Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1920/16.6T8FNC.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: UNIÃO DE FACTO
MÚTUO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–Numa união de facto, a comparticipação de um dos seus membros para a aquisição de um veículo pelo outro pode vir a implicar por parte deste um enriquecimento sem causa por prestação.
II–Na medida em que a restituição da prestação por posterior desaparecimento da causa (“condictio ob causam finitam”), pressupõe a existência de uma causa jurídica para essa prestação - que no casamento se analisa na obrigação de contribuir para os encargos da vida em comum - a restituição a que dê lugar um enriquecimento por prestação numa união de facto não se pode subsumir à “condictio ob causam finitam”, mas à restituição da prestação por não verificação do efeito pretendido (“condictio ob rem”).
III–Na situação dos autos está em causa uma condicio ob rem na variante da realização de uma prestação para determinar alguém à prática de determinado acto.
IV–Nesta variante, o resultado visado com a prestação tem que corresponder a um comportamento da outra parte, cuja realização se esperava quando se verificou a prestação, mas sem que esta parte se tenha vinculado a esse comportamento ou porque o não queira, ou porque o não possa.
V–Essencial na “conditio ob rem” é, de todo o modo, que tenha havido acordo das partes sobre o fim da prestação.
VI–Para a existência desse acordo basta que o receptor da prestação conheça a definição do fim efectuado pelo prestante e dê a entender, pela sua aceitação, que aprova essa definição.
VII–Na situação dos autos o autor prestante terá configurado como fim da prestação a manutenção da relação de união de facto, mas não alegou que esse fim tivesse sido comum à ré aquando da referida prestação.
VI–Tendo ficado por se saber se esse fim foi comum à ré., tem de se concluir que o autor não logrou fazer a prova da causa de enriquecimento, cujo ónus lhe competia, pelo que a acção improcede.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I–D ..., interpôs contra M ..., acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia mutuada em dívida, no montante de € 19.677,00, acrescida de juros legais de mora contados desde a notificação, vencidos e vincendos, sendo aqueles no montante de € 107,81 e, a título subsidiário, caso não proceda o pedido anterior, seja a mesma condenada a restituir-lhe, a título de enriquecimento sem causa, o montante de € 19.677,00.

Alegou para o efeito, e em síntese, que são ambos pais de gémeos nascidos em 1/5/2010 e que, alguns meses após o nascimento dos filhos, concedeu à R. um mútuo, com gratuidade de juros, no montante de € 21.500,00, valor que esta pretendia para adquirir uma viatura marca Hyundai. Para esse efeito, entregou-lhe em 4/10/2010 dois cheques sobre conta sua, que vieram a ser descontados. Com essa quantia e com a de € 3.681,00 correspondente a um veículo “usado” que o concessionário automóvel recebeu em retoma, adquiriu a R. em 08/11/2010 o referido veiculo que inscreveu na sua propriedade. Acordaram A. e R. que o capital do empréstimo seria amortizado em prestações mensais variáveis, conforme as possibilidades financeiras da R., sendo que esta, no período de 21/10/2010 a 04/07/2013, procedeu a amortizações do capital mutuado, tendo pago ao A. em diversas prestações, o montante total de € 1.823,00, nada mais lhe tendo pago desde 04/07/2013, não obstante as suas sucessivas insistências. Explica que atenta a especial relação de confiança que existia entre as partes, decorrente do facto de terem dois filhos em comum, a R. não assinou documento a titular o contrato de mútuo e, por isso, «se vier a invocar a invalidade do contrato de mútuo, por falta de forma (art. 1143.º do C.C.), por cautela de patrocínio, a título subsidiário», acrescenta que viu empobrecido o seu património e a R. o viu enriquecido com a aquisição de um veículo novo, mais referindo que sendo certo que «as partes ora litigantes têm dois filhos comuns mas esta deslocação patrimonial nada tem a ver com as despesas normais e correntes próprias da qualidade de progenitores, ou com interesses comuns destes», pois que «o transporte dos filhos era perfeitamente assegurado pela R. se fosse necessário, com o veículo marca Nissan, modelo Micra, que a mesma deu para retoma na aquisição do Hyundai», sendo que a aquisição deste se deve exclusivamente à vontade e decisão desta em ter um carro maior,  tem que se concluir que existe uma ausência de causa da deslocação patrimonial operada entre A. e R.

A R. contestou, defendendo-se por impugnação, sustentando que o A. não lhe emprestou qualquer quantia, antes tendo decidido oferecer-lhe um veículo automóvel, o que fez, após escolher o mesmo.

Foi realizada audiência prévia.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido.

