decidindo o direito, sem que  o  autor da  mesma  sentença  tenha  assistido  e  escutado  as alegações de direito que as partes na altura e sede própria, produziram.
4)Não se diga que as partes já tiveram, de qualquer forma, oportunidade de se pronunciar sobre as questões de direito nos seus articulados.
Com efeito, nos articulados as partes apenas tiveram oportunidade de apresentar as suas próprias razões de direito sobre factos por si alegados; mas não tiveram ainda a oportunidade de se pronunciar sobre os factos alegados pela parte contrária, nem de rebater as razões de direito apresentadas pela parte contrária; muito menos tiveram a oportunidade de, eventualmente, se pronunciar sobre a factualidade que, após produção da prova, possam considerar adquirida, e que pode não coincidir com a inicialmente (e, nessa medida, hipoteticamente) alegada.
5)A importância das alegações das partes em matéria de Direito não pode ser menosprezada. Não presenciar a discussão jurídica da causa pode influenciar, sem dúvida, a decisão final do pleito, uma vez que impede a ponderação adequada, por parte do juiz, do direito que as partes pretendem fazer valer.
6)Se assim não fosse, o legislador não preveria que houvesse lugar a alegações finais, nem indicaria expressamente deverem elas, quando orais, ser apresentadas perante o juiz a quem caiba lavrar a sentença (ou seja, mesmo no caso de tribunal colectivo, as alegações orais têm de ser produzidas perante o respectivo presidente - pois é a este que cabe lavrar a sentença - não bastando que o sejam perante qualquer dos outros dos seus membros); e remeteria os autos para decisão imediatamente após o fim da produção da prova.
7)Pelo contrário, o legislador prevê que só seja aberta conclusão ao juiz para prolação de sentença após a conclusão da discussão sobre o aspecto jurídico da causa, a realizar perante o próprio que a vai decidir (cfr. os artigos 605.º/4, 607.º Código de Processo Civil).
8)Também não se diga, em detrimento deste entendimento, que o juiz, nos termos do artigo 5.° do Código de Processo Civil, não está sujeito às alegações das partes no tocante à aplicação de regras de direito. É certo que não está, mas também não é essa a questão que se encontra sob análise. É que a liberdade de julgamento não se confunde com o direito de as partes se pronunciarem sobre os aspectos jurídicos e sobre o mérito da acção, incluindo, destacadamente, o direito ao contraditório acerca das razões da parte contrária.
9)Perante este quadro, é de concluir pela verificação de grave irregularidade. Trata-se de um caso de nulidade processual, paralelo, aliás, ao que se verificava se fosse vedado às partes produzir alegações sobre o mérito.
10)Regista-se também uma evidente violação da garantia de processo equitativo consagrada no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
11)Esta garantia constitucional «postula a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas», observando a doutrina ainda que «determinados vícios processuais traduzem violações de direitos fundamentais, o que, em face da força expansiva do conceito de norma fiscalizável pelo Tribunal Constitucional, não é irrelevante para efeitos da fiscalização concreta da constitucionalidade».

12)Segundo Jorge Miranda e Rui Medeiros, o direito de defesa e o princípio do contraditório constituem uma decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão imparcial e independente, apresentam-se como normas constitucionais de alcance geral (mesmo se só consagradas explicitamente para o processo penal) pelo que - e novamente sublinhámos:
«Qualquer processo deve, na verdade, ser um due process of law, o que exige que as partes tenham um direito de defesa e sejam colocadas numa situação de paridade, podendo cada uma delas expor as suas razões perante o tribunal [...]. Assim, em todos os processos de natureza declarativa, antes de o juiz decidir, deve existir um debate ou discussão entre as partes, devendo ser garantido que cada uma das partes seja chamada a dizer de sua justiça.»

