Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12087/12.9T2SNT.L1-6
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: SUBEMPREITADA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Sendo efeito da compra e venda a transmissão da propriedade da coisa vendida (art.ºs 874.º e 879.º, al.ª a), ambos do CCiv.), o subempreiteiro que adquire equipamentos para incorporação na obra a seu cargo – no caso, 105 painéis solares, para instalação em complexo de piscinas – torna-se, por efeito da respectiva compra e venda, proprietário dos bens (art.ºs 1210.º, n.º 1, e 1213.º, ambos do CCiv.), sem prejuízo da subsequente transferência da propriedade para o dono da obra (art.º 1212.º do CCiv.).
- O vendedor desses bens limita-se a transmitir a propriedade sobre os mesmos, não passando, por isso, a subempreiteiro ao lado do seu adquirente, não se vinculando contratualmente perante o empreiteiro.
- Mesmo que preste garantia de desempenho quanto aos bens vendidos, para o efeito de aplicação na obra, a garantia do vendedor aplica-se ao contrato de compra e venda, não fazendo dele um subempreiteiro.
- Em tal caso, em vez de um contrato de subempreitada com dois subempreiteiros, temos dois contratos típicos, um de subempreitada e outro de compra e venda, só neste último se vinculando o vendedor.
- Qualquer ilícito contratual do vendedor, designadamente tendo em conta a garantia prestada ao adquirente, teria de se consubstanciar, desde logo, perante a contraparte no contrato celebrado.
- Na venda de coisa defeituosa com bom funcionamento garantido, ao vendedor cabe reparar ou substituir a coisa com defeito de funcionamento (art.º 921.º do CCiv.).
- Por isso, detectado o defeito, cabe à parte lesada exigir ao vendedor a adequada reparação ou, se necessário, substituição, em vez de partir, sem fixação de prazo final para efeito reparatório, para a reparação por terceiro e decorrente acção indemnizatória pelos respectivos custos.
- Não ocorrendo paralisação - impossibilidade de utilização - do complexo de piscinas intervencionado, mas apenas a manutenção de consumos energéticos superiores aos pretendidos, com os inerentes custos económicos, inexiste situação de urgência legitimadora da substituição por terceiro no cumprimento sem defeitos (acção directa).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

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I – Relatório:

1.ª - T... e
2.ª - R...”, ambas com os sinais dos autos,
intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra
1.ª - “A...” e
2.ª - “A...”, ambas também com os sinais dos autos,
pedindo que as RR. sejam condenadas, solidariamente, no pagamento da quantia de € 274.160,00, acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa supletiva legal em vigor, até integral pagamento.
Para tanto, alegaram, em síntese:
- à 1.ª A. – que exerce a actividade de prestação de serviços de engenharia, designadamente, elaboração de estudos e projectos, gestão e fiscalização de obras, realização, por recurso à subcontratação, de obras de construção e montagem de empreendimentos de qualquer natureza – foi atribuída a realização de obras no complexo das piscinas de Rio Maior, incluindo a concepção, construção e implementação de medidas de eficiência energética nesse complexo de piscinas;
- a 1.ª A. subcontratou com a 2.ª A., empresa especializada na montagem de aparelhos aptos à melhoria da eficiência energética – exerce a actividade de instalação eléctrica, instalação de canalização e climatização e de equipamentos para produção de energias renováveis –, que adquiriu 105 painéis solares à 2.ª R.;
- estabelecida, assim, entre AA. e RR. relação comercial, pela qual a 2.ª R. se obrigou a fornecer painéis solares e equipamento associado necessário ao perfeito funcionamento dos mesmos, a 1.ª R. garantiu, com emissão de certificado de garantia de “performance”, que o objetivo de melhoria na eficiência energética seria alcançado, com a contribuição de pelo menos 50% da energia calorifica necessária ao aquecimento da água quente sanitária dos balneários afectos à piscina de 25 metros e à manutenção de uma temperatura constante dos tanques das piscinas de 25 e de 50 metros;
- porém, colocados em funcionamento os painéis solares, a melhoria de eficiência energética não foi alcançada, com o sistema de painéis solares a não permitir atingir os valores contratualmente declarados na garantia da 1.ª R., tendo havido um erro de cálculo desta;
- a Câmara Municipal de Rio Maior invoca incumprimento do contrato por parte da 1.ª A., razão pela qual esta procedeu a estudo do problema, onde concluiu pela existência daquele erro, o que é do conhecimento da 1.ª R.;
- as AA. não conseguem contactar a 1.ª R., que se remeteu ao silêncio e não responde a contactos telefónicos e convocatórias com vista a discutir a solução do problema;
- perante a falta de resposta da 1.ª R. e dada a urgência na resolução do problema, foram efectuados pela 1.ª A. cálculos técnicos adequados;
- as RR. colocaram-se em situação de incumprimento definitivo, por conversão da mora – à inicial mora debitoris destas sucedeu a impossibilidade do cumprimento da prestação (art.º 801.º, n.º 1, do CCiv.), em virtude do comportamento das demandadas –, com o que causaram danos na imagem, bom-nome e reputação comercial das AA. (estes a deverem ser indemnizados no montante de € 100.000,00), para além das despesas a suportar para atingimento dos valores de eficiência energética contratualmente exigidos (montante de € 174.160,00);
- em matéria de direito, reforçaram as AA. que foi celebrado contrato de fornecimento de painéis solares entre a 2.ª A. e a 1.ª R. (fornecedora), na sequência da relação contratual estabelecida entre as AA., relação esta, por sua vez, decorrente da relação estabelecida entre a 1.ª A. e a Câmara Municipal de Rio Maior;
- o incumprimento do contrato de fornecimento traduziu-se na inobservância dos resultados de eficiência energética garantidos, impedindo as AA. de cumprir as obrigações contratuais para com a dita Câmara Municipal, com os consequentes danos para ambas as demandantes;
- as RR. são solidariamente responsáveis pelos aludidos prejuízos, já que faltaram culposamente ao cumprimento das obrigação estabelecida para com as AA..

Contestaram as RR., conjuntamente:
- impugnando diversa matéria de facto alegada pelas AA.;
- excepcionando a ilegitimidade da 1.ª A. e da 2.ª R., a incompetência do Tribunal e a caducidade do direito invocado; e
- alegando que o contrato de fornecimento de painéis foi estabelecido entre a 2.ª A. e a 1.ª R., afastando qualquer dever indemnizatório por qualquer das demandadas, sendo que coube às AA. a inteira responsabilidade, não só pela definição das medidas concretas de eficiência energética a implementar e realização do respectivo projecto, donde que seja da sua responsabilidade quaisquer deficiências de concepção do projecto, como também pela realização de todos os trabalhos de instalação dos sistemas por si projectados, havendo ainda que contar com o modo de utilização dos diversos sistemas instalados, a que também são alheias as RR.;
- bem como que não foi invocado qualquer defeito de funcionamento, nem peticionada a reparação ou substituição, mas apenas o incumprimento da 1.ª R. quanto ao declarado no documento de “performance”, inexistindo qualquer dano;
- que a 2.ª A. solicitou à 1.ª R. a realização de orçamento para fornecimento de painéis solares, não estando incluídos a realização do projeto, o fornecimento de materiais e equipamentos destinados ao fornecimento de energia das infraestruturas do complexo de piscinas ou a execução de outros trabalhos;
- cabendo às AA. a definição das medidas de eficiência energética a implementar, era sua, exclusivamente, a responsabilidade por quaisquer deficiências na concepção do projeto e no dimensionamento dos sistemas instalados, tendo a 2.ª A. assumido a obrigação de efectuar, sem custos para a 1.ª A., num prazo de trinta dias, todas as alterações necessárias a resolver o problema detectado e a atingir os objectivos indicados, donde que, a existir incumprimento, o mesmo ocorreu na relação contratual estabelecida entre as AA., sendo imputável à 2.ª A., que deverá responder também pelos invocados danos de imagem da 1.ª A., sendo, em qualquer caso, excessivos os montantes indemnizatórios peticionados.
Concluíram pela total improcedência da acção.

