Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7521/2006-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CADUCIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A caducidade da DUP não pode ser requerida pela entidade expropriante, nem declarada oficiosamente pelo tribunal. Tem que ser arguida pelo interessado, isto é, pelo expropriado.
II. A caducidade da DUP não pode ser alegada em qualquer fase do processo mas apenas até ao trânsito em julgado do despacho de adjudicação da propriedade, já que é com a adjudicação da propriedade que a expropriação se consuma.
(FG)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - RELATÓRIO
No âmbito do processo de expropriação em que é expropriante C, S.A., vieram as interessadas/expropriadas S, L.da e P, L.da, além do mais, requer seja declarada a caducidade da declaração de utilidade pública de 2003-08-20, por via do disposto no artigo 13º, n º3 do CEXP ou, caso tal não seja entendido, seja revogado o Acórdão Arbitral, fixando-se o valor da indemnização nos termos requeridos.
Alegam para o efeito, em suma, que, por despacho do Senhor Secretário de Estado do Ordenamento do Território, nº 16231/2003 (2ª Série), publicado no DR, II Série nº 191, de 2003-08-20, foi declarada a utilidade pública da expropriação de diversos imóveis considerados necessários à execução do Plano de Pormenor da Área Central do Cacém, entre as quais se integra a parcela n.° 14, com área superior a 76m2 e a parcela n.° 15, ambas a destacar dos prédios enunciados no artigo 1° dos recursos apresentados; em 2003-11-06 foi realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam das parcelas expropriadas; por Acórdãos Arbitrais datados de 2005-06-15 foi fixada a indemnização devida às ora recorrentes no valor de EUR. 66.748,00 e EUR. 25.63632, respectivamente; por despacho de 2005-07-14, foi adjudicada a favor da expropriante "C SA", a propriedade das parcelas.
Concluem que a entidade expropriante deveria ter remetido o presente processo a ao Tribunal no prazo de 18 meses, contados desde a publicação da declaração de utilidade pública, ou seja, até 2005-02-20, o que não aconteceu, pelo que a d.u.p. da expropriação em causa nos presentes autos se encontra caducada.

A expropriante C, SA" tomou posição sobre a questão suscitada, pedindo a improcedência do pedido de declaração de caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação da parcela objecto dos presentes autos. Sustenta a propósito que em 14 de Julho de 2005 foi proferido despacho judicial de adjudicação da propriedade da parcela expropriada, notificado às partes a 18 do mesmo mês e ano e do qual nenhuma das partes recorreu, pelo que tal decisão se tornou vinculativa de modo absoluto, tendo formado caso julgado material nos termos do artigo 677° do CPC, transmitindo-se a propriedade definitivamente para a entidade expropriante. Se assim não fosse, seria colocado em crise o valor da segurança jurídica que o caso julgado visa garantir da referida decisão. Conclui que o recurso da decisão arbitral sobre os valores indemnizatórios não é a sede própria para invocar irregularidades do processo administrativo, devendo a questão da caducidade da declaração de utilidade pública ser invocada antes do trânsito em julgado do despacho de adjudicação de propriedade.

A expropriada S L.da apresentou resposta ao recurso subordinado, na qual sustenta, além do mais, que a caducidade é uma causa extintiva da declaração de utilidade pública, estando excluída da disponibilidade das partes, dado que estão em causa motivos de ordem pública pelo que pode ser apreciada oficiosamente e alegada em qualquer fase do processo. A eventual falta de recurso do despacho de adjudicação da propriedade sempre seria absolutamente irrelevante pois a questão em causa foi invocada oportunamente na petição de recurso apresentada pela expropriada, em 2005-10-03.

Foi proferida decisão que julgou improcedente, por intempestivo, o incidente de arguição da caducidade da declaração de utilidade pública apresentado pelas recorrentes/expropriadas.

