Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1602/07-9
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: REENVIO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: 1. Sempre que um tribunal nacional, cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso jurisdicional interno, se veja confrontado com uma questão de interpretação de uma norma comunitária — questão cuja resolução se torne necessária para o julgamento do caso sub iudicio — deve ele submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades o julgamento dessa questão prejudicial tendo por objecto a interpretação da norma comunitária. Trata-se, em tal caso, de um dever de reenvio.
2. O reenvio prejudicial, previsto no artigo 234.º CEE, é, pois, um ins­trumento ao serviço do primado ou da primazia da ordem jurídica comu­nitária. Permitir ao juiz nacional que interpretasse sozinho as normas de direito comunitário — ou seja, que respondesse sozinho às interrogações que não raro colocam a determinação do sentido e do real alcance de uma determinada norma jurídica comunitária — conduziria, a prazo mais ou menos longo, a permitir se rompesse a unidade do direito comunitário, colocando no lugar da «regra comum» um conjunto de regras deformadas pelas práticas jurisdicionais nacionais.
3. Com o reenvio prejudicial, o que, pois, se pretende é conseguir uma interpretação uniforme do direito comunitário em toda a Comunidade.
Só o juiz interno tem direito de acesso ao TCE para efeitos de reenvio prejudicial. As partes podem suscitar perante o juiz nacional a questão prejudicial do reenvio, mas só o juiz pode provocar a intervenção do Tribunal das Comunidades. É isto coisa que bem se compreende, quando se tiver em conta que o processo de reenvio prejudicial se consubstancia num diálogo entre o juiz nacional e o juiz comunitário, sendo, assim, um processo sem partes.
4. Mas o Tribunal das Comunidades não é uma auditoria jurídica que deva ficar sujeita às curiosidades ou às ignorâncias de quem tem legitimidade para provocar a sua intervenção — os juízes nacionais. As suas decisões hão-de ter efeito útil, o que só sucederá se elas forem relevantes (indispensáveis) para a resolução do caso que o juiz reenviante tem para decidir.
5. Se o tribunal nacional considerar que o litígio subjudice não deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias mas tão-somente na conformidade das disposições de direito interno, parece evidente que não pode ser-lhe imposta a obrigação de solicitar a interpretação […] de uma norma comunitária desprovida de interesse para o julgamento da causa — e isto ainda que alguma das partes a tenha indevidamente invocado e suscitado a questão da sua interpretação […]
Decisão Texto Integral:

Recurso n.º 1602/07 – 9

(Autos de recurso de contra-ordenação n.º 452/06.5TYLSB do 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa)


Acordam, precedendo conferência, na 9.ª Secção da Relação de Lisboa:
I -Relatório
1. R., com sede em Sintra, interpôs recurso de impugnação para o Tribunal de Comércio de Lisboa da decisão proferida em 24 de Fevereiro de 2006 pelo Senhor Director de Regulamentação e Assuntos Jurídicos do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), que a condenou pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos art.108 n.º1 e 113 n.º2 da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, na coima de €5.000 (cinco mil euros), pugnando pelo arquivamento do procedimento contra-ordenacional, referindo, tendo apresentado as conclusões constantes de fls.290 e 291.

2. Face à não oposição da recorrente, da ICP – Autoridade Nacional de Comunicações e do Ministério Público, a senhora juíza, por mero despacho, proferido em 30.10.2006, negou provimento ao recurso, nos termos que se transcrevem:

[[1. Relatório

R., pessoa colectiva, com sede em Sintra,

Interpôs recurso da decisão do ICP – ANACOM de 24 de Fevereiro de 2006 que lhe aplicou uma coima de € 5 000, no âmbito do processo de contra-ordenação nº 933754-344/2005 pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos arts. 108º nº1 e 113º nº 2 da Lei nº 5/2004 de 10/02, em síntese por a arguida não ter prestado, no prazo fixado, ao ICP – ANACOM as informações cuja prestação lhe havia sido ordenada pela deliberação do ICP – Anacom de 20/10/05.
Inconformada com a decisão, a arguida interpôs o presente recurso alegando, em síntese:

O prazo para a prestação de informações não se iniciou na data alegada pelo ICP – ANACOM uma vez que a deliberação em causa apenas lhe foi validamente notificada em 16/11/05 e na sequência de vários pedidos seus nesse sentido.

Nessa data a arguida havia já apresentado um requerimento de providência cautelar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 07/11/05, que visava a suspensão da eficácia da deliberação em causa, pelo que o acto em causa se encontrava suspenso, nos termos do disposto no art. 128º do CPTA a partir do momento em que a ali requerida recebeu o duplicado do requerimento, ou seja, desde 10/11/05.

Inexistiu qualquer incumprimento, uma vez que tendo sido ordenada a prestação de informações, em 10 dias, sobre todas as características do serviço Zapp, pronunciando-se sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º - utilização das frequências que lhe foram atribuídas, tal pedido foi fundado na al. c) do nº1 do art. 109º da L nº5/2004 ou seja, verificação do cumprimento das alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º, condições essas que nunca lhe foram impostas. O pedido carece de legitimidade, pois não é susceptível de ter como base jurídica a al. c) do nº1 do art. 109º da L nº5/2004, uma vez que às condições tipificadas no art. 32º da mesma lei os operadores não estão automaticamente sujeitos, carecendo a Anacom de definir concretamente relativamente a cada operador que já estivesse em actividade, como era o caso da arguida, atento o regime previsto no art. 121º da Lei nº 5/2004.

Mais alega que, não obstante, respondeu ao pedido de informações sem que a tanto estivesse obrigada, em 13/12/05.

Pede o arquivamento dos autos.

O tribunal é competente. Inexistem questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto provada

Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo e da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:

2.1.1. R. é titular da licença ICP-012/SMRP para a prestação do Serviço Móvel de Recursos Partilhados, nos termos constantes de fls. 250 a 269 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo-lhe sido, para esse efeito, atribuídas as frequências 453-457,45 / 463-467,45 MHz.

2.1.2. Em 20/10/05, o Conselho de Administração do ICP - ANACOM, deliberou “VII. (…) ao abrigo do disposto no nºs 1 e 2 do art. 111º da Lei nº 5/2004, de 10/02, determinar:

- À R….:

· a interdição imediata, por um período máximo de 6 meses, da oferta do serviço Zapp a novos clientes, quando envolva o recurso a numeração geográfica;

· a interdição, por um período máximo de 6 meses, da prestação do serviço Zapp através do recurso à gama de numeração geográfica, aos actuais utilizadores, devendo para o efeito informá-los, no prazo de 3 dias, de que o serviço será suspenso logo que decorrido um prazo de 15 dias;
(…)
1. Ao abrigo do disposto no nº1 do art. 108º da Lei nº 5/2004, de 10.02, notificar a R.–, … para, no prazo de 10 dias, informar esta Autoridade sobre todas as características do serviço Zapp, pronunciando-se sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º - utilização das frequências que lhe foram atribuídas para a prestação de um serviço que parece não se confinar aos limites do SMRP;

2. Ao abrigo e para os efeitos do disposto no nº1 do art. 110º da Lei nº 5/2004, de 10.02, notificar a R……para, no prazo de um mês, se pronunciar, querendo, sobre os indícios de incumprimento das condições estabelecidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 34º da Lei nº 5/2004, devendo esclarecer, designadamente, as condições de interligação subjacentes ao processamento das chamadas de voz estabelecidas no âmbito do serviço Zapp, e informando-a de que os incumprimentos indiciados poderão levar à determinação, a título definitivo, da cessação da prestação do serviço Zapp, com os fundamentos supra referidos, caso estes venham a confirmar-se;”

2.1.3. Tal deliberação foi adoptada no âmbito do ponto 4 da respectiva ordem de trabalhos, tendo sido deliberado, por maioria, aprovar a proposta de 07/10/05 subscrita pelo Senhor DRJ com o teor constante de fls. 329 a 341 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

2.1.4. Tal deliberação foi notificada à arguida em 21/10/05, por telecópia, com a referência ANACOM-S24686/2005, assunto “Notificação da deliberação do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações de 20.10.2005” e datada de 21/10/05, nos termos e com o teor de fls. 142 a 151 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

2.1.5. Tal deliberação foi também notificada à arguida por protocolo entregue no dia 21/10/05, através do oficio com a referência ANACOM-S24698/2005, assunto “Notificação da deliberação do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações de 20.10.2005”, datado de 21/10/05, nos termos e com o teor de fls. 152 a 163 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

2.1.6. Em 26/10/05, por oficio enviado por telecópia nessa data, endereçado ao Director de Regulamentação e Assuntos Jurídicos do ICP ANACOM, a arguida requereu, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60º nº2 do CPTA “que seja notificada a R…. se, em 20 de Outubro de 2005, foi adoptada qualquer deliberação a ela atinente e, em caso afirmativo, que lhe seja notificado o seu texto integral, o seu autor e os demais requisitos legais das notificações constantes do art. 68º do Código de Procedimento Administrativo”, conforme doc. de fls. 164 e 165 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2.1.7. O ICP – ANACOM, em resposta à telecópia referida em 2.1.6. enviou à arguida, por protocolo, o ofício datado de 27/10/05, com a referência ANACOM-S25244/2005 e assunto “Notificação da deliberação do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações de 20.10.2005” com o teor de fls. 166 a 176 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, entregue em 27/10/05.

2.1.8. Em 31/10/05, por oficio endereçado ao Presidente do Conselho de Administração do ICP - ANACOM, recebido em 02/11/05, a arguida requereu, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60º nº2 do CPTA “a notificação do texto integral da deliberação que terá sido tomada pelo Conselho de Administração do ICP – Anacom em 20/12/05, afectando a R.., contendo todas as menções legais previstas no nº1 do art. 68º do CPA, incluindo a sua integral fundamentação. Mais se requer a V. Exª, nos termos do citado art. 60º do CPTA, dos arts. 61º a 63º CPA e dos arts. 12º e 13º da Lei nº 65/93, de 20-08, a emissão e passagem de certidão da parte da Acta do Conselho de Administração do ICP – ANACOM de 20/10/2005, relativa à deliberação referida, no prazo máximo legal de dez dias”, conforme doc. de fls. 178 a 179 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2.1.9. O ICP – ANACOM, em resposta ao oficio referido em 2.1.8. enviou por protocolo à arguida o oficio com a referência ANACOM-S25913/2005, com data de 03/11/05 comunicando “…que a notificação integral do texto da referida deliberação e respectiva fundamentação foi efectuada com observância de todos os requisitos previstos no nº1 do art. 68º do CPA, através do ofício ANACOM-S25244/2005, de 27.10, entregue nesta data por protocolo, ao qual nada há a acrescentar. Assim sendo a notificação efectuada em 27.10.2005 é plenamente eficaz.

Relativamente ao pedido de passagem de certidão da parte da Acta do Conselho de Administração do ICP – ANACOM de 20.10.2005 relativa àquela deliberação serão V.Exas. oportunamente notificados”, conforme doc. de fls. 324 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2.1.10. O ICP – ANACOM, enviou à arguida, o ofício datado de 15/11/05, com a referência ANACOM-S27170/2005 e assunto “Notificação de deliberação do ICP – ANACOM de 20.10.2005. Passagem de certidão” com o teor de fls. 326 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, acompanhado de certidão com o teor de fls. 327 a 341 dos autos, que igualmente aqui se dá por reproduzido, recebido por esta em 16/11/05.

2.1.11. A arguida respondeu ao pedido de informações constante de 2.1.2. por carta datada de 13/12/05, endereçada ao Presidente do Conselho de Administração do ICP – ANACOM, recebida em 14/12/05, nos termos e com o teor constante de fls. 202 a 206 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, nomeadamente “…responder ao pedido de informação constante da parte VII, ponto 1, da aludida deliberação, relativo às características do serviço Zapp.”, que “… se encontra em tempo para o fazer já que, atenta a propositura de uma providência cautelar, o prazo para responder se encontra suspenso, nos termos do art. 128º do CPTA. (…)” e ainda que “No tocante ao pedido formulado na parte final do já citado ponto 1 da parte VII. Da deliberação, a R. entende que não tem que se pronunciar sobre quaisquer “(…) indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º - utilização das frequências que lhe foram atribuídas para a prestação de um serviço que parece não se confinar aos limites do SMRP (…)”. Com efeito, uma vez que esse pedido não se reporta a informação de carácter factual, não se nos afigura o mesmo passível de ser efectuado, como é, ao abrigo do nº1 do artigo 108º da Lei nº 5/2004. Além do mais e conforme certidão emitida por essa Autoridade, em 24 de Novembro de 2005, a R. não foi ainda sujeita a quaisquer condições ao abrigo das alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º da Lei nº 5/2004, razão por que não lhe parece curial pronunciar-se sobre um hipotético incumprimento das mesmas. Não deixa, porém, a R. de transmitir a V. Exa. que é seu entendimento que o serviço Zapp é prestado em absoluta conformidade com a legislação ao mesmo aplicável.

Sobre as características do serviço Zapp, temos a informar o seguinte: (…)”

2.1.12. Foi emitida com data de 28/12/05 certidão com o seguinte teor: “L. M., Director do Departamento de Gestão e Apoio ao Conselho, certifica que o Conselho de Administração do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações não adoptou qualquer deliberação atinente à imposição à R. de condições previstas nos arts. 27º nºs 2 e 3, 32º e 34º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro”, conforme teor do documento de fls. 349 dos autos, que aqui se dá por reproduzido.

2.1.13. A arguida intentou em 07/11/05, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, onde tomou o nº 1127/05.8BESNT, procedimento cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo contra ICP – ANACOM, pedindo a final “… nos termos dos arts. 112º e ss. do CPTA, deve o pedido cautelar ser julgado procedente, por provado, decretando-se a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho de Administração do ICP – ANACOM de 20 de Outubro de 2005 até decisão da acção principal.”, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 432 a 497 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2.1.14. O duplicado do requerimento inicial do procedimento referido em 2.1.13. foi recebido pelo ICP – ANACOM no dia 11/11/05.

2.1.15. O procedimento cautelar referido em 2.1.13. foi julgado procedente por decisão de 05/01/06, a qual não havia transitado em julgado no dia 08/06/06, e na qual foi determinada “…a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho de Administração do ICP-ANACOM, de 20 de Outubro de 2005, que determinou, ao abrigo dos nºs 1 e 2 do art. 111º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, à R., a interdição imediata, por um período máximo de seis meses, da oferta do serviço Zapp a novos clientes, quando envolva o recurso a numeração geográfica e a interdição, por um período máximo de 6 meses, da prestação do serviço Zapp através do recurso à gama de numeração geográfica, aos actuais utilizadores, e à J. a cessação imediata e por um período máximo de 6 meses da cedência à R. dos direitos de utilização de números geográficos.” nos termos e com os fundamentos constantes de 502 a 584 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2.1.16. A arguida bem sabia que no ponto 1, do nº VII da deliberação do Conselho de Administração do ICP – ANACOM de 20/10/05 lhe estava a ser solicitada informação pelo ICP – Anacom, no âmbito dos respectivos poderes e competências, admitiu como possível que estava obrigada a satisfazer a mesma e não obstante não o fez.

2.1.17. Bem sabendo ser a sua conduta punida por lei.
2.1.18. Não são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais à arguida.
2.2. Matéria de facto não provada

Não há matéria de facto não provada com relevância para a decisão da causa.

2.3. Motivação da decisão de facto

A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, fundou-se na análise crítica do teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente os documentos dados por integralmente reproduzidos nos pontos respectivos da matéria de facto, nomeadamente:

- 2.1.1. – docs. de fls. 212 a 269;
- 2.1.2. e 2.1.13. – docs. de fls. 142 e ss., 152 e ss., 166 e ss., 296 e ss., 309 e ss. e 327 a 341 dos autos;
- 2.1.4. – doc. de fls. 142 a 151 e 296 a 304 dos autos;
- 2.1.5. – doc. de fls. 152 a 163 dos autos;
- 2.1.6. – doc. de fls. 164 e 165 e 306 a 307 dos autos;
- 2.1.7. – doc. de fls. 166 a 176 e 309 a 319 dos autos;
- 2.1.8. – doc. de fls. 178 a 179 e 321 a 322 dos autos;
- 2.1.9. – doc. de fls. 324 dos autos;
- 2.1.10. - doc. de fls. 326 a 341 dos autos;
- 2.1.11. – doc. de fls. 202 a 206 e 351 a 355 dos autos;
- 2.1.12. – doc. de fls. 349 dos autos;
- 2.1.13 – certidão de fls. 432 a 497 dos autos;
- 2.1.14. – fls. 500 e 501 dos autos – cópia de citação e AR assinado e datado;
- 2.1.15 – conjugação da certidão de fls. 432, emitida pelo Tribunal Central Administrativo, com o teor de fls. 502 a 584 dos autos;

Quanto aos factos dados como provados sob 2.1.16. e 2.1.17. retira-se da correspondência trocada entre o ICP – Anacom e a arguida todos estarem cientes das respectivas posições, nomeadamente a arguida da sua sujeição aos pedidos de informação da Autoridade reguladora. O específico facto de a arguida admitir como possível o incumprimento retira-se da conjugação entre a sua posição – entender que o prazo respectivo estava suspenso por via da interposição de providência cautelar – e o teor do pedido de suspensão de eficácia de acto que formulou, que, obviamente não podia desconhecer e que não abrangia as obrigações de prestação de informação. A questão da eficácia da notificação e do âmbito do procedimento cautelar serão devidamente tratadas na fundamentação de direito, por dependerem da aplicação de preceitos legais, dando-se, porém, aqui por integralmente reproduzida tal fundamentação.

Entendeu o tribunal que a arguida não agiu com dolo directo, porém, apenas com dolo eventual, devido à circunstância de se tratar de uma obrigação de informação complexa, imposta no mesmo ponto e a satisfazer no mesmo prazo, abrangendo não só um pedido de informação puro e simples (informação sobre todas as características do serviço Zapp) como pronúncia sobre indiciado incumprimento de determinadas condições (pronúncia sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º - utilização das frequências que lhe foram atribuídas para a prestação de um serviço que parece não se confinar aos limites do SMRP) que envolvia a valoração dos fundamentos desta e das demais deliberações tomadas em 20/10/05 constantes da proposta aprovada, ou seja, uma valoração envolvendo interpretação de preceitos legais, relativamente aos quais a arguida desde logo exprimiu as suas dúvidas.

O facto constante de 2.1.18. resulta da falta de qualquer elemento em contrário constante dos autos.

2.4. Enquadramento jurídico

Sendo estes os factos apurados com relevo para a decisão do presente recurso, há que proceder ora ao seu enquadramento jurídico.
À arguida vem imputada a prática, como autora material, de uma contra-ordenação prevista e punida pelos arts. 108º nº1 e 113º nº 2 da Lei nº 5/2004 de 10/02, nos quais se prevê como contra-ordenação punível com coima de € 5 000 a € 50 000 000 (porque se trata de uma pessoa colectiva) a não prestação, por parte de entidades sujeitas a obrigações nos termos da Lei nº 5/2004 de 10/02 de todas as informações, incluindo informações financeiras, relacionadas com a sua actividade para que a ARN (ICP – ANACOM) possa desempenhar todas as competências previstas na lei.

Esta específica contra-ordenação aproxima-se muito do tipo penal de desobediência, tendo por elemento fundamental exactamente a não obediência a uma ordem (de prestação de informações) que caracterizam o crime de desobediência previsto no art. 348º do Código Penal.

No entanto, tratando-se de um tipo diverso, com os seus requisitos e contornos próprios, não há que importar os elementos típicos deste tipo de crime para este nosso domínio, ali bastante mais apertados, até porque esta infracção está completamente definida, não havendo necessidade de nos socorrermos ao direito subsidiário.