Replicaram as AA. – articulado só parcialmente admitido –, concluindo pela total improcedência da matéria de excepção deduzida e, bem assim, pela procedência da acção.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, julgando-se improcedentes as deduzidas excepções de incompetência do Tribunal e de ilegitimidade activa e passiva e relegando-se para final o conhecimento da excepção de caducidade.
Condensado o processo – com elenco de factos assentes e base instrutória –, reclamaram as RR., no que não foram atendidas, após o que foi realizada a audiência de julgamento, seguida de requerimento de ampliação do pedido, formulado pelas AA., para a quantia total de € 332.104,36 ([1]).
Foi proferida sentença – datada de 18/01/2014 –, na qual se conheceu de facto e de direito, julgando a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo:
«a) Absolve a 2ª R. do pedido;
b) Condena a 1ª R. a pagar à 1ª A. a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação relativamente ao valor das despesas da reparação que a 1ª A. suportou, incluindo os valores avançados pela 2ª A., até ao limite do pedido, de € 174.160, sendo que a responsabilidade pelo seu pagamento é solidária entre a 1ª R. e a 2ª A.;
c) Condena a 1ª R. a pagar à 1ª A. a quantia de €30.000 a título de danos não patrimoniais sofridos, sendo que a responsabilidade pelo seu pagamento é solidária entre a 1ª R. e a 2ª A..».
Da sentença veio a 1.ª R. interpor o presente recurso, apresentando as seguintes
Conclusões
«1. O Tribunal “a quo” procedeu a uma errada apreciação da prova produzida sobre pontos concretos da matéria de facto, devendo ser corrigida a redacção da alínea h) dos Factos Provados da Sentença, de forma a que da mesma passe a constar apenas que “a Ré A..., na sequência de estudo que efectuou, calculou em 105 o número de painéis solares requerido para que pelo menos 50% da energia calorífica consumida no aquecimento de águas dos duches do edifício dos balneários da piscina de 25 m e na manutenção de uma temperatura constante nos tanques das piscinas do “Complexo de Piscinas de Rio Maior” dele proviesse e indicou-o à Autora R...;
2. Na decisão sobre a matéria de facto constante dos artigos 4º e 5º da base instrutória, o Tribunal “a quo” baseou a sua convicção em depoimentos vagos e genéricos e não considerou devidamente quer a contraprova produzida quer os importantíssimos elementos que resultam do relatório junto aos autos a fls. 277, elaborado pela testemunha das AA M..., bem como os dados que resultam do documento junto a fls. 554 e da Acta de reunião de fls. (Doc 4 da contestação), que demonstram que as alterações introduzidas no sistema de climatização do complexo de piscinas de Rio Maior, da responsabilidade das AA., conduziram a um enorme aumento nos consumos de gás natural e energia eléctrica, a ponto de aquela testemunha recomendar a remodelação do mencionado sistema de climatização, para além da existência de outros defeitos dos trabalhos efectuados pelas AA., com influência nos consumos finais;
3. Em consequência, quer por não se poder considerar provada a matéria de facto em causa, quer por dos autos resultar que o incumprimento dos objectivos de consumo pretendidos decorre de facto imputável às AA. ora Recorridas, deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto constante os artigos 4º e 5º da base instrutória do despacho de fls, a qual deverá ser dada [ser dada] como não provada, eliminando-se as alíneas k) e l) dos Factos Provados da Sentença, nos termos melhor expostos nas alíneas b) e c) do parágrafo II das presentes alegações;
4. Dada a falta de prova da matéria de facto constante dos artigos 4º e 5º da base instrutória, com a consequente eliminação das alíneas k) e l) do Factos Provados, fica necessariamente prejudicada a resposta dada à matéria de facto do artigo 6º da base instrutória, a qual deverá também ser julgada não provada, eliminando-se a alínea m) dos Factos Provados da Sentença;
5. No que respeita à matéria de facto constante do artigo 7º da base instrutória, quanto muito, apenas poderá ser dado como provado que, “em reunião havida em data concretamente não apurada mas que terá sido em Novembro ou Dezembro de 2011 deram conhecimento à Ré A... de que a Câmara Municipal de Rio Maior pretende que sejam alcançados os objetivos previstos no contrato celebrado com a 1ª A”, devendo a redacção da alínea n) dos Factos Provados da Sentença ser alterada, adoptando-se esta redacção;
6. Também em consequência da falta de prova da matéria de facto dos artigos 4º e 5º da base instrutória, deverá ficar necessariamente prejudicada a resposta dada à matéria de facto dos artigos 10º, 13º e 12º da base instrutória, que deverão ser considerados não provados, eliminando-se as alíneas o), p) e q) dos factos provados da Sentença;
7. Ainda que assim não se entenda, não resultou da prova produzida que o incumprimento, por parte da 1ª A., do contrato celebrado com a Câmara Municipal de Rio Maior tivesse decorrido da invocada insuficiência da contribuição energética dos painéis solares em causa nos autos, sendo bem evidente que tal incumprimento resultou das soluções adotadas para climatização que conduziram a um enorme acréscimo de consumo de energia eléctrica e gás natural, conforme expressamente se refere no relatório de fls. 277, o que apenas às AA. ora Recorridas poderá ser imputável, pelo que não poderá ser dada como provada a matéria de facto constante do artigo 10º da base instrutória, devendo ser eliminada a alínea o) dos factos provados da sentença;
8. Do mesmo modo, não foram alegados nem foi feita qualquer prova sobre quaisquer factos concretos de que se possa intuir que a imagem das AA tivesse sofrido algum prejuízo, o qual, a ter-se verificado, no que não se concede, apenas poderá decorrer dos desastrosos resultados da intervenção efectuada pelas AA. que, contrariamente aos objectivos de economia energética subjacentes ao contrato de empreitada celebrado com a Câmara Municipal de Rio Maior, conduziram a um enorme aumento do consumo de energia eléctrica e de gás natural no complexo de piscinas de Rio Maior, devendo ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto do artigo 13º da base instrutória e eliminada a alínea p) dos factos provados da sentença;
9. Por fim, também não resultou da prova produzida que as AA. tivessem tido necessidade de instalar qualquer número adicional de painéis solares ou despender quaisquer quantias, sendo bem evidente que, se o fizeram foi para colmatar o acréscimo excepcional de consumo energético verificado no complexo após a intervenção realizada pelas AA., como resultado única e exclusivamente das soluções adotadas pelas mesmas e pelas quais são responsáveis, como se constata pelo relatório de fls. 277, pelo que deverá, igualmente, ser dada como não provada a matéria de facto do artigo 12º da base instrutória, eliminando-se a alínea q) dos factos provados da Sentença;
10. No que respeita à decisão de direito, as AA. ora Recorridas invocaram nos presentes autos o incumprimento da declaração de fls. 79 a 81 subscrita pela 1ª R., ora Recorrente, pedindo, com esse fundamento, a condenação da mesma no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, cabendo-lhes, nos termos previstos no artigo 342º do Código Civil o ónus de alegar e provar os factos constitutivos do direito que se arrogam;
11. Em consequência da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos melhor expostos no parágrafo II das presentes alegações, deverão considerar-se necessariamente não provados os factos constantes dos artigos 4º, 5º, 10º, 12º e 13º da base instrutória, eliminando-se as alíneas k), l), o), p) e q) dos Factos Provados da Sentença, com a consequente improcedência de todos os pedidos por falta de prova dos respectivos factos constitutivos, nos termos previstos no artigo 342º do Código Civil,
12. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, o Tribunal “a quo” procedeu a uma errada apreciação e aplicação do direito aos factos, incorrendo em numerosos vícios de raciocínio, conduzindo a uma decisão absurda e sem qualquer fundamento legal;
13. Começou o Tribunal “a quo” por sustentar a decisão num pretenso contrato envolvendo a 1ª A., por um lado e a 2ª A e 1ª R., ora Recorrente, por outro (facto que não tinha sido sequer alegado pelas AA. que invocaram na acção duas relações contratuais distintas), procedendo a uma errada interpretação quer do contrato de fls. 25 e quer da proposta anexa ao mesmo, de fls. 53, considerando, mas mal, que estes dois documentos vinculam a ora Recorrente, violando o disposto nos artigos 217º, 232º, 238º e 406º do Código Civil,
14. Do mesmo passo, o Tribunal “a quo” entendeu qualificar como contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada, a aludida, mas inexistente, relação contratual, procedendo a uma interpretação errada da lei, violando o disposto nos artigos 1154º e 1207 e seguintes do Código Civil;