13)Estes autores assinalam que a jurisprudência do Tribunal Constitucional adopta um entendimento amplo do contraditório, entendido como «garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio...» e citam arestos em que se censuraram normas que, por não darem a uma das partes a oportunidade de se defender em matéria de direito, mesmo perante a confissão dos factos, negava uma efectiva oportunidade de defesa.
14)Ora, esta dimensão de efectividade do princípio do contraditório, enquanto segmento do direito fundamental a processo equitativo, impede em absoluto qualquer tipo de construção que ficcione que o juiz que proferiu a sentença ouviu os debates e as alegações de direito das partes, quando efectivamente  isso  não sucede. Quer dizer: é tão ilegítimo e irregular negar às partes a oportunidade de intervir nos debates, alegando de facto e de direito antes de ser proferida a correspondente decisão, como proferir a sentença sem que quem a profere tenha, efectivamente, presenciado e (presume-se e espera-se), escutado esses debates e alegações orais.
15)Entendemos que, a opção de chamar as partes para novos debates, restritos à matéria de direito, não é saudável nem deve ser ordenada a não ser em caso de impossibilidade absoluta e definitiva de intervenção da Juiz da audiência, que assistiu às alegações orais (o que não se verifica). Não só porque envolve a prática de acto processual que a jurisdição laboral desconhece - alegação  de  direito  autónoma  da alegação sobre a matéria de facto - mas sobretudo porque implicaria a repetição de acto processual que não está inquinado por qualquer vício: as alegações orais das partes, de facto e de direito, quando foram produzidas, foram-no no momento e na forma processualmente adequada, não sendo a validade desse acto afectada pelos efeitos da nulidade subsequentemente verificada.
16)Assim, nos caso subjaz à situação a transferência e/ou promoção da Juiz que realizou o julgamento e assistiu aos debates, deverá, ainda assim, ser-lhe cometida a prolação da sentença final para evitar a nulidade em causa, assim como a violação dos princípios supra enunciados.
17)A sentença proferida, pela magistrada do juiz a quo que a veio substituir, trata-se, pois, de caso paradigmático da prática de um acto que a lei não admite (prolação de sentença por quem não presenciou as alegações orais relativas ao aspecto jurídico da causa) que, a nosso ver decisivamente, influiu na decisão da causa; tal acto irregular produz, por isso, nulidade processual, que para todos os efeitos aqui se invoca, devendo ser a sentença proferida ser anulada e ordenada a conclusão dos autos à M. Juiz da Audiência, ou seja, àquela que presenciou os debates e decidiu sobre os factos, para decidir agora sobre o mérito da causa - por analogia com o regime previsto no n.os 3 e 4 do artigo 605.º do Código de Processo Civil ex vi art.º 17.º alin. a) do CPT.
(…)

Termos em que o presente recurso deve ser julgado por procedente, por provado e nessa medida:

a)Ser apreciada a nulidade processual na elaboração da sentença, em face da heterogeneidade entre o magistrado que proferiu a decisão de facto e a M. Juiz que veio a elaborar a decisão final, por violação do principio da plenitude da assistência do Juiz (605.º/3 e 4 do CPC ex vi art.º 1.º/2 alínea a) do CPT), do contraditório (art.º 373.º do CPC) e do principio da garantia do equitativo (art.º 20.º da CRP);
(…)

Das normas violadas:
- Art.º 3.º/3 ; art.º 605.º/ 3 e 4, 607.º/3, 4 e 5 do CPC, ex vi do art.º 1.º/2 alin. a) do CT.
(…)

Dos princípios violados:
- Principio da Plenitude da Assistência dos Juízes.
- Principio do Contraditório.
(…)

Notificadas para contra-alegar o recurso, a ré FF veio dizer que disso prescindia, ao contrário da ré EE, Ld.ª, que o fez, pedindo que se lhe negue provimento e se confirme a sentença recorrida, finalizando com as seguintes conclusões:

1-Alegam as apelantes que nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 605.º do Novo Código de Processo Civil, deveria ter sido a Magistrada que presidiu ao julgamento a proferir a sentença dos presentes autos e não a Magistrada a quem o processo foi distribuído na sequência da extinção do Tribunal do Trabalho em Almada e a sua integração na 2.º Secção de Trabalho da Comarca de Lisboa.
2-Defendendo que, face ao disposto naquele preceito legal, a Meritíssima Magistrada a quem o processo foi distribuído, ao proferir a sentença sem ter assistido às sessões de julgamento, praticou um acto proibido por lei, violando os princípios da imediação e da plenitude da assistência do juiz.
3-O art.º 605.º do Novo Código de Processo Civil (adiante NCPC), corresponde, com as alterações inerentes à reforma operada pela Lei n.º 41/2013, ao artigo 654.º do anterior Código de Processo Civil.
4-Com a reforma operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Novo Código de Processo Civil, actualmente em vigor, deixou de existir decisão autónoma sobre a matéria de facto, razão pela qual não encontramos no art.º 605.º do NCPC disposição equivalente ao n.º 1 do art.º 654.º do Código de Processo Civil revogado. Por outro lado, e em consequência da integração da decisão sobre a matéria de facto na sentença, foi acrescentada a disposição constante no n.º 4 do art.º 605.º do NCPC.
5-O art.º 605.º do NCPC não é aplicável aos presentes autos.
6-É certo que nos termos do art.º 1.º n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho os casos omissos naquele Código deverão ser resolvidos com recurso "à legislação processual comum, civil ou penal, que directamente os previna";
7-Sendo certo também que o NCPC é de aplicável aos processos que já se encontravam a decorrer à data da sua entrada em vigor.
8-No entanto, o recurso à legislação processual comum previsto no art.º 1.º n.º 2 a) do CPT é subsidiário, destinando-se a integrar lacunas, uma vez que o processo do trabalho é regulado pelo regime especial previsto no Código de Processo do Trabalho - art.º 1.º n.º 1 do CPT.
9-Os processos emergentes de acidente de trabalho são qualificados como Processo Especial, encontrando-se a fase contenciosa dos mesmos regulada nos artigos 111.º e seguintes do CPT.
10-Nos termos do art.º 131.º do CPT, findos os articulados o juiz profere despacho saneador, o qual se destina, entre outras coisas, a seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, observando-se subsequentemente os trâmites do processo comum laboral, regulados nos artigos 63.º e seguintes do CPT, designadamente no que se refere à base instrutória e decisão sobre a matéria de facto.
11-Considerando que a Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Novo Código de Processo Civil, não revogou expressamente o Código de Processo do Trabalho, nem lhe introduziu quaisquer alterações;
12-E que o n.º 3 do art.º 1- do Código Civil dispõe que "a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador";
13-Só se pode concluir que, não obstante aquando do início da audiência de discussão e julgamento já se encontrar em vigor o NCPC, aos presentes autos continuou a ser aplicável o regime especial previsto no Código de Processo do Trabalho, designadamente o disposto no seu art.º 68.º.
14-Este terá sido o entendimento da Meritíssima Magistrada que presidiu ao julgamento, a qual, não obstante já se encontrar em vigor o NCPC - que veio eliminar a decisão sobre a matéria de facto por despacho autónomo, integrando-a na sentença - entendeu proferir decisão a fixar a matéria de facto (art.º 68.º n.º 5 do CPT).
15-O Código de Processo do Trabalho é uma lei especial que constitui um todo coerente, sendo que o recurso à legislação processual comum se destina apenas a integrar lacunas e desde que essa legislação processual comum não seja incompatível com o todo que é o Código de Processo de Trabalho - vd. n.º 3 do art.º 1.º do CPT.
16-Considerando que no Código de Processo de Trabalho, o juiz no despacho saneador selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, à qual, nos termos do disposto no seu art.º 68.º n.º 5, responde autonomamente por despacho (ou por acórdão se o processo tiver decorrido perante tribunal colectivo);
17-Face à similitude do regime previsto no art.º 68.º do CPT e do art.º 653.º do anterior CPC, por uma questão de lógica interpretativa, terá que ser à luz do que dispunha o art.º 654.º do CPC que deverá ser equacionada e ponderada uma eventual violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes e a consequente prática de um acto proibido por lei pela Meritíssima Magistrada que proferiu a sentença;
18-E não com recurso ao disposto no art.º 605.º do NCPC, o qual pressupõe uma dinâmica processual que não tem qualquer correspondência com a prevista no CPT.
19-A doutrina e a jurisprudência têm sido unânimes no entendimento de que à luz do art.º 654.º do CPC o princípio da  plenitude da assistência do juiz respeita apenas à decisão sobre a matéria de facto, não se estendendo à prolação da sentença.
20-Neste sentido, veja-se a título exemplificativo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 23-10-2013, no qual foi relator o Desembargador Sérgio Almeida, disponível em www.dgsi.pt
21-Veja-se também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-06-2010, no qual foi relator o Conselheiro Mário Pereira, disponível em www.dgsi.pt.
22-Nesse sentido veja-se também José Lebre de Freitas, António Montalvão Machado e Rui Pinto em anotação ao art.º 654.º, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2001, vol. II, citado no acórdão do STJ supra, que defende que o princípio da plenitude da assistência do juiz: "...circunscreve-se no âmbito  dos actos da audiência final, deixando de jogar relativamente à elaboração da sentença, a qual, no caso, designadamente, de transferência do juiz que haja presidido à audiência, cabe ao juiz que o substituir."
23-Alegam as Recorrentes que a Meritíssima Magistrada que proferiu a sentença, sem ter presidido à audiência de julgamento, violou também o princípio do contraditório, consagrado no n.º 3 do art.º 3.º do NCPC e a garantia de processo equitativo consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