O regular conhecimento da ordem é pressuposto natural do respectivo não acatamento ou desobediência, acrescentando-se, por esta via, mais este elemento objectivo à infracção em análise.

São, pois, elementos típicos objectivos deste tipo de ilícito:

- a existência de um pedido de informação;
- emanada da ARN no exercício das suas competências;
- o seu não acatamento, ou desobediência por parte de entidades sujeitas a obrigações nos termos da Lei nº 5/2004.

A arguida é titular de uma licença para a prestação do Serviço Móvel de Recursos Partilhados, concedida antes da entrada em vigor da Lei nº 5/2004 ao abrigo da legislação então aplicável – cfr. facto nº 2.1.1.

Independentemente da questão da necessidade/desnecessidade de adaptação da referida licença convertida em direito individual de utilização de frequência, a licença foi concedida e está vigente, o que torna a arguida uma das entidades sujeita a obrigações nos termos da Lei nº 5/2004, o que se constata apenas para este efeito, independentemente da respectiva amplitude.

Por sua vez o ICP – ANACOM dispõe, nos termos do disposto nos arts. 4º e ss. da Lei nº 5/2004, de poderes de regulação, supervisão, fiscalização e sancionamento previstos na lei e nos termos das suas atribuições.

As atribuições do ICP – ANACOM encontram-se previstas no art. 6º do respectivo estatuto (aprovado pelo Decreto Lei nº 309/2001 de 07/12/01) avultando, para o caso concreto, as atribuições previstas nas alíneas b), c) e n) do nº1 do art. 6º.

No âmbito das suas competências de regulação e supervisão o ICP – ANACOM pode adoptar ainda, os procedimentos previstos no art. 9º dos respectivos Estatutos, avultando e no que à infracção ao art. 108º da Lei nº 5/2004 interessa, as alíneas b) e g) – acompanhar a actividade das entidades sujeitas à sua supervisão e o funcionamento dos mercados das comunicações, dar ordens e formular recomendações concretas.

Temos pois apurada a existência de uma ordem do ICP - ANACOM (no sentido da prestação de determinadas informações), no exercício das suas competências e no âmbito das suas atribuições, dirigida a uma entidade sujeita a obrigações nos termos da Lei nº 5/2004, que a ela apenas respondeu decorrido o prazo fixado para o efeito.

Necessário ainda é que a ordem seja legal, substancial e formalmente e regularmente transmitida ao seu destinatário.

É precisamente neste ponto que se colocam as questões a delucidar nos presentes autos, tal como erigidas em fundamentos do recurso de impugnação apresentado pela arguida: a arguida coloca em causa a regularidade da comunicação – a eficácia da notificação -, de forma a que quando a mesma se tornou eficaz encontrava-se já pendente procedimento cautelar de suspensão de eficácia de acto e, em consequência, impossibilitada a execução da deliberação, ou seja, suspenso o prazo concedido para a prestação de informações.

É finalmente colocada em causa a legalidade substancial da ordem (prestação de informações).

2.4.1. Eficácia da notificação

Rege nesta matéria, atenta a natureza da ordem emanada, a entidade que a proferiu e a natureza do procedimento em que foi proferido, o CPA, nomeadamente o seu art. 68º, no qual se dispõe:

«1. Da notificação devem constar:

a) O texto integral do acto administrativo;

b) A identificação do procedimento administrativo, incluindo a identificação do autor do acto e a data deste;

c) O órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para o efeito, no caso de o acto não ser susceptível de recurso contencioso.

2. O texto integral do acto pode ser substituído pela indicação resumida do seu conteúdo e objecto, quando o acto tiver deferido inteiramente a pretensão formulado pelo interessado ou respeite à prática de diligências processuais.»

Advirta-se, antes de mais, que, conforme é jurisprudência unânime dos tribunais administrativos que a deficiente notificação afecta, não a validade do acto, mas apenas a sua eficácia (cfr. entre muitos outros, os Acs. STA de 28/01/03, de 14/05/03, de 21/01/03 e 19/02/03, todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf e também Mário Esteves Oliveira in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, nota VIII ao art. 68º, pg. 358.

Tal constatação em nada contende com a enumeração supra feita dos elementos constitutivos da infracção que analisamos: o acto não só tem que ser válido como eficaz para que a sua desobediência possa ser qualificada como infracção.

A primeira notificação efectuada à arguida foi a constante de 2.1.4. e de 2.1.5., de igual conteúdo, por fax e por protocolo.

De tal notificação, cujo teor foi dado por reproduzido nos pontos referidos da matéria de facto provada, consta, literalmente, e sob a epígrafe “Notificação da deliberação do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações de 20/10/05”:

“Encarrega-me o Sr. Presidente do Conselho de Administração do ICP - Autoridade Nacional de Comunicações (ICP - ANACOM) de notificar V. Exa. da deliberação de 20 de Outubro de 2005, que a seguir se transcreve.”

Após esta introdução é transcrita a proposta que, sabemos nós foi aprovada na sua literalidade, e que termina, como proposta que é por propor que o Conselho de Administração delibere no sentido proposto.

O que falta a esta notificação?

Claramente, faltam duas menções: uma a do autor do acto e o próprio acto.

Ou seja, não consta, literalmente da notificação que se trata de uma deliberação do Conselho de Administração, apenas a informação, do autor da comunicação, de que foi encarregue de a fazer pelo Presidente do CA e ainda que a proposta é dirigida ao CA.

Também não consta literalmente da notificação que, àquela proposta transcrita correspondeu uma deliberação. Poder-se-á argumentar que não fazia qualquer sentido transcrever uma proposta de deliberação se ela não tivesse sido aprovada. No entanto, a lógica não supre a falta absoluta de uma das menções obrigatórias previstas por lei.

A primeira notificação da deliberação de 20/10/05, por não preencher os requisitos previstos no art. 68º nº1 do CPA, não desencadeou, pois, por ineficácia, o início do prazo de 10 dias para a prestação de informações.

Passemos então a analisar a notificação seguinte constante de 2.1.7.

Com data de 27/10/05 e sob a mesma epígrafe, voltou-se a transcrever a proposta já antes transcrita, mas com a seguinte introdução: “Em resposta ao fax de 26 de Outubro de 2005, notifico V. Exas. de que, por deliberação do Conselho de Administração do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações (ICP - ANACOM) de 20 de Outubro de 2005, foi aprovada a proposta que a seguir se transcreve integralmente:”

Desta vez mostram-se supridas as falhas apontadas à anterior notificação – identifica-se claramente o autor do acto, o Conselho de Administração do ICP – ANACOM e indica-se que, por deliberação deste, foi aprovada a proposta seguidamente transcrita.

Aponta a arguida a esta notificação, que o texto da deliberação não constava, novamente, desta notificação.

A parte da aprovação da proposta não consta, efectivamente, da notificação. Ou seja, a deliberação de aprovação da proposta foi só informada, não transcrita. Mas isso implica que não tenha sido transmitido o acto integral do acto administrativo? A resposta é, claramente, negativa. Se a deliberação aprovou a proposta, então a proposta (aprovada) consubstancia o acto administrativo (usamos a expressão em sentido muito lato e sem quaisquer preocupações de conformação ao disposto no art. 120º do CPA).

Consideramos, pois, a notificação datada de 27/10/05, efectuada de acordo com o disposto no art. 68º do CPA.

O prazo de 10 dias para satisfazer o pedido de informações iniciou-se pois, assim, no dia 28/10/05 e, contado nos termos previstos no art.72º do CPA, terminou no dia 14/11/05.

Apenas para terminar este capítulo, dir-se-á que não há qualquer contradição, na comunicação ICP – ANACOM de 03/11/05 (cfr. 2.1.9.) entre considerar satisfeita e plenamente eficaz (a nosso ver correctamente) a notificação de 27/10 e deferir um pedido de certidão, até por que a própria arguida dividiu os dois pedidos, não havendo qualquer fundamento razoável para indeferir o pedido de passagem de certidão.

2.4.2. Suspensão do prazo

A segunda questão, directamente, aliás, interligada com a primeira, prende-se com a providência cautelar entretanto intentada pela arguida.

Nesta matéria, com interesse, foram apurados os factos constantes de 2.1.13 a 2.1.15, ou seja, e recordando:

- A arguida intentou em 07/11/05, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, onde tomou o nº 1127/05.8BESNT, procedimento cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo contra ICP – ANACOM, pedindo a final “… nos termos dos arts. 112º e ss. do CPTA, deve o pedido cautelar ser julgado procedente, por provado, decretando-se a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho de Administração do ICP – ANACOM de 20 de Outubro de 2005 até decisão da acção principal.”, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 432 a 497 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

- O duplicado do requerimento inicial do procedimento referido em 2.1.13. foi recebido pelo ICP – ANACOM no dia 11/11/05.

- O procedimento cautelar referido em 2.1.13. foi julgado procedente por decisão de 05/01/06, a qual não havia transitado em julgado no dia 08/06/06, e na qual foi determinada “…a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho de Administração do ICP-ANACOM, de 20 de Outubro de 2005, que determinou, ao abrigo dos nºs 1 e 2 do art. 111º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, à R. a interdição imediata, por um período máximo de seis meses, da oferta do serviço Zapp a novos clientes, quando envolva o recurso a numeração geográfica e a interdição, por um período máximo de 6 meses, da prestação do serviço Zapp através do recurso à gama de numeração geográfica, aos actuais utilizadores, e à J. a cessação imediata e por um período máximo de 6 meses da cedência à R. dos direitos de utilização de números geográficos” nos termos e com os fundamentos constantes de 502 a 584 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Nos termos do disposto no art. 128º nº1 do CPTA: «Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.»

Não havendo notícia (e não tendo sido alegada) de qualquer circunstância relativa à segunda parte da previsão deste preceito, apenas nos interessa analisar a proibição de execução, a qual, no caso concreto, a abranger a concreta deliberação de ordem de prestação de informações, implicaria a suspensão do respectivo prazo.

Da conjugação do pedido formulado pela arguida no referido procedimento cautelar de suspensão de eficácia de acto com a deliberação do CA do ICP – ANACOM de 20/10/05 (facto nº 2.1.2.) desde logo ressalta que, para além da deliberação que ordenava a prestação de informações, outras deliberações respeitantes à arguida foram tomadas, nomeadamente “a interdição imediata, por um período máximo de 6 meses, da oferta do serviço Zapp a novos clientes, quando envolva o recurso a numeração geográfica;”, “a interdição, por um período máximo de 6 meses, da prestação do serviço Zapp através do recurso à gama de numeração geográfica, aos actuais utilizadores, devendo para o efeito informá-los, no prazo de 3 dias, de que o serviço será suspenso logo que decorrido um prazo de 15 dias;” e ainda a notificação da arguida para no prazo de um mês, se pronunciar, querendo, sobre os indícios de incumprimento das condições estabelecidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 34º da Lei nº 5/2004, devendo esclarecer, designadamente, as condições de interligação subjacentes ao processamento das chamadas de voz estabelecidas no âmbito do serviço Zapp, e informando-a de que os incumprimentos indiciados poderão levar à determinação, a título definitivo, da cessação da prestação do serviço Zapp, com os fundamentos supra referidos, caso estes venham a confirmar-se;”

Quer se adopte um sentido jurídico estrito de acto administrativo, quer se adopte um sentido jurídico estrito de deliberação a resposta é sempre idêntica: vários actos foram praticados e, ou, várias deliberações foram tomadas (não obstante formalmente ser uma a deliberação que aprovou a proposta, pois a sua aprovação implica que a deliberação tornou suas as várias propostas.

Ora o pedido de suspensão de eficácia de acto formulado pela arguida pede a suspensão da eficácia da deliberação de 20/10/05.

Trata-se, pois, de um pedido a carecer de interpretação, face ao(s) concreto(s) acto(s) praticados.
E a forma de interpretar um pedido é, obviamente, a análise da respectiva causa de pedir:

E percorrendo esta (fls. 432 a 497 dos autos, cujo teor foi dado por reproduzido), não encontramos uma referência sequer ao pedido de informações que aqui releva. Todos os factos alegados e argumentos expendidos se dirigem, directa e expressamente, até nas palavras da aqui arguida e ali requerente (cfr., por exemplo o art. 83º do requerimento inicial a fls. 448 dos nossos autos), à suspensão da eficácia da deliberação que determinou a aplicação de medidas provisórias (a primeira parte do ponto VII).

Como se concluiu aliás, na decisão proferida no referido procedimento, aquele visava tão só a suspensão da eficácia da deliberação que determinou a aplicação de medidas provisórias, apenas a estes se tendo imputado vícios e apenas a estes se assacando prejuízos.

A conclusão é clara e impõe-se: o pedido de suspensão de eficácia de acto não abrangia a deliberação tomada sob o nº1 do ponto VII pelo CA do ICP – ANACOM, pelo que a propositura do procedimento e a recepção do respectivo duplicado pela autoridade administrativa não suspenderam o prazo para prestação de informações por parte da arguida, o qual, assim sendo, terminou em 14/11/05, sem que tivesse sido satisfeito.
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2.4.3. Legalidade substancial do pedido de informações

O pedido de informações em análise foi do seguinte teor (facto 2.1.2.):

Ao abrigo do disposto no nº1 do art. 108º da Lei nº 5/2004, de 10.02, notificar a R. para, no prazo de 10 dias, informar esta Autoridade sobre todas as características do serviço Zapp, pronunciando-se sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º - utilização das frequências que lhe foram atribuídas para a prestação de um serviço que parece não se confinar aos limites do SMRP;”

Alega a arguida que o pedido de informações em análise foi efectuado com base na alínea c) do nº1, do art. 109º, ou seja, para verificação do respeito pelas condições estabelecidas nos arts. 27º, 32º e 34º, em particular, e como resulta da deliberação, para verificação do respeito das condições constantes das alíneas a) e b) do art. 32º.

Inexiste qualquer incumprimento por parte da arguida por não estar sujeita ao cumprimento destas condições, pelo que não está obrigada a fornecer quaisquer informações relativamente ao seu hipotético incumprimento.

Assim sendo o pedido carece de legitimidade e não é susceptível de ter como base jurídica a alínea c) do nº1 do art. 109º da Lei nº 5/2004.

Mais alega que as condições a que podem estar sujeitos os titulares de direitos individuais de utilização de frequências não decorre directamente da lei nº 5/2004, mas requer a intervenção, para o efeito, de acto do ICP – ANACOM, digladiando-se arguida e ARN, na sua resposta às alegações sobre a interpretação do art. 121º da Lei nº 5/2004.

Sem razão, quanto a nós, ARN e arguida.

Vejamos: o ponto em causa invoca como fundamento legal o disposto no art. 108º nº1 da Lei nº 5/2004.

Estabelece este preceito, sob a epígrafe, prestação de informações: «1 - As entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos da presente lei devem prestar à ARN todas as informações, incluindo informações financeiras, relacionadas com a sua actividade para que a ARN possa desempenhar todas as competências previstas na lei.

2 - Para efeitos do número anterior, as entidades devem identificar, de forma fundamentada, as informações que consideram confidenciais e devem juntar, caso se justifique, uma cópia não confidencial dos documentos em que se contenham tais informações.

3 - Os pedidos de informações da ARN devem obedecer a princípios de adequabilidade ao fim a que se destinam e de proporcionalidade e devem ser devidamente fundamentados.

4 - As informações solicitadas devem ser prestadas dentro dos prazos, na forma e com o grau de pormenor exigidos pela ARN, podendo ser estabelecidas as situações e a periodicidade do seu envio.

5 - Quando a ARN faculte à Comissão Europeia, por solicitação desta, informações obtidas nos termos dos números anteriores, deve informar desse facto as empresas envolvidas e pode solicitar à Comissão Europeia expressa e fundamentadamente que as não disponibilize a outras autoridades reguladoras.

6 - As informações prestadas à ARN nos termos do presente artigo podem ser comunicadas às autoridades reguladoras de outros Estados membros, na sequência de um pedido fundamentado, quando necessário para que possam exercer as respectivas responsabilidades nos termos do direito comunitário.

7 - Sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 4, deve ser assegurada pela Comissão Europeia e pelas autoridades reguladoras nacionais dos restantes Estados membros a confidencialidade da informação disponibilizada pela ARN quando esta a tenha identificado como tal nos termos da legislação aplicável.»

Depois estabelece o art.109º do mesmo diploma, sob a epígrafe, fins do pedido de informação:

«1 - A ARN pode solicitar informações especialmente para os seguintes fins:

a) Procedimentos e avaliação dos pedidos de atribuição de direitos de utilização;

b) Análises de mercado;

c) Verificação caso a caso do respeito das condições estabelecidas nos artigos 27.º, 32.º e 34.º, quer quando tenha sido recebida uma queixa, quer por sua própria iniciativa;

d) Verificação, sistemática ou caso a caso, do cumprimento das condições previstas nos artigos 28.º, 97.º e 105.º;

e) Publicação de relatórios comparativos da qualidade e dos preços dos serviços para benefício dos consumidores;

f) Fins estatísticos claramente definidos.

2 - As informações referidas nas alíneas b) a f) do número anterior não podem ser exigidas antecipadamente ou como condição de exercício da actividade.»

Resulta claramente da conjugação destes dois preceitos que têm previsões e alcances diversos. O art.108º consagra um dever genérico de prestação de informações, que a indicação de informações financeiras ajuda a precisar – tratam-se de informações “puras”, ou seja, sobre factos que possibilitem à ARN exercer (todas) as suas competências. É um dever instrumental que permite à ARN atingir o respectivo escopo.

Aqui, claramente se inclui a primeira parte do pedido de informações – informação sobre todas as características do serviço Zapp.

Além das informações previstas no art. 108º, pode ainda a ARN solicitar informações especificamente para os fins previstos no art. 109º. Resulta claramente da redacção dos preceitos que as informações solicitadas ao abrigo do art. 109º acrescem às informações previstas no art. 108º, não limitando as primeiras.

Todo o texto da deliberação fundamenta o pedido de informações formulado ao abrigo do art. 108º nº1 – informação sobre as características do serviço Zapp – e não vemos que tenha que se fundar, esta parte, na alínea c) do nº1 do art. 109º.

Depois a segunda parte não é, exactamente, um pedido de informações. O que é pedido à arguida é que se pronuncie sobre os indícios de incumprimento para além de informar todas as características do serviço Zapp.

Todos os argumentos alinhados pela arguida poderiam servir para não se pronunciar sobre os referidos indícios de incumprimento, que, a nosso ver, e como resulta da exposição que vai sendo feita, não consubstancia qualquer pedido de informações que tivesse que ser satisfeito ao abrigo do art. 108º da Lei nº 5/2004.

O que a arguida não podia recusar era prestar informações (factuais) sobre as características do serviço Zapp, verificando-se, aliás, que veio a prestar essas informações em 13/12/05 (ponto 2.1.11.), precisamente alinhando os argumentos pelos quais entendia não satisfazer o demais solicitado.

Se o que a arguida respondeu em 13/12/05 houvesse sido feito até 14/11/05, os argumentos respectivos teriam sido ponderados. Mas a arguida, pura e simplesmente, remeteu-se ao silêncio até lá, não satisfazendo, assim este concreto pedido de informações que sabia estar obrigada a satisfazer.
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Mostram-se, assim, preenchidos todos os elementos objectivos do tipo.

No que toca ao preenchimento do elemento subjectivo do tipo, ficou provado que a arguida conhece a disposição legal que a obriga à prestação de informações à ARN e que, não obstante não satisfez tal pedido, admitindo como possível a violação de obrigação a que sabia estar sujeita, agindo, pois, com dolo eventual.
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2.5. Da escolha e medida da sanção a aplicar

Determinada a prática da contra-ordenação resta apenas apurar a sanção a aplicar.