II–Do assim decidido, apelou o A. que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo:
A)-Ficou provado nos autos que o Autor concedeu à Ré, em outubro de 2010, um mútuo no montante de 21.500 euros.
B)-Ficou também provado que devido à especial relação de confiança que existia entre as partes, decorrente do facto de terem dois filhos em comum, a Ré não assinou documento a titular o referido empréstimo.
C)-O artigo 473.º, n.º 2, do Cód. Civil, refere, como hipótese de enriquecimento, a causa finita.
D)-“Tudo o que tenha sido prestado, no contexto de uma união de facto, deve ser restituído, quando esta acabe, caso venha a provocar um enriquecimento de um dos ex-parceiros, à custa do outro”, ensina Menezes Cordeiro.
E)-Verifica-se enriquecimento sem causa quando uma aquisição por um membro da união ocorreu com proveito comum dos dois, numa economia comum de facto.
F)-Verifica-se um enriquecimento patrimonial da Ré à custa do Autor, por aquela ter obtido uma situação de vantagem patrimonial com meios e instrumentos deste.
G)-A figura das obrigações naturais pode emergir de uma situação de união de facto mas não fica preenchida com a contribuição para um carro novo, não indispensável ao transporte dos conviventes.
H)-O montante de 21.500 euros não tem a natureza de despesas normais e correntes ou contribuição indispensável aos encargos do funcionamento da vida em comum das partes.
I)-A Ré adquiriu o 42-    - por compra, conforme a fatura n.º T10001360, de 08/11/2010.
J)-A Ré declarou que adquiriu o 42-  - por “Contrato verbal de compra e venda” com um concessionário, e não por doação.
K-Finda a relação das partes, e olhando para trás, ficou provada a falta de causa justificativa para a atribuição patrimonial.
L)-A lei vigente não estabelece presunção de intenção de doação entre conviventes.
M)-Materialmente o casamento pressupõe que entre duas pessoas haja a vontade de uma “plena comunhão de vida”. Na união de facto, a vontade de duas pessoas viverem juntas.
N)-A solução jurisprudencial propugnada na sentença recorrida leva a que, no regime da união de facto, em que as partes não quiseram, a priori, partilhar património, em caso de cessação da união, o membro que contribuiu com valores avultados não enquadrados em contribuições ou obrigações naturais dos conviventes, seja privado totalmente dos valores que deslocou para o outro membro.
O)-Ao decidir de outro modo, o aresto recorrido violou o n.º 2 do art. 473.º do Cód. Civil, o n.º 2 do art. 1676.º do mesmo código quando interpretado no sentido que é de aplicação às uniões de facto, bem como o art. 3.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.

A R. apresentou contra alegações nelas defendendo o decidido.

III–O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1.-Autor e Ré são pais de um casal de gémeos: B….. e I….., nascidos ambos em 1 de maio de 2010.
2.-O A. entregou à R. em 4 de Outubro de 2010 dois cheques sacados sobre a sua conta n.º 266095880009 sediada no Banco …….
3.-O primeiro cheque com o n.º 8800934535, no valor de € 10.000,00, foi integralmente preenchido pelo Autor e apresentado a pagamento pela empresa Auto … nesse mesmo dia 4 de Outubro de 2010, tendo os respectivos fundos sido debitados no dia 6 de Outubro de 2010.
4.-O segundo cheque com o n.º 4100934551, no valor de € 11.500,00, apenas foi assinado pelo Autor e preenchido à ordem de Auto…. Comércio de Automóveis, Lda, tendo aquele autorizado a Ré ou alguém a seu mando a proceder ao restante preenchimento.
5.-O segundo cheque foi preenchido com data de 4 de Outubro de 2010 e os respetivos fundos debitados da conta bancária do Autor no dia 8 de Novembro de 2010.
6.-A quantia de € 21.500,00 juntamente com a quantia de € 3.681,00 correspondente a um veículo “usado” que a R. entregou e que o concessionário automóvel recebeu em retoma, foi utilizada para pagamento do veículo automóvel ligeiro de passageiro marca Hyundai, modelo I30 CW, cor cinzento claro, matrícula 42-    -, à sociedade comercial “Auto-…. Comércio de Automóveis, Lda”, pelo preço de € 25.181,08.
7.-O direito de propriedade sobre o veículo Hyundai 42-    - está inscrito a favor da R. desde em 26/11/2010.
8.-Actualmente, é a Ré quem possui e conduz o veículo de matrícula 42-    -.
9.-O A. enviou à R. uma carta  datada de 25.01.2015 e recebida em 26.01.2015, da qual consta que “Serve a presente para solicitar o pagamento da dívida de V.Exa no montante de 19.677,00 (dezanove mil seiscentos e setenta e sete euros) no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da data da recepção da presente interpelação (…)”.
10.-A entrega dos cheques não teve relação com as despesas correntes próprias da qualidade de progenitores.
11.-O transporte dos filhos podia ser assegurado pela Ré, se fosse necessário, com o veículo marca Nissan, modelo Micra, cor vermelho, matrícula 99-  - .
12.-O pai da Ré, enquanto amigo do proprietário da empresa concessionária da Hyundai, obteve um desconto no preço do veículo Hyundai 42-    -, no valor de 1652,17 euros.
13.-A R. transferiu para uma conta bancária do A. as seguintes quantias:
a)250 euros em 21.10.2010;
b)132 euros em 22.10.2010;
c)300 euros em 01.02.2011;
d)200 euros em 29.04.2011;
e)215 euros em 12.04.2012;
f)550 euros em 30.10.2012;
g)176 euros em 04.07.2013.
14.-Em 31.10.2010, o A. transferiu 550 euros para a conta bancária da R..
15.-A transferência referida em 13, g) foi efectuada com vista ao pagamento da revisão do veículo Hyundai 42-    - adiantado pelo Autor em 28.06.2013.
16.-Entre data não concretamente apurada do ano de 2010 e Junho de 2014, A. e R. viveram juntos.

E julgou não provados, os seguintes:
A.-Autor e Ré acordaram que a quantia de 21.500 euros seria restituída ao A. em prestações mensais variáveis, sem juros, conforme as possibilidades financeiras da Ré.
B.-A Ré, no período de 21/10/2010 a 04/07/2013, procedeu a amortizações da quantia de 21.500 euros, tendo pago ao Autor diversas prestações, no montante total de € 1.823,00.
C.-Atento a especial relação de confiança que existia entre as partes, decorrente do facto de terem dois filhos em comum, a ora Ré, não assinou documento a titular o empréstimo da quantia de 21.500 euros.
D.-A aquisição do veículo marca Hyundai, modelo I30 CW, matrícula 42- -, pela Ré, deve-se exclusivamente à vontade e decisão desta em ter um carro maior, mais espaçoso, mais potente, mais bonito e mais “vistoso”.