Inconformadas, vieram as Expropriadas recorrer da decisão, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. No despacho de adjudicação das parcelas expropriadas não se apreciou nem se decidiu a questão da caducidade da d.u.p., pelo que nunca seria invocável a excepção de caso julgado.
2. A d.u.p. da expropriação em análise caducou, entre a data da sua publicação no Diário da República, II Série, n°.191, de 2003.08.20, e a data da remessa do presente processo ao Tribunal a quo, pela entidade expropriante - 2005.07.12 - decorreram mais de 18 meses (v. art. 13°/3 do CE 99).
3. O regime da caducidade da d.u.p. está excluído da disponibilidade das partes, pois estão em causa motivos de ordem pública, pelo que se impunha o seu conhecimento oficioso pelo douto Tribunal a quo.
4. A caducidade da d.u.p. pode ser alegada em qualquer fase do processo (v. arts. 13° e 54° do CE 99 e arts. 303° e 333° do C. Civil), tendo sido oportunamente invocada nas petições de recurso apresentadas pelas expropriadas, em 2005.10.03.
5. O despacho recorrido enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado, além do mais, o disposto nos arts. 303° e 333° do C. Civil, nos arts. 510° e 673° do CPC e nos arts. 13° e 54° do CE 99.

Contra-alegou a Expropriante, que, no essencial, concluiu:
1. A caducidade prevista no n.° 3 do artigo 13.° do Código das Expropriações respeita a matéria não excluída na disponibilidade das partes.
2. A caducidade da DUP não pode ser requerida pela entidade expropriante, nem declarada oficiosamente pelo tribunal.
3. A caducidade da DUP não pode ser alegada em qualquer fase do processo mas apenas até ao trânsito em julgado do despacho de adjudicação da propriedade.
4. O recurso da decisão arbitral não é a sede própria, nem o meio processual adequado para requerer a caducidade da DUP e, consequentemente a revogação do despacho de adjudicação da propriedade.
5. As expropriadas já receberam um montante indemnizatório.
6. Pretender a caducidade da declaração da utilidade pública da expropriação quando já se recebeu a indemnização (ou parte dela), além do mais, representa um abuso de direito.
9. Quanto à propriedade, o presente processo tem por objecto apenas a fixação da indemnização devida pela expropriação da Parcela 14, o processo de expropriação da Parcela 15, encontra-se findo.

Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C.P.Civil), importa, essencialmente, apreciar se ocorre a caducidade da declaração de utilidade pública.

II – FACTOS PROVADOS
1. Por despacho do Senhor Secretário de Estado do Ordenamento do Território, (...), foi declarada a utilidade pública da expropriação de diversos imóveis considerados necessários à execução do Plano de Pormenor, entre as quais se integra a parcela n.° 14, com área superior a 76m2 e a parcela n.° 15, ambas a destacar dos prédios enunciados no art. 1º dos recursos apresentados.
2. A expropriante tomou posse administrativa das parcelas em 04 de Março de 2004;
3. A CacémPolis depositou no Banco, em 26 de Janeiro de 2004, à ordem dos proprietários, o montante de EUR. 6.330,74, correspondente ao valor da indemnização proposta, tendo o levantamento da mesma sido autorizado pela expropriante em 14-10-2004 e recebido pela expropriada "P, L.da", em 15-10-2004;
4. Em 15-06-2004 a C, SA e a S, L.da, na qualidade de arrendatária das Parcelas 14 e 15 da Planta Parcelar de expropriações - 1a Fase da C, celebraram acordo do qual consta, além do mais, que a 1 a , na referida data, paga à 2a , a quantia de EUR. 45.615,07, a título de adiantamento por conta de parte do valor da indemnização que vier a ser fixada no processo de expropriação litigiosa a intentar, sendo tal montante deduzido ao valor indemnizatório, devidamente actualizado, que vier a ser fixado por decisão judicial com trânsito em julgado, no processo de expropriação litigiosa, comprometendo-se a 2a a entregar à 1 a as parcelas objecto do acordo até ao dia 31 de Agosto de 2004, livre de pessoas e bens;
5. Por Acórdãos Arbitrais datados de 2005-06-15 foi fixada a indemnização devida às ora recorrentes no valor de EUR. 66.748,00 e EUR. 25.636,32, respectivamente;
6. O processo de expropriação litigiosa referente à parcela 14 da Planta de Expropriações - 1a Fase da C - a que se reportam os presentes autos deu entrada neste Tribunal no dia 12-07-2005;
7. Por despacho de 25-07-14, deste Tribunal, foi adjudicada a favor da expropriante "C, SA" a propriedade da parcela 14;
8. As interessadas P, L.da" e S, L.da, apresentaram recursos das decisões arbitrais, nos termos do artigo 52°, nº 1 do CEXP, suscitando, nos próprios requerimentos de interposição dos recursos, além do mais, a questão da caducidade da declaração de utilidade pública.