15. Bem pelo contrário, uma vez que nem a 1ª R. ora Recorrente (nem a 2ª R.) foram parte no contrato de fls. 25 e seguintes dos autos, celebrado exclusivamente entre as duas AA., não poderá deixar de se considerar que o mesmo não produz quaisquer efeitos em relação às RR., nos termos previstos no artigo 406º do Código Civil, não podendo ser invocado o seu incumprimento por qualquer das RR., nem nada lhes podendo ser exigido com fundamento no mesmo;
16. Em face da inexistência de qualquer relação contratual entre a 1ª A. e qualquer das RR., nomeadamente a 1ª R. ora Recorrente, deveria o Tribunal “a quo” ter julgado totalmente improcedentes quaisquer dos pedidos deduzidos por aquela 1ª A. e, não o tendo feito, a Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 406º, 798º e 483º (todos a contrario) do Código Civil;
17. Por outro lado, resulta dos autos que a 2ª A. adquiriu à 1ª R. ora Recorrente 105 painéis solares e outro equipamento associado, conforme facturas de fls. 84 a 92, mediante o pagamento do respectivo preço, o que consubstancia um contrato de compra e venda, nos termos previstos no artigo 874º e seguintes do Código Civil;
18. No contexto dessa relação contratual, tendo sido alegado que os [que os] painéis solares em causa não produziram a energia necessária à contribuição energética referida na declaração de 79, cabia à 2ª A. provar tal facto, nos termos previstos no artigo 342º do Código Civil, como facto constitutivo que é do direito que se arroga, mas que não poderá ser dado como provado em face da resposta negativa a dar necessariamente à matéria de facto constante do artigo 4º da base instrutória, com a consequente eliminação da alínea k) dos factos provados da Sentença;
19. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede e apenas por hipótese absurda de raciocínio se coloca, aplica-se à referida compra e venda o disposto no artigo 905º do Código Civil, por remissão do artigo 923º, relativo à venda de coisas defeituosas, que admite a possibilidade de anulação do contrato “por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade”, os quais, no entanto, nem foram alegados, nem estão demonstrados, tendo, pelo contrário, resultado provado que a 2ª A. é uma empresa especializada na montagem de aparelhos aptos para obtenção de eficiência energética (alínea a) dos Factos Provados da sentença), pelo que, a existir algum erro na declaração, no que não se consente, o mesmo não poderá deixar de ser considerado grosseiro;
20. Acresce que, o que resulta dos autos é que, independentemente do erro na declaração (de compra e venda) mesmo que motivado por dolo, no que não se consente, a 2ª A. teria sempre concretizado o negócio, adquirindo à 1ª R. ora Recorrente os painéis em causa, já que não peticiona sequer a anulação do contrato, admitindo-se até que teria eventualmente adquirido um maior número de painéis solares para perfazer a quantidade necessária à contribuição energética pretendida;
21. Por outro lado, o Código Civil regula, nos artigos 908º e 909º, relativos à venda de bens onerados e aplicáveis à venda de coisas defeituosas por remissão do artigo 913º, o direito à indemnização, mas apenas em caso anulação do contrato, por dolo ou simples erro, de tal forma que, não sendo anulado o contrato, quer por não ser exercido o respectivo direito, quer por não estarem reunidos os seus pressupostos legais, não existe igualmente o direito a qualquer reparação;
22. Ora, a 2ª A. ora Recorrida não peticionou sequer a anulação do contrato de compra e venda, conformando-se com a aquisição dos painéis solares em causa, pretendendo, bem pelo contrário, manter o contrato e receber, a título de alegada indemnização, o valor correspondente aos custos relacionados com a aquisição e instalação de um maior número de painéis solares e outro equipamento, o que não só não decorre da lei, como é, até, manifestamente contrário aos princípios impostos pela boa fé;
23. Ainda que assim não fosse, e que se pudesse existir algum direito indemnizatório, no que, mais uma vez, não se consente, o mesmo corresponderia apenas, no caso de dolo, ao “prejuízo que [o comprador] não sofreria se a compra e venda não tivesse sido efectuada” ou, no caso de simples erro, aos “danos emergentes do contrato”, nos termos dos citados artigos 908º e 909º do Código Civil, sendo certo que, no caso dos autos, a 2ª A. teria certamente adquirido a outra entidade igual ou maior número de painéis solares, no âmbito da execução dos trabalhos de concepção, construção e implementação de medidas de eficiência energética no complexo das piscinas de Rio Maior, subcontratados pela 1ª A., pelo que nem existem nem se vislumbram quaisquer prejuízos que a mesma eventualmente pudesse ter sofrido, e que também não foram demonstrados;
24. Dada a actividade comercial exercida pela 2ª A. e pela 1ª R., ora Recorrente, no âmbito da qual foram adquiridos e vendidos os painéis solares, aplica-se ao contrato o regime jurídico da compra e venda comercial, previsto nos artigos 463º e seguintes do Código Comercial, e nomeadamente o disposto nos artigos 469º e 471º do mesmo Código, que impunham que a 2ª A., agindo com a diligência que lhe era razoavelmente exigível, sobretudo atenta a sua invocada especialidade, tivesse examinado os painéis solares, e eventualmente reclamado da falta de qualidade dos mesmos, no prazo de oito dias, o que não sucedeu, pelo que, decorrido o mencionado prazo, verificou-se a perfeição do contrato;
25. Mesmo que se considere que deva ser aplicado ao contrato de compra e venda em causa o regime da lei civil, dispõem os números 1 e 2 do artigo 916º do Código Civil, que “o comprador deve denunciar o vício ou a falta de qualidade da coisa” até “trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa”, estabelecendo o artigo 917º que “a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia ou decorridos sobre esta seis meses”;
26. No caso dos autos, para além de não ter denunciado tempestivamente o suposto defeito (que não se admite), a 2ª A. apenas propôs a presente acção em 9.05.2012 (cfr. alínea g) dos Factos Provados) após o decurso de qualquer dos prazos indicados nos artigos 471º do Código Comercial, por um lado, e 916º e 917º do Código Civil, por outro, pelo que, ainda que se pudesse considerar que houve qualquer incumprimento do contrato celebrado entre ambas, no que se concede de modo nenhum, não pode deixar de se julgar que caducaram todos os direitos que eventualmente assistissem à 2ª A. (e apenas a esta), nos termos previstos nos citados preceitos, o que constitui excepção peremptória, nos termos previstos no artigo 576º do C.P.C., e determina a absolvição de todos os pedidos;
27. Por último, no que respeita aos invocados danos não patrimoniais, decorrentes de alegadamente a imagem das AA. ter ficado diminuída, os mesmos não podem deixar de ser considerados como não provados, de acordo com a resposta negativa a dar à matéria de facto do artigo 13º da base instrutória e consequente eliminação da a alínea p) dos Factos Provados da Sentença, tal como alegado no parágrafo II das presentes alegações, devendo necessariamente ser julgado totalmente improcedente qualquer pedido indemnizatório neles fundado;
28. Porém, ainda que assim não se entenda, e que se possa considerar que as AA: sofreram quaisquer danos desta natureza, certo é que, não existindo qualquer relação contratual ou de outra natureza entre a 1ª A e a 1ª R. ora Recorrente, não existe qualquer obrigação de indemnizar, nos termos previstos, a contrario, nos artigos 406º, 798º e 483º do Código Civil, pelo que, também assim, deverá este pedido ser julgado improcedente;
29. Por outro lado, como é sabido, constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos previstos no referido 483º do Código Civil, o dolo ou mera culpa, o facto ilícito, o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano.
30. Ora, a verdade é que não resulta dos autos qualquer nexo de causalidade adequada entre a eventual insuficiência da contribuição energética dos painéis solares fornecidos pela 1ª R. ora Recorrente e os danos de imagem eventualmente sofridos por quaisquer das AA., máxime a 1ª A.;
31. Muito pelo contrário, o que se pode concluir, de tudo quanto se disse, é que, após a intervenção realizada pelas AA. no complexo de Piscinas de Rio Maior, os consumos de gás e energia eléctrica tiveram um agravamento de 20%, em resultado das opções tomadas no que respeita aos equipamentos de climatização, cujas características conduziram a um enorme aumento dos consumos, isto admitindo que não houve outros erros de concepção e instalação, o que se desconhece, pelo que, se a imagem comercial de qualquer das AA. ficou afectada, tal só pode ter ficado a dever-se à sua própria actuação;
32. Deste modo, também assim a Sentença recorrida procedeu a uma errada aplicação do disposto no artigo 483º do Código Civil, devendo ser revogada, absolvendo-se a ora Recorrente dos pedidos;
33. Caso, por mero absurdo assim não se entenda, no que não se concede de modo nenhum e só por cautela de patrocínio se coloca, o montante de € 30.000,00 fixado na Sentença ora recorrida deverá ser reduzido, por manifestamente excessivo face aos supostos danos de imagem (que nem sequer se sabe concretamente quais foram.».
Pugna pela revogação da sentença recorrida, absolvendo-se a Recorrente de todos os pedidos.