24-Não se consegue compreender como é que tal conduta - prolação  de  sentença   por juiz  distinto  daquele  que   presidiu  à audiência de discussão e julgamento e que proferiu decisão sobre a matéria de facto - pode violar o princípio do contraditório ou o direito a um processo equitativo.
25-Dispõe o n.º 3 do art.º 3.º do NCPC que "O juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo no caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre se pronunciarem".
26-Segundo o princípio do contraditório, nenhuma decisão deve ser proferida sobre um pedido ou um argumento de uma das partes sem se facultar à outra a oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido ou sobre esse argumento.
27-"O principio do contraditório traduz-se em facultar a cada uma das partes no processo a intervenção nos actos de produção de prova da contra-parte, de forma a que ela possa impugnar quer a admissão dos meios de prova, quer a força probatória dos mesmos. Segundo este princípio, deve, pois, ser sempre dada oportunidade à parte, contra quem é formulado um pedido, invocado um argumento ou produzida uma prova, de se pronunciar, não havendo decisão antes de tal acontecer. O art.º 3.º, C.P.C., enuncia este princípio geral, determinando que «o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição»; esclarecendo que «só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida». (...) O princípio do contraditório encontra-se expressamente enunciado no art.º 517.°, C.P.C., que dispõe que, em principio não é admissível qualquer prova «sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas" - Ana Prata, in Dicionário Jurídico, 3.ª edição.
28-"O princípio do contraditório acaba por ser uma emanação de um outro que acabámos de referir: o da igualdade das partes. Segundo o princípio do contraditório, nenhuma decisão deve ser proferida sobre um pedido ou um argumento de uma das partes sem se facultar à outra a oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido ou sobre esse argumento.
Com efeito, se perante o julgador ambas as partes estão em igualdade, ambas devem ter idêntica oportunidade de expor as suas razões, além de que a melhor fiscalização da actividade de uma das partes é a sua sujeição à pronúncia da parte contrária, tudo resultando em favor da procura da decisão mais justa." Rui Correia Moreira, in Os Princípios Estruturantes do Processo Civil Português e o Projecto de uma nova Reforma do Processo Civil - Colóquio da Relação do Porto (08/03/2013).
29-O art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, dispõe no seu n.º 4 "Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo."
-O artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa foi influenciado pelo artigo 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem e pelo artigo 15.º do Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos da Organização Mundial da Nações Unidas.
31-O trabalho jurisprudencial efectuado pelo tribunal Europeu dos Direitos do Homem constitui uma referência fundamental na criação de um conceito de direito a um processo equitativo no qual caberia não só o julgamento justo perante os tribunais mas o próprio direito de acesso aos tribunais para exame de uma causa enquanto garantia fundamental da justiça.
32-Um processo justo é entendido como aquele em que há: imposição de meios de defesa idênticos às partes controvertidas, direito de cada parte de pronunciar-se sobre todas as questões relevantes   para   a   decisão   da   causa   em   questão,   direito   de comparência pessoal em todos os casos em que o comportamento da parte influencie a opinião do tribunal sobre um ponto importante do litígio, licitude da prova obtida, fundamentação da decisão e publicidade do   processo como garantia da transparência do exercício da função  jurisdicional.
33-Ora, ao longo de todo o processo, que culminou com a audiência de discussão e julgamento e subsequente decisão sobre a matéria de facto, sempre foi garantido o exercício do contraditório e a igualdade das partes;
34-Aliás, a audiência de discussão e julgamento realizou-se em 2 sessões, por ter sido facultada às partes a possibilidade de requerer a produção de nova prova na sequência do aditamento de dois novos artigos à base instrutória pela Meritíssima Juiz.
35-Quando o processo foi distribuído à Meritíssima Magistrada que veio a proferir a sentença, já a matéria de facto se encontrava decidida e já tinha sido facultada às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre todos as questões de facto e de direito suscitadas no processo.
-Não se compreende assim em que medida e qual o concreto fundamento que alicerça a alegada violação do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo.
37-Também este Venerando Tribunal assim o entendeu, no acórdão citado supra (datado de 23/10/2013, relatado pelo Desembargador Sérgio Almeida), no qual a propósito da invocada violação do princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do art.º 20.º da C.R.P., se pode ler "Outro argumento que não colhe é o da pretensa inconstitucionalidade por violação do art.º 20.º da CRP, que consagra os direitos processuais de defesa, contraditório e igualdade de armas: se quanto ao último não se vê onde a R. possa chegar, porque a situação  é  igual para as partes,  não violação  do  contraditório devidamente delineado,como acima se exarou, e nem do direito de defesa, que a R. tem exercido nos autos e continua a exercer em sede de recurso."
38-Face ao exposto, considerando que a Magistrada que presidiu à audiência de discussão e julgamento proferiu decisão sobre a matéria de facto, como lhe era devido, a Magistrada a quem o processo foi distribuído na sequência da reforma judiciária, ao proferir a sentença sem ter assistido às sessões de julgamento, não praticou qualquer acto proibido por lei, nem violou os princípios da imediação e da plenitude da assistência do juiz, nem quaisquer outros, não tendo assim que sanar qualquer nulidade, devendo manter a douta sentença nos exactos termos em que a proferiu.
(…)