III – O DIREITO

1. Da caducidade da D.U.P.
Estabelece o art. 13º, nº 3, do C. Exp.que, sem prejuízo do disposto no nº 6 que prevê a renovação da declaração de utilidade pública, a declaração de utilidade pública caduca se não for promovida a constituição da arbitragem no prazo de um ano ou se o processo não for remetido ao tribunal competente no prazo de 18 meses, em ambos os casos a contar da data da declaração de utilidade pública.
Como defende Osvaldo Gomes (1), a caducidade da declaração de utilidade pública constitui uma exigência do princípio estruturante do Estado de Direito, que impõe, além do mais, a compensação integral dos sacrifícios e a adopção dos meios menos desvantajosos para ao cidadãos, visando garantir o direito do expropriado contra a inércia da administração pública, procurando evitar que os particulares fiquem presos àquela declaração e sujeitos à indefinição dos seus bens ad infinitum (2).
A previsão legal de um prazo de caducidade constitui uma garantia do proprietário (expropriado), na medida em que se visa evitar a inércia da administração pública com as nefastas consequências daí decorrentes, designadamente, evitar que os particulares fiquem ilimitadamente presos à declaração de utilidade pública e ilimitadamente sujeitos à indefinição do destino dos seus bens.
Conforme os autos documentam o processo de expropriação litigiosa, referente à parcela 14 da Planta de Expropriações - 1a Fase da C - a que se reportam os presentes autos, deu entrada neste Tribunal no dia 12-07-2005, sendo certo que, por despacho de 25-07-14 o tribunal adjudicou a favor da expropriante "C, SA", a propriedade da referida parcela 14.
Também está adquirido que, por despacho de 2003-07-14, publicado no DR, II Série, de 2003-08-20, foi declarada a utilidade pública da expropriação de diversos imóveis considerados necessários à execução do Plano de Pormenor da Área Central do Cacém, entre as quais se integra a parcela n.° 14, com área superior a 76 m2 e a parcela n.° 15 identificadas nos autos.
Ou seja, e tal como a sentença recorrida admite, decorreram mais de 18 meses entre a data de publicação da d.u.p. da expropriação e a data da remessa do processo ao tribunal a quo, pela entidade expropriante.
Será esta constatação suficiente para a pretendida caducidade da declaração de utilidade pública?