IV–Das conclusões do recurso emerge como questão a apreciar, a de saber se  dos factos que se provaram resulta que a acção, ao contrário do que foi decidido na 1ª instância, deveria ter procedido em função do invocado enriquecimento sem causa.

Apenas esta questão vem colocada nas conclusões da apelação e não a da impugnação da decisão da matéria de facto – questão, a que, não obstante, o apelante dedicou no corpo das alegações algum desenvolvimento.
Como é sabido, o objecto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões. Dispõe o art 636º/4 do CPC que «nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso». A propósito do que refere Amâncio Ferreira [1]Em dois actos processuais, pode o recorrente, visado com uma pluralidade de decisões desfavoráveis, restringir o objecto do recurso: no requerimento de interposição e nas conclusões da alegação. E tal pode ocorrer tanto de forma expressa como tácita (…)».
Abrantes Geraldes comenta a referida norma, salientando[2]: «Em resultado do que consta do art 639º, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem  e exercem uma função semelhante  à do pedido na petição inicial ou à das excepções na contestação. Salvo quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal».

Nem se diga, no referente à concreta situação dos autos, que da circunstância do apelante iniciar as conclusões das alegações expressando - contra todas as evidências decorrentes da elencagem da matéria de facto na sentença -  que “ficou provado nos autos que o Autor concedeu à Ré, em Outubro de 2010, um mútuo no montante de 21.500 euros” (conclusão A), e “ficou também provado que devido à especial relação de confiança que existia entre as partes, decorrente do facto de terem dois filhos em comum, a Ré não assinou documento a titular o referido empréstimo (conclusão B), decorreria estar a revelar com estas proposições, ainda que de modo implícito, a vontade de obter a reapreciação dos factos correspondentemente tidos na 1ª instância como não provados- isto é, o facto A e C da matéria de facto não provada.
As exigências de que o art 640º CPC faz rodear a impugnação da decisão da matéria de facto, constituindo-as em onús para o impugnante – cfr parte final do proémio do nº 1 dessa norma - não se compadecem com o procedimento acima referido, pois que, em rigor, as conclusões – cuja função já acima foi evidenciada – não contêm qualquer indicação, ainda que remissiva, para ao corpo das alegações, sobre os pontos de facto que o apelante considera incorrectamente julgados - al a) do nº 1 da referida norma – menos ainda qualquer especificação referente aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que imporiam decisão diversa sobre aqueles pontos, ainda que feita, também ela, por remissão para o corpo alegatório – al b) do nº 1 da mesma norma – e só de modo subentendido e com boa vontade se pode considerar constar das conclusões a decisão que no entender do apelante deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – al c) do nº1 da mesma norma.
Não obstante este entendimento e prevenindo outros, porventura, menos exigentes, atenta a simplicidade dos factos alegados e a da prova envolvida, não se deixará de se reapreciar a prova no que se reporta àqueles dois factos, rejeitando-se, no entanto, a reapreciação de outra matéria de facto a cuja impugnação o apelante faz referência no corpo alegatório mas que  não colheu a mínima expressão nas conclusões das alegações.