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A Apelada contra-alegou, pugnando pelo bem fundado da decisão recorrida e pela improcedência da apelação.

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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e, prestada caução, com efeito suspensivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantido o regime e o efeito fixados.

Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

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II – Âmbito do Recurso
Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil actualmente em vigor e aplicável na fase recursória (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([2]) –, constata-se que o thema decidendum, incidindo sobre a decisão da matéria de facto e de direito, consiste em saber ([3]):
1. - Se foi inadequada a qualificação jurídica da relação contratual;
2. - Se não ocorreu vinculação contratual da 1.ª R./Recorrente (perante a 1.ª A.), sendo, nessa perspectiva, manifesta a procedência da apelação;
3. - Se merece procedência a impugnação da decisão de facto (art.ºs 4.º, 5.º, 10.º, 12.º e 13.º da base instrutória, a deverem merecer resposta negativa, eliminando-se as al.ªs k), l), o), p) e q) dos factos provados da sentença);
4. - Se deve proceder a excepção de caducidade;
5. - Se inexiste obrigação de indemnizar, não estando demonstrados os danos e o nexo de causalidade;
6. - Se é excessivo o montante arbitrado por danos de imagem.

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III – Fundamentação:

A) Matéria de facto
Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada:
a) A Autora R... é especializada na montagem de aparelhos aptos para obtenção eficiência energética (al.ª a) dos factos assentes);
b) Em escrito datado de 9 de Julho de 2010, encimado pela expressão “ENCOMENDA” e dirigido à Autora R..., a Autora T... declarou “(…) Com este documento formalizamos a Encomenda de Bens e Serviços seguidamente especificados (…)
DESCRIÇÃO (…)
No seguimento do Processo de Consulta de Ajuste Directo 36/2009/DCC, emitido pela Câmara Municipal de Rio Maior e conforme n/ Especificação Técnica anexa (Anexo II), v/ proposta anexa (Anexo II) e reuniões efectuadas, adjudicamos os seguintes fornecimentos:
1) ÂMBITO DOS TRABALHOS E PRECO:
a) Sistema de colectores Ariston mod. KAYROS SYS 2.5 e respetivo equipamento associado, necessário a um perfeito funcionamento.
O sistema a fornecer é composto pelos seguintes elementos:
Colectores solares Ariston mod KAYROS SYS 2.5 105 uni (…) (al.ª b) dos factos assentes);
c) Em escrito anexo como “ANEXO III” ao escrito parcialmente reproduzido na alínea b) dos factos assentes, a Autora R... declarou: “(…) Trabalhos de Instalação da Redeforte II Os principais trabalhos de instalação do sistema solar térmico AQS: (…)- Testes sistema hidráulico, testes térmicos, testes funcionamento sistema integrado (…)”(al.ª c) dos factos assentes);
d) Em escrito anexo ao escrito parcialmente reproduzido na alínea b) dos factos assentes a Ré A... declarou: "São objecto da presente declaração, as instalações abaixo caracterizadas e que fazem parte integrante do Complexo das Piscinas de Rio Maior:
EDIFÍCIO DAS PISCINAS DE RECREIO
Engloba: Piscina de recreio de 25 m, Tanque Infantil
Dados do Hall das piscinas
Comprimento (m) = 45 Largura (m) = 20
Altura média (m) = 6,5 Área (m2) = 900
Volume (m3) = 5850
TANQUES
Piscina de 25m
Dimensões
Comprimento 25 m
Largura 12,5 m
Altura média 1,5 m
Superfície 313 m2
Volume 469 m3
Tanque Infantil
Dimensões
Comprimento 12,5m
Largura 6m
Altura média 0,8m
Superfície 75 m2
Volume 60 m3
UTILIZAÇÃO
Horário 9.00-21.00 12h/dia utilização 25d/mês
Utentes 8000/mês 320/dia
Temperaturas água=30°C Ar= 30°C HR 65%
Consumo na lavagem diária de filtros de água 27m3 duração:30min EDIFÍCIO DOS BALNEÁRIOS
N° de duches = 17
Consumo diário = 20m3
Consumo por duche = 65 L/h
Temperatura de armazenamento da água quente = 60°
Temperatura de utilização da água quente = 40 a 45° C
Horário: 9.00 21.00 horas
Utilização: 25 dias mês
EDIFÍCIO DA PISCINA OLÍMPICA
Engloba: Piscina Olímpica 50 m
Dados do Hall da Piscina
Comprimento (m)= 70 Largura = 50
Altura média (m)= 12 Área = 3500
Volume (m3)= 42000 TANQUE
Dimensões
Comprimento 50 m
Largura 25 m
Altura média 2m
Superfície 1250 m2
Volume 2500 m3
UTILIZAÇÃO Horário 9.00-21.00 Utentes 2000/mês 12h/dia utilização 25d/mês 80/dia
Utentes: 2000/mês 80/dia
Temperaturas água=27°C Ar= 27°C HR 65%
Consumo na lavagem semanal de filtros de água 130m3 (2X65)/semana duração:60min
TEMPERATURA MÉDIA DA ÁGUA DA REDE (Cº)
Janeiro 10
Fevereiro 11
Março 1Abril 14
Maio 17
Junho 19
Julho 22
Agosto 22
Setembro 21
Outubro 17
Novembro 13
Dezembro 10 (...)
A A... declara que os sistemas de aquecimento solar de água para as utilizações acima descritas, por meio de um conjunto de 105 painéis solares do modelo Kairos SYS 2,5 foram calculados para contribuírem com, pelo menos, 50% da energia calorífica consumida no aquecimento de água dos duches e na manutenção de uma temperatura constante dos tanques das piscinas.
Mais declara que esta garantia se refere aos consumos energéticos durante um intervalo de tempo anual. (…)”(al.ª d) dos factos assentes);
e) A Autora R... adquiriu 105 painéis solares da marca “Ariston”, modelo “Kairos SYS 2.5” (al.ª e) dos factos assentes);
f) Os painéis solares referidos na alínea e) dos factos assentes foram instalados entre 5 de Outubro de 2010 e 6 de Dezembro de 2010 (al.ª f) dos factos assentes);
g) A petição inicial que deu origem à presente ação foi remetida a juízo em 9 de Maio de 2012 (al.ª g) dos factos assentes);
h) A Ré A..., na sequência de estudo que efetuou, calculou em 105 o número de painéis solares requerido para que pelo menos 50% da energia calorífica consumida no aquecimento de águas dos duches e na manutenção de uma temperatura constante nos tanques das piscinas consumida no “Complexo de Piscinas de Rio Maior” deles proviesse e indicou-o à Autora R..., desde que observadas as condições mencionadas no escrito assente em d) (cfr. art.º 1.º da base instrutória);
i) A Autora [R …] procedeu da forma descrita na alínea e) dos factos assentes na sequência do referido na alínea b) e h) e para incrementar, nos moldes referidos na parte final do escrito parcialmente reproduzido na alínea d) dos factos assentes, a eficiência energética do “Complexo de Piscinas de Rio Maior” (cfr. art.º 2.º da base instrutória);
j) A Autora R... adquiriu à 1ª Ré os painéis solares referidos na alínea e) dos factos assentes (cfr. art.º 3.º da base instrutória);
k) Por volta do verão de 2011 constatou-se que a utilização dos painéis solares identificados na alínea b) e h) não estavam a contribuir com, pelo menos, 50% da energia calorífica consumida no aquecimento de água dos balneários afetos à piscina de 25 metros e não estavam propiciar a manutenção de uma temperatura estável dos tanques das piscinas de 25 metros e de 50 metros do “Complexo de Piscinas de Rio Maior” (cfr. art.º 4.º da base instrutória);
l) Para resolver o facto referido na alínea anterior foi necessário acrescentar aos existentes mais 220 painéis solares e colocar uma cobertura nas piscinas, de modo a alcançar a eficácia energética pretendida em apreço (cfr. art.º 5.º da base instrutória);
m) As Autoras deram conhecimento à Ré A... do facto referido em k) (cfr. art.º 6.º da base instrutória);
n) As Autoras, em reunião havida em data concretamente não apurada mas que terá sido em Novembro ou Dezembro de 2011 deram conhecimento à Ré A... de que a Câmara Municipal de Rio Maior pretende que sejam alcançados os objetivos a que alude a parte final do escrito parcialmente reproduzido na alínea d) (cfr. art.º 1.º da base instrutória);
o) Em virtude do sucedido, a Câmara Municipal de Rio Maior afirmou que a Autora T... não cumprira o contrato que consigo ajustara (cfr. art.º 10.º da base instrutória);
p) Em virtude dos factos referidos em k) e l) a imagem comercial das Autoras perante a Câmara Municipal de Rio Maior ficou diminuída (cfr. art.º 13.º da base instrutória);
q) Em virtude dos factos referidos em k) e l) e para alcançar as finalidades a que alude a parte final do escrito parcialmente reproduzido na alínea d) a 1ª A. despendeu e despenderá quantias concretamente não apuradas, tendo a 2ª A. despendido uma quantia consideravelmente inferior (cfr. art.º 12.º da base instrutória).