A Mm.º Juiz a quo, para além de admitir de admitir o recurso, previamente pronunciou-se assim sobre a arguida nulidade da sentença:
Fls. 783/784: A autora vem arguir a nulidade da sentença por a mesma não ter sido proferida pelo mesmo juiz que presidiu ao julgamento, nos termos do artigo 605.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
A ré EE, Ld.ª entende que não existe tal nulidade por não se aplicar tal norma ao presente processo.

Cumpre apreciar e decidir:

Nos presentes autos, de acção especial emergente de acidente de trabalho, foi realizado o julgamento e proferida decisão de matéria de facto, em 26/06/2014 — fls. 751/758 - e atenta a alteração decorrente da implementação da reforma da organização judiciária foi o processo afecto a outra juiz que proferiu a decisão final — fls. 763/781.

Nestas acções, e de harmonia com o disposto no artigo 131.º, n.º 1, alínea d), em sede de despacho saneador o juiz terá de seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida. Já o n.º 2 deste artigo diz que seguidamente se observam os termos do processo comum regulados nos artigos 63.º e seguintes, salvo o disposto nos artigos subsequentes.

Em sede de sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir, e fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso — artigo 135.º.

Em sede de processo comum, e no que respeita ao julgamento, dispõe o artigo 68.º, n.º 5, que a matéria de facto é decidida imediatamente por despacho (...).

No nos olvidamos que o artigo 605.º, n.º 4, do Código de Processo Civil dispõe que mesmo que o juiz seja transferido ou promovido deve elaborar a sentença, mas tal não pode ser cindido do disposto no artigo 607.º, n.os 4 e 5, do mesmo código sobre a elaboração da própria sentença, já que é nesta que é proferida a decisão quanto à matéria de facto.

Ora, o processo de trabalho é regulado pelo Código de Processo de Trabalho - artigo 1.º, n.º 1 - sendo apenas nos casos omissos de aplicar a legislação processual comum que directamente o previne, alínea a), do n.º 2 do mesmo artigo, mas as mesmas não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste código - n.º 3.