Deste modo, estará em causa saber se a prova produzida implicaria que se desse como provado que, «Autor e Ré acordaram que a quantia de 21.500 euros seria restituída ao A. em prestações mensais variáveis, sem juros, conforme as possibilidades financeiras da Ré», e que, «atenta a especial relação de confiança que existia entre as partes, decorrente do facto de terem dois filhos em comum, a ora Ré, não assinou documento a titular o empréstimo da quantia de 21.500 euros».
Em resumo, trata-se de saber se reapreciada a prova, mesma é de molde a que se conclua que o A. emprestou à R a quantia de 21.500 €.
Reproduzem-se aqui as considerações do tribunal a quo em função das quais o mesmo justificou a não prova dos factos em causa, o que se faz, porque, na medida em que a mera audição dos testemunhos o permite, se concorda com as percepções e convicção daquele tribunal a respeito da credibilidade de cada um deles. Assim:
«O Tribunal fundou a sua convicção nas regras de ónus de alegação e prova e na análise crítica e conjugada dos meios de prova documental juntos aos autos e na posição das partes assumidas nos articulados os quais foram todos conjugados, confrontados e entrecruzados entre si, buscando-se os seus pontos de concludência, coerência e de consistência, de acordo com o raciocínio que seguidamente se aduz.
O Tribunal atendeu, em especial (…):
C) às declarações de parte da R., a qual, descreveu, em suma, os termos em que a quantia de 21500 euros lhe foi entregue, a vontade do A. em oferecer-lhe um veículo contra a vontade da R., a negociação e procedimentos tendentes à aquisição do novo veículo, utilização que lhe era dada e o motivo para as transferências efectuadas para a conta do A. Conquanto a parte tenha deposto de forma coerente, a verdade é que, pelo menos em parte, o tribunal ficou convencido que estava a exagerar, designadamente no que concerne à ausência de vontade na aquisição do veículo e ao afastamento do processo de escolha, pois a R. acabou por admitir que escolheu o veículo mas que foi o A. que escolheu as características mais técnicas como por exemplo a cilindrada. Não se pode deixar de considerar que as declarações da R. foram prestadas de forma vitimizante, o que não lhe confere mais credibilidade, mas sim exactamente o contrário.
D) às declarações de parte do A., o qual descreveu, em suma, as condições em que entregou 21500 euros à R, sustentando que o fez a título de empréstimo e não de doação e que a R. se obrigou a restituir aquela quantia sem juros e quando pudesse, tendo efectuado algumas transferências ao longo dos anos. Também as declarações de parte do A. foram prestadas de forma vitimizante, o que não lhe confere mais credibilidade, mas sim exactamente o contrário.
E) Depoimento das seguintes testemunhas: - Nascimento …., pai da R., o qual, confirmou, de forma espontânea, ter ajudado A. e R. aquando da compra do veículo de marca Hyundai, descrevendo a sua intervenção junto do proprietário do concessionário, confirmando que, à data, a R. comentou que o A. pretendia oferecer-lhe um veículo novo. A testemunha descreveu ainda uma reunião em casa dos pais do A., a pedido deste, na qual o A. terá pedido a sua intervenção junto da filha para reatarem o relacionamento e terá mencionado o veículo, referindo que iria colocar o caso em tribunal. Nesta última parte, o depoimento foi confuso, não esclarecendo devidamente a testemunha, em que circunstâncias se abordou o tema do veículo e se ali admitiu que o A. tinha emprestado dinheiro para a sua aquisição. De todo o modo, importa que se diga que, ainda que a testemunha tivesse porventura assumido tal posição perante o A., tal nada releva na medida em que o pai da R. não a pode vincular, ao que acresce que, sempre se compreenderia que, pelo menos moralmente, a testemunha pudesse entender que, em face do término do relacionamento, o A. pudesse pretender ser ressarcido do valor que entregou à R., independentemente do título em que o fez.
-Ana ….. e Maria ….., respectivamene, irmã e mãe do A. e cujos depoimentos não mereceram credibilidade, pela forma como foram prestados, mostrando-se ambas, como é humanamente compreensível, comprometidas com a versão do A., não ficando o tribunal convencido da sua isenção, não por estarem necessariamente a mentir, mas por estarem tão empenhadas na defesa do A. que não se mostra claro até que ponto criaram uma versão que não é coincidente com a verdade. 
- Nélio ….., amigo do A. e padrinho de um dos filhos do A. e da R., o qual depôs de forma confusa e pouco espontânea, com uma linguagem corporal e facial que revelava desconforto e pouca segurança, descrevendo uma conversa mantida com o A. um dia na casa daquele, de forma confusa, ficando o tribunal convencido de que não tem a certeza do que relatou, não merecendo a testemunha qualquer credibilidade. 
- Susana ….., irmã da R., cujo depoimento se mostrou pouco relevante, embora prestado de forma espontânea, pelo facto de a testemunha ter admitido que não costuma manter conversas com a irmã sobre este assunto, embora se recorde que a irmã, sem o A. estar presente, lhe ter referido que o A. lhe pretendia oferecer um veículo.
- Vânia ….., sobrinha da R., cujo depoimento foi prestado de forma pouco espontânea, registando-se que a postura facial e corporal da testemunha demonstrou um elevado desconforto e uma animosidade mal disfarçada relativamente ao A., não tendo o tribunal atribuído credibilidade ao seu depoimento;
- Maria Franco, antiga secretária da administração no hotel onde A. e R. trabalhavam (o A. como director geral e a R. como chefe de recepção), a qual depôs de forma que se reputou de defensiva, embora espontânea, descrevendo, no que ao caso interessa, que o A. comentou no hotel e com os colegas que tinha oferecido o veículo à R., chegando a mostra-lo aos colegas, visivelmente orgulhoso, sendo questão que era comentada nesses termos no local de trabalho.
-Maria Clara ….., amiga da R., a qual depôs de forma coerente e espontânea, merecendo a credibilidade do tribunal, confirmando que trabalhou no mesmo hotel que as partes, sendo a R. sua chefe nessa altura, recordando-se do momento em que a R., surgiu com um novo veículo juntamente com o A., tendo aquela referido espontaneamente que o A. lhe oferecera o veículo embora preferisse um mais pequeno. Confirmou de forma espontânea que no hotel se comentava que o A. tinha oferecido o veículo à R..
- Maria Micaela ……, amiga da R. e ex-funcionária do hotel, a qual de forma espontânea, esclareceu que, à época da aquisição do veículo, a R. comentara que o A. o oferecera e via-os chegar juntos diariamente ao hotel, com o A. ao volante.
Conjugando.
Da prova produzida e em face da falta de credibilidade atribuída a vários dos depoimentos supra referidos, o tribunal conclui, que as únicas pessoas que prestaram depoimento de forma efectivamente espontânea e coerente, sem denotar qualquer favorecimento, foram as testemunhas Maria Micaela ….. e Maria Clara …. e parcialmente Maria Franco, que embora denotando alguma animosidade, convenceu o tribunal da veracidade dos factos que relatou relativamente à exibição do A. do veículo que oferecera à namorada perante os colegas. Acresce que, o valor das transferências efectuadas pela R. para o A. e que resultam das informações bancárias juntas aos autos, não indicam, em termos de regras de experiência comum, qualquer pagamento de uma dívida, não só pela sua irregularidade mas também pelos seus valores pois não se mostra plausível que a R. fizesse pagamentos de uma dívida de tal valor em prestações de números “não redondos”, como seja 132 euros e 176 euros. Aliás, a transferência de 176 euros surge poucos dias depois da revisão do veículo automóvel num valor de 176,61 euros, sendo muito mais plausível, de acordo com as regras de experiência comum, que aquele valor tenha sido transferido para pagar precisamente a revisão do veículo, adiantada pelo A., conforme sustentado pela R. em audiência. Mais, mesmo a transferência bancária de 550 euros que o A. indicou como sendo uma amortização do empréstimo, foi no dia seguinte restituída à R., circunstância que é contrária à posição assumida pelo A. na petição inicial.
Ora, neste contexto, e duvidando-se que em 2010, por ocasião do nascimento dos filhos do casal, a R. inventasse perante as amigas e colegas uma doação que não tivesse existido e que o A. se gabasse de ter oferecido um veículo se não o tivesse feito (conquanto, tenha resultado claro que a ter havido doação, seria do dinheiro e não do veículo propriamente dito, pois este também foi parcialmente pago com a retoma do veículo usado da R., o que em linguagem corrente e para efeitos sociais, teria o mesmo significado), o tribunal não ficou convencido de que os cheques tivessem sido entregues a título de empréstimo e que a R. se tivesse obrigado a restituir aquela quantia, sem juros e à medida das suas possibilidades.»