***
B) Substância do recurso:

1. - Da inadequada qualificação jurídica da relação contratual
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo, afastando-se da qualificação da relação contratual efectuada pelas partes (em sede de articulados), concluiu que do que se trata in casu é, afinal, de um contrato de empreitada – melhor, de subempreitada, pois que a dona da obra seria a empresa municipal –, em que a 1.ª A. (empreiteira) subempreitou à 2.ª A. e à 1.ª R., estas conjuntamente (subempreiteiras conjuntas), uma determinada obra (fornecimento e montagem, com garantia de desempenho/eficácia energético, de determinados equipamentos de aquecimento de águas para complexo de piscinas municipais).
Com efeito, como já visto, as AA. haviam alegado, em sede de articulados, que a 1.ª A. subcontratou a 2.ª A., que, por sua vez, adquiriu os 105 painéis solares à 2.ª R., com a 1.ª R. a emitir certificado de garantia de “performance” (art.ºs 6.º a 10.º da p. i.), sendo, todavia, que foi a 1.ª R. que forneceu esse conjunto de painéis através da 2.ª A. (art.º 12.º da p. i.), concluindo tais demandantes que foi celebrado e incumprido contrato de fornecimento de painéis solares entre a 2.ª A. e a 1.ª R. (fornecedora), na sequência da relação contratual estabelecida entre as AA., relação esta, por sua vez, decorrente da relação estabelecida entre a 1.ª A. e a Câmara Municipal de Rio Maior (art.ºs 39.º e 40.º da p. i.).
Também as RR. defenderam, na contestação, que foi celebrado contrato de fornecimento de painéis solares entre a 2.ª A. e a 1.ª R., com tal 2.ª A. a solicitar à 1.ª R. a realização de orçamento para fornecimento desses painéis.
Na sentença em crise, afastando a qualificação no âmbito de tal contrato de fornecimento (assimilável à compra e venda dos painéis), justificou-se assim a opção pela subempreitada com subempreiteiras conjuntas:
«… a 1ª A. efetua uma encomenda à 2ª A., cujo teor se encontra assente nas alíneas b) a d). Um dos anexos dessa encomenda é precisamente o anexo III e IV de fls. 52 a 81. Neste anexo, apresentado conjuntamente pela 2ª A. e 1ª R. (veja-se os logotipos de ambas a encimar cada uma das páginas da proposta) é apresentado um orçamento e uma proposta para o sistema solar térmico forçado Ariston de água quente sanitária e água quente para piscinas. É neste anexo que a 1ª R. declara que mediante a verificação de determinadas condições assegura que os 105 painéis que propõe vender contribuem com pelo menos 50% da energia calorífica consumida no aquecimento de águas dos duches e na manutenção de uma temperatura constante nos tanques das piscinas consumida no “Complexo de Piscinas de Rio Maior”.
O documento referido está longe de ser uma mera compra e venda. A 1ª R. vende os painéis, é certo, mas fá-lo na sequência de um estudo, maior ou menor, que a levaram à conclusão de reunidos determinados pressupostos poder obter determinado resultado com determinado produto que propõe vender.
E note-se que a 1ª R., ao contrário do que à primeira vista possa parecer, não apenas não se limitou a vender paineis, como ainda não o fez meramente à 2ª A.. Na verdade a 1ª R. e a 2ª A. unem-se para uma realidade contratual, pois juntas apresentam uma proposta de venda e de prestação de serviços (montar os paineis e obter uma eficácia energética), que apresentam à 1ª A. e que por esta é aceite.
Não há pois qualquer dúvida, quanto a nós, que a 1ª R. teve um relacionamento comercial com a 1ª A.. Foi para esta em concreto que dirigiu a sua declaração de cumprimento de fls. 78 (aliás determinante para a adjudicação da proposta e serviço proposto), e foi para esta que subscreveu conjuntamente com a 2ª A. o anexo III mencionado.
Note-se ainda que a encomenda apesar de formalmente dirigida apenas à 2ª A. está a ser dirigida a ambas (2ª A. e 1ª R.), pois foram ambas que se apresentaram perante a 1ª A. com uma proposta que foi aceite por esta.
Numa palavra, e havendo uma ausência de um contrato escrito que vinculasse as três partes (AA e 1ª R) existe o documento mencionado, encomenda de fls. 25 e seguintes, que quanto a nós claramente revela a relação contratual existente entre as três partes. Nunca foi pois apenas a 1ª A que tivesse negociado isoladamente com a 2ª A., e depois esta contratado a 1ª R., mas sim ambas (2ª A. e 1ª R.) que desde o primeiro momento se apresentam conjuntamente à 1ª A. e a proposta que apresentam é aceite por esta.
E isso significa que num lado do relacionamento contratual temos a 1ª A. que pede um serviço, e do outro lado temos a 2ª A. e a 1ª R. que o prestam.
(…) É que a proposta apresentada é bi-partida e é precisamente assente nessa repartição de funções de cada uma delas: 2ª A. e 1ª R. distribuem entre si o que se propõem fazer junto da 1ª A., e uma presta o serviço de montagem e instalação, e outra fornece o material necessário para o efeito, mas são uma só parte contratual, com uma proposta única. Estranho é, pois, que na presente ação não sejam ambas demandadas mas antes uma dessas partes se coligue com quem incumpriu também para demandar a outra. (…)
Em suma, estamos pois perante um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada (…).
2ª A. e 1ª R. comprometeram-se a montar, instalar e prover à manutenção do material necessário a obter uma eficácia energética de 50% dos consumos de água de balneários e piscinas. Conjuntamente foram partes contratuais numa empreitada com a 1ª A. (e rigor numa sub-empreitada, pois a primeira empreiteira foi aquela que contratou com a empresa municipal). A 1ª R. não se limitou a fornecer painéis, nem nenhuma das outras partes (ora AA) pretendia que o fizesse. Nunca qualquer uma das AA pretendeu adquirir simplesmente os painéis, mas sim os painéis em número e modelo que a 1ª R. propôs, na sequência de um estudo que fez para obter determinado resultado. E é quanto à vertente deste resultado que existe a diferença contratual entre uma mera compra e venda e uma prestação de serviços. (…) E as AA quiseram um resultado (uma eficácia energética de 50%) e não determinados painéis solares. Com vista à obtenção desse resultado é que os ditos painéis foram adquiridos (…).
E assim sendo cremos ter por assente que por um lado o enquadramento jurídico passa pela prestação de serviços/empreitada, e não pela compra e venda, e por outro lado, que ao contrário do alegado pela 1ª R., esta teve um relacionamento comercial com a 1ª A. precisamente por se ter unido com a 2ª A. para o prestar.
E quanto à 2ª R.? Do que se logrou provar salta à evidência que com esta nenhum relacionamento comercial existiu, nenhuma parte com esta contratou, tendo apenas a mercadoria vindo da Ariston em Espanha, mas não tendo sido nada contratado com esta.» (cfr. fls. 987 e segs.).
Quem não aplaude tal qualificação jurídica é a 1.ª R./Recorrente, que, inconformada, insiste que, não tendo qualquer das RR. sido parte no contrato de fls. 25 e seguintes dos autos, celebrado exclusivamente entre as duas AA., terá de considerar-se não produzir o mesmo quaisquer efeitos em relação às RR., não podendo ser invocado o seu incumprimento por qualquer destas e nada lhes podendo ser exigido com fundamento no mesmo, donde que, inexistindo qualquer relação contratual entre a 1.ª A. e qualquer das RR., devessem ter sido julgados totalmente improcedentes os pedidos deduzidos.