A contra-ordenação praticada pela arguida é punida com uma coima de € 5 000 a € 50 000 000 (art. 113º nº2 da Lei nº 5/2004).

«A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.» (art. 18º nº1 do Decreto Lei nº 433/82 de 27/10).

A contra-ordenação assume um baixo grau de ilicitude: a arguida agiu com dolo eventual, a actuação foi temporária, vindo posteriormente a satisfazer o pedido de informações, agiu num quadro de convencimento do bem fundado da sua posição, escudada em argumentos jurídicos (se bem que, efectivamente, só quanto a parte do pedido de informações que lhe estava a ser feito). Ou seja, temos um baixo desvalor da acção e um quase nulo desvalor do resultado, uma vez que a informação relevante acabou por ser obtida.

A culpa é mediana, não relevando qualquer especial censurabilidade.

As necessidades de prevenção especial são elevadas, dado o seu estatuto urgindo motivá-la ao cumprimento das decisões do regulador.

O acatamento da decisão foi uma conduta voluntária da arguida.

Não se mostram, porém, elevadas as necessidades de prevenção geral, face ao número reduzido de destinatários deste tipo de decisões.

A arguida não retirou da infracção qualquer benefício económico.

Não se apurou a existência de antecedentes contra-ordenacionais.

A arguida manteve ao longo dos autos uma conduta colaborante.

Entende-se, pois, face ao quadro fixado, que a coima a aplicar deverá ser muito próxima do mínimo, precisamente correspondendo a coima fixada pela Autoridade ao mínimo legal previsto para esta infracção.

Tudo visto e ponderado atendendo à situação económica da arguida, o Tribunal entende adequada a medida da coima fixada pela Autoridade de € 5 000.

3. Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando provimento ao recurso interposto o tribunal decide:

a) Condenar a arguida R., …., com sede em Sintra, …pela prática, como autora material, de uma contra-ordenação prevista e punida pelos arts. 108º nº1 e 113º nº 2 da Lei nº 5/2004 de 10/02, na coima de € 5 000 (cinco mil euros);

b) Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs (arts. 93º nº 3 e nº4, do Decreto Lei nº 433/82 de 27 de Outubro, na redacção do art. 9º do Decreto Lei nº 323/01 de 17/12 e 87º nº 1, al. c) do Código das Custas Judiciais).

Notifique.

Proceda-se ao depósito desta sentença.

Comunique à autoridade administrativa, nos termos do disposto no art. 70º nº4 do Decreto-Lei nº 433/82 de 17/10, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 244/95 de 14/09.”]]

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3. Ainda não resignada, a arguida R. interpôs recurso do assim decidido, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) O Douto Despacho recorrido incorre em erro de julgamento na medida em que declara que a primeira parte do pedido de informações, onde era solicitado à Arguida que informasse o ICP-ANACOM sobre todas as características do seu serviço Zapp, poderia legitimamente fundar-se no n.°l do artigo 108.° da Lei n.°5/2004 - sem ter de respeitar os fins estabelecidos no n.º l do art. 109.° -, pelo que a Arguida não poderia recusar-se a prestar a informação solicitada.

B) Ao contrário do que é afirmado pelo Tribunal a quo, as informações solicitadas ao abrigo do artigo 109.°, n.°l, não acrescem às informações previstas no artigo 108.°, n.º1

C) Na verdade, ambos estes artigos estabelecem um mesmo e único regime de prestação de informações, complementando-se entre si.

D) O art. 108.°, n.º1, dirige-se especificamente às entidades que, como a Arguida, se encontram sujeitas a obrigações no âmbito da Lei n.º 5/2004, estabelecendo o dever destas entidades prestarem todas as informações solicitadas pela ARN (o ICP-ANACOM) e um correlativo direito da ARN a pedir informações.

E) Por seu turno, o art. 109.° n.º1, que tem como destinatário a ARN, estabelece o enunciado de fins para os quais esta pode solicitar informações.

F) Não há, por conseguinte, dois tipos diversos de informações que a ARN possa solicitar nos termos de um ou outro daqueles preceitos, existindo, isso sim apenas um direito da ARN pedir informação nos termos do art. 108.°, direito esse que não é absoluto, na medida em que deve conformar-se aos fins estabelecidos pelo art. 109.°.

G) Veja-se, aliás, que o art. 113.º da Lei n.°5/2004, não comina qualquer sanção para o incumprimento de uma suposta obrigação de prestação da informação consagrada no art. 109.°, n.º1 justamente porque este último preceito não estabelece qualquer direito da ARN à informação, antes limitando o seu exercício nos termos do n.º1 do art. 108.°.

H) Por seu turno, o art. 11.° da Directiva Autorização, que o art.109.° e 108 (parcialmente) transpõem, consagra idênticos limites no que se refere aos fins para os quais a ARN poderá solicitar informações.

I) Ora, resulta dos fundamentos e da parte dispositiva da Deliberação do ICP-ANACOM de 20 de Outubro de 2005 que o pedido de informações dirigido Arguida tinha como base jurídica a alínea c) do n.°1 do art. 109.° da Lei n.°5/2004 e, por conseguinte, que a respectiva finalidade era a verificação caso a caso do respeito das condições estabelecidas no artigo 32.° da Lei n.°5/2005, em particular no seu n.°1, als. a) e b).

J) Tendo partido do pressuposto erróneo de que a primeira parte do pedido de informações não se destinava a um fim específico, o Tribunal a quo absteve-se de pronunciar-se sobre a argumentação essencial da arguida e que legitima o seu não fornecimento atempado da informação pedida.

K) Com efeito, a Arguida nunca poderia encontrar-se obrigada a responder a um pedido de informações destinado à verificação do respeito de condições - as previstas nas alíneas a) e b) do n.°l do aludido artigo 32.° - cujo cumprimento não lhe podia ser exigido.

L) Na verdade, o mais tardar, à data da entrada em vigor da Lei n.°5/2004 (que transpõe, com largos meses de atraso, a Directiva Autorização), o ICP-ANACOM deveria ter adaptado os títulos dos operadores (como a anterior licença da Arguida, que a habilita à prestação dos seus serviços móveis) ao novo regime de oferta de redes e serviços de comunicações electrónicas estabelecido pela aludida lei, nos termos do seu art. 121.°, n.°1, que transpõe para o ordenamento jurídico português o art. 17.°, n.º1, da Directiva Autorização.

M) No que se refere aos operadores, como Arguida, titulares de direitos de utilização de frequências, tal adaptação de títulos importa a prévia definição e expressa imposição, pelo ICP-ANACOM, a esses operadores de um conjunto de condições/obrigações consagradas no n.°l do art. 32.° da Lei n.°5/2004 – condições associadas aos direitos de utilização de frequências -, a ter lugar, por remissão do n.°2 do art.32.°, mediante observância do regime definido pelos n.°2 e 3 do artigo 27.° da Lei n.°5/2004.

N) Não o tendo feito até hoje - facto reconhecido pelo ICP-ANACOM e que constitui matéria de facto provada, constante do Despacho do Tribunal a quo a fls. 594 - não poderá o ICP-ANACOM exigir o cumprimento da condições/obrigações a que aludem as alíneas a) e b) do n.°l do art. 32, nem, por conseguinte, solicitar informações tendo em vista aferir do seu (in)cumprimento.

O) Admitir, como o ICP-ANACOM, que todas ou certas condições/obrigações que vinculavam a Arguida (por força da sua anterior licença) na vigência do quadro legal anterior pudessem transitar automaticamente para o novo regime (sendo, como tal, exigíveis, mesmo na ausência do procedimento de adaptação de títulos a que alude o art. 121.°, n.°1), por força do n.°5 do art.121.° da Lei n.°5/2004, configura uma interpretação errónea deste último preceito, contrariando o direito comunitário, em particular, o art.17.°, n.º1 da Directiva Autorização.

P) Por conseguinte, em virtude do princípio da interpretação do direito nacional conforme ao direito comunitário, uma tal interpretação não pode prevalecer.

Q) Na verdade, o artigo 17.°, n.°l da Directiva Autorização deve ser interpretado no sentido de que o procedimento nele regulado, mediante o qual os Estados Membros (em Portugal, o ICP-ANACOM) tornarão conformes com as disposições dessa Directiva as autorizações existentes de empresas titulares de direitos individuais de utilização de frequências (incluindo a licença de que a Arguida era titular), deverá ser cumprido mediante a expressa imposição a essas mesmas empresas, nos termos do artigo 6.°. n.°l daquela Directiva, das condições a que alude a parte B do seu Anexo, não sendo exigível a tais empresas, na ausência daquele procedimento, o cumprimento das aludidas condições.

R) Tratando-se esta de uma questão essencial ao julgamento da causa e não sendo a decisão que esse Venerando Tribunal vier a proferir susceptível de recurso, caso se prefigurem dúvidas no que se refere à interpretação do aludido art. 17.°, n.°l, da Directiva Autorização atrás enunciada, crê-se dever a mesma suscitar um pedido prejudicial, nos termos do art. 234.º do Tratado CE.

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4. A Exma. Magistrada do Ministério Público no tribunal recorrido, na resposta que apresentou, entende que a decisão recorrida deve ser mantida, dizendo, em conclusão, que:

“A – O douto despacho recorrido fez correcta interpretação e aplicação da lei, sendo totalmente improcedente a argumentação da recorrente, porquanto:

B - Da interpretação conjugada dos artigos 108° e 109° da LCE não resulta que os pedidos de informação efectuados ao abrigo do primeiro tenham que obedecer às finalidades previstas no segundo.

C - O n.º1 do artigo 108° da LCE determina que as entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos daquela Lei devem prestar à ARN todas as informações, incluindo informações financeiras, relacionadas com a sua actividade, para que a ARN possa desempenhar todas as competências previstas na lei.

D - O citado preceito consagra, assim, um dever genérico de prestação de informações à ARN, por parte das entidades sujeitas a obrigações nos termos da LCE, para que esta possa desempenhar todas as competências previstas na lei, designadamente, no que ora releva, as suas competências de fiscalização e supervisão do sector das comunicações electrónicas e de gestão do espectro radioeléctrico, envolvendo a planificação, a atribuição dos recursos espectrais e a sua supervisão, previstas, respectivamente, nos artigos 6°, n.° 1, alíneas b) e c) dos Estatutos do ICP-ANACOM (aprovados pelo Decreto-Lei n.°309/2001,de07.12 ) e no artigo4°, n.°1 da LCE.

E - E, conforme resulta claramente da própria letra do citado n.°1 do artigo 108°, as informações a prestar ao abrigo deste preceito têm uma finalidade, que é a de permitir que a ARN possa desempenhar todas as competências previstas na lei.

F - Trata-se, como é evidente, de uma finalidade genérica, não sujeita a quaisquer restrições, ou seja, para que a ARN possa desempenhar todas as competências previstas na lei, pode solicitar às entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos da LCE todas as informações, incluindo informações financeiras, relacionadas com a sua actividade.

G - O n.º1 do artigo 109° da LCE prevê que a ARN pode solicitar informações especialmente para os fins taxativamente enunciados nas suas alíneas.

H - Contrariamente ao referido pela Recorrente, não decorre da redacção do preceito que a ARN (apenas) poderá solicitar informação especialmente para os fins nele enunciados. A enumeração de finalidades constante do n.º1 do artigo 109° não é taxativa, como decorre, desde logo, da utilização do advérbio "especialmente".

I - Assim, para além do dever genérico de prestar informações para efeitos do desempenho, pela ARN, de todas as competências previstas na lei, o legislador entendeu especificar, no referido n.º1 do artigo 109°, alguns fins para os quais também poderiam ser solicitadas informações.

J - O artigo 109° não pretendeu limitar os fins para os quais a prestação de informações ao abrigo do artigo 108° poderá ter lugar, mas unicamente especificar, dentro da finalidade genérica do desempenho, pela ARN, de todas as competências previstas na lei, alguns desses fins.

K - A previsão do artigo 109° não tem como destinatárias as entidades sujeitas a obrigações nos termos da LCE - como é o caso da estatuição do artigo 108° -, mas tão só a própria ARN, pelo que, assim sendo, não fazia qualquer sentido punir o seu incumprimento como contra-ordenação.

L - Acresce que a prestação de qualquer tipo de informações encontra a sua base legal no artigo 108° da LCE, limitando-se o artigo 109°, como já se referiu, a especificar alguns fins, para além da finalidade genérica prevista no artigo 108°, que podem fundamentar também o pedido de informações.

M - Assim, a Recorrente, enquanto empresa que presta serviços de comunicações electrónicas sujeita a obrigações nos termos da LCE, estava obrigada, nos termos do disposto no citado artigo 108°, a prestar ao ICP-ANACOM as informações referidas no n.º1 do ponto VII da Deliberação de 20.10.2005, designadamente, informar o ICP-ANACOM sobre todas as características do serviço Zapp, pronunciando-se sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alínea a) e b) do n.°1 do artigo 32° - utilização das frequências que lhe foram atribuídas para a prestação de um serviço que parece não se confinar aos limites do SMRP, no prazo concedido pelo Regulador (10 dias).

N -.É inequívoco que o mencionado pedido versou sobre informações relacionadas com a actividade da Recorrente, mais precisamente, sobre as características de um serviço por si comercializado - o serviço Zapp.

O - Mais se solicitava à Recorrente que se pronunciasse ainda sobre a forma como se coadunava a prestação do serviço Zapp com a utilização de frequências atribuídas unicamente para a prestação do serviço móvel com recursos partilhados, serviço este de âmbito muito mais restrito.

P - O pedido efectuado não extravasou o âmbito das informações previstas no n.º1 do artigo 108°, estando, assim, a Recorrente obrigada, nos termos daquele preceito, a prestar essa informação à ARN, e o ICP-ANACOM absolutamente legitimado a solicitar-lhe a referida informação.

Q - Na citada Deliberação, o ICP-ANACOM não referiu o fim do pedido de informações efectuado ao abrigo do artigo 108° da LCE, pelo que não é legítimo à Recorrente afirmar que a tal pedido subjaz o fim a que alude a alínea c) do n.° 1 do artigo 109°.

R - Na sequência da determinação formulada pelo ICP-ANACOM ao abrigo do citado preceito, a Recorrente estava obrigada a responder a esse pedido de informação, no prazo concedido pelo Regulador (10 dias), e era na resposta a tal pedido de informações que a Recorrente deveria enunciar as razões pelas quais considerava não ter incumprido as condições constantes das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 32° da LCE.

S - A Recorrente tinha perfeita consciência de que era este o procedimento a observar, como, desde logo, demonstra o facto de, em 14.12.2005, ter vindo a responder ao pedido de informações efectuado ao abrigo do referido n.° 1 do artigo 108°, alegando que não tinha incumprido essas condições em virtude de as mesmas não lhe terem sido impostas por acto do ICP-ANACOM posterior à entrada em vigor da LCE. Fê-lo, contudo, extemporaneamente, conforme resulta dos autos.

T - É verdade que, conforme certidão emitida, as condições referidas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 32° da LCE não foram impostas à Recorrente por acto do ICP-ANACOM proferido após a entrada em vigor daquela Lei. No entanto, essas condições foram efectivamente impostas à Recorrente ao abrigo do quadro legal anteriormente vigente.

U - Antes da entrada em vigor da LCE, a atribuição de frequências para o estabelecimento de redes ou para a prestação de serviços estava sujeita a licença [cfr. artigo 4°, n.° 2, alínea c) do Decreto-Lei n.º 381-A/97, de 30.12] e nas licenças eram estabelecidas as condições associadas à utilização do espectro [vide artigos 14°, n.° 2, alínea b) e 25° do mesmo diploma).

V - No caso do serviço móvel com recursos partilhados (como de outros serviços móveis) - único para o qual a Recorrente se encontra habilitada - a sua prestação pressupõe a utilização do espectro radioeléctrico, bem do domínio público só passível de utilização privativa mediante acto permissivo da Administração.

X - O direito de utilização do espectro radioeléctrico é atribuído com a associação de condições, com destaque para a designação do serviço a que se destina.

Z - Como resulta da licença n.º 012/SMRP de que a Recorrente é titular, quer nos seus termos actuais, quer na sua versão original, os direitos de utilização de frequências que lhe foram atribuídos foram sempre consignados à prestação do serviço móvel com recursos partilhados.

AA - Após a entrada em vigor da LCE, a licença n.º 012/SMRP não subsistiu no ordenamento jurídico português como um acto constitutivo do direito da Recorrente à prestação do serviço móvel com recursos partilhados, mas persiste como título do acto de atribuição do direito de utilização de frequências do espectro radioeléctrico.

BB - Subsistindo esse direito, subsistem, é claro, as respectivas disposições que respeitam à atribuição de frequências para a prestação do serviço em causa através do sistema CDMA e às condições de uma sua utilização efectiva e eficiente, em plena conformidade com os artigos 19°, n.º 3 e 32° n.º 1, alínea b) da LCE, desde que se trate de condições postas no domínio da lei antiga que devessem (pudessem) subsistir no domínio da lei nova, como é manifestamente o caso das condições relativas à efectiva e eficiente utilização das frequências atribuídas ao prestador dos serviços de telecomunicações.

CC - Nos termos da licença n.º 012/SMRP, foram atribuídos à LCE, antes da vigência da LCE, direitos de utilização de frequências.

DD - De acordo com o estabelecido no n.º 4 do artigo 121° da LCE, as empresas mantêm os direitos de utilização dos recursos de numeração e frequências atribuídos antes da publicação da presente lei até ao termo do prazo fixado no respectivo título de atribuição, quando tal prazo exista, e nos termos do disposto no n.º 5 do mesmo preceito, mantêm-se aplicáveis todas as obrigações assumidas pelas empresas licenciadas em concursos realizados antes da publicação da LCE.

EE - As mencionadas disposições estabelecem, assim, o regime transitório que vigorará até à efectiva regularização de títulos pela ARN, conforme lhe impõe o n.º1 do mesmo artigo 121°.

FF - Sendo a Licença ICP-ANACOM-012/SMRP de que a Recorrente é titular válida até 14.10.2008, até esta data a Recorrente mantém os direitos de utilização de frequências atribuídos antes da publicação da LCE, devendo em conformidade, observar as condições inerentes a esses mesmos direitos.

GG - Assim sendo, contrariamente ao que sustenta, houve de facto a imposição à Recorrente de condições associadas à utilização de frequências, com destaque para a designação do serviço a cuja prestação se destinavam, e não obstante a referida condição ter sido imposta anteriormente à entrada em vigor da LCE, é materialmente compatível com esta Lei e mantém-se incólume, sem necessidade de qualquer alteração ou adaptação.

HH - É verdade que as condições a que podem ser sujeitos os direitos individuais de utilização de frequências, nos termos do artigo 32° da LCE, devem ser definidas pelo ICP-ANACOM e impostas por acto do mesmo.

II - No caso da Recorrente, no quadro legal vigente anteriormente àquele diploma, foi designado o serviço para o qual a mesma dispõe de tais recursos, o que constitui uma condição da sua utilização que se mantém plenamente válida e eficaz.

JJ - Ao contrário do que a Recorrente refere no artigo 48° das suas alegações, a lei não impõe ao ICP-ANACOM que explicite, mediante procedimento, as (condições relativas à utilização de frequências) que se mantêm, alteram ou deixam de se aplicar à luz do quadro de condições previsto no artigo 32° da LCE.

KK - O que o n.º 1 do artigo 121° da LCE estabelece é que compete ao ICP-ANACOM proceder às alterações e adaptações necessárias aos registos e licenças emitidos ao abrigo da legislação entretanto revogada por aquela Lei.

LL- Ora, não é este o caso da condição que consiste na designação do serviço, associada à utilização de frequências por parte da Recorrente, pois, sendo inteiramente compatível com a nova lei, mantém-se inalterada.