Como acima já se antecipou, também este tribunal entende que a prova produzida foi, de um modo geral, pouco isenta, não oferendo credibilidade os depoimentos de Ana …. e Maria …., respectivamente, irmã e mãe do A., e menos ainda o de Nélio …., amigo do A. e padrinho de um dos filhos do A. e da R..

Em acréscimo à apreciação da prova feita na 1ª instância, não se deixará aqui de comentar, de todo o modo, que da conjugação dos depoimentos de Nascimento ….., pai da R., e Ana …, irmã do A., a respeito da reunião havida em casa dos pais deste, parece resultar que terá sido nela que terá ganho corpo a ideia de “empréstimo” do A. relativamente à importância com que o mesmo participou na aquisição do veículo. Com efeito, o que o pai da R., embora de forma menos clara, terá pretendido afirmar, foi que o A. nessa reunião terá transmitido que caso se tornasse definitivo para a R. o final da relação amorosa que vinham mantendo, em consequência de a mesma não aceder em reata-la, então passaria a ficar dele devedora em montante correspondente àquele com que ele participara na aquisição do veículo. È nesse sentido que se deverá interpretar o que tal testemunha repetidamente disse, mesmo quando acareada com a irmã e mãe do A.: “Na reunião o que se falou, foi que o senhor queria que ela voltasse para ele. Eu disse que me comprometia falar com ela para ver se chegavam a acordo e depois ele disse, o senhor sabe que eu passei um cheque para pagar o carro. Eu disse eu sei que o senhor passou o cheque. Não se falou em ofertas na reunião”, mais tendo comentado, no final da respectiva acareação, que “se não fosse a separação não tinha trazido ela a tribunal”. Contribuindo para esse sentido, a circunstância da irmã do A., Ana …., ter incidentalmente referido: “Uma vez que ela já tem alguém, ele tinha direito ao empréstimo”.

Pelo que se referiu, mantêm-se inalterados os pontos de facto em causa.

Assim sendo, afastada como fica a causa de pedir principal – o mútuo – cabe avaliar se os factos atrás referidos como provados implicarão a procedência da acção em função do enriquecimento sem causa.

Apesar do A. se referir ao enriquecimento sem causa num contexto incorrecto, de um ponto de vista técnico – visto que, como se evidencia na sentença recorrida, a restituição da quantia mutuada num mútuo que não tenha observado a forma legal é obtida em função da nulidade do contrato e não em função do enriquecimento sem causa [3] - nem por isso aquela incorrecção poderá levar à conclusão da não alegação pelo A. do enriquecimento  sem causa enquanto causa de pedir subsidiária.

Com efeito, só em função dessa invocação faz sentido que o A. tenha alegado que «as partes ora litigantes têm dois filhos comuns mas esta deslocação patrimonial nada tem a ver com as despesas normais e correntes próprias da qualidade de progenitores, ou com interesses comuns destes», pois que «o transporte dos filhos era perfeitamente assegurado pela R. se fosse necessário, com o veículo marca Nissan, modelo Micra, que a mesma deu para retoma na aquisição do Hyundai»,
Na sentença recorrida, pondo-se em relevo que «o A. desenhou a relação material controvertida sempre no pressuposto da existência de um contrato de mútuo nunca aventando outra hipótese que não essa», (…) nunca tendo admitido «a possibilidade de ter doado a quantia de 21.500 euros à R., nem nunca baseou a causa de pedir numa eventual doação com determinado fim ou na perspectiva da manutenção da relação de união de facto», (…) «não tendo provado a existência de um contrato de mútuo e tendo até resultado provado por acordo que a entrega daquela quantia não (tinha) qualquer relação com a necessidade de suprir despesas da vida em casal e como progenitores, sempre haveria que “presumir que com o movimento patrimonial descrito foi intenção do A. contemplar a Ré com um benefício, atento o tipo de relacionamento que se verificava entre ambos. Isto é, há que presumir que, à luz da relação convivencial que existia, a causa jurídica para a deslocação patrimonial verificada foi a liberalidade que o Autor quis praticar em favor da Ré. Acontecendo que esta causa jurídica não podia extinguir-se – como é óbvio – com a extinção daquela relação (mera causa naturalística da deslocação)», citando aqui o  Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.02.2016.

Sem prejuízo de se concordar com a sentença sob recurso, entende-se curial juntar às considerações nela produzidas, outras, que com aquelas confluem, e de que poderá resultar mais claro, por que é que o A. não logrou efectivamente provar o enriquecimento sem causa.