Que dizer?
Deve dizer-se, liminarmente, que não pode aderir-se ao explanado entendimento da 1.ª instância.
Em contrário a esse entendimento, que não encontra suporte na factualidade julgada provada pelo Tribunal recorrido – nesta parte, aliás, não impugnada –, temos, desde logo, o facto da al.ª b) da factualidade provada.
Com efeito, ali consta apurado que a 1.ª A. (empreiteira), dirigindo-se à 2.ª A., declarou a esta – não a outrem –, por escrito datado de 09 de Julho de 2010 (“ENCOMENDA”), formalizar a “Encomenda de Bens e Serviços especificados”, os aqui em causa, adjudicando os respectivos fornecimentos/trabalhos.
Para tanto, não há dúvidas – por provado (facto da al.ª e) da factualidade provada da sentença) – de ter a 2.ª A. adquirido os 105 painéis solares da marca “Ariston”, com vista à sua instalação, enquanto subempreiteira, no local da obra.
Ao adquiri-los, tal 2.ª A. tornou-se naturalmente proprietária desses painéis, já que é efeito automático da compra e venda a transmissão da propriedade da coisa vendida para o comprador (art.ºs 874.º e 879.º, al.ª a), ambos do CCiv.).
Por isso, aquando da sua instalação, esses painéis, pertencendo à 2.ª A. ([4]), já não pertenciam à R. vendedora, o que se concilia com a qualificação jurídica convocada pelas partes nos autos, no sentido de ter sido celebrado contrato de fornecimento de painéis solares entre a 2.ª A. e a 1.ª R. (fornecedora).
Na sentença em crise admite-se que a 1.ª A. efetuou uma encomenda à 2.ª A., com o que estamos de acordo, para logo depois se defender, todavia, que um dos anexos da encomenda é o anexo III e IV de fls. 52 a 81, anexo esse apresentado conjuntamente pela 2.ª A. e 1.ª R., atentos os logotipos de ambas a encimar cada uma das páginas da proposta.
Ora, compulsada a documentação em causa, logo se constata que não se trata de um anexo, mas de dois anexos, o primeiro deles – “ANEXO III” – constando de fls. 52 a 77 e o outro – “ANEXO IV” – junto a fls. 78 a 81.
E, quanto ao anexo III, logo se constata de fls. 53 que é a sociedade ali identificada (a 2.ª A., “R..., Ld.ª”) que formula/apresenta “Orçamento de Sistema Solar Térmico Forçado ARISTON de Água Quente Sanitária e Água Quente para piscinas por via Solar” para a 1.ª A. (“T...”), intitulado «Projecto “Piscinas Municipais de Rio Maior” (pág. 1 de 25 desse orçamento).
Ora, não se vê que tal orçamento (constituindo o dito anexo III) esteja subscrito por qualquer das RR., mormente a 1.ª R./Apelante, nem sequer o estando pela 2.ª A. (cfr. fls. 75, correspondente à pág. 23 do mesmo orçamento).
Porém, seguro é que tal orçamento se reporta a “empreitada” em que quem surge como parte é a 2.ª A. R..., a qual – e só ela – se reserva “o direito de substituir equipamentos equivalentes ou superiores …”, consignando ainda que “As condições de pagamento são acordadas por ambas as partes na adjudicação da empreitada”, sem qualquer menção, pois, a alguma das RR. como parte (cfr. ainda fls. 75).
Também parece errónea – salvo o devido respeito – a conclusão de que, ostentando o orçamento aludido os logotipos da 2.ª A. e da 1.ª R. a encimar cada uma das suas páginas, o mesmo só pode ter sido apresentado conjuntamente por aquelas 2.ª A. e 1.ª R..
É que o logotipo “ARISTON”, visível no canto superior direito de cada uma das páginas desse orçamento, não contém a identificação de qualquer das RR., cuja firma ali não vem mencionada, antes parecendo que esse logotipo se reportará à marca dos produtos (painéis) tidos em vista.
Seguro é que a identificação/firma e a indicação da sede e contacto da 1.ª R. – ao contrário das da 2.ª A. (cfr. rodapé) – não constam nas ditas páginas do orçamento.
Donde que a mera inclusão, em canto, daquele logotipo (consentâneo com a referência a uma marca de produtos, desde logo os painéis em questão) nas diversas páginas do orçamento elaborado pela 2.ª A. ([5]), não permita concluir pela vinculação contratual da 1.ª R., nem, do mesmo modo, da 2.ª R., em termos de contrato de subempreitada, perante a 1.ª A. (empreiteira).
Diverso é o dito anexo IV, esse, sim, encimado, em cada página, pelo logotipo “ARISTON THERMO GROUP” e com identificação da firma da 1.ª R. em rodapé, bem como indicação de sede e contacto (cfr. fls. 79 e segs.), sem esquecer que se mostra assinado, no final, como visível a fls. 81.
Ora, tal anexo, contendo declaração/garantia referente aos ditos 105 painéis solares, não pode, obviamente, ser desligado do contrato a que se reporta, o da venda, antes referida, desses painéis, venda essa, indiscutivelmente, à 2.ª A., e só a ela.
Assim, a garantia acompanha a compra e venda dos painéis, não podendo da sua inclusão pela 1.ª A. como anexo à sua encomenda/proposta dirigida à 2.ª A., no âmbito da subempreitada, extrair-se uma vinculação da 1.ª R. (vendedora) como subempreiteira.
Falta, pois, o vínculo contratual – de subempreitada – entre 1.ª A. e 1.ª R..
A subempreitada tem, pois, como partes, as AA., mas não qualquer das RR., sendo a 1.ª R. apenas vendedora à 2.ª A. (subempreiteira), inserindo-se a garantia prestada no âmbito da compra e venda, muito embora a aquisição dos painéis esteja funcionalizada ao cumprimento da subempreitada.
Assim sendo, a vendedora (1.ª R.) nada contratou com a empreiteira (1.ª A.), mas apenas com a 2.ª A. (subempreiteira), a esta última, como sua contraparte contratual, prestando a dita garantia de desempenho energético, quanto aos painéis que lhe vendeu.
É claro que a prestação da garantia supõe um prévio estudo quanto ao equipamento objecto da compra e venda, mas daí não pode retirar-se, naturalmente, que, para além dessa compra e venda, a vendedora quis ainda vincular-se num contrato de subempreitada, destinado à instalação do equipamento vendido, em que era subempreiteira a sociedade que lhe adquiriu o mesmo equipamento.
Com efeito, tendo sido dado como provado que a 1.ª R. efectuou um estudo, pelo qual calculou em 105 o número de painéis solares necessários (cfr. al.ª h) dos factos da sentença), e o indicou à contraparte na compra e venda (fornecimento), nada nos mostra que esse estudo tenha sido realizado a solicitação da 1.ª A., para esta e a pagar por esta ([6]).
Não se vê, pois, como possa fundadamente concluir-se que a 1.ª R. e a 2.ª A., respectivamente vendedora e compradora dos painéis, se uniram para uma outra realidade contratual, a da subempreitada, não podendo dizer-se que juntas apresentaram proposta de venda e de prestação de serviços à 1.ª A..
Em suma, a qualificação jurídica das relações contratuais em discussão passa, a nosso ver – e salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento –, pela existência, contrariamente ao defendido na sentença recorrida, de dois diversos contratos: um, de subempreitada, entre 1.ª A. (empreiteira) e 2.ª A. (subempreiteira); outro, de compra e venda, entre 2.ª A. (compradora) e 1.ª R. (vendedora), destinando-se o equipamento vendido à execução da obra objecto da subempreitada.
Donde que inexista relação contratual (de subempreitada) entre 1.ª A. e 1.ª R., assim assistindo razão nesta parte à argumentação da Apelante.
 