2. Do conhecimento da caducidade
Argumentam as expropriadas que, ao contrário do defendido na sentença recorrida, o regime da caducidade da declaração de utilidade pública (DUP) está excluído da disponibilidade das partes, alegando que se impunha o seu conhecimento oficioso pelo Tribunal "a quo".
Vejamos.
Estabelece o n.° 1 do artigo 333.° do C. Civil que a caducidade só é do conhecimento oficioso do tribunal se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes. Se assim não for, isto é, sendo estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, por força do disposto no nº 2 do citado preceito legal, o tribunal não a pode suprir, ex oficio, necessitando a mesma, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita.
Ora, como se faz notar na decisão recorrida, a caducidade a que se refere o nº 3 do art. 13º do C. Expropriações, é estabelecida a favor do expropriado e demais interessados. Conforme sustenta Luís Perestrelo de Oliveira (3), também citado na decisão recorrida, “cabe apenas “determinar se os actos devidos não praticados pelo expropriante, ali mencionados, respeitam ou não ao exercício de um direito disponível. O Código das Expropriações resolve esta questão no artigo 88 º, ao permitir que o expropriante desista da expropriação até à investidura judicial na propriedade dos bens. Trata-se, pois, de um direito que, apesar de ser conferido para satisfazer um interesse público, pode ser prescindido por quem dele beneficia. Daí que a caducidade prevista no preceito só possa ser invocada em juízo ou fora dele pelo expropriado ou por qualquer outro interessado, a favor do qual é estabelecida, pelo seu representante legal ou curador ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério público. Essa a razão por que o n.° 4 do artigo em anotação não prevê a declaração oficiosa da caducidade”.
A caducidade prevista no artigo 13.° do Código das Expropriações respeita, pois, a matéria não excluída na disponibilidade das partes, pelo que não pode ser suprida oficiosamente pelo tribunal, como, também decorre do n.° 4, nos termos do qual "a declaração de utilidade pública apenas pode ser requerida pelo expropriado ou por qualquer outro interessado."
Daí, aliás, a possibilidade de os processos de expropriação poderem terminar por transacção judicial.
No sentido de que a caducidade da declaração de utilidade pública, nas expropriações, não é de conhecimento oficioso, se tem pronunciado a jurisprudência, assim decidindo que tal pedido de caducidade está contido na disponibilidade do expropriado, não sendo de conhecimento oficioso (4).
Portanto, tal como se sustenta na decisão recorrida, a caducidade da DUP não pode ser requerida pela entidade expropriante, nem declarada oficiosamente pelo tribunal. Tem, necessariamente, que ser arguida pelo interessado, isto é, pelo expropriado.

3. Da arguição da caducidade
Defende a Recorrente que, de todo o modo, a caducidade da DUP pode ser alegada em qualquer fase do processo, pelo que tendo sido arguida nas petições de recurso apresentadas pelas expropriadas, em 3.10.2005, foi, oportunamente, invocada.
Também aqui não assiste razão à Agravante.
Efectivamente, como bem refere a decisão recorrida, a caducidade da DUP não pode ser alegada em qualquer fase do processo mas apenas até ao trânsito em julgado do despacho de adjudicação da propriedade, já que é com a adjudicação da propriedade que a expropriação se consuma, partindo de um dos pressupostos a que tal ocorra: a declaração de utilidade pública.
O facto dos despachos previstos no n.° 5 do artigo 51.° do Código das Expropriações (despacho de adjudicação da propriedade e despacho a ordenar a notificação da arbitragem) deverem ser simultâneos não lhes retira a independência. Daí que o recurso da decisão de adjudicação da propriedade segue o regime geral previsto no Código de Processo Civil, enquanto o recurso da decisão arbitral segue o regime estabelecido no Código das Expropriações.
Por isso, bem andou a decisão recorrida quando decidiu que não cabe no âmbito do recurso da decisão arbitral, o incidente de arguição de caducidade da declaração de utilidade pública.
A C, SA. requereu processo de expropriação litigiosa contra P, Lda e S, Lda.", no decurso do qual foi proferido, em 14 de Julho de 2005, despacho judicial de adjudicação da propriedade da parcela expropriada. Tal despacho foi notificado às partes a 18 do mesmo mês e ano. Não tendo sido interposto recurso da decisão de adjudicação, tal decisão tornou-se vinculativa, tendo formado caso julgado material.
Com o trânsito em julgado do despacho que adjudicou a propriedade, a expropriação ficou consumada. A propriedade transmitiu-se definitivamente para a entidade expropriante.
Cabe, ainda, notar que, na expropriação, a caducidade reporta-se ao processo expropriativo na fase que antecede a transferência, quer suscitando a questão perante o tribunal, quer face à administração e como sanção para a morosidade do processo expropriativo.
Se o bem expropriado foi adjudicado à expropriante já não pode ter lugar a caducidade e apenas poderá haver lugar à reversão se se verificarem os pressupostos. Assim, a investidura judicial da expropriante na propriedade do bem através do despacho de adjudicação, nos termos do n.° 1 do artigo 88.° do Código das Expropriações constitui obstáculo inultrapassável à desistência da expropriação, passando a existir, se for caso disso, a figura da reversão (5).
A tramitação processual seguinte destina-se, unicamente, à fixação da indemnização (arts. 38.°, 58.° e 66.° do Código das Expropriações).