Tanto quanto se tem conhecimento, terá sido por influência dos trabalhos desenvolvidos por Menezes Leitão que, entre nós, se passou a percepcionar que a ausência de causa justificativa não pode ser entendida unitariamente nas diferentes categorias de enriquecimento sem causa, mas que exige sempre a integração do caso numa categoria específica para se poder determinar o seu conteúdo e a sua relevância enquanto pressuposto do instituto. Fala Menezes Cordeiro a respeito deste entendimento na «doutrina da divisão do instituto» [4] e, em função da mesma, distingue no âmbito do enriquecimento sem causa, quatro situações: o enriquecimento por prestação; o enriquecimento por intervenção; o enriquecimento por despesas realizadas em benefício de outrem; o enriquecimento por desconsideração de um património intermédio.

Na situação dos autos, não está questionado que esteja em causa uma situação de enriquecimento por prestação, a qual Menezes Leitão refere como abrangendo «as situações em que alguém efectua uma prestação a outrem, mas se verifica uma ausência de causa jurídica para que possa ocorrer por parte deste a recepção dessa prestação».

Este autor, antes de subdistinguir no enriquecimento por prestação várias modalidades, evidencia que no enriquecimento por prestação têm que se cumular quatro   elementos: a existência de uma atribuição patrimonial que produza no receptor um enriquecimento (1º); o facto de esse incremento do património de outrem exigir uma consciência da prestação (2º) e a vontade de prestar (3º); e um elemento final, «segundo o qual a atribuição tem que visar a realização de um fim específico (o incremento do património alheio), que na maior parte das vezes corresponde à execução de um programa obrigacional» (4º). De tal modo que se verifica um enriquecimento por prestação se «ocorre a ausência de causa jurídica para a recepção da prestação que foi realizada», sendo que a ausência de causa jurídica «deve ser definida em sentido subjectivo, como a não obtenção do fim visado com a prestação».