2. - Da não vinculação contratual da 1.ª R./Recorrente e manifesta procedência da apelação
Como resulta do exposto, nenhum contrato a 1.ª R. celebrou com a 1.ª A., designadamente de subempreitada, já que aquela apenas se vinculou perante a 2.ª A. e em contrato de compra e venda (fornecimento), acompanhado de garantia de desempenho energético dos painéis vendidos.
Ora, se nada contratou com a 1.ª A., a 1.ª R. em não se obrigou para com ela em sede de empreitada, inexistindo vínculo e decorrente ilícito contratual face a tal demandante/empreiteira.
Qualquer eventual ilícito contratual (mora, incumprimento definitivo, impossibilidade culposa de cumprimento ou cumprimento defeituoso) teria de se consubstanciar perante a contraparte no contrato por si celebrado, a 2.ª A., logo, no âmbito do vínculo de compra, e não perante terceiros (art.º 406.º, n.º 2, do CCiv.).
Daí que não haja suporte jurídico para condenar a 1.ª R. perante a 1.ª A., por ilícito contratual, já que com esta nada contratou, pelo que perante ela se não vinculou, mormente em sede de subempreitada.
Os danos da 1.ª A., a existirem, resultarão do contrato de subempreitada, no qual a 1.ª R., porém, não é parte, pelo que nesse âmbito não lhe cabia qualquer obrigação contratual que pudesse ter incumprido.
A haver incumprimento contratual em sede de subempreitada, que fosse imputável ao subempreiteiro, por vícios na execução da obra contratada, a responsabilidade contratual, no domínio indemnizatório, haveria de caber a tal subempreiteiro, a 2.ª A., que foi quem se obrigou a executar a obra sem defeitos.
Daí que não possa a 1.ª R./Apelante ser condenada a indemnizar a empreiteira (1.ª A.) nos moldes definidos na sentença (por vinculação no contrato de subempreitada e seu incumprimento).
Seja quanto ao dano patrimonial dessa empreiteira, referente às despesas de reparação da obra executada, em que tal R. não foi subempreiteira, mas apenas vendedora, à subempreiteira, de equipamento a incorporar na obra, com garantia de desempenho do mesmo, prestada à adquirente e subempreiteira.
Ou seja quanto ao dano não patrimonial, sempre por ilícito contratual, da mesma empreiteira, referente à ofensa ao seu bom nome, posto que o eventual incumprimento gerador de tal dano nunca poderia ser imputável a quem em nada se obrigou contratualmente para com a empreiteira lesada.
É certo que a 1.ª R. se obrigou contratualmente, isso sim, para com a 2.ª A., que também formulou o pedido indemnizatório dos autos, em formulação conjunta com a 1.ª A., podendo colocar-se a questão da existência do peticionado direito indemnizatório a favor dessa 2.ª A..
Acontece, contudo, que na sentença proferida, de que não recorreu esta 2.ª A., embora aquela lhe fosse desfavorável – pois que corresponde à total absolvição de ambas as RR. face a tal 2.ª demandante –, foi decidido que nenhum direito indemnizatório lhe assiste, concluindo-se até pela existência de responsabilidade sua pelo cumprimento defeituoso da subempreitada, o que levou a que no dispositivo se possa ver (cfr. fls. 998 e seg.) a menção de ser esta A. (apesar de demandante e de nada contra si ter sido pedido) responsável solidária pelo pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Ora, não tendo a 2.ª A., como dito, recorrido da sentença na parte em que lhe era desfavorável – desde logo, o não reconhecimento do seu peticionado direito indemnizatório –, só pode concluir-se que tal sentença, na parte absolutória, transitou em julgado, formando, pois, caso julgado quanto à improcedência do seu pedido indemnizatório.
Donde que não caiba na economia desta apelação qualquer incursão quanto ao direito indemnizatório reclamado na acção por tal 2.ª demandante (não recorrente), que se conformou com o segmento absolutório da decisão proferida (cfr. art.ºs 634.º e 636.º, ambos a contrario, do NCPCiv.).
A entender-se – no concernente à 1.ª A. – constituir a garantia de desempenho prestada pela 1.ª R. verdadeira garantia de bom funcionamento (art.º 921.º do CCiv.), extensível a terceiros (sub-adquirentes, incluindo o empreiteiro e o dono da obra, nenhum deles adquirente imediato do vendedor garante), no caso à aqui empreiteira (que responde perante o dono da obra pelos defeitos desta), por tal garantia acompanhar a coisa apesar das suas subsequentes transmissões ([7]), nem por isso a apelação poderá proceder.
É que, embora na sentença recorrida se tenha concluído pela existência de recusa da 1.ª R. em reparar (leia-se, alcançar o desempenho garantido), os factos dados como provados – mesmo sem contar com a impugnação recursória da decisão de facto – não são suficientes, a nosso ver, para mostrar tal recusa.
A existência do vício (em sede de regime jurídico da venda de coisas defeituosas, pois que é de contrato de compra e venda que se trata) sempre obrigaria a reclamação, com o direito (do comprador) de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, sendo necessário e possível, a sua substituição (cfr. art.ºs 914.º e, do mesmo modo, 921.º, ambos do CCiv.).
E, se ainda é possível ver nos factos considerados pela sentença actos tendentes à reclamação/denúncia do pretendido defeito à luz do garantido com vista à realização integral do fim a que a coisa vendida era destinada, não se descortina ali qualquer formulação de exigência concreta de reparação a que houvesse sido apresentada correspondente recusa pela 1.ª R..
Com efeito, nenhuma das AA. apresentou exigência sua de reparação, apenas dando conhecimento que a Câmara Municipal de Rio Maior pretendia que os objectivos de desempenho garantidos fossem alcançados.
Assim, se a Câmara Municipal de Rio Maior nada reclamou/denunciou perante aquela 1.ª R., as AA. também, por sua vez, não exigiram dessa R. qualquer concreta reparação a que esta respondesse com a recusa em reparar.
As AA. aludiam na acção a situação de impossibilidade de cumprimento, mas não se vê que não fosse possível o cumprimento pela dita R., nada resultando dos factos considerados na sentença no sentido dessa objectiva impossibilidade (diversa da recusa).
Por sua vez, inexistindo recusa expressa de prestação reparatória, também não se vê que ocorresse mais do que simples demora na reparação ou cumprimento defeituoso ainda passível de solução ([8]), já que não se descortina qualquer interpelação admonitória não satisfeita nem perda de interesse na prestação ou sequer excessivo atraso na adopção do comportamento devido ([9]), para o que inexistem factos bastantes (parte significativa da factualidade alegada nesta matéria pelas AA. não consta dos factos dados como provados na sentença).
Assim sendo, também se nos afigura prematura a “reparação” por outrem, com acrescento de 220 novos painéis, em substituição da 1.ª R., para depois dela se exigir judicialmente a respectiva indemnização, desde logo pelos custos desse acrescento/reparação ([10]).
Com efeito, na venda de coisas defeituosas com bom funcionamento garantido ao vendedor cabe reparar ou substituir a coisa defeituosa (art.º 921.º do CCiv.).
Donde que fosse de exigir tal reparação ou, se necessário, substituição – no caso nem se tratava de uma nem de outra, mas de significativo aumento do número de painéis solares, com os inerentes custos – em vez de se partir, sem fixação de qualquer prazo para efeito reparatório, para o pedido indemnizatório face a reparação (o acrescento) por outrem, sem demonstração de concreta recusa do vendedor em reparar, não bastando para ilustrar tal recusa a denúncia e a posterior “reparação” unilateral pelo comprador ou por terceiro.
Na sentença entendeu-se que se tratava de situação de urgência, como tal legitimadora da substituição da devedora por outrem no cumprimento integral.
Porém, não se tratando de paralisação – impossibilidade de utilização – do complexo de piscinas intervencionado, mas apenas da manutenção de consumos energéticos superiores aos pretendidos, com os inerentes custos económicos (embora inferiores aos iniciais, pois que já estavam em funcionamento os 105 painéis aplicados), não se vê que existisse situação de urgência que legitimasse a substituição por outrem no cumprimento sem defeitos (“reparação”, através da adição de novos 220 painéis), antes sendo de optar – em vez da acção directa – por accionar judicialmente a devedora para o cumprimento integral em conformidade com a garantia prestada (cfr. art.º 921.º, n,º 1, do CCiv.) ([11]).
Em suma, é manifesta, salvo o devido respeito, a procedência da apelação, havendo o segmento condenatório da decisão recorrida – o único objecto de recurso – de ser revogado, com a decorrente total absolvição também da 1.ª R./Apelante.
Com o que ficam prejudicadas todas as demais questões recursórias enunciadas.