MM - O n.º1 do artigo 121° da LCE não fixou qualquer prazo para o ICP-ANACOM proceder à alteração e adaptação dos registos e licenças emitidos ao abrigo da legislação anterior, nem o fez a Directiva Autorização, com o alcance pretendido pela Recorrente.

NN - No artigo 18° da Directiva Autorização a que a Recorrente faz apelo, não se exige que as ARN's declarem as condições constantes dos títulos anteriores que se mantêm em vigor. Essa norma refere-se, sim, à sua transposição para os ordenamentos jurídicos nacionais.

OO - Termos em que se conclui que a lei não prevê qualquer consequência para o facto de não terem sido alterados os títulos anteriores à sua vigência, nem o fazem as directivas comunitárias.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se na íntegra a douta decisão recorrida.”

5. Subidos os autos a esta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, dizendo, no essencial, o seguinte:

“O objecto do presente recurso está relacionado a melhor interpretação a dar ao artigo 121.° n..º 1 da Lei n.º 5/2004, de 10/2, face, ao disposto no seu n.º5, o que alegadamente contraria o disposto no art. 17.° n.º l da Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, publicada no J. O. C. E. de 24/4/02 L 108, págs. 21 e ss., conforme se coloca nas als. O) a Q) das conclusões de recurso.

A questão prejudicial que se coloca na al. R das conclusões de recurso é de colocar ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (T.J.C.E.), nos termos do art. 234.° do Tratado CE., o que parece resultar até obrigatório, embora não com os efeitos a que alude o art. 7.° n.°2 do C.P.P..

Com efeito, nos termos do art. 7.° n.° l do C.P.P., é no processo penal que se resolvem todas as questões que lhe são colocadas, embora nos n.°s seguintes se admita a devolução, ainda que não com carácter obrigatório, como existe noutras legislações estrangeiras, conforme referia já em 1974 o Prof. Figueiredo Dias em Direito Processual Penal, I vol., ed. da Coimbra Editora, p. 163 e ss..

Por outro lado, a dita disposição do Tratado CE não impõe a suspensão do respectivo processo.

Questão que se pode colocar é a dos efeitos de do acórdão que venha ser proferido por aquele Tribunal.

É sabido que a decisão do T.J.C.E. não pode constituir a resolução de um caso concreto, sendo sempre caracterizada pela generalidade e abstracção dos seus termos, segundo refere Miguel de Almeida Andrade, em "Guia Prático do Reenvio Prejudicial", ed. do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da P.G.R..

No entanto, ainda segundo este autor, "implica que valha para todas as situações a que seja aplicável, incluindo as que se constituíram anteriormente à fixação da sua interpretação", "ressalvando-se os casos de boa fé".

Crê-se que uma decisão do T.J.C.E. favorável à pretensão do recorrente, apenas poderá levar à aplicação do disposto no art. 2.° n.° 2 do C. Penal, quanto aos efeitos que for então possível produzir.

Concluindo, parece que é de sujeitar a apreciação da questão prejudicial a que se refere o recurso interposto ao T.J.C.E., embora não com os efeitos a que alude o art. 7.° n.° 2 do C.P.P., sendo de designar audiência para apreciação do recurso interposto, nos termos do art. 421.° do C.P.P.. “

6. Cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP, vieram responder a arguida e o ICP – Anacom.

6.1 – A arguida R. fê-lo nos termos constantes de fls.664 a 671, que a seguir se reproduzem:

“1 - No seu Douto Parecer, o Ministério Público ("MP") pronuncia-se favoravelmente quanto à apresentação de um pedido prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias ("TJCE"), concluindo que tal pedido"parece resultar até obrigatório", nos temos do art. 234.°do Tratado CE.

2 - Porém, acrescenta que a formulação de um tal pedido não acarreta a sujeição "aos efeitos a que alude o art. 7.° n.°2 do C.P.P.», sendo, nesta medida designar audiência para apreciação do recurso interposto, nos termos do art. 421.°doC.P.P.".

3 - Ressalta do Parecer que o Ministério Público parece fundamentar esta última conclusão no princípio da suficiência do processo penal e na própria letra do artigo 224.° do Tratado CE.

4 - Com efeito, segundo refere o MP, "nos termos do art. 7.° n.° l do C.P.P., é no processo penal que se resolvem todas as questões que lhe são colocadas, embora nos n.°s seguintes se admita a devolução, ainda que não com carácter obrigatório (...)".

5 - Acrescentando que o art. 224.° do Tratado CE "não impõe a suspensão do respectivo processo".

6 - Enfim, citando o Guia Prático do Reenvio Prejudicial, ed. do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da P.G.R., o MP refere que a "decisão do T.J.C.E. (...) caracterizada pela generalidade e abstracção dos seus termos", deverá acarretar "que valha para todas as situações a que seja aplicável, incluindo as que se constituíram anteriormente à fixação da sua interpretação (...) ressalvando-se os casos de boa fé".

7 - Concluindo que um Acórdão do TJCE «favorável à pretensão do recorrente, apenas poderá levar à aplicação do disposto no art. 2.° n.° 2 do C. Penal, quanto aos efeitos que for então possível produzir."

8 - Em suma, o que resulta do Parecer do MP é que este, por um lado, entende dever ser suscitado um pedido prejudicial junto do TJCE.

9 - O que pressupõe, importa sublinhar, que o MP acolheu favoravelmente a argumentação da Recorrente no sentido de que os pedidos de informação da ARN, formulados ao abrigo do art. 108.° da Lei n.°5/2004, de 10 de Fevereiro ("Lei n,°5/2004" devem sujeitar-se aos fins a que alude o n.°l do art. 109.° daquela mesma lei.
10 - E que, tal como invocado pela Recorrente, entende ter esse sido o caso no pedido de informações dirigido pelo ICP - Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM) à Recorrente, que tinha por objectivo a verificação, caso a caso, do respeito das condições estabelecidas nas alíneas a) e b) do n.°l do art. 32.° da Lei n.°5/2004.

11 -Condições que nunca foram impostas à Arguida ora Recorrente, o que constitui matéria de facto provada, conforme resulta do Douto Despacho do Tribunal a quo.

12 - E pressupõe também que o MP entende que a interpretação do preceituado no art. 121.° da Lei n.°5/2004, à luz do que se dispõe no art. 17.°, n.°l, da Directiva 2002/20/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002 ("Directiva Autorização") é passível de dúvidas.

13 - Razão pela qual, não sendo a decisão que esse Venerando Tribunal vier a proferir susceptível de recurso, conclui pela obrigatoriedade de um pedido prejudicial ao TJCE.

14 - Solução que a Recorrente entende ser a mais consentânea com a letra do art.234.° do Tratado CE.

15 - Por outro lado, o MP não admite, porém, que a apresentação de tal pedido acarrete a suspensão do presente processo até à prolação do acórdão pelo TJCE, entendimento que a Recorrente não partilha.

16 - Com o devido respeito, a suspensão da instância é o efeito natural e necessário de um reenvio prejudicial.

17 - Na ausência do qual correr-se-ia o sério risco de que o acórdão do TJCE viesse a ser proferido após a decisão do tribunal nacional, não tendo, por conseguinte, qualquer impacto nesta mesma decisão.

18 - Frustrando-se, também, o objectivo primordial do reenvio que é o de dar um contributo para a resolução de um litígio junto de um tribunal nacional assegurando a uniformidade na aplicação e interpretação das normas comunitárias.

Senão vejamos.

II. Da necessidade de suspensão do processo à luz do Direito Comunitário.

19 - Segundo INÊS QUADROS, o reenvio prejudicial, previsto no art. 234.° do Tratado CE, constitui um:

"(...) auxiliar da interpretação das normas comunitárias levada a cabo pelo juiz nacional, ao garantir a este a possibilidade de requerer a colaboração e o apoio do Tribunal de Justiça na aplicação do Direito Comunitário, tendo em vista solução das questões comunitárias que repute complexas ou controversas" (A Função Subjectiva da Competência Prejudicial do Tribunal de Justiça da Comunidades Europeias, Almedina, 2006, p. 33).

20 - Há, por conseguinte, uma relação estreita entre o processo que corre os seus termos no TJCE e o processo nos tribunais nacionais, que decorre da própria letra do Tratado.

21- Nos termos do art. 234.° do Tratado CE:

"O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial:

a) Sobre a interpretação do presente Tratado;

b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas Instituições da Comunidade e pelo BCE;

c) Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por actos do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam."

22 - Segundo o mesmo artigo:

"Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie" (sublinhado nosso)

23 - Resulta deste preceito que um dos requisitos do reenvio prejudicial previsto no artigo 234.° do Tratado CE é o da instrumentalidade da intervenção do juiz comunitário face ao processo que corre os seus termos no tribunal nacional.

24 - A esta luz, deve uma questão ser colocada ao TJCE apenas se o juiz nacional considerar que a resposta daquele tribunal é necessária ao julgamento da causa", o que pressupõe que essa resposta deva poder ser dada em tempo útil, isto é, antes de o processo se encontrar concluído no tribunal nacional.

25 - Por conseguinte, o juiz nacional apenas poderá dar cumprimento ao disposto no art. 234.° do Tratado CE se suspender a instância até que o TJCE profira o acórdão respondendo à questão colocada.

26 - Tal obrigação constitui, aliás, um imperativo de boa aplicação da justiça e decorre dos princípios da cooperação judiciária e da tutela jurisdicional efectiva.

27 - Com efeito, o reenvio prejudicial é, por essência, o instrumento de uma cooperação judiciária:

"(...) mediante a qual a jurisdição nacional e o Tribunal de Justiça, no quadro das respectivas competências, são chamados a contribuir directa e reciprocamente para a elaboração de uma decisão, com vista a assegurar a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos Estados-Membros" (Acórdão de 1 de Dezembro de 1965, Schwarze, 16-65, pg. 1094, Rec. P.1081, nossa tradução da versão em francês e sublinhado nosso).

28 - O que importa que, no âmbito dessa cooperação, o TJCE forneça uma resposta à questão que lhe é colocada pelo tribunal nacional e este ultime utilize os mecanismos processuais existentes no direito nacional para salvaguardar o efeito útil daquela resposta.

29 - Como ensina MOTA DE CAMPOS:

"No exercício da sua competência interpretativa, o TJCE orienta-se por duas espécies de considerações: fornecer ao juiz nacional uma resposta útil para a solução do diferendo que lhe está submetido, e não ultrapassar os limites da sua própria competência" (Contencioso Comunitário, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 187, e sublinhado nosso).

30 - Ora, o corolário dessa “resposta útil para a solução do diferendo" é o de que a jurisdição nacional assegure que no momento em que o TJCE se pronuncie, tal pronúncia possa ser tida em conta no julgamento da causa.

31- Pelas razões apontadas, a questão das consequências de um reenvio prejudicial ao nível do andamento do processo num tribunal nacional é matéria pacífica, não tendo por isso sido objecto de grande desenvolvimento pela jurisprudência comunitária e pela doutrina.

32 - Ainda assim, em recente acórdão, o TJCE pronunciando-se incidentalmente sobre a questão, referiu:

“Em contrapartida, se esses órgãos jurisdicionais julgarem procedentes um ou vários fundamentos de invalidade de um acto comunitário invocados pelas partes ou, se for caso disso, suscitados ex officio (...), compete-lhes suspender a instância e apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial quanto à validade do acto comunitário (Acórdão de 10 de Janeiro de 2006, The Queen/Department for Transport, C-344/04, p. 30, Colect. 2006 p. I - 406, e sublinhado nosso)

33 - Por seu turno, tal é expressamente vincado em "Nota informativa relativa à apresentação de pedidos de decisão prejudicial pelos órgãos jurisdicionais nacionais" (JOCE C 143, de 11/6/2005), onde o TJCE esclareceu que: "(...) a apresentação de uma questão prejudicial acarreta a suspensão da instância no processo nacional até à decisão do Tribunal de Justiça." (parágrafo 25, e sublinhado nosso) 34. Enfim, o Estatuto do TJCE estabelece:

Nos casos previstos no (...) artigo 234." do tratado CE (...) a decisão do órgão jurisdicional nacional que suspenda a instância e que suscite a questão perante o Tribunal é a este notificada por iniciativa desse órgão (...)" (art. 23.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do TJCE, e sublinhado nosso).

35 - Donde, também daqui decorre que a suspensão da instância no tribunal nacional é um pressuposto e uma diligência previa à formulação da(s) questão(ões) prejudicial(is).

36 - De referir, ainda, que este entendimento tem sido abundantemente sufragado pela jurisprudência portuguesa.

37 - Que tem sido unânime no reconhecimento de que o reenvio de uma questão prejudicial ao TJCE implica necessariamente a suspensão do processo até decisão daquele Tribunal (neste sentido, veja-se, a titulo meramente, exemplificativo, os Acórdãos STJ de 7-03-2002, STA de 12-01-2000 e de 23-09-99, RP de 8/11/2001).

38 - No que se refere à doutrina portuguesa, CARAMELO GOMES entende que o reenvio prejudicial é:

“(...) um incidente da instância que se desenvolve a um nível nacional. Inicia-se com a suspensão da instância e a colocação de uma questão prejudicial ao TJCE e termina com um acórdão, retomando-se nessa altura a instância principal devendo o juiz nacional resolver o litígio em concordância com a pronúncia do TJCE" (O Juiz Nacional e o Direito Comunitário, Almedina, 2003, P. 55, e sublinhados nossos).

39 - A este título, importa também referir que a regra que determina a suspensão da instância em caso de reenvio prejudicial não distingue entre litígios em matéria civil, administrativa ou criminal.

40 - Impondo-se, do mesmo modo, independentemente da natureza do processo em que seja suscitada a questão a colocar ao tribunal comunitário.

41 - Por seu turno, nem o legislador comunitário nem a jurisprudência do TJCE se ocuparam da questão de saber como materializar nas jurisdições nacionais a obrigação de suspender a instância em caso de reenvio prejudicial.

42. Deixando essa tarefa ao legislador nacional, o qual, porém, é obrigado a consagrar soluções processuais que respeitem, na sua plenitude, o mecanismo previsto no artigo 234.° do Tratado CE.

43. Termos em que, caso existam dúvidas por parte desse Venerando Tribunal no tocante à interpretação do art. 17.°, n.°l, da Directiva Autorização enunciada pela Recorrente, deverá ser suscitado um reenvio prejudicial no âmbito da presente instância, tal acarretando a suspensão do processo até à prolação do acórdão pelo TJCE.

III: Da obrigatoriedade de suspensão da instância penal.

44 - O princípio da suficiência do processo penal, consagrado no n.° 1 do art. 7.° do CPP, não deve prevalecer quando esteja em causa a exegese de uma norma comunitária que o juiz nacional entenda não estar em condições de interpretar.

45 - Com efeito, o primado da jurisdição penal na resolução das questões prejudiciais não implica a exclusividade da sua competência para o julgamento de todas as questões não penais relevantes para a apreciação e julgamento da causa.

46 - O n.°2 do art. 7.° do CPP dispõe:

"2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente."

47- Transposta a solução consagrada nesta norma para o quadro do reenvio prejudicial em discussão na presente instância,

48 - Deve entender-se que, quando o tribunal nacional entenda não estar em condições de interpretar uma norma comunitária necessária ao conhecimento da existência de um ilícito penal/contra-ordenacional,

49 - Deve necessariamente suspender o processo até à decisão dessa questão pelo TJCE, ainda que aquele preceito, ao aludir a que o tribunal “pode suspender o processo", pareça admitir que o juiz possa optar entre recorrer e não a tal mecanismo processual.

50 - Na verdade, a interpretação do artigo 7.°, n.°2, do CPP, em sede de reenvio prejudicial, está vinculada ao preceituado no art. 234.° do Tratado CE.

51 - Que, como vimos, impõe que tenha forçosamente lugar a suspensão do processo, de modo a permitir o efeito útil do acórdão interpretativo do TJCE.

52 - De onde decorre que, mesmo no âmbito do processo penal, uma vez que o juiz, entenda estarem reunidos os pressupostos necessários de um reenvio prejudicial - cuja apreciação é por ele livremente conduzida ao abrigo do seus poderes cognitivos - deve então suspender o processo.

53 - Configurando, desta forma, a decisão do reenvio prejudicial e a suspensão do, processo uma relação de causa-efeito.

54 - Em que a causa - o reenvio prejudicial - desencadeia o efeito legal de suspensão do processo.

55 - Sendo que, quanto a este efeito, não existe verdadeira margem de discricionariedade do juiz, mas sim um efeito imediatamente aplicável.

56 - Enfim, a aplicação do n.°2 do artigo 2.° do CP - "descriminalização do facto punível em virtude de lei nova descriminalizadora" - em substituição do instituto da suspensão do processo não parece ser a solução mais indicada.

57 - Visto que tal solução teria como efeito equiparar um acórdão do TJCE de cariz interpretativo a uma nova lei penal.

58 - O que deve suscitar as maiores dúvidas face ao princípio da legalidade e da tipicidade dos tipos incriminadores (sublinhe-se, princípios aplicáveis às contra-ordenações).

59 - Até porque, não se trata de uma situação em que uma lei nova elimina uma infracção punível por lei anterior, baseada numa nova concepção valorativa do legislador.

60 - Mas sim de um acórdão que se limita a interpretar o conteúdo de uma disposição legal já existente.

61 - A solução de equiparar o efeito da sentença do TJCE (caso fosse favorável à pretensão da Arguida, ora Recorrente) a uma situação de aplicação retroactiva da lei penal nova mais favorável, não parece ser, por isso, de acolher.

62 - Não se verificando uma identidade material de situações que justifique aplicação daquele dispositivo legal ou mesmo o recurso à analogia.

63 - Em suma, apesar do teor do acórdão do TJCE ser vinculativo para apreciação do tribunal nacional, suscita-nos as maiores dúvidas admitir que aquele acórdão possa produzir efeitos semelhantes à entrada em vigor de uma lei penal nova de conteúdo mais favorável para o arguido.

Termos em que:

- Caso Vossas Excelências, Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa entendam dever suscitar-se uma questão prejudicial ao abrigo do art. 234.° do Tratado CE, sobre interpretação do art. 17.°, n.°l, da Directiva Autorização, cujo teor é de importância crucial para o mérito do presente recurso, deverá a presente instância ser suspensa, ao abrigo do art. 7.°, n.°2, do CPP.”

6.2 – O ICP – ANACOM, por sua vez, pronunciou-se sobre o parecer do Ministério Público nos termos seguintes:

“A Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da douta sentença de fls. 591 e ss. do Tribunal do Comércio de Lisboa, que negou provimento ao recurso interposto da decisão do ICP-ANACOM proferida em 24.02.2006, que a havia condenado pela prática da contra-ordenação p.p. pelo 113°, n.° 2 da Lei n.° 5/2004, de 10.02 (Lei das Comunicações Electrónicas), na coima de €5000, por não ter prestado ao Regulador, no prazo fixado, determinadas informações ao abrigo do disposto no artigo 108°, n.° 1, daquela Lei.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso sustentando que, por se tratar de questão essencial ao julgamento da causa e não ser a decisão do Tribunal da Relação susceptível de recurso, caso existam dúvidas quanto à interpretação do artigo 121° da referida Lei n.º 5/2004, que transpôs para o Ordenamento Português o artigo 17.º, n.° 1 da Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 07.03.2002 (Directiva Autorização), deverá ser suscitado um pedido de reenvio prejudicial nos termos do artigo 234° do Tratado CE.

No seu douto parecer de 16.02.2007, o Ministério Público sustentou que «A questão prejudicial colocada na al. R das conclusões de recurso é de colocar ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (T. J. C. E.), nos termos do art. 234° do Tratado CE, o que parece resultar até obrigatório, embora não com os efeitos a que alude o art. 7°, n.º 2 do C. P. P.».

Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à posição defendida pelo Ministério Público quanto à obrigatoriedade de se suscitar a referida decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, porquanto tal questão não releva para a decisão do recurso.

Acresce que, ainda que assim se não entendesse, não existe qualquer dúvida de interpretação que justifique o pedido de reenvio prejudicial.

Além disso, e ainda quando assim também se não entenda, tal pedido de reenvio prejudicial não se encontra previsto no artigo 234° do Tratado CE e muito menos ainda é obrigatório.

É o que a seguir se irá demonstrar.

II
A Lei n.º 5/2004, de 10.02, ao estabelecer o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos e ao definir as competências da Autoridade Reguladora Nacional (ARN) neste domínio, estabelece, no n.º1 do seu artigo 108°, que as entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos desse diploma devem prestar à ARN todas as informações, incluindo financeiras, relacionadas com a sua actividade, para que esta Autoridade possa desempenhar todas as competências previstas na lei.

De acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo preceito, as informações solicitadas devem ser prestadas dentro dos prazos, na forma e com o grau de pormenor exigidos pelo ICP-ANACOM, podendo ser estabelecidas as situações e a periodicidade do seu envio, sendo que, nos termos do previsto na alínea sss) do n.°1 e do n.°2 do artigo 113° da mesma Lei, a violação da obrigação de prestação de informações ao abrigo do referido n.° 1 do artigo 108° constitui contra-ordenação, punível com coima de €5000 a €5 000 000.

É incontroverso que a Recorrente é uma entidade sujeita a obrigações nos termos da Lei n° 5/2004, pois é titular de uma rede de comunicações electrónicas e oferece serviços de comunicações electrónicas e é a Lei n°5/2004 que estabelece o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas (cfr. o respectivo artigo 1°), não sendo a R. abrangida por qualquer da exclusões elencadas no artigo 2° do mesmo diploma.

Em 20.10.2005 o Conselho de Administração do ICP-ANACOM deliberou notificar a Recorrente, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 108° da Lei n.°5/2004, para, no prazo de 10 dias, informar esta Autoridade sobre todas as características do serviço Zapp por si comercializado, pronunciando-se ainda sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 32° daquela Lei - utilização das frequências que lhe foram atribuídas para a prestação de um serviço que parece não se confinar aos limites do Serviço Móvel com Recursos Partilhados (cfr. n.°1 do ponto VII da Deliberação de 20.10.2005).

Conforme resulta claramente da mencionada determinação, o pedido de informação dirigido à Recorrente abrangia duas questões: por um lado, informação sobre todas as características do serviço Zapp e, por outro, pronúncia sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 32° da Lei n.°5/2004, indícios esses que consistiam em factos que eram indicados.

Sucede que o prazo de 10 dias fixado na mencionada determinação de 20.10.2005 - notificada à Recorrente em 27.10.2005 - terminou no dia 14.11.2005 sem que a Recorrente tenha prestado ao ICP-ANACOM nenhuma das (duas) informações que lhe haviam sido solicitadas ao abrigo do disposto no n.°1 do artigo 108° da Lei n.° 5/2004, o que só veio a fazer em 14.12.2005.

Ao não prestar ao ICP-ANACOM, no prazo de 10 dias, a informação que lhe foi solicitada ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 108° da Lei n.° 5/2004, a Recorrente praticou um ilícito de mera ordenação social nos termos do disposto na alínea sss) do artigo 113° daquela Lei.

Os factos descritos evidenciam, inequivocamente, que a questão do pedido de reenvio prejudicial não assume qualquer relevo para a decisão do presente recurso, uma vez que a Recorrente teria violado o dever de informar ainda que não estivesse sujeita às condições referidas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 32° da Lei citada. Nessa hipótese, teria o dever de informar, não só relativamente às características do serviço Zapp como ainda sobre os factos qualificados como violações das condições referidas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 32°, sustentando, se assim o entendesse, não estar sujeita a tais condições.

Mais: ainda que se considerasse que a ora Recorrente não estava obrigada a pronunciar-se sobre os indícios de incumprimento das referidas condições do artigo 32°, tal facto não a desobrigaria de informar o Regulador sobre as características do serviço Zapp.

Ora, a omissão desta informação, mesmo sem se levar em conta a falta de informação relativamente à segunda questão, consubstanciaria a contra-ordenação pela qual foi punida. Note-se ainda que foi punida com a coima mínima prevista na lei, pelo que nunca a coima poderia ser mais leve do que a aplicada.

Ainda que o pedido de reenvio prejudicial fosse efectivado, a sua eventual resolução de forma favorável à interpretação da Recorrente em nada a beneficiaria nos presentes autos, já que é suficiente para a consumação da contra-ordenação em que incorreu e para a aplicação da coima de 5 mil euros o facto - provado nos autos - de a mesma não ter respondido, no prazo fixado, também à primeira parte do pedido de informação efectuado ao abrigo do disposto no n.°1 do artigo 108° da Lei n.° 5/2004, ou seja, à questão respeitante às características do serviço Zapp por si comercializado.

Com efeito, na sequência da determinação formulada pelo ICP-ANACOM ao abrigo do citado preceito, a Recorrente estava obrigada a responder aos pedidos de informação aí constantes, no prazo concedido pelo Regulador (10 dias).

E era na resposta a tal pedido de informações que a Recorrente deveria enunciar as razões pelas quais considerava não ter incumprido as condições constantes das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 32° da LCE, designadamente defendendo a sua tese de que as mesmas não lhe haviam sido impostas por acto do ICP-ANACOM posterior à entrada em vigor da Lei n.° 5/2004.

Note-se que a Recorrente tinha perfeita consciência de que era este o procedimento a observar, como bem demonstra o facto de, em 14.12.2005 ter vindo a responder ao pedido de informações efectuado ao abrigo do referido n.º 1 do artigo 108°, alegando que não tinha incumprido essas condições em virtude de as mesmas não lhe terem sido impostas por acto do ICP-ANACOM posterior à entrada em vigor da Lei n.º 5/2004. Fê-lo, contudo, extemporaneamente, conforme resulta dos autos.

Ill

Por outro lado, e quando assim se não entenda, o que apenas para efeitos de raciocínio se admite, é evidente que a interpretação do previsto no n.°1 do artigo121º da Lei n.º 5/2004 não encerra qualquer dúvida que justifique um pedido de reenvio prejudicial.

De facto, ao contrário do que a Recorrente refere no ponto 48° das suas alegações, o preceito em causa não impõe ao ICP-ANACOM que explicite, mediante procedimento, as (condições relativas à utilização de frequências) que se mantêm, alteram ou deixam de se aplicar à luz do quadro de condições previsto no artigo 32.º da Lei n.º 5/2004.

O que o n.° 1 do artigo 121° da lei n.° 5/2004 estabelece é que compete ao ICP-ANACOM proceder às alterações e adaptações necessárias aos registos e licenças emitidos ao abrigo da legislação entretanto revogada por aquela Lei. Ou seja, quando um título contenha regras incompatíveis com a nova lei a ARN deve adaptá-lo ou modificá-lo para assegurar a compatibilização com o novo regime.

Ora, não é este o caso da condição que consiste na designação do serviço, condição esta associada à utilização de frequências pela Recorrente, pois, sendo inteiramente compatível com a nova lei (cfr a alínea a) do n° 1 do artigo 32° da Lei n.º 5/2004), mantém-se inalterada, sem necessidade de qualquer adaptação ou modificação.

Com efeito, nos termos da licença n.º 012/SMRP, foram atribuídos à Recorrente (em três momentos, o primeiro dos quais ocorreu na sequência de um concurso público, tratando-se os dois outros de acções adicionais à primeira), antes da vigência da Lei n.º 5/2004, direitos de utilização de frequências, sempre para a prestação do serviço móvel com recursos partilhados.

De acordo com o estabelecido no n.° 4 do art. 121.º daquela Lei as empresas mantêm os direitos de utilização dos recursos de numeração e de frequências atribuídos antes da publicação da presente Lei, até ao termo do prazo fixado no respectivo título de atribuição, quando tal prazo exista, e, nos termos do disposto no n.° 5 do mesmo preceito, mantêm-se aplicáveis todas as obrigações assumidas pelas empresas licenciadas em concursos realizados antes da publicação da Lei n.° 5/2004.

Ora, sendo a licença n.° 012/SMRP de que a Recorrente é titular válida até 14.10.2008, até esta data a Recorrente mantém os direitos de utilização de frequências atribuídos antes da publicação da Lei n.°5/2004, nos termos prescritos clarissimamente nos n.°s 4 e 5 do artigo 121° desse diploma, devendo, em conformidade, observar as condições inerentes a esses mesmos direitos.

Ou seja, nos termos do estabelecido nos n.°s 4 e 5 do artigo 121° da Lei n.° 5/2004, os direitos de utilização de que a Recorrente era titular antes da entrada em vigor daquela Lei mantêm, depois da entrada em vigor deste diploma, as condições, a que antes tinham sido sujeitos, designadamente a da designação do serviço, para que tenham sido atribuídos, o que só não sucederia na medida em que estivessem sujeitos a condições materialmente incompatíveis com a nova lei.

Por outro lado, o n.° 1 do artigo 12.º da Lei n.º 5/2004 não fixou qualquer prazo para o ICP-ANACOM proceder à alteração e adaptação dos registos e licenças emitidos ao abrigo da legislação anterior, e muito menos se tais títulos não precisarem de ser alterados ou adaptados.

Nem o determina a Directiva Autorização, com o alcance pretendido pela Recorrente.

No artigo 18° da Directiva Autorização a que a Recorrente faz apelo, não se exige que as ARN's declarem as condições constantes dos títulos anteriores que se mantêm em vigor. Essa norma ("Os Estados-Membros aprovarão e porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para darem cumprimento à presente directiva, o mais tardar em 24 de Julho de 2003. Desse facto informarão imediatamente a Comissão”), refere-se, sim, à sua transposição para os ordenamentos jurídicos nacionais.

Termos em que se concluiu que a interpretação do disposto no n.° 1 do artigo 121° da Lei n.° 5/2004 não suscita efectivamente qualquer dúvida que fundamente o pedido de reenvio prejudicial, o qual, assim sendo, não passa de um mero expediente dilatório do processo.

IV

Porém, quando assim também não se entenda, o que também apenas para efeitos de raciocínio se admite, o pedido de reenvio prejudicial pretendido pelo Ministério Público não encontra base legal no artigo 234.º do Tratado CE e muito menos poderá considerar-se obrigatório.

Com efeito, determina o mencionado artigo 234º que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação do Tratado CE [alínea a)], a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade e pelo BCE [alínea b)] e a interpretação dos estatutos dos organismos criados por acto do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam [alínea c)].

A redacção do preceito não deixa dúvidas de que o mesmo estabelece uma enunciação taxativa dos casos em que pode haver lugar ao pedido de reenvio prejudicial para o TJCE.

Ora, a questão colocada pela Recorrente na alínea R. das conclusões das suas alegações e invocada pelo Ministério Público, no seu douto parecer, para efeitos de reenvio prejudicial - dúvidas quanto à interpretação do artigo 121.º da referida Lei n.º 5/2004, que transpôs para o Ordenamento Português o artigo 17.º n.º1 da Directiva Autorização - não se enquadra em nenhuma das citadas alíneas do artigo 234° do Tratado CE.

Trata-se, desde logo, de uma questão de interpretação do direito nacional, não sendo, por isso, uma questão de interpretação do Tratado CE, dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade ou pelo BCE e muito menos ainda dos estatutos dos organismos criados por acto do Conselho, o que afasta a possibilidade de pedido de decisão ao abrigo do disposto no artigo 234° do Tratado CE.

E, pese embora o TJCE tenha vindo a entender, relativamente às directivas comunitárias, que as mesmas podem ser invocadas contra qualquer autoridade pública e, por isso, também ser objecto de reenvio prejudicial, apesar de não serem directamente aplicáveis, tal só é possível para o efeito de o TJCE fornecer à jurisdição nacional os elementos de interpretação do Direito Comunitário invocado, necessários para a resolução dos litígios que lhe são submetidos.

No entanto, a questão de saber se as disposições ou noções de Direito Comunitário cuja apreciação é solicitada são efectivamente aplicáveis ao caso concreto já escapa à competência do TJCE, relevando das legislações nacionais (cfr. Proc. 10/69, Portelange/Smith, Corona Marchant International e Outros, Recueil 1969, pág. 309).

Também não se concorda com o entendimento do Ministério Público quanto à obrigatoriedade do pedido de reenvio prejudicial.

A obrigatoriedade do reenvio prejudicial só se coloca se o juiz nacional considerar que o Direito Comunitário é indispensável para o julgamento em causa.

Conforme se decidiu no Acórdão n°- 283/81, CILFIT/Ministério da Saúde (Recueil 1982, pág. 3415), "as jurisdições não são obrigadas a reenviar uma questão de interpretação de Direito Comunitário perante elas suscitada se a questão não for pertinente".

O reenvio prejudicial previsto no artigo 234° do Tratado CE só é obrigatório quando sobre a norma que o juiz pretende aplicar haja dúvidas razoáveis sobre a sua conformidade com o Direito Comunitário.

Ora, já se demonstrou atrás que a questão suscitada não só não é pertinente e não releva sequer para a decisão do presente recurso como ainda relativamente à interpretação da mesma não se colocam dúvidas razoáveis sobre a sua conformidade com o Direito Comunitário.

Termos em que se conclui que, no caso sub judice, não existe qualquer obrigatoriedade de reenvio prejudicial, não sendo procedente a argumentação expendida no douto parecer do Ministério Público.

V

Por último, também não se compreende a posição do Ministério Público quando invoca a obrigatoriedade de colocar ao TJCE a questão prejudicial e, simultaneamente, rejeita os efeitos previstos no n.º2 do artigo 7° do CPP, ou seja, a suspensão do processo contra-ordenacional até à decisão daquela questão.

É certo que, de acordo com o previsto no artigo 242° do Tratado CE, os recursos perante o Tribunal de Justiça, de um modo geral, não têm efeito suspensivo, mas, no caso, não é essa disposição do Tratado que é aplicável, mas a norma nacional que prevê a possibilidade de suspensão do processo para que se decida a questão não penal, ou seja, o n.° 2 do artigo 7° do CPP.

De resto, não faria qualquer sentido o processo prosseguir para posteriormente, em face de uma decisão do TJCE, vir a devolver-se a coima paga.”

Concluiu, pedindo, seja julgada improcedente a argumentação do Ministério Público e que se considere dilatório o pedido de reenvio prejudicial.

7. No exame preliminar, o relator do processo entendeu que o recurso é manifestamente improcedente e determinou a remessa dos autos para julgamento em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir:

8. O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Liminarmente impõe-se referir que em matéria contra-ordenacional o Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista, apenas conhecendo da matéria de direito (art. 75 n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o Regime Geral das Contra-ordenações [Alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro]), sem prejuízo do conhecimento de certos vícios ou nulidades ainda que não invocados ou arguidos pelos sujeitos processuais (art. 410, n.ºs 2 e 3, do CPP, aplicável ut art. 41 n.º1 do RGCO).

Assim, este tribunal não pode sindicar um eventual erro de julgamento em matéria de facto, fora do quadro dos vícios prevenidos no art. 410 n.º2 do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e erro notório na apreciação da prova), que, como é consabido só podem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos.

A recorrente, pese embora a extensão da sua motivação e conclusões, não é clara naquilo que pretende obter através do presente recurso, não formulando sequer um pedido de absolvição. Não obstante, isso não impedirá o tribunal de tomar a decisão que julgar certa, tendo presente as conclusões formuladas, que se reconduzem a erro na aplicação do direito ao caso concreto.

Dir-se-á, desde já, que não se vislumbra que a decisão sob recurso enferme dos vícios prevenidos no art. 410 n.º2 do CPP, pelo que se tem por assente a matéria de facto que o tribunal recorrido assim considerou.

9. Pretende a recorrente que se suscite perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) as seguintes questões que tem como prejudiciais:

1.ª - É contrário ao direito comunitário, em particular ao art. 17.º n.º1 da Directiva Autorização (2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de Março de 2002, o entendimento do ICP – Anacom de que todas ou certas condições/obrigações que vinculavam a arguida Radiomóvel Telecomunicações, SA (por força da sua anterior licença), na vigência do quadro legal anterior, possam transitar automaticamente para o novo regime e como tal exigíveis, por força do n.º5 do art. 121.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, mesmo na ausência do procedimento de adaptação de títulos a que alude o n.º1 do mesmo preceito?

2.ª - O art. 17.º n.º1 da referida Directiva deve ser interpretado no sentido de que o procedimento nele regulado, mediante o qual os Estados Membros, através da ARN, tornarão conforme com as disposições desta Directiva as autorizações já existentes de empresas titulares de direitos individuais de utilização de frequências (incluindo a licença de que a arguida é titular – prestação de Serviço Móvel com Recursos Partilhados: SMRP), deverá ser cumprido mediante a expressa imposição a essas mesmas empresas, nos termos do art. 6.º n.º1 da dita Directiva, das condições a que alude a parte B do seu anexo, não sendo exigível a tais empresas, na ausência daquele procedimento, o cumprimento das condições/obrigações referentes à licença (autorização) de que é titular?

Vejamos:

O artigo 234º do Tratado CE (ex-artigo 177º), na redacção que lhe foi dada pelo Tratado de Amesterdão, determina:

O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial:

a) Sobre a interpretação do presente Tratado;

b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas Instituições da Comunidade e pelo BCE;

c) Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por acto do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.”

Por conseguinte, sempre que um tribunal nacional, cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso jurisdicional interno, se veja confrontado com uma questão de interpretação de uma norma comunitária — questão cuja resolução se torne necessária para o julgamento do caso sub iudicio — deve ele submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades o julgamento dessa questão prejudicial tendo por objecto a interpretação da norma comunitária.

Trata-se, em tal caso, de um dever de reenvio.

O reenvio prejudicial, previsto no artigo 234.º CEE, é, pois, um ins­trumento ao serviço do primado ou da primazia da ordem jurídica comu­nitária.

É que, sendo a Comunidade «a autoridade de uma lei única, autónoma e transcendente, que, simultânea e uniformemente, se impõe a despeito das fronteiras nacionais», a «regra comum» tem de ser «a pedra angular de toda a Comunidade» (cf. Despacho do Presidente do TCE Lecourt, de 16 de Junho de 1970, in Col., p. 403).

Pois bem: permitir ao juiz nacional que interpretasse sozinho as normas de direito comunitário — ou seja, que respondesse sozinho às interrogações que não raro colocam a determinação do sentido e do real alcance de uma determinada norma jurídica comunitária — conduziria, a prazo mais ou menos longo, a permitir se rompesse a unidade do direito comunitário, colocando no lugar da «regra comum» um conjunto de regras deformadas pelas práticas jurisdicionais nacionais.

Por isso mesmo se instituiu a acção prejudicial do artigo 234.º, que «se concretiza por uma pergunta feita ao juiz comunitário pelo juiz nacional, que deseja uma ajuda para a interpretação […] de uma norma comunitária, e por uma resposta do TCE que lhe vai permitir resolver o litígio que lhe foi submetido» [cf. Maurice-Christian Bergerès (Contencieux Communautaire, PUF, 1989, p. 232)].

Com o reenvio prejudicial, o que, pois, se pretende é conseguir uma interpretação uniforme do direito comunitário em toda a Comunidade.

O artigo 234.º do Tratado CEE permite, assim, ao juiz nacional interrogar o Tribunal de Justiça das Comunidades sobre a interpretação de determinada norma comunitária. E mais: quando a questão de interpretação da norma comunitária se coloca perante um tribunal (nacional) cujas decisões não sejam passíveis de recurso jurisdicional interno, o reenvio para interpretação é obrigatório, como já se disse. A menos, claro está - sublinhou-o o próprio Tribunal das Comunidades - que o tribunal nacional tenha constatado que a questão suscitada não é pertinente (cf. a decisão proferida no caso CILFIF, de 6 de Novembro de 1982, in Recueil, 1982, p. 3415).