Salienta, após, que há varias modalidades possíveis de não obtenção do fim visado com a prestação, distinguindo as figuras da repetição do indevido (a que se reporta especificamente o art 476º CC), a restituição da prestação por posterior desaparecimento da causa (a que se reporta o art 473º/2 CC), e que corresponde à tradicional “condictio ob causam finitam”, e a restituição da prestação por não verificação do efeito pretendido (a que se reporta igualmente o nº 2 do art 473º CC), correspondendo esta à tradicional “condictio  ob rem”.  
Entende o apelante que a situação dos autos implica um enriquecimento por prestação na modalidade de “condictio ob causam finitam”.
Entende este tribunal, no entanto, que o que poderia estar em causa nos mesmos, seria o enriquecimento por prestação correspondente à “condictio ob rem”.  
Impõe-se, por isso, distinguir uma e outra destas modalidades do enriquecimento por prestação.
Refere Menezes Leitão a respeito da “conditio ob causam finitam”[5].
«A especialidade desta “condictio” reside no facto de que no momento da prestação existe efectivamente uma causa jurídica que lhe está subjacente e, consequentemente, pode dizer-se que o fim visado com a prestação vem a ser obtido. O que sucede é que posteriormente vem a verificar-se o desaparecimento dessa causa jurídica, em termos que legitimam o surgimento de uma prestação dirigida à restituição do enriquecimento».
Uma das situações que o autor em causa entende que pode obter subsunção a esta modalidade de enriquecimento sem causa é a que respeita a atribuições patrimoniais realizadas na constância do matrimónio, após o divórcio entre os cônjuges.
Mas, atendendo ao nosso regime jurídico, não em todas as essas atribuições patrimoniais. 
Com efeito, refere: «Entre nós, no âmbito do regime de comunhão de adquiridos, o legislador veio expressamente considerar que a existência de transferências entre os patrimónios pessoais dos cônjuges e o património comum implicam o surgimento de deveres de compensação – 1726º/2, 1727º e 1728º – apontando a lei para o seu surgimento o da dissolução e partilha da comunhão – art 1726º/2. É possível configurar estes deveres como tendo por objecto a restituição de algo que foi adquirido sem causa jurídica pelo património pessoal ou pelo património comum, e assim estabelecer a sua fundamentação no enriquecimento sem causa – art 473º/1», especificando, no entanto que, «a existência de um regime específico para a dissolução e partilha da comunhão conjugal torna porém desnecessária a aplicação do seu regime».
 E acrescenta: «O problema coloca-se essencialmente se, vigorando entre os cônjuges o regime da separação de bens, se tiver verificado a confusão das suas esferas patrimoniais, por forma a que resulte de factores casuais a determinação do que é propriedade de cada um. É de questionar se, nestes casos, apesar da inexistência de comunhão conjugal, a dissolução do casamento não deverá implicar a restituição das transferências patrimoniais que se realizaram entre os cônjuges em vista da existência do matrimónio», e dá como exemplo típico, o de ambos os cônjuges financiarem a construção de uma casa de habitação em terreno pertencente apenas a um deles sem estabelecerem expressamente a sua compropriedade, vindo o casamento a ser posteriormente dissolvido por divórcio. Entendendo que, «entre nós, a solução a adoptar deve resultar de uma ponderação entre o regime das doações entre casados constante dos art 1761º e ss e a extensão de dever de contribuir para os encargos da vida familiar, a que faz referência o art 1676º», conclui, (manifestando-se ainda em momento anterior ao das alterações introduzidas pela L 61/2008 de 31/10 em tal norma),  «tender» a «considerar aplicável a “condictio ob causam  finitam” por forma a exigir a restituição das atribuições patrimoniais excessivas realizadas durante o casamento por um dos cônjuges ao outro,  após a extinção da sociedade conjugal, quando estas não revestirem a natureza de uma doação».
O que releva neste ponto para a melhor subsunção da situação dos autos relativamente a uma ou outra das apontadas modalidades de enriquecimento por prestação, é ter em consideração que na “condictio ob causa finitam” está sempre presente uma “causa jurídica” para a existência da prestação, que posteriormente a esta deixa de existir  – assim sucede no  casamento, por efeito do dever de contribuir para os encargos da vida familiar; como sucede nas demais situações vulgarmente incluídas nesta modalidade de enriquecimento por prestação: a posterior extinção do direito à prestação já recebida (por ex alguém receber de uma seguradora uma indemnização pelo furto de um veiculo, quando este vem posteriormente a aparecer); a restituição do sinal em caso de cumprimento do contrato, ou sua extinção por impossibilidade ou revogação (art 442º/1); a restituição do título da obrigação após a extinção da dívida (art 788º); a restituição da prestação em virtude da extinção do contrato por impossibilidade casual da contraprestação (art 795º/1 CC).   
Na “condictio ob rem” não interfere uma “causa jurídica”.
Basta esta circunstância para se perceber que na situação dos autos – em que não há casamento, mas união de facto - não interfere uma “condictio ob causam finitam”.
A respeito da “condictio ob rem” refere, genericamente, Menezes Leitão [6]
«A condictio ob rem visa a restituição de prestações por não se ter realizado o resultado visado com estas prestações, em virtude de uma definição do fim estipulada entre as partes».
Escalpelizando a figura em causa – o que faz em função das exigências da doutrina e jurisprudência alemã - pondera exigir-se a presença concomitante de três elementos: a realização de uma prestação visando um determinado resultado; que esse resultado corresponda ao conteúdo de um “negócio jurídico”; e que esse resultado não se venha posteriormente a realizar.
E explicita:
«Em 1º lugar, é necessário que seja realizada uma prestação, constituindo a condictio ob rem um caso de enriquecimento por prestação.
Para delimitar a figura relativamente às outras categorias de enriquecimento por prestação, exige-se que o resultado, ou seja, o fim da prestação, não respeite ao cumprimento de uma obrigação, ou não se esgote nesse cumprimento, já que, na primeira situação estaríamos perante um caso de “condictio indebiti” e, na segunda, o desaparecimento da obrigação legitima o surgimento da “condictio ob causam finitam” 
O resultado visado com a prestação tem assim que corresponder a um comportamento da outra parte, mais precisamente uma contraprestação, cuja realização se esperava quando se verificou a prestação ( …).
Em segundo lugar, a expressão “negócio jurídico” não pode ser entendido em sentido de juridicamente relevante, uma vez que nesse caso, a frustração do fim da prestação não poderia dar lugar a uma restituição por enriquecimento sem causa, dado que relevaria antes do regime de não cumprimento dos contratos. Apenas quando o prestante não tem qualquer possibilidade jurídica de exigir o cumprimento da contraprestação é que lhe será permitido recorrer à causa data (…)».
Em terceiro lugar na “conditio ob rem” é essencial que haja «acordo das partes sobre o fim da prestação, através do qual a prestação é colocada ao serviço de uma específica relação causal, cuja execução visa assegurar».
Por isso diz: «Não basta por isso uma condição puramente unilateral, ainda que a outra parte pudesse conhece-la, devendo a expectativa de obter o resultado integrar o conteúdo do negócio jurídico, o qual pode ser inclusivamente tácito, bastando que o receptor da prestação conheça a definição do fim efectuada pelo prestante e dê a entender, pela sua aceitação, que aprova essa definição. Não basta por isso que o receptor não rejeite essa destinação do fim, tendo este que sujeitar-se à vontade do prestante aquando da recepção da prestação. Este acordo sobre o resultado não constitui qualquer pretensão de cumprimento relativamente a uma contraprestação, sendo apenas pensado como causa para a recepção da própria prestação».
Informa Menezes Leitão que a doutrina alemã tem discutido a possibilidade de incluir quatro grupos de casos no âmbito da “condictio ob rem” – a realização da prestação antecipada, a realização da prestação para obter determinada actuação do receptor, a realização da prestação com destinação do fim, a realização da prestação com escalonamento do fim - fazendo notar que estas duas últimas são de muito duvidosa aplicação no direito português.
Releva aqui a hipótese da realização de uma prestação para determinar alguém à prática de determinado acto.
«Nestas situações, estamos perante situações em que o prestante visa sem sucesso determinar o aceitante à prática de um determinado comportamento, em relação ao qual este não pode ou não quer obrigar-se». (Exemplifica a este respeito com as hipóteses de alguém realizar uma prestação para ser instituído herdeiro ou legatário de outra pessoa, para ser adoptado, ou para que outrem desista de uma queixa crime). E evidencia: «Também aqui existe um acordo sobre a causa jurídica dessa prestação, que quase institui uma vinculação negocial. A diferença da situação anterior (estando a reportar-se à da prestação antecipada), reside no facto de a prestação não ser aqui realizada na confiança de vir a efectuar-se uma contraprestação em virtude de no futuro se vir a constituir uma obrigação, mas antes a confiança na realização da contraprestação derivar de um comportamento livre do prestante, que lhe não pode ser juridicamente exigido, mas que apesar disso se espera que ele o realize».[7]
Explicita mais adiante [8]estar em causa  «a realização da prestação para  obter determinada actuação do receptor, sem que este assuma uma obrigação correspondente, ou porque não quer juridicamente vincular-se ou porque a lei não admite sequer uma vinculação desse tipo» (…), fazendo relevar que «essencial neste tipo de situações é a existência de um acordo sobre a causa da prestação,  o qual, embora não estabelecendo um direito de crédito à contraprestação, vem a instituir uma relação de confiança de que essa contraprestação se realizará. A realização da prestação tem por isso como fim provocar a realização da contraprestação, e quando esta não é realizada verifica-se a frustração desse fim, o qual permite recorrer ao art 473º/2 parte final». 