                                               ***

IV – Sumariando (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - Sendo efeito da compra e venda a transmissão da propriedade da coisa vendida (art.ºs 874.º e 879.º, al.ª a), ambos do CCiv.), o subempreiteiro que adquire equipamentos para incorporação na obra a seu cargo – no caso, 105 painéis solares, para instalação em complexo de piscinas – torna-se, por efeito da respectiva compra e venda, proprietário dos bens (art.ºs 1210.º, n.º 1, e 1213.º, ambos do CCiv.), sem prejuízo da subsequente transferência da propriedade para o dono da obra (art.º 1212.º do CCiv.).
2. - O vendedor desses bens limita-se a transmitir a propriedade sobre os mesmos, não passando, por isso, a subempreiteiro ao lado do seu adquirente, não se vinculando contratualmente perante o empreiteiro.
3. - Mesmo que preste garantia de desempenho quanto aos bens vendidos, para o efeito de aplicação na obra, a garantia do vendedor aplica-se ao contrato de compra e venda, não fazendo dele um subempreiteiro.
4. - Em tal caso, em vez de um contrato de subempreitada com dois subempreiteiros, temos dois contratos típicos, um de subempreitada e outro de compra e venda, só neste último se vinculando o vendedor.
5. - Qualquer ilícito contratual do vendedor, designadamente tendo em conta a garantia prestada ao adquirente, teria de se consubstanciar, desde logo, perante a contraparte no contrato celebrado.
6. - Na venda de coisa defeituosa com bom funcionamento garantido, ao vendedor cabe reparar ou substituir a coisa com defeito de funcionamento (art.º 921.º do CCiv.).
7. - Por isso, detectado o defeito, cabe à parte lesada exigir ao vendedor a adequada reparação ou, se necessário, substituição, em vez de partir, sem fixação de prazo final para efeito reparatório, para a reparação por terceiro e decorrente acção indemnizatória pelos respectivos custos.
8. - Não ocorrendo paralisação – impossibilidade de utilização – do complexo de piscinas intervencionado, mas apenas a manutenção de consumos energéticos superiores aos pretendidos, com os inerentes custos económicos, inexiste situação de urgência legitimadora da substituição por terceiro no cumprimento sem defeitos (acção directa).

                                                           ***
V – Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando, in totum, o segmento condenatório da sentença recorrida, com a consequente absolvição da 1.ª R. dos pedidos contra si formulados.
Custas da acção pelas AA. e da apelação a cargo da 1.ª A./Apelada.

Escrito e revisto pelo relator
Elaborado em computador


Lisboa, 19/03/2015

José Vítor dos Santos Amaral (Relator)
Regina Almeida (1.ª Adjunta)                                             
Maria Manuela Gomes (2.ª Adjunta)


   ([1]) Embora não se descortine nos autos despacho sobre este requerimento (cfr. também a informação de fls. 1164, na sequência do despacho de fls. 1159 e seg.), nenhum vício foi invocado nesta matéria, sendo claro que se não trata de questão de conhecimento oficioso do Tribunal (cfr. art.ºs 195.º, n.º 1, e 196.º, do NCPCiv., tal como, anteriormente, os art.ºs 201.º e seg. do CPCiv. revogado).  
   ([2]) Processo instaurado após 01/01/2008, mas antes de 01/09/2013 e decisão recorrida posterior a esta data (cfr. sentença de fls. 970 a 999 dos autos em suporte de papel, bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, este por argumento de maioria de razão, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16, Autor que refere que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados anteriormente, mas não anteriores a 01/01/2008, se segue integralmente, em matéria recursória, o regime do NCPCiv.).
([3]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão de questão anterior.
([4]) Sem prejuízo da subsequente transferência da propriedade para o dono da obra, nos termos do disposto no art.º 1212.º do CCiv..
([5]) A al.ª c) dos factos provados da sentença é bem clara no sentido de ter sido a 2.ª A. (“R...”) a declarar o que consta do anexo III, mormente quanto aos trabalhos de instalação a seu cargo.
 ([6]) Se a realização do estudo tivesse sido contratada com a 1.ª A. (sob solicitação dela e a pagar por ela) certamente que esse estudo, em vez de ser facultado, como foi, à 2.ª A., para aquisição por esta do número adequado de painéis solares tendo em vista o objectivo prosseguido com a realização da obra, seria logo entregue à 1.ª A. pela 1.ª R..
([7]) Esclarece Luís de Menezes Leitão – cfr. Direito das Obrigações, vol. III, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 131 – que a “garantia de bom funcionamento implica o assegurar pelo vendedor de determinados requisitos que a coisa deve possuir em ordem a garantir o seu adequado funcionamento, aproximando-se por isso da garantia contra vícios da coisa”.
([8]) Já nas conclusões da sua contra-alegação recursória vem a 1.ª A./Apelada afirmar que ocorreu transformação do cumprimento defeituoso em incumprimento definitivo, já que a R./Apelante, após formalmente interpelada, deixou de responder a toda e qualquer tentativa de contacto levada a cabo pela Apelada, traduzindo recusa de cumprimento (cfr. conclusão 11.ª), perante o que se viu a Apelada obrigada a garantir, ela própria, o cumprimento perfeito da obrigação da devedora segundo a garantia oferecida (conclusão 12.ª). Acontece, porém, que esse circunstancialismo – recusa, após formal interpelação, a dar qualquer resposta às tentativas de contacto – não vem provado.
([9]) Como refere Luís de Menezes Leitão, “sendo a obrigação de reparação ou substituição uma obrigação como outra qualquer (art. 397.º), naturalmente que o vendedor estará sujeito, nos termos gerais à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento (arts. 798 e ss.), impossibilidade culposa (arts. 801.º e ss.) ou mora no cumprimento (arts. 804.º e ss.).” – cfr. op. cit., p. 123.  
([10]) A situação para que aponta a Apelada traduziria, se bem vemos, um eventual erro de cálculo da Apelante quanto ao número de painéis necessários para o efeito pretendido, tendo esta calculado e vendido como bastantes 105 painéis solares, vindo depois a constatar-se serem os mesmos insuficientes, levando ao dito (enorme) acrescento de 220 novos painéis, com os inerentes custos, sendo que, de si, os 105 vendidos funcionariam normalmente (o deficit derivaria da insuficiência numérica do conjunto), quadro este em que, independentemente de se tratar de venda de coisa defeituosa ou de cumprimento defeituoso do contrato, sempre pareceria excessivo pretender fundar em tal erro de cálculo a obrigação de indemnizar medida pelos custos dos aditados 220 painéis e tudo o necessário para a respectiva instalação e início de funcionamento.
([11]) Vide, sobre matéria similar, o Ac. STJ, de 19/04/2012, Proc. 453/06.3TBSLV.E1.S1 (Cons. Ana Paula Boularot), em www.dgsi.pt. Neste aresto enfatiza-se que “… a acção directa em defesa de um direito só é legalmente admissível, nos termos do artigo 336º do CCivil, quando for indispensável, aferindo-se esta indispensabilidade por uma concomitante situação de impossibilidade de, em tempo útil, o seu titular não poder recorrer aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito”, citando, “neste sentido e quanto à necessidade de expressa alegação e prova daqueles elementos factuais os Ac STJ de 7 de Julho de 2010 (Relator Ferreira de Almeida) e de 14 de Junho de 2011 (Relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.”.