4. Abuso de direito
Ademais, não se pode dizer que, o caso dos autos, seja uma situação típica visada pelo legislador, ainda que, em abstracto, se pudesse configurar essa hipótese.
Na verdade, após a declaração de utilidade pública de propriedade do expropriado, pese embora tenha sido, em alguns meses ultrapassado o prazo limite de remessa do processo ao tribunal, não se afigura que a situação se inscreva naquelas que o legislador quis acautelar.
A este respeito decidiu-se na Relação do Porto que “a caducidade da declaração de utilidade pública, estabelecida no artigo 4.º do Código das Expropriações, visa garantir o direito do expropriado contra a inércia da administração pública, procurando obstar a que os particulares fiquem ilimitadamente presos àquela declaração e ilimitadamente sujeitos à indefinição dos seus bens”(6)).
Mas, no caso, não foi isso que ocorreu.
Como as próprias Expropriadas admitem nas alegações de recurso, em 15.06.2004 acordaram com a Expropriante receber um adiantamento de 45.615,07€, por conta do valor da indemnização que viesse a ser fixado pela expropriação da parcela de 72 m2 em causa e que se destinou, com outras parcelas, também objecto de expropriação, à execução do Plano de Pormenor da Área Central do Cacém.

Ora, não pode deixar de entender-se que o montante recebido pelas expropriadas está relacionado com o início da expropriação e com a aceitação desta, uma vez que a mesma não foi impugnada.
Nesta medida, a situação de indefinição das Recorrentes é, sob qualquer perspectiva, diminuta. O que agora se discute é, apenas, o acerto da indemnização a pagar pela expropriação em causa, relativamente à qual já receberam parte significativa do montante indemnizatório.
Pretender, agora, “desistir” da expropriação, quando já houve pagamento de parte da indemnização, por acordo entre expropriante e expropriadas, aproxima-se da figura do abuso de direito.
A figura do abuso de direito assenta, essencialmente, no princípio vulgarmente designado de princípio da confiança, do qual resulta que “as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente, no exercício dos direito e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros” (7).
E o art. 334º do CCivil considera ilegítimo o exercício de qualquer direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, os bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Em conformidade com o que exposto fica conclui-se que, no caso, não se verifica a caducidade da declaração, de utilidade pública, referente à parcela identificada nos autos.

IV – DECISÃO
Termos em que, negando provimento ao agravo, mantem-se a decisão recorrida.

Custas pela agravante.

Lisboa, 26 de Outubro de 2006
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)
__________________________________________
(1) Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, pág. 300
(2) Neste sentido entre outros, os Acs. RP de 6/5/1996 (Simões Freire) e de 1/6/2006 (António do Amaral Ferreira), www.dgsi.pt.
(3) Luís Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações, 2ª edição, anotação ao art. 13º.
(4) Neste sentido os Acs. da RP de 5.02.1996 (Couto Pereira) e da RL de 15.02.1996 (Serra Batista), www.dgsi.pt.
(5) Neste sentido, entre outros, cfr. Acs. do STJ de 20/01/94 (Sampaio da Silva); da RP de 06/05/96 (Simões Freire), Ac. RP de 14.03.2006 (Artur Dias), www.dgsi.pt.
(6) Ac. RP de 11-05-2004 (Alexandrina Ferreira), www.dgsi.pt.
(7) Coutinho de Abreu, Do abuso de direito, 1983, pag. 55.