Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8568/2006-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O despacho que declara interrompida a instância tem natureza meramente declarativa, retroagindo os seus efeitos à data em que completou um ano e um dia sobre a paragem do processo por inércia da parte (artigo 285.º do Código de Processo Civil).
II- Por isso, decorridos dois anos desde a data em que a instância se interrompeu, verifica-se a deserção da instância (artigo 291.º do Código de Processo Civil).
III- Assim sendo, notificado o exequente no dia 28-2-2002 do insucesso de uma diligência que visava apreender e penhorar veículo automóvel da executada, dado o efeito meramente declarativo da decisão que em 13-4-2004 declarou interrompida a instância que foi notificada à exequente em 19-4-2004, quando esta em 17-4-2006 veio requerer penhora noutros bens já tinha decorrido o prazo de dois anos contado do decurso de um ano e um dia do momento da interrupção da instância.
IV- A prolação de despacho a declarar interrompida a instância visa reconhecer que houve inércia justificativa da interrupção da instância, mas não fixa nesse momento (data do despacho) a interrupção da instância.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. A Sociedade […] SA instaurou acção executiva contra S.[…] SA oferecendo como título executivo uma letra aceite pela executada que, apresentada a pagamento, não foi paga.

2. Em 28/2/2002, a exequente foi notificada do insucesso de uma diligência que visava apreender e penhorar um veículo automóvel da executada.

3. Dada a inércia da exequente em promover os termos da execução, em 13/4/2004, foi proferida decisão (cf. fls. 241), nos termos do art. 285º, do CPC, declarando interrompida a instância.

Esse despacho foi notificado à exequente em 19/4/2004.

5. Entretanto, em 17/4/2006, a exequente veio requerer a penhora de saldos das contas bancárias da executada.

6. Sobre esse requerimento recaiu o despacho de fls. 249 dos autos que julgou deserta a instância.

7. A exequente, inconformada com este despacho, interpôs recurso e, nas suas alegações, diz:

Em 28/2/2002, a exequente foi notificada do insucesso de uma diligência que visava apreender e penhorar um veículo automóvel da executada.

Em 19/4/2004, foi notificada do despacho que declarou interrompida a instância.

O prazo de dois anos previsto no art. 291º, do CPC conta-se a partir da notificação daquela decisão.

Consequentemente, em 17/4/2006, não havia ainda decorrido o prazo da deserção a que alude o art. 291º, do CPC.

8. Não há contra alegações.

9. Cumpre pois decidir, sendo os elementos a ter em conta os constantes do relatório.

10. Não tem razão a agravante.

Vejamos porquê.

Nos termos do art. 285º, do Cód. Proc. Civil, a instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento.

Refere, por sua vez, o art. 291º, nº1, do mesmo Código que se considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos.

Da conjugação destes dois dispositivos resulta que: a deserção da instância não necessita de despacho judicial que a declare, verificando-se automaticamente pelo simples decurso do prazo. Pelo contrário, a interrupção da instância, por pressupor um juízo sobre a falta de diligência da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo, opera ope judicis, obrigando à prolação de despacho judicial que aprecie a conduta da parte após o decurso do prazo previsto no art. 285º, CPC.

Atente-se, no entanto, que o despacho que julga interrompida a instância tem natureza meramente declarativa, limitando-se a constatar que a mesma se verificou, por ter havido negligência da parte onerada com o impulso processual, retroagindo os seus efeitos à data em que se completou um ano e um dia sobre a paragem do processo (1).

Por outras palavras: a omissão de despacho a declarar interrompida a instância não é impeditiva do decurso do prazo gerador da interrupção da instância.

Observe-se finalmente que o prazo de dois anos a que alude o art. 291º, do CPC, se conta não do despacho que declara a interrupção da instância, mas sim do decurso do prazo de um ano de paralisação, nas circunstâncias do citado artigo 285º.

11. No caso concreto:

A instância foi declarada interrompida por despacho de 13/4/2004 (cf. fls. 241).

Como se refere na decisão agravada, aquele despacho tem natureza meramente declarativa, pelo que a instância se há-de considerar interrompida pelo decurso do prazo de um ano, a que alude o art. 285º, do CPC, independentemente da data do despacho que a declara.

Sendo assim, decorrido o prazo de dois anos, contado desde que a instância se interrompeu (independentemente da data da sua declaração judicial), sem que tenha havido qualquer impulso processual, nada mais havia a fazer do que declarar a instância extinta, por deserção, nos termos do disposto no art. 291º, do CPC.

Consequentemente, extinta a instância, como se declarou no despacho recorrido, não podia a exequente pretender, decorridos mais de três anos, revivificar a execução (sem prejuízo, porém, de instaurar nova execução, uma vez que os efeitos da deserção só se reflectem na relação jurídica processual, deixando intocado o correspondente direito material).

12. Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela agravante.

Lisboa, 7 de Novembro de 2006

(Maria do Rosário Morgado)
(Rosa Ribeiro Coelho)
(Arnaldo Silva)



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1.-Neste sentido, entre muitos outros, cf. o Ac. da Rel. Évora de 23/2/2006, ITIJ.