Revertamos com estas noções à situação dos autos.
Já acima se evidenciou que estando em causa uma união de facto e não um casamento, o enriquecimento por prestação que poderia verificar-se adviria da “condictio ob rem”.
Porém, em função das precedentes considerações, essencial para a sua existência teria sido que tivesse havido aquando da realização da prestação  - in casu, a entrega por parte do A. dos dois cheques à R. – um acordo entre ambos no sentido de que a causa da  contribuição do A. para a aquisição do veículo a adquirir pela R. residia na subsistência da respectiva união de facto. Seria este acordo sobre o resultado da prestação que constituiria a causa para a recepção da mesma.  Na circunstância da existência desse acordo, o enriquecimento sem causa verificar-se-ia, se o resultado visado, a manutenção da união de facto, não viesse a ocorrer, na medida em que esse acontecimento futuro havia sido considerado por ambas as partes como a causa da prestação. 
Com efeito, se tivesse ocorrido uma estipulação do fim entre as partes, segundo a qual a R. só conservaria a prestação se o resultado com esta visado se verificasse, porque seria possível autonomizar uma decisão desta em assumir o risco da não verificação daquele resultado, seria justo impor-lhe a restituição da prestação.
Note-se, como, aliás, atrás já se referiu, que na estipulação do fim entre as partes se admite um comportamento tácito por parte do receptor, «bastando que o receptor da prestação conheça a definição do fim efectuado pelo prestante e dê a entender, pela sua aceitação, que aprova essa definição». [9]
Ora, o que verdadeiramente faltou nas alegações do A/apelante para lograr a subsunção da situação de facto ao enriquecimento por prestação – só equacionável, já se viu, nesta modalidade de “conditio ob rem” – foi de algum modo referir e deixar claro que a R. conhecia a definição do fim daquela prestação por parte dele e que a tinha aceitado e que, por isso, deixando os mesmos de estar unidos de facto, teria de restituir a prestação. 
Sucede que o A. nem mesmo quando equacionou o enriquecimento sem causa como causa de pedir alternativa à do mútuo, se conseguiu libertar deste como causa da prestação, fundamentando o próprio enriquecimento sem causa ainda no mútuo, pois que refere ainda que a aquisição do veículo «se deve exclusivamente à vontade e decisão da R. de ter um carro maior, mas espaçoso, mais potente, mais bonito e mais “vistoso”, tendo pedido, para este efeito, a quem “estava à mão”» (arts 26 e 27º da petição).
Tem, pois, razão o Exmo Juiz a quo quando diz que «o A. desenhou a relação material controvertida sempre no pressuposto da existência de um contrato de mútuo nunca aventando outra hipótese que não essa, mesmo quando, subsidiariamente se escuda no instituto do enriquecimento sem causa (…)», não tendo baseado a causa de pedir «sequer na manutenção da relação de união de facto».
Nem se diga que esta “condictio” da prestação – a manutenção da relação de união de facto – não careceria de ser invocada, por se mostrar evidente dos demais factos alegados uma vez que, em função do acima exposto, não bastaria que o fim da prestação para o A. tivesse sido o de tal manutenção, sendo forçoso que esse fim tivesse sido de algum modo partilhado pela R. aquando da referida prestação, o que ficou por se conhecer.

Há muito que vem sendo evidenciado pela jurisprudência que «a falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento tem de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição dela decorrente, em conformidade com as exigências gerais sobre o ónus de alegação e prova. A mera falta de prova da existência de causa de atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar que efectivamente a causa falha.[10]

Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.

V–Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

              

Lisboa, 19 de Outubro de 2017



Maria Teresa Albuquerque   
Vaz Gomes                                             
Jorge Leal



[1]Manual dos Recursos em Processo Civil», 4ª ed, p 141
[2]- «Recursos no Novo Processo Civil», 2013, p 84/85
[3]- Cfr entre tantos, Ac STJ 24/7/1986, Gomes dos Santos
[4]- «Direito das Obrigações» vol I, 8ª ed, p 421
[5]- «O enriquecimento sem Causa no Direito Civil», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal», Lx 1996, p 504
[6]- «O enriquecimento sem Causa no Direito Civil», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lx 1996, p 518 e ss  e  «Direito das Obrigações», vol I, 8ª ed, p 428 e ss 
[7]- «O enriquecimento sem Causa no Direito Civil», p 518 a 530
[8]- «O enriquecimento sem Causa no Direito Civil», p 532
[9]- «Direito das Obrigações», nota 945 a p 428 , «Enriquecimento sem Causa no Direito Civil», p 525
[10]- Ac STJ 19/2/2013 (Alves Velho); no mesmo sentido, entre outros, Ac STJ 2/7/2009 (Serra Baptista), Ac STJ 17/10/2006 (Nuno Cameira), Ac STJ 24/3/2017 (António Joaquim Piçarra);  Ac STJ 29/5/2007 (Azevedo Ramos) .