No caso, entende-se que no âmbito do processo especial de reparação de acidente de trabalho há regras próprias que permitem que sejam proferidas duas decisões — uma quanto à matéria de facto e a sentença final — sendo que a sentença tem regras próprias como decorre do disposto no artigo 135.º do Código de Processo de Trabalho.

Até à entrada em vigor da Lei 41/2013, de 26/06, não existia qualquer questão quanto à aplicabilidade das regras do Código de Processo Civil porquanto as mesmas se mostravam em conformidade com as do Código de Processo de Trabalho. Após a entrada em vigor de tal diploma deixou de existir um paralelismo entre as regras de julgamento em sede de processo civil e as regras referentes a este processo especial.

No entanto, não tendo existido uma revogação expressa e tratando-se de regras especiais quanto a um incidente, entendo que se mantém em vigor o regime que consta do Código de Processo de Trabalho e que se não aplica o disposto no artigo 605.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, pelo que se entende que inexiste qualquer nulidade.
Mas V. Ex.as decidirão como é de Justiça.

Liminarmente recebido o recurso, foram os autos ao visto do Ministério Público, tendo o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto dito que "tomando como assente a conclusão baseada nas premissas da matéria dada por provada, vislumbra-se que a sentença aparenta coerência na análise das questões objecto da causa".

Colhidos os vistos,[7] cumpre agora apreciar o mérito do reclamação e do recurso, sendo pacificamente considerado, no que tange a este último, que o seu objecto é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[8] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas se coloca, importa saber:

            na reclamação, se:
i. caso o juiz que presidiu à audiência de julgamento e proferiu a decisão sobre a matéria de facto seja transferido para outro Tribunal, tudo isso durante os anos de 2014 e 2015, a sentença tem que ser por ele proferida, sob pena de nulidade por violação dos princípios da plenitude da assistência do juiz e do contraditório ou pode validamente sê-lo pelo juiz que o veio substituir;

            no recuso, se:
(…)
***

II-Fundamentos.

1. Factos julgados provados considerar:
(…)

3. O direito.

3.1. A primeira questão que cabe apreciar e decidir é a suscitada na arguida nulidade da sentença. Nessa medida, será então que a sentença teria que ser prolatada pela Mm.ª Juíza que presidiu à audiência de julgamento e proferiu despacho a decidir a matéria de facto, mesmo tendo sido transferida para outro Tribunal após aquele momento, sob pena de nulidade por violação dos princípios da plenitude da assistência dos juízes e do contraditório, como pretendem as recorrentes? Desde já diremos que não, pese o respeito pela insistência das recorrentes perante a bem fundamentada decisão que acerca da arguida nulidade proferiu a Mm.ª Juíza reclamanda. Aliás, é justo dizer-se que os fundamentos estão todos nesse despacho, razão pela nos limitaremos aqui a sintetizá-los.

Lembramos que a questão sub iudicio se coloca porque a Mm.ª Juíza que presidiu à audiência de julgamento e proferiu a decisão sobre a matéria de facto foi transferida e a sentença foi prolatada pela sua substituta, actos esses que, ao contrário dos anteriormente praticados, ocorreram após o dia 01-09-2013, data em que entrou em vigor o novo Código de Processo Civil.[9]

Estando nós no âmbito de uma acção declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho, lembramos que no concernente ao julgamento e sentença ocorridos após o dia 01-09-2013, se seguem os seguintes termos:

• nas fases dos articulados e despacho saneador, os previstos nos art.os 126.º a 131.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho;
• nas do julgamento e sentença, em primeira linha os constantes dos art.os 132.º a 136.º e 68.º a 75.º, ex vi do art.º 131.º, n.º 2, todos do Código de Processo do Trabalho; e depois, nos casos omissos, o Código de Processo Civil, Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5.ª edição, Almedina, 2015, página força do art.º 1.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo do Trabalho.

Ora, considerando o disposto nos art.os 132.º, n.º 2 e 68.º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho, sendo efectuada a audiência de julgamento de julgamento por juiz singular, deve este decidir imediatamente a matéria de facto por despacho. E proferir a sentença no prazo de 20 dias.