Como põe em destaque A. Barbosa de Melo, in Notas de Contencioso Comunitário, Coimbra, 1986, p. 130:

“ Em suma: do nosso ponto de vista, o artigo 234.º não pode ser entendido como se pretendesse relegar os juízes nacionais para uma idade anterior ao «século das luzes»; pelo contrário, esta disposição do Tratado também há-de querer que os juízes nacionais sigam, de algum modo, o imperativo «ousai saber!» (aude sapere!) através do qual Kant sinteticamente caracterizou a atitude iluminista.”

Por conseguinte — e dizendo uma vez mais com Barbosa de Melo (loc. cit.) —, «o juiz nacional, não só pode, como deve, sozinho, considerar a questão como impertinente para um pedido de reenvio».

Quando é que, então, uma questão de interpretação de uma norma de direito comunitário se deve considerar pertinente para o efeito de dar lugar ao reenvio prejudicial?

Naturalmente, quando no tribunal reenviante correr termos um processo, mostrando-se necessária para a resolução do caso a opinião do Tribunal das Comunidades — o que pressupõe, claro é, que o caso sub iudicio tenha de ser decidido de acordo com aquela regra comunitária.

É que, o Tribunal das Comunidades não é uma auditoria jurídica que deva ficar sujeita às curiosidades ou às ignorâncias de quem tem legitimidade para provocar a sua intervenção — os juízes nacionais. As suas decisões hão-de ter efeito útil, o que só sucederá se elas forem relevantes (indispensáveis) para a resolução do caso que o juiz reenviante tem para decidir.

A este propósito, escreve João Mota Campos (Direito Comunitário, II, Lisboa, p. 373):

[…] se ao TCE cabe a responsabilidade última de interpretar a norma comunitária, é ao tribunal nacional que incumbe aplicá-la ao caso concreto após ter examinado, com total independência de julgamento, se a decisão da causa que lhe é submetida comporta ou não a aplicação do direito comunitário.

Ora, se o tribunal nacional considerar que o litígio subjudice não deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias mas tão-somente na conformidade das disposições de direito interno, parece evidente que não pode ser-lhe imposta a obrigação de solicitar a interpretação […] de uma norma comunitária desprovida de interesse para o julgamento da causa — e isto ainda que alguma das partes a tenha indevidamente invocado e suscitado a questão da sua interpretação […]

Já se disse que só o juiz interno tem direito de acesso ao TCE para efeitos de reenvio prejudicial.

As partes podem suscitar perante o juiz nacional a questão prejudicial do reenvio, mas só o juiz pode provocar a intervenção do Tribunal das Comunidades.

É isto coisa que bem se compreende, quando se tiver em conta que o processo de reenvio prejudicial se consubstancia num diálogo entre o juiz nacio­nal e o juiz comunitário, sendo, assim, um processo sem partes (cf. Barbosa de Melo, ob. cit., p. 111; e Francesco Capotorti, Enciclopedia del Diritto, xxxvi, pp. 837 e seg.).

De notar é também que o Tribunal das Comunidades é uma jurisdição por atribuição — e não uma jurisdição por natureza. Com efeito, ela apenas dispõe da competência para julgar que lhe é expressamente atribuída pelos Tratados e pelo Estatuto.

Não vale, pois, aqui uma ideia de «implied powers» (de poderes implícitos), por virtude da qual seja lícito ao Tribunal alargar a sua competência por forma a dispensar a todos uma protecção jurisdicional efectiva no domínio do direito comunitário.

Passando, agora, ao caso dos autos, quid iuris?

Impõe-se, precisar o conceito de actos emanados das Instituições Comunitárias a que alude a alin. b) do art. 234.º CE.

Serão todos os actos previstos no art. 249.º - regulamentos, directivas e decisões, recomendações e pareceres, ou apenas dos que, sendo directamente aplicáveis na ordem interna dos Estados-membros, possam ser invocados perante as respectivas jurisdições nacionais?

Emerge do art. 249.º do Tratado CE, na versão consolidada emergente do Tratado de Amesterdão, que:

“Para o desempenho das suas atribuições e nos termos do presente Tratado, o Parlamento Europeu em conjunto com o Conselho, o Conselho e a Comissão adoptam regulamentos e directivas, tomam decisões e formulam recomendações ou pareceres.

O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros.

A directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.

A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar.

As recomendações e os pareceres não são vinculativos.”

Como escrevem João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, in Contencioso Comunitário, a fls. 113, estas questões suscitaram, durante muito tempo, viva controvérsia.

Mas as dúvidas podem considerar-se esclarecidas depois de o Tribunal das Comunidades, no seu acórdão de 20 de Maio de 1976, ter decidido que “Nos termos do art. 177.º (agora 234.º) o Tribunal é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos actos adoptados pelas Instituições da Comunidade, independentemente do facto de eles serem ou não directamente aplicáveis”.

Por isso que estão sujeitos a interpretação do Tribunal de Justiça os Regulamentos, as Directivas e Decisões Quadro, bem como os actos não vinculativos, como as recomendações adoptadas com base no Tratado CE.

No quadro de aplicação do art. 234.º do Tratado, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a compatibilidade de uma disposição nacional com o Direito Comunitário nem para interpretar disposições legislativas ou regulamentares nacionais ( - Ver, nomeadamente, os Acórdãos de 30 de Abril de 1986, ASJES e outros, 209/84 a 213/84, Colectânea, pag. 1425, n.º 12, e de 3.5.2001 VERDONCK e outros, proc. C-28/99, n.º 28. ). É, no entanto, competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação que se prendam com o Direito Comunitário, e que possam permitir-lhe apreciar essa compatibilidade para julgar o processo que lhe é submetido ( - Ver, também, os Acórdãos de 28.1.1992, BACHMANM (C-204/90, Colect. Pag. I -249, n.º6); e de 7 de Março de 1990, KRANTZ (C-69/88, Colect. P. I-583, n.º7).).

Daí a exigência de que o tribunal nacional o informe acerca do enquadramento jurídico e factual concreto em que se inserem as questões prejudiciais colocadas, sob pena de as considerar inadmissíveis (cf. Ac. do TJ de 26.1.1993, Telemarsicabruzzo, C-320/90, C-321/90 e C-322/90).

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando a legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções acolhidas em Direito Comunitário – a fim, nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou de eventuais distorções de concorrência – existe um interesse comunitário manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que se foram buscar ao Direito Comunitário sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar ( - Ac. de 15.1.2002, ANDERSEN, C-43/00, n.º18.).

Em relação às Directivas e às Decisões-Quadro carecem as mesmas de prévia transposição por parte dos órgãos legislativos nacionais, sem o que não podem considerar-se fonte de imposições de índole penal para os cidadãos nacionais – cfr. ac. do STJ de 8/10/1987 citado por Figueiredo Dias – Direito Penal/Parte Especial/ Tomo I/ , págs 173.

Uma directiva é, por natureza, um acto que contém medidas de alcance geral, a aplicar através das legislações nacionais a situações objectivamente determinadas e comportando efeitos jurídicos para categorias de pessoas consideradas de modo geral e abstracto, não podendo dizer individualmente respeito aos cidadãos.

Conforme refere Mota Campos in Direito Comunitário 4.ª Ed. Vol. II, p. 128, “impõe-se aos Estados acatar a obrigação de resultado prescrita pela directiva comunitária – o que implica o cumprimento da obrigação de comportamento que para eles se traduz no dever de aplicar esse acto na ordem interna ou, como é corrente dizer-se em linguagem comunitária, o dever de proceder à sua transposição. Nem sempre, porém, se impõe ao Estado adoptar disposições formais de transposição, constantes de diploma legislativo ou regulamentar.

A liberdade de escolha da forma do instrumento jurídico abarca também a liberdade quanto ao conteúdo com acto interno, desde que isso não prejudique a finalidade visada, ou seja, a realização do objectivo prescrito pela Directiva”.

A liberdade dos Estados-Membros, quanto à forma e aos meios, na concretização do resultado imposto por uma directiva, nos termos do artigo 249.° do Tratado CE, foi clarificada pelo Tribunal de Justiça em jurisprudência constante.

A esse propósito, o Tribunal de Justiça esclareceu que a transposição para direito interno de uma directiva não exige necessariamente que as suas disposições sejam retomadas formal e literalmente numa disposição legal expressa e específica, podendo, em função do seu conteúdo, ser satisfeita através de um regime jurídico geral, desde que este garanta efectivamente a plena aplicação da directiva de forma suficientemente clara e precisa, a fim de que, no caso de a directiva se destinar a criar direitos a favor dos particulares, estes tenham a possibilidade de conhecer todos os seus direitos e de os invocar, eventualmente, perante os tribunais nacionais (ver., nomeadamente, acórdãos de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha (C-361/88, Colect., p. I-2567, n.° 15), e de 11 de Agosto de 1995, Comissão/Alemanha (C-433/93, Colect., p. I-2303, n.° 18). Este último aspecto é particularmente importante quando uma directiva atribui direitos a nacionais de outros Estados-Membros, o que será sempre o caso no domínio da protecção dos consumidores.

O quadro legal nacional deve, por conseguinte, garantir que o resultado visado pela directiva é efectivamente alcançado. Os direitos que para os particulares decorrem de uma directiva devem ser definidos de forma clara e transparente. Além disso, a sua observância deve poder ser imposta de forma eficaz nas instâncias (jurisdicionais) nacionais competentes.

Na medida em que a legislação nacional dê origem a incerteza sobre a sua conformidade com as disposições de uma directiva que visa atribuir direitos a particulares, tal incerteza não poderá ser eliminada com recurso à possibilidade de uma interpretação sistemática destas disposições ou com remissão para a possibilidade da interpretação em conformidade com a directiva pelas instâncias jurisdicionais nacionais.

Tal como decidiu o Tribunal de Justiça, nomeadamente no domínio da protecção dos interesses do consumidor, uma jurisprudência nacional, admitindo-se que existe, que interprete disposições do direito interno num sentido julgado conforme às exigências de uma directiva não tem a clareza e precisão necessárias para satisfazer a exigência de segurança jurídica (Acórdão de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos (C-144/99, Colect., p. I-3541, n.° 21).

A pertinência do que assim se deixa dito, para a apreciação do caso que ora nos ocupa, será adiante sublinhada.

Desde 1987, a Comunidade tem vindo a adoptar normas relativas às infra-estruturas e aos serviços em matéria de telecomunicações, com o objectivo de tornar o sector mais competitivo.

Um aspecto fundamental é a separação entre a função reguladora e a função operacional, sendo aquela retirada aos operadores públicos de telecomunicações (no passado, quase sempre monopólios) e conferida a um organismo independente em cada Estado-Membro – agora designado «autoridade reguladora nacional» – para garantir uma concorrência leal entre os operadores públicos e privados.

Como parte do processo, devia estar assegurada a liberalização total a partir de 1 de Janeiro de 1998, através do «quadro regulamentar de 1998», que comportava diversas directivas adoptadas sobretudo entre 1996 e 1998.

Posteriormente, no seguimento de uma revisão em 1999, e das conclusões do Conselho Europeu de Lisboa de 23 e 24 de Março de 2000, foi adoptado em 2002 «um novo quadro regulamentar» a implementar até 24 de Julho de 2003. Este quadro tinha o objectivo «de melhor harmonizar a legislação que regula o acesso ao mercado de serviços e redes de comunicações em toda a Comunidade e de baixar os seus custos».

Uma das suas principais características foi permitir que determinadas obrigações que anteriormente eram impostas no sentido de assegurar a liberdade de concorrência fossem suprimidas quando a concorrência no mercado estivesse garantida.

A nova regulamentação substituiu e, em grande medida, revogou a regulamentação de 1998, estando, no entanto, sujeita a um determinado número de medidas transitórias que foram exaustivamente discutidas no caso em apreço.

O novo quadro regulamentar:

Directiva 2002/21/CE:

O artigo 26.° da Directiva 2002/21 revogou, entre outras, as Directivas 97/33 e 98/10, com efeitos a partir de 25 de Julho de 2003.

Contudo, nos termos do artigo 27.°, intitulado «Medidas transitórias», os Estados-Membros estavam obrigados a «manter em vigor, nas suas legislações nacionais, todas as obrigações referidas no artigo 7.° da Directiva 2002/19/CE (directiva acesso) e no artigo 16.° da Directiva 2002/22/CE (directiva serviço universal), até ao momento em que a autoridade reguladora nacional se pronuncie a respeito dessas obrigações nos termos do artigo 16.° da presente directiva».

O artigo 16.° estabelecia um procedimento de análise de mercado a realizar pelas autoridades reguladoras nacionais. No essencial, caso essas autoridades concluíssem que o mercado era efectivamente concorrencial, deviam suprimir as obrigações regulamentares referidas, inter alia, no artigo 7.° da Directiva 2002/19 e no artigo 16.° da Directiva 2002/22; nos restantes casos, deviam impor as obrigações regulamentares específicas adequadas.

Directiva 2002/19/CE:

O artigo 7.° da Directiva 2002/19, para a qual remetem os artigos 16.° e 27.° da Directiva 2002/21, prevê, inter alia, que: «Os Estados-Membros manterão todas as obrigações relativas ao acesso e interligação, impostas a empresas que fornecem redes de comunicações públicas e/ou serviços que estejam em vigor antes da data da entrada em vigor da presente directiva ao abrigo dos artigos4.º, 6.º, 7.°, 8.º, 11.º, 12.º e 14.º da Directiva 97/33/CE, do art. 16.º da Directiva 98/10/CE e dos art. 7.º e 8.º da Directiva 92/44/CE, até que essas obrigações sejam revistas e uma decisão seja tomada em conformidade [com o artigo 16.° da Directiva 2002/21/CE].»

Os Estados-Membros deviam aprovar e publicar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para darem cumprimento à directiva, o mais tardar, até 24 de Julho de 2003.

Directiva 2002/22/CE

O artigo 16.° da Directiva 2002/22, para a qual remetem os artigos 16.° e 27.° da Directiva 2002/21, impõe aos Estados-Membros que mantenham todas as obrigações, designadamente, em matéria de tarifas de retalho para a oferta de acesso e a utilização da rede telefónica pública, nos termos do artigo 17.° da Directiva 98/10, até que essas obrigações sejam revistas e tenha sido tomada uma decisão em conformidade com o artigo 16.° da Directiva 2002/21.

Os Estados-Membros deviam aprovar e publicar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à directiva, o mais tardar, até 24 de Julho de 2003.

A Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, como se depreende desde logo do seu art.1.º, pretendeu-se transpor e adaptar ao direito interno várias directivas comunitárias.

Nos termos do seu artigo 1.°, n.º1, a Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva-quadro) visa estabelecer um quadro harmonizado para a regulamentação dos serviços de comunicações electrónicas, das redes de comunicações electrónicas e dos recursos e serviços conexos. A directiva define nomeadamente as funções das autoridades reguladoras nacionais e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a Comunidade.

A legislação comunitária relativa às redes e serviços de comunicações electrónicas que o legislador português visou transpor com a referida Lei compreende, pois, as seguintes directivas (a seguir «directivas específicas»):

- Directiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações electrónicas e recursos conexos (directiva acesso);

- Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva autorização), que o recorrente invoca para fundamentar o pedido de reenvio prejudicial;

- Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva quadro);


- Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal);e

- Directiva 2002/77/CE, da Comissão, de 16 de Setembro.

Como resulta do preâmbulo da Directiva autorização, ora em causa, “o objectivo da presente directiva consiste em criar um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e redes de comunicações electrónicas, apenas sujeitas às condições previstas na presente directiva e a restrições de acordo com o n.º1 do art. 46.º do Tratado, nomeadamente medidas relativas à ordem pública, à segurança pública e à saúde pública”.

Emerge do art. 17.º n.º1 da mesma Directiva que “O mais tardar na data de início de aplicação referida no n.º1, segundo parágrafo, do art. 18.º, os Estados-Membros tornarão conformes com as disposições da presente directiva as autorizações já existentes à data da sua entrada em vigor”.

Porém, o n.º2 do mesmo artigo dispõe que: “Se a aplicação do disposto no n.º1 conduzir a uma redução dos direitos ou a uma extensão das obrigações decorrentes das autorizações já existentes, os Estados-Membros podem prorrogar a validade desses direitos e obrigações até 9 meses após a data de início da aplicação referida no n.º1, segundo parágrafo do art. 18.º, o mais tardar, desde que tal não afecte os direitos de outras empresas ao abrigo do direito comunitário. Os Estados-Membros notificarão a Comissão dessas extensões e das respectivas razões”.

Resulta do art. 20.º da mesma directiva que “Os Estados-Membros são os destinatários da presente directiva”.

Defende o recorrente que é contrário ao direito comunitário, em particular ao art. 17.º n.º1 da Directiva Autorização (2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de Março de 2002, o entendimento do ICP – Anacom de que todas ou certas condições/obrigações que vinculavam a arguida R. (por força da sua anterior licença), na vigência do quadro legal anterior, possam transitar automaticamente para o novo regime e como tal exigíveis, por força do n.º5 do art. 121.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, mesmo na ausência do procedimento de adaptação de títulos a que alude o n.º1 do mesmo preceito.

Dispõe o art. 121.º da Lei n.º 5/2004:

1 - Compete à ARN proceder às alterações e adaptações necessárias aos registos e licenças emitidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro, às autorizações emitidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 241/97, de 18 de Setembro, bem como aos procedimentos de declaração previstos no Decreto-Lei n.º 290-C/99, de 30 de Julho, com dispensa da correspondente taxa.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, devem todas as empresas por ele abrangidas prestar e fornecer à ARN todas as informações e documentos que lhes sejam solicitados.

3 - Mantêm-se em vigor todas as obrigações constantes das bases da concessão do serviço público de telecomunicações aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 31/2003, de 17 de Fevereiro, salvo quando da aplicação da presente lei resulte um regime mais exigente, caso em que será este a vigorar.

4 - As empresas mantêm os direitos de utilização dos recursos de numeração e frequências atribuídos antes da publicação da presente lei até ao termo do prazo fixado no respectivo título de atribuição, quando tal prazo exista.

5 - Mantêm-se ainda aplicáveis todas as obrigações assumidas pelas empresas licenciadas em concursos realizados antes da publicação da presente lei, pelo que se mantêm em vigor na parte relevante os respectivos instrumentos de concurso.

6 - Se do processo de regularização de títulos a que se refere o n.º 1 resultar uma redução de direitos ou extensão de obrigações, a ARN pode prorrogar a validade desses direitos e obrigações no máximo até 25 de Abril de 2004, desde que não sejam afectados os direitos de outras empresas, notificando dessa decisão a Comissão Europeia. “.

A doutrina e a jurisprudência mais recentes (ainda que acolhendo soluções concretas nem sempre coincidentes com a orientação do TJ, como sucede com os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 99.06.30 e de 2000.09.27, têm-se orientado no sentido de que o aplicador do direito português se não pode confinar ao direito interno.

Na verdade, de acordo com o que estabelece o art. 8.º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

A aplicabilidade directa do direito comunitário ocorre pois em relação às normas do Tratado de Roma e aos regulamentos (que segundo o art. 249º do Tratado de Roma têm carácter geral, são obrigatórios em todos os seus elementos e são directamente aplicáveis em todos os Estados-membros).

Relativamente às directivas (que apontam para um acto de transposição por parte dos Estados-membros), segundo a interpretação que o TJ das Comunidades faz do Tratado, estas produzem efeitos directos nas ordens internas desde que sejam suficientemente claras e precisas, sejam incondicionais e não estejam dependentes da adopção de ulteriores medidas complementares por parte dos Estados-membros ou das instituições comunitárias.

Quanto à posição hierárquica do direito comunitário perante o direito nacional, embora o nº 4 do art. 8.º não resolva expressamente o problema, decorre desta disposição constitucional que as normas comunitárias gozam de primazia sobre o direito interno, o que tem levado a doutrina a afirmar o princípio da preferência do direito comunitário sobre o direito interno.

O Tribunal de Justiça das Comunidades também tem afirmado o princípio do primado do ordenamento comunitário sobre os direitos nacionais, o que implica que a norma de direito interno ceda perante o preceito comunitário que com ela colida e, também, que sobre o juiz nacional recaia a obrigação de respeitar esse primado, designadamente assegurando o pleno efeito das disposições de direito comunitário, interpretando e aplicando o direito nacional em conformidade com o ordenamento comunitário.

Na palavra de Franca Borgogelli (No seu estudo “O Direito e a Jurisprudência Social Comunitária” publicado na revista Questões Laborais, n. 9-10, p. 187), o papel do juiz nacional como juiz de direito comunitário implica:

a) O recurso ao Tribunal de Justiça através do instrumento do reenvio prejudicial nos termos do art. 177º (actual art.234.º) do Tratado quando for incerta a aplicação da norma comunitária;

b) A desaplicação da norma nacional incompatível com a norma de direito comunitário directamente aplicável;

c) A interpretação da norma nacional aplicável em conformidade com os princípios e os fins do direito comunitário;

d) A adopção de soluções não previstas no ordenamento nacional para garantir a efectividade do direito comunitário.

Recordando a jurisprudência constante do TJCE, as directivas serão invocáveis em juízo contra o Estado – Membro, tanto por via de excepção como por via de acção, quando não tenham sido atempadamente transpostas, sejam claras, precisas e incondicionadas e criem direitos a favor dos particulares. Este é precisamente o caso das directivas em causa nos processos Francovich, Wagner Miret e Faccini Dori.

Do art. 17.º n.º1 da Directiva Autorização, em conjugação com o art. 18.º do mesmo diploma, resulta a imposição ao legislador dos Estados-Membros que o mais tardar até ao dia 25 de Julho de 2003 adaptassem às disposições dessa Directiva as autorizações já existentes à data da sua entrada em vigor.

Não estabelece porém qualquer sanção para tal incumprimento, nem desonera os titulares de licenças pré-existentes do cumprimento das obrigações emergentes do título em causa e as que resultam do novo regime, autorizando estes até a prorrogar a validade dos direitos e obrigações relativos às autorizações existentes até 9 meses após a data do início da aplicação da mesma directiva.

Refira-se que do conjunto das directivas transpostas para o nosso direito interno pela Lei n.º 5/2004 resulta que o legislador comunitário quis salvaguardar as obrigações emergentes das autorizações concedidas ao abrigo de directivas anteriores até à sua harmonização.

Mesmo que a questão suscitada pelo recorrente possa reconduzir-se a uma questão prejudicial de interpretação para efeitos do artigo 234.º do Tratado CEE, não é ela uma questão pertinente.

Na verdade, como resulta linearmente da decisão recorrida em nenhum passo da mesma se faz alusão ao direito comunitário.

E a norma do direito comunitário invocada não é, do nosso ponto de vista, manifestamente apta à resolução da questão de fundo que neste recurso há que decidir e que é a de saber se a arguida/recorrente estava ou não obrigada a responder ao pedido de prestação de informações que lhe foi dirigido pela ANACOM, nos termos do art.108.º n.º1 da Lei n.º 5/2004.

E afigura-se-nos que a resposta a esta questão é afirmativa, como bem demonstra o ICP – ANACOM, na resposta apresentada nesta instância.

A obrigatoriedade de prestação de informações a solicitação da ARN vem contemplada em algumas das Directivas transpostas.

Na Directiva 2002/20/CE, vem prevista nos art. 10.º e 11.º, nos seguintes
termos:

10.º

Respeito das condições da autorização geral ou dos direitos de utilização e das obrigações específicas

1. As autoridades reguladoras nacionais podem solicitar às empresas que oferecem serviços ou redes de comunicações electrónicas abrangidos pela autorização geral ou que beneficiem de direitos de utilização de radiofrequências ou números que lhes forneçam as informações necessárias para verificar o respeito das condições da autorização geral ou dos direitos de utilização, ou das obrigações específicas referidas no nº 2 do artigo 6º, em conformidade com o disposto no artigo 11º

2. Se uma autoridade reguladora nacional verificar que uma empresa não respeita uma ou mais condições da autorização geral, ou dos direitos de utilização, ou das obrigações específicas referidas no nº 2 do artigo 6º, notificará a empresa desse facto e dar-lhe-á a possibilidade de exprimir os seus pontos de vista ou de pôr fim ao incumprimento no prazo de:

- um mês após a notificação, ou

- num prazo mais curto acordado pela empresa em causa ou fixado pela autoridade reguladora nacional em caso de incumprimento repetido, ou

- num prazo mais longo decidido pela autoridade reguladora nacional.

3. Se a empresa em causa não puser fim ao incumprimento no prazo referido no nº 2, a autoridade competente tomará medidas adequadas e proporcionais para garantir a observância das condições ou dos direitos. Neste contexto, os Estados-Membros podem conferir poderes às autoridades competentes para aplicar sanções pecuniárias, se adequado. As medidas e as razões em que se fundamentam serão comunicadas à empresa em questão no prazo de uma semana após a sua aprovação e fixarão um prazo razoável para a empresa cumprir a medida.

4. Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3, os Estados-Membros podem conferir poderes à autoridade competente para, se adequado, aplicar sanções pecuniárias às empresas que não tenham prestado informações de acordo com as obrigações previstas no nº 1, alínea a) ou b), do artigo 11º da presente directiva ou no artigo 9º da Directiva 2002/19/CE (directiva acesso) num prazo razoável estipulado pela autoridade reguladora nacional.

5. Em caso de incumprimento reiterado e grave das condições da autorização geral, dos direitos de utilização ou das obrigações específicas previstas no nº 2 do artigo 6º, sempre que as medidas destinadas a garantir a observância das condições ou dos direitos, referidas no nº 3 do presente artigo, não sejam bem sucedidas, as autoridades reguladoras nacionais poderão impedir a empresa de continuar a oferecer serviços ou redes de comunicações electrónicas ou suspender ou revogar os direitos de utilização.

6. Independentemente do disposto nos nºs 2, 3 e 5, se a autoridade competente tiver provas de qualquer inobservância das condições da autorização geral, dos direitos de utilização ou das obrigações específicas previstas no nº 2 do artigo 6º, que represente uma ameaça imediata e grave à ordem pública, à segurança pública ou à saúde pública, ou que possa criar sérios problemas económicos ou operacionais aos outros fornecedores ou utilizadores de serviços ou redes de comunicações electrónicas, pode tomar medidas provisórias urgentes para sanar a situação antes de chegar a uma decisão final. Será dada à empresa em causa uma oportunidade razoável de apresentar os seus pontos de vista e de propor soluções. Quando adequado, a autoridade competente pode confirmar as medidas transitórias.

7. As empresas terão o direito de recorrer das medidas tomadas ao abrigo do presente artigo, em conformidade com o procedimento referido no artigo 4º da Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro).
Artigo 11º

Informações exigidas no âmbito da autorização geral, dos direitos de utilização e das obrigações específicas

1. Sem prejuízo das obrigações de informação e de comunicação previstas no direito nacional aplicável independente da autorização geral, as autoridades reguladoras nacionais só poderão exigir às empresas que forneçam, no âmbito da autorização geral, dos direitos de utilização, ou das obrigações específicas previstas no nº 2 do artigo 6º, informações proporcionais e objectivamente justificáveis, para:

a) Verificação, sistematicamente ou caso a caso, do cumprimento das condições 1 e 2 da parte A, 6 da parte B e 7 da parte C do anexo e do cumprimento das obrigações referidas no nº 2 do artigo 6º;

b) Verificação, caso a caso, do respeito das condições estabelecidas no anexo, quando tenha sido recebida uma queixa ou quando a autoridade reguladora nacional tenha outras razões para considerar que uma condição não foi respeitada, ou em caso de investigação pela autoridade reguladora nacional por sua própria iniciativa;

c) Procedimentos e avaliação dos pedidos de concessão de direitos de utilização;

d) Publicação de súmulas comparativas da qualidade e dos preços dos serviços para benefício dos consumidores;

e) Fins estatísticos claramente definidos;

f) Análises de mercado para efeitos da Directiva 2002/19/CE (directiva acesso) ou da Directiva 2002/22/CE (directiva serviço universal).

As informações referidas nas alíneas a), b), d), e) e f) do primeiro parágrafo não podem ser exigidas antecipadamente ou como condição de acesso ao mercado.

2. Se as autoridades reguladoras nacionais exigirem às empresas que lhes forneçam as informações referidas no nº 1, informá-las-ão do fim específico a que se destinam.”

Na Directiva 2002/21/CE (art. 5.º n.º1):
Artigo 5º

Prestação de informações

1. Os Estados-Membros deverão assegurar que as empresas que asseguram a oferta de redes e serviços de comunicações electrónicas prestem todas as informações necessárias, incluindo informações financeiras, para que as autoridades reguladoras nacionais garantam a conformidade com o disposto na presente directiva ou nas directivas específicas, ou com as decisões tomadas em conformidade com as mesmas. Essas empresas deverão prestar prontamente tais informações sempre que tal lhes seja solicitado, dentro dos prazos e com o grau de pormenor exigido pela autoridade reguladora nacional. As informações solicitadas pela autoridade reguladora nacional serão proporcionais ao necessário para o desempenho das suas funções. A autoridade reguladora nacional deve fundamentar o seu pedido de informações.”

Emerge dos factos provados, supra transcritos, que:

A recorrente R. é titular da licença ICP-012/SMRP para a prestação do Serviço Móvel de Recursos Partilhados, nos termos constantes de fls. 250 a 269 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo-lhe sido, para esse efeito, atribuídas as frequências 453-457,45 / 463-467,45 MHz.

Em 20/10/05, o Conselho de Administração do ICP - ANACOM, deliberou “VII. (…) ao abrigo do disposto no nºs 1 e 2 do art. 111º da Lei nº 5/2004, de 10/02, determinar:

- À R..:
· a interdição imediata, por um período máximo de 6 meses, da oferta do serviço Zapp a novos clientes, quando envolva o recurso a numeração geográfica;

· a interdição, por um período máximo de 6 meses, da prestação do serviço Zapp através do recurso à gama de numeração geográfica, aos actuais utilizadores, devendo para o efeito informá-los, no prazo de 3 dias, de que o serviço será suspenso logo que decorrido um prazo de 15 dias;
(…)

1. Ao abrigo do disposto no nº1 do art. 108º da Lei nº 5/2004, de 10.02, notificar a R. para, no prazo de 10 dias, informar esta Autoridade sobre todas as características do serviço Zapp, pronunciando-se sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º - utilização das frequências que lhe foram atribuídas para a prestação de um serviço que parece não se confinar aos limites do SMRP;

2. Ao abrigo e para os efeitos do disposto no nº1 do art. 110º da Lei nº 5/2004, de 10.02, notificar a R. para, no prazo de um mês, se pronunciar, querendo, sobre os indícios de incumprimento das condições estabelecidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 34º da Lei nº 5/2004, devendo esclarecer, designadamente, as condições de interligação subjacentes ao processamento das chamadas de voz estabelecidas no âmbito do serviço Zapp, e informando-a de que os incumprimentos indiciados poderão levar à determinação, a título definitivo, da cessação da prestação do serviço Zapp, com os fundamentos supra referidos, caso estes venham a confirmar-se;”

Tal deliberação foi adoptada no âmbito do ponto 4 da respectiva ordem de trabalhos, tendo sido deliberado, por maioria, aprovar a proposta de 07/10/05 subscrita pelo Senhor DRJ com o teor constante de fls. 329 a 341 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

Tal deliberação foi notificada à arguida em 21/10/05, por telecópia, com a referência ANACOM-S24686/2005, assunto “Notificação da deliberação do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações de 20.10.2005” e datada de 21/10/05, nos termos e com o teor de fls. 142 a 151 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Tal deliberação foi também notificada à arguida por protocolo entregue no dia 21/10/05, através do oficio com a referência ANACOM-S24698/2005, assunto “Notificação da deliberação do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações de 20.10.2005”, datado de 21/10/05, nos termos e com o teor de fls. 152 a 163 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Em 26/10/05, por oficio enviado por telecópia nessa data, endereçado ao Director de Regulamentação e Assuntos Jurídicos do ICP ANACOM, a arguida requereu, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60º nº2 do CPTA “que seja notificada a R. se, em 20 de Outubro de 2005, foi adoptada qualquer deliberação a ela atinente e, em caso afirmativo, que lhe seja notificado o seu texto integral, o seu autor e os demais requisitos legais das notificações constantes do art. 68º do Código de Procedimento Administrativo”, conforme doc. de fls. 164 e 165 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

O ICP – ANACOM, em resposta à telecópia referida em 2.1.6. enviou à arguida, por protocolo, o ofício datado de 27/10/05, com a referência ANACOM-S25244/2005 e assunto “Notificação da deliberação do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações de 20.10.2005” com o teor de fls. 166 a 176 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, entregue em 27/10/05.

Em 31/10/05, por oficio endereçado ao Presidente do Conselho de Administração do ICP - ANACOM, recebido em 02/11/05, a arguida requereu, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60º nº2 do CPTA “a notificação do texto integral da deliberação que terá sido tomada pelo Conselho de Administração do ICP – Anacom em 20/12/05, afectando a R.., contendo todas as menções legais previstas no nº1 do art. 68º do CPA, incluindo a sua integral fundamentação. Mais se requer a V. Exª, nos termos do citado art. 60º do CPTA, dos arts. 61º a 63º CPA e dos arts. 12º e 13º da Lei nº 65/93, de 20-08, a emissão e passagem de certidão da parte da Acta do Conselho de Administração do ICP – ANACOM de 20/10/2005, relativa à deliberação referida, no prazo máximo legal de dez dias”, conforme doc. de fls. 178 a 179 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

O ICP – ANACOM, em resposta ao oficio referido em 2.1.8. enviou por protocolo à arguida o oficio com a referência ANACOM-S25913/2005, com data de 03/11/05 comunicando “…que a notificação integral do texto da referida deliberação e respectiva fundamentação foi efectuada com observância de todos os requisitos previstos no nº1 do art. 68º do CPA, através do ofício ANACOM-S25244/2005, de 27.10, entregue nesta data por protocolo, ao qual nada há a acrescentar. Assim sendo a notificação efectuada em 27.10.2005 é plenamente eficaz.

Relativamente ao pedido de passagem de certidão da parte da Acta do Conselho de Administração do ICP – ANACOM de 20.10.2005 relativa àquela deliberação serão V.Exas. oportunamente notificados”, conforme doc. de fls. 324 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

O ICP – ANACOM, enviou à arguida, o ofício datado de 15/11/05, com a referência ANACOM-S27170/2005 e assunto “Notificação de deliberação do ICP – ANACOM de 20.10.2005. Passagem de certidão” com o teor de fls. 326 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, acompanhado de certidão com o teor de fls. 327 a 341 dos autos, que igualmente aqui se dá por reproduzido, recebido por esta em 16/11/05.

A arguida respondeu ao pedido de informações constante de 2.1.2. por carta datada de 13/12/05, endereçada ao Presidente do Conselho de Administração do ICP – ANACOM, recebida em 14/12/05, nos termos e com o teor constante de fls. 202 a 206 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, nomeadamente “…responder ao pedido de informação constante da parte VII, ponto 1, da aludida deliberação, relativo às características do serviço Zapp.”, que “… se encontra em tempo para o fazer já que, atenta a propositura de uma providência cautelar, o prazo para responder se encontra suspenso, nos termos do art. 128º do CPTA. (…)” e ainda que “No tocante ao pedido formulado na parte final do já citado ponto 1 da parte VII. Da deliberação, a R. entende que não tem que se pronunciar sobre quaisquer “(…) indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º - utilização das frequências que lhe foram atribuídas para a prestação de um serviço que parece não se confinar aos limites do SMRP (…)”. Com efeito, uma vez que esse pedido não se reporta a informação de carácter factual, não se nos afigura o mesmo passível de ser efectuado, como é, ao abrigo do nº1 do artigo 108º da Lei nº 5/2004. Além do mais e conforme certidão emitida por essa Autoridade, em 24 de Novembro de 2005, a R. não foi ainda sujeita a quaisquer condições ao abrigo das alíneas a) e b) do nº1 do art. 32º da Lei nº 5/2004, razão por que não lhe parece curial pronunciar-se sobre um hipotético incumprimento das mesmas. Não deixa, porém, a R. de transmitir a V. Exa. que é seu entendimento que o serviço Zapp é prestado em absoluta conformidade com a legislação ao mesmo aplicável.

Sobre as características do serviço Zapp, temos a informar o seguinte: (…)”

Foi emitida com data de 28/12/05 certidão com o seguinte teor: “ L.M., Director do Departamento de Gestão e Apoio ao Conselho, certifica que o Conselho de Administração do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações não adoptou qualquer deliberação atinente à imposição à R. de condições previstas nos arts. 27º nºs 2 e 3, 32º e 34º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro”, conforme teor do documento de fls. 349 dos autos, que aqui se dá por reproduzido.
(…)
A arguida bem sabia que no ponto 1, do nº VII da deliberação do Conselho de Administração do ICP – ANACOM de 20/10/05 lhe estava a ser solicitada informação pelo ICP – Anacom, no âmbito dos respectivos poderes e competências, admitiu como possível que estava obrigada a satisfazer a mesma e não obstante não o fez.

Bem sabendo ser a sua conduta punida por lei.”

Ora, se é verdade que o ICP-ANACOM não adoptou qualquer deliberação relativa à imposição à arguida de condições previstas nos art. 27.º nºs 2 e 3, 32.º e 34.º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro (LCE), após a entrada em vigor desta Lei, não é menos certo que, nos termos do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 121.º do mesmo diploma, as condições associadas à utilização de frequências (e também de números) que lhe foram atribuídos antes da entrada em vigor do mesmo se mantiveram, bem como todas as outras constantes da Licença ICP-012/SMRP, que lhe foi concedida ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 346/90, de 3 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 147/91, de 12 de Abril, alterada posteriormente, tendo em vista o disposto no Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de Julho, cuja cópia consta dos autos.

Dela consta, nomeadamente, na cláusula 18.ª, que:

A R. fica especialmente obrigada perante o ICP - ANACOM:

a) Facultar a verificação dos equipamentos e fornecer a informação necessária à fiscalização das obrigações decorrentes da presente licença.

Não obstante, a Lei n.º 5/2004 (LCE) ter revogado os diplomas em que assentou a concessão da dita licença (DL n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro, DL n.º 290-B/99, de 30 de Julho), manteve em vigor os direitos de utilização dos recursos de numeração e frequência atribuídos antes da publicação da LCE até ao termo do prazo fixado no respectivo título de atribuição (quando tal prazo exista), bem como todas as obrigações assumidas pelas empresas licenciadas em concursos realizados antes da publicação desta lei.

Com efeito, a LCE consagrando a liberdade completa da oferta de redes e serviços de telecomunicações electrónicas, que apenas está sujeita às normas legais e regulamentares atinentes (art. 19.º n.º1 e 2), ressalva os casos em que a utilização de frequências e números está dependente da atribuição de direitos individuais de utilização, a qual compete à ARN (ICP- ANACOM) nos termos da presente lei (n.º3).

Nos termos do n.º1 do art. 30.º da mesma Lei, a utilização de frequências está dependente da atribuição de direitos individuais de utilização apenas quando tal esteja previsto no Quadro Nacional de Atribuição de Frequências, nos termos da alin. b) do n.º1 do art. 16.º.

Também, de acordo com o disposto no n.º1 do art. 33.º, a utilização de números está dependente da atribuição de direitos individuais.

Num e noutro caso, quando se atribuem direitos de utilização, é designado o serviço para que tais recursos são concedidos (art. 32.º n.º1, alin. a) e 34.º n.º1, alin. a) da mesma Lei).

Antes da entrada em vigor da LCE, a atribuição de frequências para o estabelecimento de redes ou para a prestação de serviços estava sujeita a licença (art. 4.º n.º2, alin. c) do Decreto-Lei n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro. Nas licenças eram estabelecidas as condições associadas à utilização do espectro (art. 14.º n.º2, alin. b) e 25.º). A utilização de números era igualmente sujeita a condições, cujo estabelecimento era já da competência do ICP-ANACOM (art. 28.º n.º2, alin. b) e 29.º do DL n.º 415/98, de 31.12).

No caso da arguida, conforme resulta da sua licença, os direitos de utilização de frequências e de recursos de numeração que lhe foram atribuídos foram sempre consignados à prestação do SMRP.

Assim sendo, os direitos de utilização de que a arguida era titular antes da entrada em vigor da LCE mantêm, depois da entrada em vigor da mesma Lei, as condições a que antes tinham sido sujeitos, designadamente a da designação do serviço para que tenham sido atribuídos até que sejam alterados. Só não seria assim na medida em que estivessem sujeitos a condições materialmente incompatíveis com a nova lei.

Ora, a designação do serviço para que são atribuídos estes recursos é, nos termos da LCE, a primeira das condições que podem ser impostas aquando da atribuição, pelo que não há qualquer incompatibilidade no facto da arguida só poder utilizá-los para o serviço para o qual lhe foram atribuídos – o SMRP.

Refira-se que o DL n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro, ora revogado, que implementou no nosso direito interno normas da Directiva n.º 96/2/CE, da Comissão, que alterou a Directiva n.º 90/388/CEE no que respeita às comunicações móveis e pessoais, da Directiva n.º 96/19/CE, da Comissão, que alterou a Directiva n.º 90/388/CEE no que diz respeito à introdução da plena concorrência nos mercados das telecomunicações, e da Directiva n.º 97/13/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações, veio consagrar no seu art. 38.º um regime de salvaguarda dos direitos adquiridos, muito semelhante.

Na verdade, consta do referido preceito que:

1 - Os direitos e obrigações das entidades que disponham de títulos de licenciamento e de autorização emitidos ao abrigo dos Decretos-Leis n.ºs 346/90, de 3 de Novembro, 329/90, de 23 de Outubro, e 120/96, de 7 de Agosto, mantêm-se aplicáveis, mantendo-se também em vigor os regulamentos de exploração dos diversos serviços até à emissão de novos regulamentos de exploração.

2 - Compete ao ICP proceder às alterações necessárias dos títulos de licenciamento e autorização já emitidos, com dispensa da correspondente taxa, no prazo de 120 dias a contar da entrada em vigor do presente diploma.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior devem as entidades licenciadas e autorizadas prestar e fornecer ao ICP todas as informações e documentos que lhes sejam solicitados.

4 - Às entidades referidas no n.º 1, bem como aos operadores de redes de distribuição por cabo, é permitido, a todo o tempo, o exercício das faculdades previstas no presente diploma, mediante alteração dos respectivos títulos ou atribuição de novo título.”

A LCE, ao estabelecer o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos e ao definir as competências da Autoridade Reguladora Nacional (ARN) neste domínio, estabelece, no n.º1 do seu artigo 108.°, que as entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos desse diploma devem prestar à ARN todas as informações, incluindo financeiras, relacionadas com a sua actividade, para que esta Autoridade possa desempenhar todas as competências previstas na lei (cf. art. 4.º e ss).

De acordo com o disposto no n.º 4 do art. 108.º, as informações solicitadas devem ser prestadas dentro dos prazos, na forma e com o grau de pormenor exigidos pelo ICP-ANACOM, podendo ser estabelecidas as situações e a periodicidade do seu envio, sendo que, nos termos do previsto na alínea sss) do n.°1 e do n.°2 do artigo 113° da mesma Lei, a violação da obrigação de prestação de informações ao abrigo do referido n.º1 do artigo 108.º constitui contra-ordenação, punível com coima de €5000 a €5 000 000.

É, pois, incontroverso que a Recorrente é uma entidade sujeita a obrigações nos termos da Lei n.º 5/2004, pois é titular de uma rede de comunicações electrónicas e oferece serviços de comunicações electrónicas e é a Lei n°5/2004 que estabelece o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas (cf. o respectivo artigo 1°), não sendo a R. abrangida por qualquer da exclusões elencadas no artigo 2.º do mesmo diploma.

Em 20.10.2005 o Conselho de Administração do ICP-ANACOM deliberou notificar a Recorrente, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 108° da Lei n.°5/2004, para, no prazo de 10 dias, informar esta Autoridade sobre todas as características do serviço Zapp por si comercializado, pronunciando-se ainda sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 32 daquela Lei - utilização das frequências que lhe foram atribuídas para a prestação de um serviço que parece não se confinar aos limites do Serviço Móvel com Recursos Partilhados (cf. n.°1 do ponto VII da Deliberação de 20.10.2005).

Conforme resulta claramente da mencionada determinação, o pedido de informação dirigido à Recorrente abrangia duas questões: por um lado, informação sobre todas as características do serviço Zapp e, por outro, pronúncia sobre os indícios de incumprimento das condições referidas nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 32.º da Lei n.º 5/2004, indícios esses que consistiam em factos que eram indicados.

Sucede que o prazo de 10 dias fixado na mencionada determinação de 20.10.2005 - notificada à Recorrente em 27.10.2005 - terminou no dia 14.11.2005 sem que a Recorrente tenha prestado ao ICP-ANACOM nenhuma das (duas) informações que lhe haviam sido solicitadas ao abrigo do disposto no n.°1 do artigo 108° da Lei n.º 5/2004, o que só veio a fazer em 14.12.2005.

Ao não prestar ao ICP-ANACOM, no prazo de 10 dias, a informação que lhe foi solicitada ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 108° da Lei n.º 5/2004, a Recorrente praticou um ilícito de mera ordenação social nos termos do disposto na alínea sss) do artigo 113.º daquela Lei.

É certo que, como afirma a recorrente, “o art. 108.°, n.º1, dirige-se especificamente às entidades que, como a Arguida, se encontram sujeitas a obrigações no âmbito da Lei n.º 5/2004, estabelecendo o dever destas entidades prestarem todas as informações solicitadas pela ARN (o ICP-ANACOM) e um correlativo direito da ARN a pedir informações”.

Porém, não é exacto que o pedido de informações deva conformar-se aos fins estabelecidos pelo art. 109.º.

Da interpretação conjugada dos artigos 108.º e 109.º da Lei n.º 5/2004 (LCE) não resulta que os pedidos de informação efectuados ao abrigo do primeiro tenham que obedecer às finalidades previstas no segundo.

O n.º1 do artigo 108.º da LCE determina que as entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos daquela Lei devem prestar à ARN todas as informações, incluindo informações financeiras, relacionadas com a sua actividade, para que a ARN possa desempenhar todas as competências previstas na lei.

Este preceito consagra um dever genérico de prestação de informações à ARN, por parte das entidades sujeitas a obrigações nos termos da LCE, para que esta possa desempenhar todas as competências previstas na lei, designadamente, no que ora releva, as suas competências de fiscalização e supervisão do sector das comunicações electrónicas e de gestão do espectro radioeléctrico, envolvendo a planificação, a atribuição dos recursos espectrais e a sua supervisão, previstas, respectivamente, nos artigos 6.º n.° 1, alíneas b) e c) dos Estatutos do ICP-ANACOM (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7.12) e no artigo 4°, n.°1 da LCE.

E, conforme resulta claramente da própria letra do citado n.°1 do artigo 108.º, as informações a prestar ao abrigo deste preceito têm uma finalidade, que é a de permitir que a ARN possa desempenhar todas as competências previstas na lei. Trata-se, como é evidente, de uma finalidade genérica, não sujeita a quaisquer restrições, ou seja, para que a ARN possa desempenhar todas as competências previstas na lei, pode solicitar às entidades que estão sujeitas a obrigações nos termos da LCE todas as informações, incluindo informações financeiras, relacionadas com a sua actividade.

Conforme, vem sustentado pela Exma. Magistrada do Ministério Público do Tribunal recorrido, o n.º1 do artigo 109.º da LCE prevê que a ARN pode solicitar informações especialmente para os fins taxativamente enunciados nas suas alíneas. Porém, contrariamente ao defendido pela Recorrente, não decorre da redacção do preceito que a ARN (apenas) poderá solicitar informação especialmente para os fins nele enunciados. A enumeração de finalidades constante do n.º1 do artigo 109.º não é taxativa, como decorre, desde logo, da utilização do advérbio "especialmente".

Assim, para além do dever genérico de prestar informações para efeitos do desempenho, pela ARN, de todas as competências previstas na lei, o legislador entendeu especificar, no referido n.º1 do artigo 109.º, alguns fins para os quais também poderiam ser solicitadas informações.

O artigo 109.º não pretendeu limitar os fins para os quais a prestação de informações ao abrigo do artigo 108.º poderá ter lugar, mas unicamente especificar, dentro da finalidade genérica do desempenho, pela ARN, de todas as competências previstas na lei, alguns desses fins.

Aliás, outros normativos da LCE prevêem que a ARN possa solicitar informações para outros fins (cf. art. 121.º n.º2).

Os factos descritos evidenciam, pois, que a questão do pedido de reenvio prejudicial não assume qualquer relevo para a decisão do presente recurso, uma vez que a Recorrente teria violado o dever de informar ainda que não estivesse sujeita às condições referidas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 32.º da Lei citada. Nessa hipótese, teria o dever de informar, não só relativamente às características do serviço Zapp como ainda sobre os factos qualificados como violações das condições referidas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 32°, sustentando, se assim o entendesse, não estar sujeita a tais condições.

Mais: ainda que se considerasse que a ora Recorrente não estava obrigada a pronunciar-se sobre os indícios de incumprimento das referidas condições do artigo 32°, tal facto não a desobrigaria de informar o ICP - ANACOM sobre as características do serviço Zapp.

Ora, a omissão desta informação, mesmo sem se levar em conta a falta de informação relativamente à segunda questão, consubstanciaria a contra-ordenação pela qual foi punida.

Acresce que, como referido pelo ICP – ANACOM, a interpretação do previsto no n.º1 do artigo121.º da LCE não encerra qualquer dúvida que justifique um pedido de reenvio prejudicial.

De facto, ao contrário do que a Recorrente refere no ponto 48.º das suas alegações de recurso, o preceito em causa não impõe ao ICP-ANACOM que explicite, mediante procedimento, as (condições relativas à utilização de frequências) que se mantêm, alteram ou deixam de se aplicar à luz do quadro de condições previsto no artigo 32.º da Lei n.º 5/2004.

O que o n.º1 do artigo 121.º da LCE estabelece é que compete ao ICP-ANACOM proceder às alterações e adaptações necessárias aos registos e licenças emitidos ao abrigo da legislação entretanto revogada por aquela Lei. Ou seja, quando um título contenha regras incompatíveis com a nova lei a ARN deve adaptá-lo ou modificá-lo para assegurar a compatibilização com o novo regime, podendo, para esse efeito, solicitar informações e documentos às empresas licenciadas.

Ora, não é este o caso da condição que consiste na designação do serviço, condição esta associada à utilização de frequências pela Recorrente, pois, sendo inteiramente compatível com a nova lei (cf. a alínea a) do n° 1 do artigo 32° da LCE), mantém-se inalterada, sem necessidade de qualquer adaptação ou modificação.

Com efeito, nos termos da licença n.º 012/SMRP, foram atribuídos à Recorrente (em três momentos, o primeiro dos quais ocorreu na sequência de um concurso público, tratando-se os dois outros de acções adicionais à primeira), antes da vigência da Lei n.º 5/2004 (LCE), direitos de utilização de frequências para a prestação do serviço móvel com recursos partilhados.

De acordo com o estabelecido no n.° 4 do art. 121.º daquela Lei, já referido, as empresas mantêm os direitos de utilização dos recursos de numeração e de frequências atribuídos antes da publicação da presente Lei, até ao termo do prazo fixado no respectivo título de atribuição, quando tal prazo exista, e, nos termos do disposto no n.º 5 do mesmo preceito, mantêm-se aplicáveis todas as obrigações assumidas pelas empresas licenciadas em concursos realizados antes da publicação da LCE.

Ora, sendo a licença n.° 012/SMRP de que a Recorrente é titular válida até 14.10.2008, até esta data a Recorrente mantém os direitos de utilização de frequências atribuídos antes da publicação da Lei n.º 5/2004, nos termos prescritos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 121.º desse diploma, devendo, em conformidade, observar as condições inerentes a esses mesmos direitos. Ou seja, nos termos do estabelecido nos n.°s 4 e 5 do artigo 121° da LCE, os direitos de utilização de que a Recorrente era titular antes da entrada em vigor daquela Lei mantêm, depois da entrada em vigor deste diploma, as condições, a que antes tinham sido sujeitos, designadamente a da designação do serviço, para que tenham sido atribuídos, o que só não sucederia na medida em que estivessem sujeitos a condições materialmente incompatíveis com a nova lei.

Por outro lado, o n.º 1 do artigo 121.º da LCE não fixou qualquer prazo para o ICP-ANACOM proceder à alteração e adaptação dos registos e licenças emitidos ao abrigo da legislação anterior, e muito menos se tais títulos não precisarem de ser alterados ou adaptados.


Nem o determina a Directiva Autorização, com o alcance pretendido pela Recorrente. No artigo 18.º da Directiva Autorização a que a Recorrente também faz apelo, não se exige que as ARN's declarem as condições constantes dos títulos anteriores que se mantêm em vigor. Essa norma ("Os Estados-Membros aprovarão e porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para darem cumprimento à presente directiva, o mais tardar em 24 de Julho de 2003. Desse facto informarão imediatamente a Comissão”), refere-se, sim, à sua transposição para os ordenamentos jurídicos nacionais.

Ora, para resolver a questão que nos ocupa, sempre seria indiferente a resposta que o Tribunal de Justiça das Comunidades viesse a dar à questão de saber se é ou não contrário ao direito comunitário, em particular ao art. 17.º n.º1 da Directiva Autorização (2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de Março de 2002, o entendimento do ICP – Anacom de que todas ou certas condições/obrigações que vinculavam a arguida Radiomóvel Telecomunicações, SA (por força da sua anterior licença), na vigência do quadro legal anterior, possam transitar automaticamente para o novo regime e como tal exigíveis, por força do n.º5 do art. 121.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, mesmo na ausência do procedimento de adaptação de títulos a que alude o n.º1 do mesmo preceito, e se o art. 17.º n.º1 da referida Directiva deve ser interpretado no sentido de que o procedimento nele regulado, mediante o qual os Estados Membros, através da ARN, tornarão conforme com as disposições desta Directiva as autorizações já existentes de empresas titulares de direitos individuais de utilização de frequências (incluindo a licença de que a arguida é titular – prestação de Serviço Móvel com Recursos Partilhados: SMRP), deverá ser cumprido mediante a expressa imposição a essas mesmas empresas, nos termos do art. 6.º n.º1 da dita Directiva, das condições a que alude a parte B do seu anexo, não sendo exigível a tais empresas, na ausência daquele procedimento, o cumprimento das condições/obrigações referentes à licença (autorização) de que é titular, pois tal interpretação não tem o menor apoio na letra e no espírito da directiva em causa, nem do conjunto das Directivas transpostas.

Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja determinar o seu sentido e alcance decisivo ou, como refere Manuel de Andrade, o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei.

Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva.

A este respeito referem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao art. 9.º do C.Civil, que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.

Consigne-se que é das mais elementares regras de hermenêutica dever o intérprete esforçar-se por situar a norma interpretanda num quadro lógico com as demais disposições legais, nomeadamente as que respeitem a institutos e figuras afins ou paralelos, pois, como afirma Cavaleiro de Ferreira, a interpretação da lei consiste em determinar o conteúdo e o pensamento da lei para sua aplicação aos casos concretos.

E, entre uma interpretação subjectiva, consonante com a vontade do legislador e o fim por ele expresso ou impresso à própria vontade, e outra que propugna uma interpretação objectiva e teleológica, opta-se pela segunda, vendo a lei, com vida autónoma relativamente ao legislador, susceptível de alteração quanto ao seu sentido em função do elemento sistemático e da conexão do sentido objectivo da lei com as novas circunstâncias da vida real.

A jurisprudência comunitária entende que os tribunais nacionais, enquanto autoridade dos Estados-membros, devem interpretar e aplicar o direito interno em toda a medida do possível, “à luz da letra e da finalidade do direito comunitário, por forma a atingir o resultado visado no art. 249º, parágrafo 3 do Tratado” (v. Ac. Vol Colson e Kamann, in Col 84, p.1891 e ss).

Por outro lado, os tribunais nacionais devem também ter em conta a natureza normativa da própria jurisprudência comunitária, natureza esta que se extrai do que estabelecem os art.. 5.º, 220.º, 227.º e 228.º do Tratado de Roma e que se faz sentir, particularmente, no caso das decisões prejudiciais.

A interpretação conforme constitui assim uma obrigação que impende sobre os tribunais nacionais, cujo fundamento decorre do princípio da cooperação vertido no art. 5.º do TCE.

Como refere Maria João Palma (in “Breves notas sobre a invocação das normas das directivas comunitárias perante os tribunais nacionais”, edição da AAFDL, 2000, pag.48) “a interpretação conforme apenas deve actuar quando o sentido da norma nacional for ambíguo, comportando, entre os vários sentidos possíveis, uma interpretação que seja conforme ao direito comunitário”.

Não vemos, com o devido respeito, que das normas postas em confronto e do preâmbulo da directiva em causa se possam extrair as conclusões aportadas pela recorrente.

O disposto no art. 17.º n.º1 da Directiva 2002/20/CE, comparadas as versões linguísticas redigidas em francês, inglês, espanhol e italiano, é claro e preciso e não comporta a interpretação que a recorrente lhe pretende dar.

Por isso que nos absteremos de submeter essa questão ao TJ das Comunidades Europeias, através do reenvio prejudicial, pois a norma em causa é clara e não é pertinente para a decisão da questão objecto do recurso.

Por último, a circunstância do Estado Português não ter dado execução em tempo útil às determinações impostas na directiva em causa apenas pode conduzir ao seu sancionamento pelo TJ.

10. À luz do que acima se referiu é manifesto que a arguida cometeu a contra-ordenação por que foi condenada, como se demonstra na decisão recorrida, que não pode deixar de ser mantida, sendo manifesta a improcedência a improcedência do recurso – art. 420 n.º 1, do CPP.

11. Improcedente o recurso, a recorrente não pode deixar de ser sancionada, nos termos do disposto no art. 420 n.º 4, do CPP, incumbindo-lhe ainda o pagamento das custas, nos termos prevenidos nos art. 513 n.ºs 1 e 3 e 514 n.ºs 1 e 2, do CPP e nos art. 82 n.º 1 e 87 n.º 1 al. b), estes do Código das Custas Judiciais.
III

12. Desta sorte e pelos expostos fundamentos, decidem os Juízes da 9.ª Secção Criminal desta Relação, em rejeitar o recurso interposto pela arguida R., por ser manifestamente improcedente, condenando a recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s, a que acrescem 4 UC´s nos termos do art. 420 n.º4 do CPP.