A questão resultante do facto de entretanto o juiz ser transferido não está prevista 9.º no Código de Processo do Trabalho, pelo que não resta outro caminho que não seja o recurso ao caso análogo que sabemos ser previsto no Código de Processo Civil. O ponto está em que tendo o Código de Processo do Trabalho entrado em vigor em 01-01-2010,[10] as fases da audiência de julgamento e decisão da matéria de facto, por um lado, e da sentença, por outro, num e noutro corpo de leis estiveram em perfeita sintonia até ao dia 31-08-2013, data até à qual vigorou o antigo Código de Processo Civil (de 1961): assim, até aí, em ambos os casos havia uma cisão entre a decisão da matéria de facto e a de direito, sendo aquela proferia por despacho (se a decisão coubesse ao juiz singular; art.os 646.º, 653.º e 654.º) e esta (sempre) por sentença (do juiz singular ou do presidente do colectivo, nos termos dos art.os 658.º do Código de Processo Civil e 108.º, n.º 1, alínea c) da Lei 3/99, d 13 de Janeiro); a partir de então, com a entrada em vigor o novo Código de Processo Civil, toda a decisão do processo (a da matéria de facto e a de direito) passou a concentrar-se na sentença (art.º 607.º do Código de Processo Civil) nos processos cíveis mas manteve-se o sistema de césure nos processos laborais, pelo que deixou de ser possível encontrar naquele a solução para o caso em apreço.

A problemática que resulta da transferência do juiz quando a decisão da matéria de facto já foi proferida mas a sentença não tem que ser enquadrada e a solução encontrada dentro dos princípios gerais do processo do trabalho, em obediência ao disposto no art.º 1.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo do Trabalho. E por aí chegamos à conclusão acolhida no despacho proferido pela Mm.ª Juíza a quo que indeferiu a reclamação das autoras. É que a solução constante do novo Código de Processo Civil não é susceptível de ser compatibilizada com a do Código de Processo do Trabalho, pois que as duas decisões previstas pelo Código de Processo do Trabalho (por um lado a relativa à matéria de facto, por despacho do juiz que efectuou o julgamento e, por outro, a sentença, pelo juiz que ao tempo estiver colocado no Tribunal) deixou ser comportada pelo Código de Processo Civil, que apenas prevê uma (a sentença, sempre proferida pelo juiz que efectuou o julgamento, mesmo que tenha sido transferido, na qual decide a matéria de facto e a de direito). Pelo que, na mesma ordem de ideias, não colhe a pretensão das reclamantes em que com isso foi violado o princípio do contraditório, pois que para além da prova não ter sido produzida perante a Mm.ª Juíza reclamanda o mesmo aconteceu com as alegações que as partes proferiram sobre a matéria de facto e de direito: é que não alegam sequer as reclamantes que antes de ser proferida qualquer uma daquelas duas decisões (o despacho que decidiu a matéria de facto e a sentença, que resolveu a de direito) o Tribunal lhes negou o direito de se pronunciarem sobre a matéria em litígio, como postula esse princípio em qualquer dos regimes processuais atendíveis.[11]

De todo o modo, note-se, as reclamantes lavram em erro quando pretendem que a solução é diversa da que resultaria no processo civil para situações similares à dos autos, quer dizer, quando o juiz do tribunal civil tiver decidido a matéria de facto por despacho (ou acórdão), porque assim a lei antiga o previa, sendo depois transferido, a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil não significa que seja ele e não o juiz que o substituiu o competente para proferir a sentença. Pelo contrário, a solução é a mesma a que aqui chegámos, como procuraremos demonstrar.

Com efeito, se é sabido que em matéria de aplicação de leis no tempo vale, em regra, o princípio da aplicação imediata da lei processual, de resto reafirmado no art.º 5.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, também é sabido que também impera o da não retroactividade das leis, contemplado no art.º 12.º, n.º 1 do Código Civil, de acordo com o qual a lei só dispõe para o futuro, e mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroactiva presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

Temos, assim, por um lado que o despacho que decidiu a matéria de facto não pode ser posto em causa[12] e, por outro, que a lei do tempo em que essa decisão foi proferida entendia o princípio da plenitude da assistência dos juízes como reportado, apenas, à decisão a proferir sobre a matéria de facto e não também à sentença.[13]

Destarte, como de resto a jurisprudência tem consistentemente vindo a decidir, também nos processos de natureza cível terá que valer em toda a plenitude o princípio de que é ao juiz que estiver colocado no Tribunal do processo que compete proferir a sentença quando a decisão da matéria de facto tiver sido proferida, de acordo com a lei do tempo, por despacho do juiz que ali estando colocado foi depois transferido sem o ter feito, pois que nesses casos não é possível seguir-se o regime de julgamento unitário do novo Código de Processo Civil.[14]

Nesta medida, portanto, porque nenhuma norma de cariz legal ou constitucional foi violada, improcede a arguida nulidade, incluindo as que consubstanciam os princípios constitucionais e legais convocados na reclamação, deve ser confirmado o despacho reclamando.
(…)
***

III - Decisão.

Termos em que se acorda julgar:
i. a reclamação improcedente, nessa medida mantendo a sentença reclamanda;
ii. (…)

Custas por recorrentes e recorridas, na proporção do decaimento (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
***


Lisboa, 17-02-2016.


António José Alves Duarte
Eduardo José Oliveira Azevedo
Maria Celina de Jesus de Nóbrega


[1]A qual decorreu no dia 28-03-2014 e está documentada pela acta de folhas 715.
[2]As qual decorreram nos dias 22-04-2014 e 16-06-2014 e estão documentadas pelas actas de folhas 718 e 749 (estando nesta inscrita, por manifesto erro de escrita, a mesma data da primeira).
[3]A qual decorreu no dia 26-06-2014 e está documentada pela acta de folhas 756.
[4]Em 21-04-2015, como se vê de folhas 763.
[5]Em 18-05-2015, conforme folhas 781.
[6]Desnecessariamente repetiram a sua arguição nas alegações e conclusões no recurso, pois que apenas exige que o fizessem, em separado, sim, mas no requerimento de interposição deste (art.º 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
[7]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[8]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[9]Art.º 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
[10]Art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro.
[11]Art.os 3.º, n.º 1, 652.º, n.os 3, alínea e) e 5 e 653.º, n.os 5 e 6 do Código de Processo Civil de 1966 e 3.º, n.º 1 e 604.º, n.º 3, alínea e), 5 e 6 do novo Código de Processo Civil.
[12]A não ser, naturalmente, por via da procedência de recurso, o que para o caso não releva.
[13]Que assim era basta ler o que sobre isso dizia art.º 654.º do Código de Processo Civil de 1961: no n.º 1, que "só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final", no n.º 2 que "se durante a discussão e julgamento falecer ou se impossibilitar permanentemente algum dos juízes, repetir-se-ão os actos já praticados; sendo temporária a impossibilidade, interromper-se-á a audiência pelo tempo indispensável … " e no n.º 3 que "o juiz que for transferido, promovido ou aposentado concluirá o julgamento…"; já a sentença era tratada, autonomamente, no art.º 658.º e seguintes do Código de Processo Civil); e, por outro lado, vale a regra segundo a qual é o juiz que estiver colocado no Tribunal de cada um dos processos que compete proferir todas as decisões a eles respectivas, sejam despachos ou sentenças (art.os 85.º, n.os 1 e 2, 117.º, n.º 1, alínea a) e 130.º, n.os 1, alínea a) e 2 da Lei n.º 63/2013, de 26 de Agosto e 152.º, n.º 1 do novo Código de Processo Civil. Neste sentido, pode ver-se, inter alia, o acórdão da Relação de Coimbra, de 11-12-2012, no processo n.º 1220/12.0TBPBL-A.C1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[14] Neste expresso sentido decidiram os acórdãos da Relação de Lisboa, de 29-05-2014, no processo n.º 562/11.7TCFUN-C.L1-e de Coimbra, de 18-03-2014, no processo n.º 3721/11.9TBLRA.C1, publicados em http://www.dgsi.pt.

Decisão Texto Integral: