Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18588/16.2T8LSB-BV.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: RESOLUÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Tendo uma instituição de crédito ficado impedida de exercer qualquer actividade bancária na sequência de aplicação de medida de resolução e posterior liquidação judicial, tal impedimento estende-se à obrigação de dar execução às garantias (contragarantias) bancárias autónomas, na modalidade à primeira solicitação, que por si tinham sido emitidas em momento anterior à aplicação das referidas medidas.  

II. Assim, não obstante a figura da garantia bancária corresponder a um negócio complexo no qual coexistem três (ou quatro) relações jurídicas autónomas entre si, estando as mesmas conexionadas, não se justifica exigir ao ordenante da garantia (devedor) o pagamento das comissões acordadas com o banco garante, porquanto a causa que justificou a emissão das garantias (satisfação automática do crédito do beneficiário, isto é, logo que solicitada) não poderá mais ser satisfeita nos moldes em que foi acordada.

III. Ocorre, assim, uma impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação assumida pelo garante perante o ordenante, que, sendo apenas ao primeiro imputável, exime este último de cumprir com a sua obrigação perante aquele (pagamento das comissões bancárias).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO

MASSA INSOLVENTE DO BANCO A …, S.A. intentou, por apenso aos autos de liquidação judicial, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a B …, S.A., alegando, em síntese, que, entre 2006 e 2011, por ordem do Consórcio constituído pelas empresas C …, S.A. (actualmente B …, S.A., aqui ré), D …, S.A. e E … S.A., o Banco A … S.A. emitiu garantias bancárias (identificadas nos autos) a favor de um conjunto de beneficiários com os quais aquele mantinha relações comerciais (beneficiários esses igualmente identificados), por forma a garantir o exacto e pontual cumprimento das obrigações que o Consórcio assumiu perante os mesmos, assegurando o pagamento “após primeira interpelação feita por escrito”. Como contrapartida da prestação das garantias, as entidades integrantes do Consórcio, na qualidade de ordenantes, ficaram obrigadas a proceder ao pagamento de comissões bancárias ao Banco A, em montante acordado entre as partes.
Tendo sido interpelada para proceder ao pagamento da quota-parte que lhe cabia das comissões já vencidas e devidas, a ré defendeu não ser devedora de qualquer montante, alegando que, por força da resolução do Banco de Portugal, as garantias emitidas por aquele banco ter-se-ão tornado ineficazes a partir de 03/08/2014 (a inibição do Banco A … para exercer a actividade bancária constitui impedimento a que as garantias bancárias sejam accionados pelos seus beneficiários).
Em 19/03/2019, a ré foi novamente interpelada para proceder ao pagamento das comissões devidas, as quais, nessa data, ascendiam a €278.457,39, nada tendo pago.
A autora defende que os contratos celebrados entre as partes se mantêm em vigor, nessa medida devendo ser cumpridos.
Concluiu pedindo a condenação da ré a pagar à autora a quantia total de €285.623,09, a título de capital, titulado pelas comissões devidas e não pagas até à data da apresentação da acção, acrescidos de juros de mora vencidos, contados desde as respectivas datas de vencimento, e vincendos, até efectivo e integral pagamento do montante em dívida.

Válida e regularmente citada, a ré B …, S.A., contestou, alegando que o Banco A …, com a resolução, deixou de ter montante disponível para liquidar as suas obrigações, tendo ficado apenas dotado de capacidade financeira para proceder às diligências necessárias à recuperação dos valores dos seus activos.
Mais refere que a administração do Banco A …, deixou de ter mandato para proceder ao pagamento dos montantes prometidos no âmbito das garantias aqui em discussão e, nessa medida, deixou de fazer sentido exigir o pagamento das comissões contratadas.
Os contratos de prestação de garantia bancária perderam eficácia com a resolução do Banco A …, por impossibilidade de cumprimento da obrigação a que este estava vinculado.
Defende que a autora age em abuso de direito – o pedido deduzido é ilegítimo por exceder manifestamente o fim social ou económico desse direito, bem como os limites impostos pela boa-fé (artigo 334.º do CCivil).
Deduziu, ainda, pedido reconvencional, invocando que a resolução do Banco A … implicou uma alteração anormal nas circunstâncias em que a ré fundou a sua decisão de contratar – a resolução/insolvência do Banco A não era enquadrável como um risco próprio do negócio -, tendo originado a eliminação das garantias que a ré se comprometeu a manter com terceiros, os quais podem pedir a substituição das garantias com inerentes custos e despesas para a mesma.
Defende, pois, que, caso se entenda que a ineficácia do contrato não é suficiente para considerar que o mesmo se encontra extinto desde a resolução do Banco A … (o que não admite), sempre o mesmo se deverá considerar resolvido por alteração das circunstâncias nos termos do disposto no artigo 437.º do CCivil, com efeitos à data da resolução do Banco A ….
Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido, porquanto: a) o contrato do qual emerge o pedido da autora é ineficaz; ou caso assim não se entenda, b) deverá o contrato considerar-se resolvido, por alteração de circunstâncias desde a data de resolução do Banco A ….

A autora veio apresentar réplica, alegando não ser possível concluir que o pagamento aos beneficiários não irá ocorrer, já que a situação de insolvência apenas permite extrair a conclusão que os pagamentos serão feitos no contexto do concurso de credores e nos termos previstos na lei. Mais alega apenas estarem activas as garantias prestadas pelo Banco Exterior da Argélia (BEA) a favor das entidades argelinas com quem a ré celebrou contratos e, consequentemente, estão activas as contragarantias prestadas pelo Banco A … ao referido Banco. Assim, sendo accionadas tais garantias, sempre seria o referido Banco a pagar e, depois, a reclamar créditos no âmbito da insolvência do Banco A … – sendo que da lista de créditos reconhecidos consta o reclamado pelo BEA (reconhecido sob condição suspensiva).
Sendo a responsabilidade do pagamento das comissões da ré e da D … (na proporção de metade), a autora reclamou já no processo de insolvência da segunda o respectivo crédito devido por comissões, o qual foi provisoriamente reconhecido pelo Administrador de Insolvência.
Inexiste, pois, incumprimento por parte do Banco A …, assim como não ocorre impossibilidade de cumprimento, já que a garantia, caso seja accionada, será prestada por um Banco terceiro.
A insolvência do Banco A … nenhum prejuízo acarretou para a ré.
Manteve o peticionado inicialmente e pugnou pela improcedência do pedido reconvencional.

Após ambas as partes se terem pronunciado nos termos consignados pelo artigo 3.º, n.º 3 do CPC, foi proferido saneador sentença, pelo qual foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, a ré condenada a pagar à autora a quantia global de €9.306,405, acrescida de juros de mora, contados desde as respectivas datas de vencimento de cada uma das comissões, e vincendos até efectivo e integral pagamento, do mais sendo absolvida.
Já o pedido reconvencional foi julgado improcedente, do mesmo tendo sido a autora absolvida.

Inconformada com tal sentença, a autora massa insolvente veio da mesma interpor RECURSO, formulando as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“A) O presente recurso tem por objeto a sentença proferida a 7 de abril de 2022, na qual o Tribunal condenou a Ré B … a pagar à Autora a quantia global de € 9.306,405, acrescida de juros de mora, contados desde as respetivas datas de vencimento de cada uma das comissões, e vincendos até efetivo e integral pagamento, absolveu a Ré do demais peticionado e julgou improcedente o pedido reconvencional.
B) A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, entendendo que, na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da Ré no pagamento das comissões bancárias vencidas a partir de 3 de agosto de 2014, a referida decisão se baseia numa errada interpretação e aplicação do direito à matéria de facto provada e incorre em erro de julgamento, na medida em que aplicou incorretamente os artigos 790º, nº 1, e 795º, nº 2, do CC, quando, em suma, deveria ter apenas aplicado o artigo 406º do CC.
C) Para fundamentar a inexistência do direito do Banco A … a receber as comissões bancárias vencidas a partir do dia 3 de agosto de 2014, o Tribunal a quo sustentou que «a resolução do Banco A …, S.A., e posteriormente a sua liquidação conduziram à impossibilidade de manutenção das garantias bancárias que estavam em vigor e subsequentemente à inexigibilidade das comissões pretendidas pela autora e referentes ao período que se iniciou a partir de 3 de Agosto de 2014».
D) Porém, a decisão proferida pelo Tribunal a quo incorre em erro de julgamento, na medida em que a aplicação da medida de resolução e o posterior processo de liquidação não acarretaram a impossibilidade de manutenção das garantias bancárias.
E) Expurgando-se a sentença recorrida do referido erro de julgamento, facilmente se conclui que, contrariamente à decisão proferida pelo Tribunal a quo, mantendo-se as garantias emitidas pelo Banco A … válidas e eficazes, são devidas ao Banco A … as comissões bancárias vencidas a partir do dia 3 de agosto de 2014, na medida em que o direito a receber as comissões contratualmente convencionadas pela prestação das garantias emitidas se mantém até ao momento em que as obrigações do Banco A … perante os beneficiários das garantias se extingam, o que, in casu, não ocorreu.
F) A operação negocial da garantia bancária apresenta uma estrutura tripartida, no âmbito da qual podem individualizar-se três relações contratuais distintas: (i) Contrato principal ou Contrato-Base entre o credor/garantido e o devedor/ordenante/mandante, (ii) Contrato de mandato (sem representação) entre o devedor/ordenante/mandante e o banco garante/mandatário e (iii) Contrato de prestação de garantia autónoma entre o banco garante e o credor/garantido.
G) Ora, é precisamente e tão só a segunda relação contratual identificada no ponto anterior que está em causa nos presentes autos: o contrato de mandato celebrado entre o Autor e a Ré.
H) Nesse contrato de mandato, o nexo sinalagmático existente verifica-se entre, de um lado, a prestação, que cabe ao Banco A …, de emitir a garantia nos termos acordados com o Consórcio e, do outro lado, a prestação, que cabe ao Consórcio, de proceder ao pagamento das respetivas comissões, de acordo com as proporções acordadas entre as entidades integrantes.
I) Tal significa que o contrato de mandato celebrado entre o Banco A … e as entidades integrantes do Consórcio foi integralmente cumprido por aquele aquando da emissão das próprias garantias bancárias, sendo-lhe por isso devidas as respetivas comissões.
J) Esta relação não se confunde – nem poderia confundir-se – com aquela que se estabelece entre o Banco A … e cada um dos beneficiários, traduzidos na própria prestação da garantia.
K) Efetivamente, além da autonomia entre a obrigação principal e a obrigação do garante perante o beneficiário, a figura da garantia bancária autónoma pressupõe também a autonomia das relações entre, por um lado, o garante e o ordenante, e, por outro, o garante e o beneficiário.
L) Consequentemente, o dever de pagamento das comissões existe enquanto subsistir a obrigação do garante perante o beneficiário, independentemente do cumprimento ou incumprimento desta obrigação.
M) Atento o exposto, não restam dúvidas de que, em face da autonomia existente entre o contrato de mandato e o contrato de prestação de garantia bancária, o Banco A … tem direito a receber as comissões bancárias vencidas a partir do dia 3 de agosto de 2014, na medida em que tal direito, que emerge da prestação e manutenção das garantias emitidas, se mantém até ao dia em que as obrigações do Banco A … perante os beneficiários das garantias se extingam, o que, in casu, não ocorreu.
N) Quanto aos efeitos da medida de resolução sobre as garantias bancárias autónomas dos autos, contrariamente ao que foi decidido na sentença proferida pelo Tribunal a quo, a sua aplicação não acarretou a impossibilidade absoluta e definitiva de o Banco A … manter as garantias emitidas a pedido da B e de cumprir a obrigação assumida frente aos beneficiários em caso de acionamento.
O) Durante o período em que vigoraram a medida de resolução e as medidas de intervenção corretiva adotadas pelo Banco de Portugal, o Banco A …  estava proibido de exercer a atividade bancária (e não totalmente), o que não significa que tivessem sido afetados na sua existência os direitos e obrigações emergentes de atos praticados, no âmbito de tal atividade, antes do dia 3 de agosto de 2014.
P) Quanto a esses atos, o efeito da aplicação da medida de resolução foi apenas o de tornar temporariamente inexigível o cumprimento das obrigações a que o Banco A … estava adstrito.
Q) A circunstância da resolução do Banco A …  não determinou a eliminação do passivo da entidade, de que são expressão mais evidente os depósitos dos seus clientes que não foram transferidos para o banco de transição, os quais mantiveram a mesma natureza e foram reconhecidos como tal na lista de credores.
R) Com efeito, se é certo que a aplicação da medida de resolução impediu o Banco A …  de continuar a exercer, de uma forma dita normal, a atividade bancária, não é menos certo que as garantias em discussão no caso sub judice foram emitidas em momento muito anterior ao da adoção da medida de resolução, altura em que o Banco A …  exercia, sem quaisquer limitações, tal atividade, e que esta medida não tornou (definitiva e totalmente) impossível o cumprimento das obrigações anteriormente contraídas por esta instituição de crédito.
S) Na verdade, o Banco A …  cumpriu na íntegra a obrigação a que estava adstrito perante a B …, emitindo a favor de terceiros as garantias por esta solicitadas. Donde, a obrigação assumida pelo Banco A …  perante a B… extinguiu-se pelo cumprimento (cfr. 762º, nº 1, do CC).
T) Nada mais havendo a prestar pelo Banco A …  à B …, não pode o Tribunal a quo concluir que as medidas de dispensa de cumprimento e de inexigibilidade de cumprimento de obrigações, que vigoraram ao longo do período de vigência da medida de resolução, configuraram uma situação de impossibilidade objectiva, absoluta e definitiva, tal como prevista no artigo 790º do CC.
U) Por seu turno, pelos mesmos motivos já aduzidos supra, é evidente que também a revogação da autorização para o exercício da atividade do Banco A … não teve por efeito colocá-lo numa situação de impossibilidade definitiva e absoluta de cumprir com as garantias.
V) À revogação da autorização para o exercício da atividade bancária e subsequente entrada em liquidação judicial das instituições de crédito, é aplicável, conforme preceituado pelo artigo 8º do Decreto-Lei nº 199/2006, de 25 de outubro (DL 199/2006), o regime previsto no CIRE, com as devidas adaptações.
W) Ora, no que diz respeito aos direitos dos beneficiários das garantias perante o Banco A …, e tal como referido supra, não existe qualquer norma no CIRE que confira à declaração de insolvência o efeito determinar a impossibilidade definitiva de absoluta de o insolvente cumprir com as suas obrigações e a sua consequente extinção.
X) De acordo com as disposições conjugadas nos artigos 47º, nos 1 e 3, 128º, nº 1, e 146º, nº 1, do CIRE, os beneficiários das garantias emitidas devem, dependendo da data da sua constituição (caso haja lugar ao acionamento da garantia), reclamar os seus créditos ou propor ação de verificação ulterior de créditos, que corre termos por apenso ao processo de insolvência do garante, e se houver ativo do insolvente a repartir pelos credores, os beneficiários da
garantia poderão obter a satisfação dos seus créditos no processo de insolvência.
Y) O reconhecimento pela Comissão Liquidatária do Banco A … ao BEA de um crédito emergente das garantias prestadas (sob condição suspensiva de serem acionadas as garantias), bem como a reclamação pelo Banco A …, no processo de insolvência da D …a, S.A., de um crédito que inclui as comissões devidas pela emissão de diferentes garantias, devidamente reconhecido pelo Administrador de Insolvência, são factos reveladores de que a revogação da autorização para o exercício da actividade bancária do Banco A … e subsequente liquidação judicial não são, por si, geradores de uma impossibilidade definitiva da prestação.
Z) Por sua vez, no que diz respeito aos direitos e obrigações emergentes para o Banco A … e para a B … dos contratos de mandato celebrados entre si, a declaração de insolvência não produz quaisquer efeitos sobre o seu conteúdo.
AA) Pelo que, em suma, ao considerar que a aplicação da medida de resolução e a revogação para o exercício da atividade bancária colocaram o Banco A … numa situação de impossibilidade superveniente de realizar a sua prestação por facto que lhe é imputável e que, consequentemente, tal implicou a extinção da obrigação da B … de lhe pagar as comissões devidas pela emissão das garantias durante o período compreendido entre 2006 e 2011, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.”
Concluiu pela procedência da apelação e consequente revogação da sentença recorrida, devendo ser proferido acórdão que julgue a acção totalmente procedente.

Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido pelo tribunal a quo como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes, nem estar obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, a questão a decidir consiste em saber se, a partir de 04/08/2014, com relação às garantias/contragarantias bancárias que o Banco A …  emitiu a pedido da ré (nos moldes já descritos), é ou não devido o pagamento por esta última das respectivas comissões bancárias a que se tinha obrigado.

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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. No período compreendido entre os anos de 2006 e 2011, no exercício da sua actividade enquanto instituição de crédito, o Banco A … , S.A., emitiu um conjunto de garantias bancárias, por ordem do Consórcio constituído pelas empresas E …, S.A. (actualmente, B …, ré nos presentes autos), D …, S.A. e E … S.A. (conjuntamente designadas por “Consórcio”).
2. Estas garantias foram emitidas pelo Banco A … , S.A., a favor de um conjunto de beneficiários com quem o Consórcio supra identificado mantinha relaçaões comerciais, entre os quais a F …, S.A. e a G …, S.A., bem como, a título de contragarantia bancária, a favor do Banco Exterior da Argélia (“BEA”).
3. Assim, por instrução do Consórcio no qual a B … se integra, foram emitidas as seguintes garantias bancárias pelo Banco A … , S.A.:
Garantia(G)   Data  Ordenante               Beneficiário        Montante  Contragarantia(CG) emissão
G 003286420007.08.2006D …/E …/ B …F …€2.347.512,68
G 003317290010.01.2007D …/E …/ B …F …€ 200.000,00
G 003388340226.12.2007D …/E …/ B …F …€ 200.000,00
G 000310170006.06.2008D …/ B …G …€ 361.042,68
CG E00352000.0113.07.2009D …/ B …BEADZD1174.225.195,95
CG E00352001.0113.07.2009D …/B …BEA€ 2.848.372,95
CG E00352002.0113.07.2009D …/ B …BEADZD 87.112.597,98
CG E00352003.0113.07.2009D …/B …BEA€ 1.424.186,48
CG E00352004.0113.07.2009D …/ B …BEADZD 58.075.065,31
CG E00352005.0113.07.2009D …/ B …BEA€ 949.457,65
CG E00358607.0104.05.2010D …/ B …BEADZD 9.270.022,31
CG E00370971.0218.10.2011D …/ B …BEA€ 949.457,65
CG E00370972.0218.10.2011D …/ B …BEADZD 58.075.065,31


1 Dinares argelinos.

4. As contragarantias prestadas a favor do BEA foram, ao longo do seu período de vigência, sofrendo diversas vicissitudes, traduzidas na redução dos respectivos montantes iniciais, passando a assumir os seguintes montantes:
a) A garantia n.º E00352000.01 foi reduzida para o montante de DZD 23.286.332,44;
b) A garantia n.º E00352001.01 foi reduzida para o montante de € 93.674,64;
c) A garantia n.º E00352002.01 foi reduzida para o montante de DZD 29.856.000,00;
d) A garantia n.º E00352003.01 foi reduzida para o montante de € 15.661,13;
e) A garantia n.º E00370971.02 foi reduzida para o montante de € 259.649,76;
f) A garantia n.º E00370972.02 foi reduzida para o montante de DZD 49.513.290,17.
5. Nos termos do Consórcio estabelecido entre as ordenantes das garantias, a responsabilidade pelas garantias, respectivos custos de emissão e pagamento das comissões era repartida da seguinte forma:
a) No caso das garantias n.ºs 0032864200, 0033172900 e 0033883402, emitidas a favor da F …, a responsabilidade incumbia na proporção de 57,5% à D …, de 28,5% à B … e de 14% à E …;
b) No caso da garantia n.º 0003101700, emitida a favor da G …, a responsabilidade incumbia na proporção de 65% à D … e de 35% à B …;
c) No caso das garantias n.ºs E00352000.01, E00352001.01, E00352002.01, E00352003.01, E00352004.01, E00352005.01, E00358607.01, E00370971.02 e E00370972.02, emitidas a favor do BEA, a responsabilidade incumbia na proporção de 50% à D … e de 50% à B ….
6. De entre as garantias identificadas no ponto anterior, foram posteriormente canceladas as seguintes:
a) Garantia n.º 0032864200, cancelada em 8 de Outubro de 2018;
b) Garantia n.º 0033172900, cancelada em 8 de Outubro de 2018;
c) Garantia n.º 0033883402, cancelada em 8 de Outubro de 2018;
d) Garantia n.º 0003101700, cancelada em 15 de Fevereiro de 2016.
7. Através da emissão destas garantias, o Banco A …, S.A., garantiu o exacto e pontual cumprimento das obrigações que o Consórcio assumiu perante os beneficiários, assegurando o pagamento "após primeira interpelação feita por escrito", "com exclusão dos benefícios de excussão prévia e de divisão", não carecendo o Banco A …, S.A., de "averiguar o fundamento da interpelação, e será efectuado independentemente da autorização, concordância, ou quaisquer razões em contrário invocadas pelo Consórcio".
8. Como contrapartida da prestação das garantias identificadas no facto n.º 3[1], as entidades integrantes do Consórcio, na qualidade de ordenantes, ficaram obrigadas a proceder ao pagamento de comissões bancárias ao Banco A …, S.A., em montante acordado entre as partes.
9. Em 19 de Agosto de 2016, o Banco A …, S.A., interpelou a B … para o pagamento do montante que entendia que estava em dívida referente às garantias supra mencionadas, que à data se cifrava no valor de €139.455,06 (cento e trinta e nove mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e seis cêntimos), acrescido dos juros de mora contados desde as datas dos respectivos vencimentos e até efectivo e integral pagamento.
10. Em resposta à interpelação que lhe foi dirigida, a B … remeteu uma comunicação ao Banco A …, S.A., entendendo não ser devedora de quaisquer montantes e apresentando a seguinte justificação:
[É] nosso entendimento que B … não é devedora de qualquer quantia à V/ constituinte.
Vejamos. As garantias bancárias emitidas pelo Banco A …, S.A. em liquidação e melhor identificadas em epígrafe, por força da resolução do Banco de Portugal, datada de 03 de Agosto de 2014, e das consequências da mesma, tornaram-se ineficazes em resultado da inibição que a partir dessa data passou a impender sobre a V/ Constituinte de exercer a actividade bancária, facto que impedia que as referidas garantias bancárias fossem accionados pelos seus beneficiários.
Carece, pois, de fundamentação fáctica, contratual ou jurídica o alegado e imputado incumprimento contratual, porquanto foi a V/ Constituinte que, enquanto entidade bancária que passou a estar inibida do exercício de actividade, incumpriu com as obrigações a que estava adstrita por força do contrato de garantia bancária celebrado com a B, ao perder o estatuto de garante do beneficiário, que tinha sido expressamente contratado pelas ordenantes.
Não pode pois o Banco A …, em liquidação, exigir às consorciadas o pagamento de comissões que resultem títulos bancários sem validade e eficácia legal, na medida em que não são passíveis de serem accionados pelos respectivos beneficiários”.
11. Em 19 de Março de 2019, o Banco A …, S.A., interpelou novamente a B … para o pagamento da quantia que entendia estar em dívida a título de comissões vencidas e não liquidadas, que à data se cifrava no valor de €278.457,39 (duzentos e setenta e oito mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e trinta e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora contados desde as datas dos respectivos vencimentos e até efectivo e integral pagamento.
12. Apesar das insistências do Banco A …, S.A., para o efeito, a B … não procedeu, até à presente data, ao pagamento dos montantes devidos a título de comissões pela prestação das garantias bancárias supra identificadas.
13. Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária de 3 de Agosto de 2014, às 20 horas, foi determinada a sujeição do Banco A …, S.A., à medida de resolução prevista no artigo 145.º-G, n.º 5, do RGICSF ("Medida de Resolução").
14. Nos termos da Medida de Resolução foi, ainda, determinada a constituição de um banco de transição - H -, e a transferência para o mesmo da quase da totalidade dos activos, licenças e direitos do Banco A …, S.A., incluindo direitos de propriedade, bem como todos os trabalhadores e prestadores de serviços que, até então, se integravam naquele.
15. No que respeita ao Banco A …, S.A., o banco de Portugal deliberou que permaneceriam no mesmo “[Q]uaisquer responsabilidades ou contigências de fraude, violações de disposições regulatórias, penais e contraordenacionais” (cfr. a alínea H) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 11 de Agosto de 2014, às 17 horas, destinada a clarificar e ajustar determinados aspetos das medidas aprovadas na supra referida Deliberação "Activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco A … objeto de transferência para o H …, SA").
16. Com a subsequente clarificação de que "não foram transferidos do Banco A … para o H … quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do Banco A … que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do Banco A …." (cfr. a alínea A) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 29 de Dezembro de 2015, destinada a clarificar e ajustar determinados aspectos das medidas aprovadas na supra referida Deliberação).
17. O Banco de Portugal nomeou, ainda, no dia 3 de Novembro de 2014, novos administradores do Banco A …, S.A., com o objectivo de gerirem os activos que não foram transferidos para o H …, S.A.
18. Paralelamente, no dia 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal aplicou ao Banco A …, S.A., as seguintes medidas de intervenção correctiva e providências, com efeitos a 3 de Agosto de 2014:
a) Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que esta aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu activo;
b) Proibição de recepção de depósitos;
c) Dispensa, pelo prazo de um ano (posteriormente prorrogado pelo período adicional de um ano, na sequência de Deliberação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2015, e com produção de efeitos a 3 de Agosto de 2015), da observância das normas prudenciais aplicáveis e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, excepto se esse cumprimento se revelasse indispensável para a preservação e valorização do seu activo, caso em que o Banco de Portugal poderia autorizar as operações necessárias.
19. Na prática, tais medidas determinaram que, a partir de 3 de Agosto de 2014, o Banco A …, S.A., tenha deixado de exercer qualquer actividade bancária, pois ficou impedido de efectuar qualquer uma das operações previstas no artigo 4.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, limitando-se o novo órgão de administração a prosseguir os objectivos delineados na Medida de Resolução e nas demais normas legais aplicáveis, designadamente nas que regulam a adopção dessa mesma medida.
20. De acordo com o Banco de Portugal, a Medida de Resolução foi desencadeada na sequência e devido à informação divulgada pelo Banco A …, S.A., junto da CMVM, em 30 de Julho 2014 ("Comunicação Banco A de 30 de Julho de 2014").
21. Na referida comunicação, o Banco A …, S.A., divulgou prejuízos no montante global de €3.577,3M com referência à actividade do primeiro semestre de 2014, resultantes, por sua vez, de encargos com imparidades e contingências no montante global de €4.253,5M.
22. Assim, segundo o Banco de Portugal “As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do Banco A …, a nível individual e consolidado, colocando-o globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam atualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8% para o rácio total...”.
23. O que configurou “um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco A …, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal, nos termos do artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras...”.
24. Neste contexto, já por carta datada de 29 de Julho de 2014, o Banco de Portugal tinha solicitado ao Banco A …, S.A., a sua recapitalização, tendo este último comunicado, no dia 31 de Julho de 2014, que não era possível concretizar tal solução.
25. De acordo com o Banco de Portugal o Banco A …, S.A., encontrava-se numa “situação de grave insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de junho até 31 de julho [de 2014], a posição de liquidez do Banco A …, S.A., diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros", o que determinou que o Banco A …, S.A., se tivesse visto "forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA - Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros", porquanto já não podia recorrer "a fundos obtidos em operações de política monetária, por esgotamento dos ativos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do Banco A às operações de política monetária".
26. No dia 1 de Agosto de 2014, o Conselho do Banco Central Europeu decidiu (i) suspender o estatuto de contraparte do Banco A …, S.A., com efeitos a partir do dia 4 desse mês, e (ii) obrigar esta instituição bancária a reembolsar o crédito de aproximadamente €10.000M ao Eurosistema.
27. De acordo com o Banco de Portugal, "a decisão do BCE de suspensão do Banco A …, SA, como contraparte de operações de política monetária tornou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excecionalmente, com especial incidência nos últimos dias, à cedência de liquidez em situação de emergência por parte do Banco de Portugal.".
28. Ainda, segundo o Banco de Portugal, os factos supra expostos "colocaram o Banco A …, S.A., numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, nos termos dos n.9s 1 e 3, alínea c) do artigo 145.º - C do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), pelo que, não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adotada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira."
29. Na sequência da aplicação da Medida de Resolução supramencionada, que esteve em vigor durante cerca de dois anos, em 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco A …, S.A., para o exercício da actividade bancária, a partir das 19 horas desse dia, o que implicou a dissolução e a entrada em liquidação do banco.
30. Esta decisão do Banco Central Europeu não foi objecto de impugnação para o Tribunal Geral, nos termos do artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
31. Na sequência dessa deliberação, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco A …, S.A., tendo sido proferido despacho de prosseguimento em 21 de Julho de 2016, no âmbito do Processo n.º 18588/16.2T8LSB-J1, da 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa.
32. No despacho de prosseguimento dos autos de liquidação judicial, datado de 21 de Julho de 2016, o Tribunal Judicial nomeou, no âmbito dos autos principais e a pedido do Banco de Portugal, os Exmos. Sr.ºs Dr.ºs I, J e L para formar a Comissão Liquidatária do Banco A …, S.A..
33. De acordo com este despacho de prosseguimento, foi fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.
34. Este despacho foi publicado na plataforma Citius no dia 22 de Julho de 2016.
35. Por despacho proferido em 8 de Setembro de 2016, o Tribunal entendeu aplicar-se subsidiariamente o disposto no artigo 569.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
36. A Comissão Liquidatária do Banco A …, S.A., apresentou no apenso CQ a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos.[2]
37. A Comissão Liquidatária do Banco A …, S.A., reconheceu ao Banco Exterior da Argélia um crédito no valor de € 3.607.283,99, sob condição suspensiva.
38. A D …, S.A., foi declarada insolvente por sentença de 6 de Agosto de 2019, no processo n.º 6746/19.2T8LSB, deste Juiz 1.
39. Neste processo o Banco A …, S.A., reclamou um crédito no valor de €52.285.139,76, tendo o mesmo sido provisoriamente reconhecido pelo administrador de insolvência.

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Na presente acção (cujo recurso não incidiu sobre a matéria de facto fixada pela 1.ª instância), mostra-se assente que, entre os anos de 2006 e 2011, por ordem de um consórcio integrado pela ré e outras empresas, o Banco A emitiu diversas garantias bancárias autónomas, na modalidade on first demand (à primeira solicitação).
Não foi, assim, questionada a modalidade pela qual foram as garantias emitidas.
A questão que se coloca é a de saber se, a partir de 04/08/2014, data da Resolução do Banco de Portugal (BdP), poderá ser exigido à ré o pagamento das comissões acordadas pela emissão de tais garantias.

Como a sua denominação o indica, a garantia bancária autónoma à primeira solicitação caracteriza-se pela obrigação que o garante (normalmente uma instituição bancária ou financeira) tem em pagar a quantia pecuniária acordada e nela estabelecida, logo que tal lhe seja exigido pelo terceiro beneficiário (o qual está isento da prova do pressuposto do seu direito, da constituição da obrigação).
Por regra, assenta numa relação triangular, envolvendo diferentes relações contratuais distintas, mas conexionadas entre si, a saber:
a) uma referente ao contrato base/principal - celebrado entre o ordenante da garantia (devedor) e o beneficiário (credor/garantido), sendo esta a relação principal, causal ou subjacente, da qual decorrem as obrigações garantidas;
b) outra relativa ao contrato celebrado entre o ordenante/devedor e um garante (normalmente um banco), pelo qual o segundo se vincula, mediante uma retribuição (a comissão) a prestar uma garantia ao credor (o beneficiário); e
c) uma terceira respeitante ao contrato de garantia autónoma, propriamente dito, estabelecido entre o garante (o banco) e o garantido (beneficiário / credor no contrato-base) em que o primeiro se obriga a pagar ao segundo, logo que interpelado para o efeito, uma determinada quantia pecuniária, renunciando à possibilidade de lhe opor quaisquer excepções relativas ao contrato fundamental.
Ao garante não será, assim, permitido discutir os fundamentos e pressupostos de tal pedido, estando impedido de recusar o pagamento através da invocação de alguma excepção fundada na relação subjacente à emissão da garantia (contrato base/fundamental) previamente estabelecida entre o beneficiário (credor) e o ordenante (devedor) – designadamente, alguma das excepções que a este último fosse possível invocar por referência ao contrato fundamental.[3]
Dizemos que, por regra, a relação é triangular, pois pode a mesma assumir uma estrutura quadrangular, ou seja, composta por quatro contratos.
Assim, enquanto que na situação anteriormente referida, a garantia é directa (garante presta a garantia directamente ao beneficiário), nesta segunda hipótese será já indirecta (o garante contactado pelo ordenante recorre, por seu turno, a outro garante, sendo este último quem assume a obrigação de garantia perante o beneficiário). 
Como refere L. Miguel Pestana de Vasconcelos[4], “Assim sucede sempre que o credor exija que a garantia autónoma seja prestada por um banco da sua nacionalidade (e é com este que se celebra o contrato de garantia autónoma). Nesse caso, teremos que incluir neste conjunto de relações a que se estabelece entre o banco da nacionalidade do devedor e o banco da nacionalidade do credor, que, conforme se disse, lhe presta a garantia. Deste contrato resulta a obrigação para o último banco referido (o banco da nacionalidade do credor) de celebrar o contrato de garantia, obrigando-se a outra instituição de crédito (o banco da nacionalidade do devedor) a entregar-lhe o que o primeiro pagar ao beneficiário na eventualidade de a garantia ser acionada, além de prestar contragarantias (decorre daqui, também, a remuneração de um banco ao outro). A estas relações haverá, claro, (…), que juntar o contrato base donde nasce a obrigação garantida e o contrato entre o devedor e o banco da sua nacionalidade (que depois celebrará o referido contrato com o segundo banco).”
Também Fátima Galante[5] assim o refere – “Outro critério, distingue as garantias bancárias autónomas em directas e indirectas. Nas primeiras, que obedecem a um figurino triangular, o devedor dá ordem ao banco garante para prestar a garantia directamente ao beneficiário, sem qualquer intermediário. Nas indirectas, interpõe-se um segundo banco, com sede no país de beneficiário que actua como intermediário, recebendo a ordem de prestar a garantia de um outro banco-garante do país do devedor-dador da ordem, banco este que presta, por sua vez, uma contra-garantia a favor do banco garante (intermediário). Estamos, aqui, não já perante uma estrutura triangular, mas antes face a uma modalidade de garantia bancária autónoma de estrutura quadrangular, isto é, sobre quatro ordens de relações: - a primeira, a relação jurídica de base entre o credor e o devedor que se pretende garantir; - a segunda, entre o devedor-mandante e o primeiro banco (designado por contragarante) que celebram um contrato de mandato; - a terceira, entre o primeiro banco (contragarante) e o segundo banco (garante) que celebram entre si dois contratos, um de mandato (em que o contragarante é mandante e o garante mandatário) e um contrato de contragarantia (em que o primeiro banco é garante e o segundo beneficiário); - uma quarta entre o segundo banco (como garante) e o credor (como beneficiário), que celebram um contrato de garantia dito de primeiro grau. Regra geral, devedor e contragarante têm a mesma nacionalidade, diferente da nacionalidade comum dos garante e credor. As garantias indirectas são sobretudo utilizadas no comércio internacional, em operações de exportação, quando o beneficiário da garantia é um organismo do Estado ou uma empresa pública, ou quando a legislação, como é frequente em países do Médio Oriente, não permite a um banco estrangeiro funcionar directamente como garante de um beneficiário nacional.”

A garantia bancária autónoma, sem tipificação específica no Código Civil - mas consentida e reconhecida juridicamente em nome do princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do mesmo código[6] -, integra a categoria das denominadas garantias pessoais[7] (a par da fiança e do aval, com os quais, no entanto, não se confunde), destacando-se, porém, das demais pela sua segurança, eficácia e celeridade[8] - são essas, pelo menos, as características que presidiram à sua criação e que levaram à sua aceitação, com grande impacto no comércio internacional. Como afirma Francisco Cortez, “as entidades bancárias têm todo o interesse em prestar este tipo de garantia (normalmente fornecem à parte estrangeira a garantia quanto ao bom cumprimento do contrato pela parte nacional), recebendo em contrapartida uma comissão, sem se envolverem na controvérsia própria da relação principal subjacente”.[9]
Citando Galvão Telles, “O garante paga ao credor sem discutir; depois o devedor tem de reembolsar o garante, também sem discutir. E será, por último, entre o devedor e o credor que se estabelecerá controvérsia, se a ela houver lugar, cabendo ao devedor o ónus de demandar judicialmente o credor para reaver o que houver desembolsado, caso a dívida não existisse e ele portanto não fosse, afinal, verdadeiro devedor.[10]
A garantia autónoma on first demand apresenta, pois, características de autonomia e automaticidade, uma vez que o pagamento é efectuado desde que o beneficiário interpele o banco para esse efeito e independentemente da validade ou eficácia da relação principal, já que o garante assume uma obrigação própria, distinta e independente do contrato base (não assumindo qualquer natureza acessória com referência à obrigação garantida, como ocorre, por exemplo, com a fiança). Ou seja, o garante responsabiliza-se por uma obrigação própria e não pelo cumprimento de uma obrigação alheia (do devedor ordenante).
Tal automaticidade não é, contudo, absoluta - podendo o garante recusar o pagamento quando: a) verifique prova inequívoca e irrefutável de existência de fraude à lei, de má-fé ou de abuso de direito por parte do beneficiário; b) o contrato garantido ofenda a ordem pública ou os bons costumes; c) verifique prova irrefutável de que o contrato base foi cumprido; ou d) tenha ocorrido caducidade (pelo não exercício no prazo de validade que tenha sido previsto, validade essa determinada através de uma data ou de qualquer outro evento extintivo apostos no próprio contrato de garantia) ou resolução da garantia.
Essencial, para a apreciação da garantia, será indagar das cláusulas insertas no título que a sustenta (a pretendida função de garantia está objectivada no próprio título), até porque apenas poderão ser invocados meios de defesa resultantes da própria relação de garantia.
Como se refere na sentença recorrida, “(…) o Professor António Menezes Cordeiro refere, a propósito desta figura, que “a garantia autónoma é, no essencial, um contrato celebrado entre o interessado — o mandante — e o garante (em regra, o banqueiro), a favor de um terceiro — o garantido ou beneficiário. Por vezes, ela é configurada como um contrato celebrado entre o garante e o beneficiário; porém, é do mandante que o garante recebe a comissão.
A interpretação do texto da garantia é essencial para determinar o seu alcance. No entanto, toda a garantia autónoma comporta alguns traços essenciais comuns que surgem, de modo pacífico, na doutrina e na jurisprudência.
Na garantia autónoma, o garante obriga-se a pagar ao beneficiário uma determinada importância. Tal pagamento operará à primeira solicitação (…) Normalmente, porém, a garantia exige que o garante, antes de efectuar qualquer pagamento, proceda à breve análise de determinados documentos: facturas, ordens de fornecimento, boletins de transporte ou de embarque. Tal exame não se confunde, porém, de modo algum, com um juízo de cumprimento ou de incumprimento da relação principal (…).
As partes podem, porém, acordar se a garantia é automática, isto é: verdadeiramente a mera solicitação ou automática ou se, pelo contrário, o garante deve fazer verificação e qual a sua extensão (não automática).
Exigida a garantia (…) o garante só poderá opor ao beneficiário as excepções literais que constem do próprio texto da garantia: não, em princípio, as derivadas da relação principal. Tão-pouco se pode reagir a ela com pretensões de enriquecimento. Todavia, podem ser opostas excepções derivadas da boa-fé, de fraude ou de abuso do direito(Direito Bancário, 6.ª Edição, Almedina, págs. 849 e 850).
 
Refere a autora terem sido emitidas as garantias bancárias melhor identificadas na factualidade provada (algumas das quais já caducaram), através das quais o Banco A garantiu o exacto e pontual cumprimento das obrigações que o Consórcio assumiu perante os beneficiários.
Como contrapartida pela prestação das garantias, os ordenantes (entre os quais, a aqui ré/recorrida) ficaram obrigados a proceder ao pagamento de comissões bancárias ao banco garante (em montante acordado entre as partes) e, em caso de execução da garantia, a reembolsar o mesmo dos montantes que tenha pago.
As comissões da responsabilidade da ré (quota parte), segundo a autora, à data da propositura da acção, ascendiam ao valor global de €285.623,09, acrescido de juros de mora.
Sucede que, interpelada para o efeito, invoca a ré nada ter a pagar, sustentando a sua recusa na resolução levada a efeito pelo BdP.
Segundo defende, as garantias emitidas pelo Banco A … ter-se-ão tornado ineficazes a partir do dia 03/08/2014. Com a medida de resolução, o banco garante deixou de ter montante disponível para liquidar as suas obrigações, tendo ficado apenas dotado de capacidade financeira para proceder às diligências necessárias à recuperação dos valores dos seus activos. Acresce que o mesmo veio a ficar impedido de exercer a actividade bancária. Tais circunstâncias constituíam obstáculo a que as garantias bancárias pudessem ser cumpridas perante os respectivos beneficiários.[11]
Alega, ainda, que a administração do Banco A … deixou de ter mandato para proceder ao pagamento dos montantes prometidos no âmbito das garantias aqui em discussão, nessa medida tendo deixado de fazer sentido exigir o pagamento das comissões contratadas.

Na decisão recorrida considerou-se ser a ré responsável pelo pagamento das comissões bancárias que se venceram até às 23 horas e 59 minutos do dia 02/08/2014, nessa medida tendo-a condenado a liquidar o montante global de €9.306,405 (condenação da qual não houve recurso, pelo que, nessa parte, transitou em julgado).
Igual entendimento já não teve quanto às comissões que se venceram a partir de 03/08/2014, ou seja, após a aplicação da medida de resolução (e, por maioria da razão, após a liquidação judicial, na sequência da revogação da autorização pelo BCE ocorrida em 13/07/2016).
É contra este último entendimento que a recorrente se insurge.

Vejamos, então, quais as eventuais consequências da resolução e posterior liquidação judicial do Banco A na vigência das garantias autónomas aqui em discussão, designadamente para efeito de pagamento das comissões agora exigidas à ré pela massa liquidatária.

O exercício da actividade por parte de instituições de crédito mostra-se regulado no Dec.-Lei n.º 298/92, de 31/12 (o qual foi alvo de posteriores alterações), que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).
Como resulta dos artigos 139.º e ss. deste diploma legal, com vista “à salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro”, o BdP pode adoptar uma de três medidas: a) Intervenção correctiva; b) Administração provisória; ou c) Resolução (medidas estas que, para além de não terem qualquer relação de precedência entre si, podem ser combinadas).
A opção pela medida adoptada está, contudo, sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade, “tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento por parte da instituição de crédito (…) e a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.” – n.º 2 do artigo 139.º.
A intervenção correctiva pode ser desencadeada quando a instituição de crédito não cumpra ou esteja em risco sério de não cumprir as normas legais ou regulamentares que regem a sua actividade, pressupondo-se, contudo, a viabilidade da instituição (pelo que a medida visa garantir-lhe condições de solvabilidade).
A administração provisória pode ser utilizada com objectivos de recuperação da instituição ou de estabilização, em situações susceptíveis de colocar em risco sério o equilíbrio financeiro ou a solvabilidade da instituição em causa, ou de constituir uma ameaça para a estabilidade do sistema financeiro (o BdP pode suspender o órgão de administração da instituição e nomear na íntegra os seus membros).
A medida de resolução constitui uma alternativa à liquidação para as instituições que apresentem risco sistémico.
No caso, por deliberação de 04/08/2014, o BdP aplicou ao Banco A a medida de resolução.
Segundo o artigo 145.º-C, n.º 1 do RGICSF (na redacção vigente à data da aplicação da medida de resolução), “Quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A: a) Alienação parcial ou total da atividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa; b) Transferência, parcial ou total, da atividade a um ou mais bancos de transição”.[12]
Na redacção à data vigente, dispunha o mencionado artigo 145.º-A que o BdP pode aplicar medidas de resolução às instituições de crédito sediadas no nosso país, com vista a “a) Assegurar a continuidade da prestação de serviços financeiros essenciais; b) Acautelar o risco sistémico; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e dos erários públicos; d) Salvaguardar a confiança dos depositantes”.
Já o n.º 3 do mesmo artigo 145.º-C acrescenta que, “Para efeitos do n.º 1, considera-se que uma instituição de crédito está em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade quando, entre outros factos atendíveis, cuja relevância do Banco de Portugal apreciará à luz das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A, se verifique alguma das seguintes situações: a) a instituição de crédito tiver tido prejuízos ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos suscetíveis de consumir o respetivo capital social; b) Os ativos da instituição de crédito se tornarem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respetivas obrigações; c) A instituição de crédito estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar.
O pressuposto para a aplicação de uma medida de resolução é, assim, a impossibilidade da instituição financeira cumprir os requisitos de que depende a manutenção da autorização para o exercício da actividade.[13]
Com relação ao Banco A, o BdP optou pela aplicação da medida de resolução prevista na al. b) do n.º 1 do transcrito artigo 145.º.-C e, como referido na sentença recorrida, “transferiu a totalidade da actividade prosseguida pelo Banco A …, S.A., e um conjunto dos seus activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e cativos sob gestão deste para o H …, S.A., entidade criada, transitoriamente, para este efeito.” – cfr. artigo 145.º-G (redacção à data em vigor).[14]

Para além das medidas de intervenção que se encontram previstas no RGICSF, e sem com as mesmas se confundir, surge o mecanismo de liquidação das instituições de crédito, regulado pelo Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25/10 (alterado pelo Dec.-Lei n.º 31-A/2012, de 10/02).
Tratando-se de liquidação judicial, à mesma serão igualmente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições do CIRE que se mostrem compatíveis com as especialidades constantes do citado decreto-lei (com excepção dos títulos IX e X – Plano de Insolvência e Administração pelo Devedor, respectivamente) – cfr. artigo 9.º, n.º 2 do Dec.-Lei.[15]
Refira-se que a liquidação judicial fundada na revogação da autorização apenas pode ser requerida pelo BdP – artigo 8.º do Dec.-Lei.

Recorrendo ao decidido na primeira instância, lê-se na sentença impugnada:
“In casu, está sumariamente provado que:
a) Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária de 3 de Agosto de 2014, às 20 horas, foi determinada a sujeição do Banco A …, S.A., à medida de resolução prevista no artigo 145.º-G, n.º 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“Medida de Resolução”). // b) Nos termos da Medida de Resolução, foi ainda determinada a constituição de um banco de transição – H -, e a transferência para o mesmo da quase totalidade dos activos, licenças e direitos do Banco A …, S.A., incluindo direitos de propriedade, bem como todos os trabalhadores e prestadores de serviços que, até então, se integravam naquele. // c) O Banco de Portugal nomeou ainda, no dia 3 de Novembro de 2014, novos administradores do Banco A …, S.A., com o objectivo de gerirem os activos que não foram transferidos para o H …, S.A.. // d) Paralelamente, no dia 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal aplicou ao Banco A …, S.A., as seguintes medidas de intervenção correctiva e providências, com efeitos a 3 de Agosto de 2014: 1) Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que esta aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu activo; 2) Proibição de recepção de depósitos; 3) Dispensa, pelo prazo de um ano (posteriormente prorrogado pelo período adicional de um ano, na sequência de Deliberação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2015, e com produção de efeitos a 3 de Agosto de 2015), da observância das normas prudenciais aplicáveis e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, excepto se esse cumprimento se revelasse indispensável para a preservação e valorização do seu activo, caso em que o Banco de Portugal poderia autorizar as operações necessárias. //e) Estas medidas determinaram que, a partir de 3 de Agosto de 2014, o Banco A …, S.A., tenha deixado de exercer qualquer actividade bancária, pois ficou impedido de efectuar qualquer uma das operações previstas no artigo 4.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, limitando-se o novo órgão de administração a prosseguir os objectivos delineados na Medida de Resolução e nas demais normais legais aplicáveis, designadamente nas que regulam a adopção dessa mesma medida. // f) De acordo com o Banco de Portugal, a Medida de Resolução foi desencadeada na sequência e devido à informação divulgada pelo Banco A …, S.A., junto da CMVM, em 30 de Julho 2014 (“Comunicação Banco A de 30 de Julho de 2014”). // g) Na referida comunicação, o Banco A …, S.A., divulgou prejuízos no montante global de € 3.577,3 M com referência à actividade do primeiro semestre de 2014, resultantes, por sua vez, de encargos com imparidades e contingências no montante global de € 4.253,5M. // h) No dia 1 de Agosto de 2014, o Conselho do Banco Central Europeu decidiu: 1) Suspender o estatuto de contraparte do Banco A…, S.A., com efeitos a partir do dia 4 desse mês: e 2) Obrigar o Banco A …, S.A., a reembolsar o crédito de aproximadamente € 10.000M ao Eurosistema. // 3) Na sequência da aplicação da Medida de Resolução nos termos expostos, que esteve em vigor durante cerca de dois anos, em 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco A…, S.A., para o exercício da actividade bancária, a partir das 19 horas desse dia, o que implicou a dissolução e a entrada em liquidação do banco. // 4) Esta decisão do Banco Central Europeu não foi objecto de impugnação para o Tribunal Geral, nos termos do artigo 263.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. // 5) Na sequência dessa deliberação, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco A …, S.A., tendo sido proferido despacho de prosseguimento em 21 de Julho de 2016, no âmbito do Processo n.º 18588/16.2T8LSB-J1, da 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa.
Estatui o artigo 8.º, do Decreto-lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro, que “A liquidação judicial das instituições de crédito fundada na revogação de autorização pelo Banco de Portugal faz-se nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as especialidades constantes dos artigos seguintes.
2 - A decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência.
3 - Cabe em exclusivo ao Banco de Portugal requerer, no tribunal competente, a liquidação da instituição de crédito, no prazo máximo de 10 dias úteis após a revogação da autorização, proferida nos termos do artigo 22.º do RGICSF. (…).”
Emerge deste preceito legal que a liquidação judicial assente na revogação da autorização, está subordinada às normas previstas no Decreto-lei n.º 199/2006 e, em tudo que nele estiver omisso, pelas disposições do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
(…) As normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aplicam-se ao processo de liquidação judicial, nas secções que regem a massa insolvente, a classificação dos créditos e, por analogia e com os ajustes necessários, aplica-se também, às matérias respeitantes aos órgãos da insolvência e aos efeitos de declaração da mesma.
As normas estipuladas no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas sobre as matérias de verificação de créditos, restituição e separação de bens, aplicam-se igualmente ao processo de liquidação de instituições de crédito (…)”.
E, continua:
“Como foi referido anteriormente, o Banco A…, S.A., foi alvo de duas medidas de intervenção pública.
A primeira que consistiu na medida de resolução (datada de 3 de Agosto de 2014), que conduziu à criação de um banco transitório e nomeação de novos administradores para aquela instituição centenária.
E uma segunda que se traduziu na liquidação desta mesma instituição na sequência da revogação da autorização pelo Banco Central Europeu, o qual tinha competência para o efeito, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1-a do Regulamento (EU) 1024/2013 do Conselho. Por força do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo Regulamento da União Europeia, incidente sobre a definição da dimensão jurídica dos poderes neste âmbito concedidos ao Banco Central Europeu, esta intervenção é equiparada à dos bancos centrais nacionais, ou seja, na situação sob análise, à do Banco de Portugal, pelo que a mesma tem a dimensão emergente do disposto no n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro, produzindo «os efeitos da declaração de insolvência», aí mencionada.”
Perante este quadro, conclui a 1.ª instância que a resolução do Banco A e, posteriormente, a sua liquidação judicial, conduziram à impossibilidade de manutenção das garantias bancárias que estavam em vigor e subsequentemente à inexigibilidade das comissões pretendidas pela autora e referentes ao período que se iniciou a partir de 03/08/2014.
Subscrevemos tal entendimento.
Estando em causa garantias bancárias autónomas à primeira solicitação, como já referido, caracterizam-se as mesmas, não apenas pela sua autonomia, mas igualmente pela sua automaticidade, ou seja, terá o garante de proceder ao pagamento imediato do montante nelas titulado logo que assim seja exigido pelo beneficiário (sem que tal pagamento possa ser questionado).
O pagamento basta-se, assim, com o pedido efectuado pelo beneficiário.
Ora, no caso, tal automaticidade deixou de existir.
Com efeito, na sequência da Resolução do BdP de 03/08/2014, o Banco A deixou de exercer a actividade bancária, porquanto ficou impedido de efectuar qualquer uma das operações previstas no artigo 4.º do RGICSF, nessa medida, não lhe sendo possível cumprir com as garantias autónomas à primeira solicitação que havia emitido (ou seja, pagar de imediato aos beneficiários caso tais garantias fossem accionadas).
Tal impossibilidade de cumprimento, como refere a 1.ª instância, manteve-se e agravou-se com a dissolução e a entrada em liquidação do banco (liquidação essa que se tornou irreversível – cfr. artigo 5.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 199/2006), tanto mais que, como resulta do n.º 2 do artigo 8.º do Dec.-Lei n.º 199/2006, a decisão de revogação da autorização pelo BdP produz os efeitos da declaração de insolvência.
Como se escreveu na sentença, “com o processo de liquidação (insolvência) esta antiga instituição bancária deixou de ter capacidade para honrar os compromissos assumidos ao abrigo das referidas garantias. E aqui importa ter em atenção o disposto no artigo 81.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, segundo o qual a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência. Isto é, o insolvente fica proibido de praticar actos de disposição e de administração sobre os bens que integram a massa insolvente, os quais são separados do património geral, por forma a constituir um património autónomo – a massa insolvente. E este património do insolvente encontra-se adstrito à satisfação dos credores concursais. Atento este quadro jurídico, o Banco A…, S.A. – Em Liquidação, estaria impossibilitado cumprir as referidas garantias autónomas à primeira solicitação.”
Consequentemente, se o Banco A deixou de poder executar as garantias (pagamentos) nos moldes em que se obrigou (insiste-se, pagamento imediato após solicitação do beneficiário), não se justifica que continuem a ser cobradas as comissões que a ré se obrigou a pagar precisamente por conta de tais garantias.  
A tal conclusão não obsta a alegação segundo a qual sempre aos beneficiários seria possível ver os seus créditos satisfeitos através da reclamação de créditos.
Senão vejamos.
No âmbito de um qualquer processo de insolvência ter-se-á de dar satisfação proporcional dos direitos de todos os credores (ressalvados aqueles que sejam titulares de direitos que gozem de prevalência sobre os demais), em condições de igualdade (par conditio creditorum) – cfr. artigo 604.º do CCivil.
Tal processo mais não é do que uma execução universal cuja finalidade é a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, pelo que todas as questões que influam na determinação do activo e do passivo do insolvente deverão ser resolvidas no próprio processo (princípio da universalidade) - cfr. artigos 46.º, 90.º e 128.º e ss. do CIRE.
Nessa medida, nunca as garantias bancárias aqui em causa, em caso de accionamento, poderiam ser pagas nos moldes em que foram contratadas e subsequentemente emitidas (de imediato, à primeira solicitação), sob pena de se violar o preceituado no CIRE em matéria de graduação de créditos e respectivo pagamento – cfr. artigos 172.º e ss. do CIRE.[16]
Aliás, sempre se poderá dizer que, com a aplicação da medida de resolução, ocorreu evidente diminuição de garantia de pagamento dos créditos dos beneficiários já que, ao terem sido transferidos activos para o banco de transição (H), sempre o Banco A terá ficado com um património insuficiente para garantir o pagamento da totalidade dos montantes em causa (aos quais acresce o demais passivo da instituição), com o subsequente agravamento resultante sua liquidação judicial (podendo mesmo tal património/massa liquidatária ser de todo insuficiente para pagar os mesmos). [17]
Como se refere, e bem, na sentença, “em caso de accionamento, o beneficiário da garantia autónoma à primeira solicitação teria de vir reclamar o seu crédito no processo de insolvência, sem quaisquer garantias de que iria receber a totalidade do valor da garantia e quando é que a iria receber. Esta situação põe em causa os fundamentos básicos da garantia autónoma “on first demand”, nomeadamente a sua automaticidade. Efectivamente, o beneficiário na reclamação de créditos apresentada no processo de insolvência teria de provar o incumprimento da obrigação do devedor ou qualquer outro evento que fosse o pressuposto da constituição do seu crédito contra o banco. Ou seja, estaria em causa a expressão que caracteriza este tipo de garantia: “paga-se primeiro, discute-se depois”.”

Em reforço do decidido, argumenta-se, ainda, na sentença que, quer a resolução, quer a liquidação do Banco A, puseram em crise o contrato de mandato que se estabeleceu entre o banco garante (mandatário) e a ré (ordenante/mandante).
Vejamos se assim é.
A noção de mandato é-nos dada pelo artigo 1157.º do CCivil - “contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra”, ou seja, no interesse de outra (já que a actuação do mandatário visa a prossecução dos interesses do mandante) -, podendo o mesmo ser com ou sem representação – no primeiro caso, o mandatário age, ao mesmo tempo, por conta e em nome do mandante (artigos 1178.º e ss. do CCivil), no segundo caso, age por conta do mandante, mas em nome próprio (artigos 1180.º e ss. do CCivil).
Como maioritariamente se tem defendido, a relação entre o garante e o ordenante da garantia consubstancia um contrato de mandato sem representação, porquanto a instituição bancária actua em nome próprio (praticando um acto jurídico que se traduz na emissão da garantia bancária – celebração do contrato de garantia com o beneficiário que lhe for indicado pelo ordenante) mas tal actuação é feita no interesse do ordenante – o banco emite a garantia por conta do ordenante, mas não em nome do ordenante.
Em virtude de actuar em nome próprio, quem assume a posição de parte no contrato de garantia é a própria instituição de crédito, pelo que os efeitos deste negócio produzem-se na sua esfera jurídica, tendo depois de ser transferidos para a esfera jurídica do mandante.[18]
Tal mandato assume cariz oneroso, porquanto o ordenante se obriga a pagar ao banco garante uma remuneração (as denominadas comissões que estão no cerne do presente recurso), para além de o acto de emissão de garantias bancárias integrar o núcleo de actos que as instituições de crédito podem praticar.[19]
Uma vez accionada a garantia e efectuado o pagamento ao beneficiário, fica o garante automaticamente constituído no direito de reembolso por parte do ordenante.
Nascem assim duas obrigações, por um lado o garante fica obrigado a emitir aquela garantia e, por outro lado, o ordenante fica obrigado a pagar uma comissão ao primeiro e ainda, a reembolsá-lo na eventualidade de tal garantia ser reclamada pelo seu beneficiário.
Considera a recorrente que o Banco A cumpriu com a sua obrigação, porquanto emitiu as solicitadas garantias/contragarantias bancárias (nessa medida alegando que a sua obrigação se extinguiu pelo cumprimento – artigo 762.º, n.º 1 do CCivil).
Nesse pressuposto, defende que sempre a ré terá igualmente de cumprir com a respectiva obrigação – o pagamento das comissões reclamadas (e dos respectivos juros de mora).
Como já referido, não foi esse o entendimento da 1.ª instância, tendo o Mmo. Juiz a quo decidido que, a partir de 03/08/2014 – numa primeira fase, com a aplicação da medida de resolução e, posteriormente, com a liquidação judicial -, ocorreu uma situação de impossibilidade superveniente da prestação à qual o Banco A (garante) se obrigou, enquadrando o caso na previsão do n.º 1 do artigo 790.º, do CCivil - “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
Importa, assim, aferir de tal enquadramento jurídico (correndo o risco de, no essencial, nos repetirmos quanto ao que já acima se expôs).
Para que se verifique uma situação de impossibilidade superveniente, terá a mesma que revelar-se efectiva (não correspondendo a um mero agravamento da prestação, ou à chamada “impossibilidade económica”), objectiva (não podendo haver substituição por terceiro no cumprimento da prestação), absoluta (a causa impossibilitante não é superável) e definitiva (pois, sendo temporária, ocorrerá apenas mora no cumprimento). [20]  
Esta impossibilidade terá, ainda, de resultar de circunstâncias não imputáveis ao devedor (ausência de culpa deste), aqui se incluindo actuações voluntárias do credor (cfr. artigo 795.º, n.º 2 do CCivil).[21]
Como refere José Carlos Brandão Proença[22] (citado, aliás, na sentença), justificar-se-á o não cumprimento (que acarreta o efeito extintivo da obrigação assumida), se o devedor estiver colocado numa situação de “impossibilidade de cumprir por circunstâncias total ou parcialmente estranhas à sua vontade e de natureza objectiva ou subjectiva.”.
O nosso legislador adoptou “como padrão da impossibilidade com efeito exoneratório a impossibilidade objectiva, absoluta, definitiva e total. A impossibilidade diz-se objectiva sempre que o devedor esteja impedido de cumprir por razões que não dizem respeito à sua pessoa (…). Este impedimento é, em si mesmo, uma barreira (objectiva) inultrapassável pelo devedor ou por qualquer pessoa que o possa substituir (…). A impossibilidade objectiva é, assim, em regra, uma impossibilidade absoluta na medida em que o impedimento é um obstáculo inultrapassável (“cuis resisti non potest”) mesmo com esforços suplementares. Por outras palavras, mesmo que o devedor estivesse disposto a sacrifícios enormes não poderia cumprir. Nem ele nem qualquer pessoa. A impossibilidade é total quando recai sobre toda a prestação ou sobre o conjunto das prestações cumulativas ou alternativas. A impossibilidade diz-se definitiva quando não for possível o seu cumprimento, por razões físicas ou pela circunstância de não interessar ao credor a sua recepção tardia.”
O tribunal a quo considerou estarmos perante uma impossibilidade da realização da prestação acordada, impossibilidade essa que caracterizou como sendo objectiva, absoluta, definitiva e total, já que o Banco A deixou de exercer qualquer actividade bancária e veio a ser alvo de posterior liquidação judicial (insolvência).
No entendimento defendido, o banco garante ficou, de forma definitiva e absoluta, impedido de exercer a actividade bancária, logo, impossibilitado de cumprir as garantias autónomas por si prestadas, impossibilidade essa que só ao mesmo é imputável.
Pode ler-se na sentença: “Perante este quadro fáctico carece de fundamento a pretensão da autora em peticionar as alegadas comissões e respectivos juros que se venceram após o dia 3 de Agosto de 2014 (inclusive), já que nenhuma responsabilidade pode ser assacada à ré (artigo 795.º, n.º 2, do Código Civil). Com efeito, nenhuma responsabilidade pode ser imputada à ré pela impossibilidade da prestação da autora, que se funda, segundo o Banco de Portugal, no facto do Banco A…, S.A., se ter colocado numa “numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, de incumprimento dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade” e que conduziu numa primeira fase à sua resolução e numa segunda à sua liquidação.”[23]
Não encontramos razões para discordar do decidido.
Como refere L. Miguel Pestana de Vasconcelos[24], a garantia bancária não é um negócio abstracto, mas antes um negócio causal – “o contrato em análise tem, em si, uma função própria: assegurar uma obrigação emergente de um outro contrato, o contrato-base. A sua causa (no sentido causa-função) é, pois, de garantia.
Assim também foi defendido por Inocêncio Galvão Telles[25] - “A garantia automática é uma obrigação causal, como a fiança, porque visa, como esta, uma função de garantia e essa função, que constitui a sua causa, está objectivada no respectivo contrato.” – e por Almeida Costa e Pinto Monteiro[26] – “Efectivamente, a causa da garantia autónoma, a finalidade económico-social que serve, o seu escopo, é precisamente garantir determinado contrato base, finalidade esta objectivada na própria carta de garantia e nos contratos (entre o credor e o devedor e entre este e o banco) que a precedem.
O negócio da garantia bancária tem, assim, por função económico-social a função de garantia, a saber, assegurar um direito de crédito emergente de outra relação jurídica (daí se poder dizer que a prestação da garantia por parte da instituição de crédito como que traduz uma forma de concessão de crédito ao ordenante, crédito esse que corresponderá ao montante titulado na garantia).
Não se subscreve, como tal, a alegação da recorrente quando invoca ter o Banco A cumprido com a sua obrigação a partir do momento em que emitiu as garantias/contragarantias.
A prestação a que o banco se obrigou perante a ré não se reduz a um mero acto de emissão da garantia/contragarantia, abrangendo ainda a manutenção de condições para que a mesma possa ser honrada, executada, cumprida - mesmo que o beneficiário não venha a solicitar o seu pagamento, sempre o banco garante terá de estar apto a satisfazer o crédito. Tem o banco de reunir os requisitos exigidos para dar cumprimento à garantia, isto é, dispor de capacidade económica e autonomia para liquidar o montante garantido à primeira solicitação (já que a emissão de uma garantia autónoma à primeira solicitação tem o mesmo valor que teria um depósito de dinheiro ou de valores feito em nome do beneficiário).
Ora, na situação em apreço, o garante deixou de poder assegurar tal função (tanto mais que, com a aplicação das medidas a que foi sujeito, ficou privado de fundos para, em caso de execução da garantia, proceder ao pagamento imediato da garantia, isto é, sem qualquer diferimento), pelo que não será de exigir ao ordenante que pague as comissões reclamadas.
A tal conclusão não obsta o facto de existir um segundo banco envolvido.
Como já mencionado, tal significa apenas que foi celebrada uma garantia bancária indirecta. Ou seja, o Banco A, a pedido da ré, prestou contragarantias[27] ao BEA – Banco Exterior da Argélia (sendo este quem confere a garantia ao beneficiário). Assim, caso a garantia fosse accionada e o BEA pagasse ao beneficiário, sempre tal montante seria depois reclamado junto do Banco A que, por seu turno, teria igualmente de pagar ao banco argelino de forma autónoma e automática[28] o que, como se expôs, não seria possível.
Igualmente não constitui obstáculo ao decidido nesta instância recursória o facto de o BEA ter reclamado o seu crédito no processo de liquidação, tendo a comissão liquidatária do Banco A reconhecido o mesmo sob condição suspensiva (cfr. Apenso BQ), dispensando-nos aqui se reproduzir o que já supra se defendeu quanto ao diverso tratamento da satisfação do crédito na sequência da execução de uma garantia autónoma à primeira solicitação e na sequência da reclamação em processo de insolvência. [29]

Conclui-se, assim, no sentido de não ser devido o pagamento das comissões bancárias, como pretendido pela recorrente.
***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e, nessa sequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2023
Renata Linhares de Castro
Nuno Teixeira
Rosário Gonçalves
_______________________________________________________
[1] Na sentença refere-se “artigo 3.º” em vez de “facto n.º 3”, pelo que a alteração é da nossa autoria.
[2] A identificação do Apenso traduz um lapso, porquanto o Apenso correcto, referente à reclamação de créditos, é o BQ (o Apenso CQ corresponde a uma acção de resolução em benefício da massa insolvente).  
[3] Como escreveu INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, “no caso de garantia autónoma, o garante não se obriga a satisfazer uma dívida alheia. Ele assegura ao beneficiário determinado resultado, o recebimento de certa quantia em dinheiro e terá de proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário diga que não o obteve da outra parte, sem que o garante possa entrar a apreciar o bem ou mal fundado desta alegação” – Garantia Bancária Autónoma, Revista O Direito, Ano 120, 1988, III-IV (Julho – Dezembro), pág. 283.
[4] Direito das Garantias, 3.ª edição, 2019, Almedina, pág. 141, nota 378.
[5] Garantia bancária Autónoma, Data Venia, ano 4, n.º 06, Novembro de 2016, págs. 457/458.
[6] Nesse sentido, veja-se, VASCO SOARES DA VEIGA, Direito Bancário, 2.ª edição, Almedina, 1997, pág. 359, e FRANCISCO CORTEZ, Revista da Ordem dos Advogados, ano 52, Vol. II, Julho de 1992, pág. 530; bem como o acórdão do STJ de 25/11/2014 (Processo n.º 526/12.3TBPVZ-A.P1.S1, relatado por Fonseca Ramos), disponível in www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser citados, segundo o qual o contrato de garantia autónoma corresponde a “um negócio atípico, inominado, que o princípio da liberdade contratual – art. 405º do Código Civil – admite, porque não violador das normas abertas dos arts. 280º e 294º do Código Civil”.
[7] Por contraposição às chamadas garantias reais, tais como o penhor, a hipoteca, o direito de retenção, a consignação de rendimentos ou os privilégios creditórios
[8] Segundo o acórdão do STJ de 27/05/2010 (Proc. n.º 25878/07.3YYLSBA.L1.S1, relator Serra Baptista), “1. O regime jurídico da garantia bancária autónoma, à primeira solicitação (on first demand) é determinado pelas cláusulas acordadas e pelos princípios gerais dos negócios jurídicos (arts 217.º e ss do CC) e dos contratos (art. 405.º e ss do CC). 2. A função da garantia autónoma não é a de assegurar o cumprimento de um determinado contrato mas antes a de assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas nos termos da garantia, uma determinada quantia em dinheiro. E, por isso, perante uma garantia autónoma à primeira solicitação de nada servirá vir-se esgrimir com argumentos retirados do contrato principal, pois a garantia tem fins próprios, auto-suficientes, servindo, como diz Galvão Telles, como um simples sucedâneo de um depósito em dinheiro.(…).”  
[9] Obra citada, pág. 523.
[10] Obra citada, pág. 283.
[11] Pela ré foi, ainda, alegado que a referida resolução implicou uma alteração anormal nas circunstâncias em que a mesma fundou a sua decisão de contratar (não compreendida pelos riscos próprios do negócio), tendo originado a eliminação das garantias que aquela se comprometeu a manter com terceiros, os quais poderiam pedir a substituição das garantias com inerentes custos para a contestante. Mais alegou que a manutenção do contrato de prestação de garantia bancária seria atentatória da boa-fé. Nessa medida, referiu que sempre o contrato estaria resolvido por alteração das circunstâncias nos termos do disposto no artigo 437.º, do Código Civil, com efeitos à data da resolução do Banco A. Considerando, no entanto, que, nessa parte, a 1.ª instância declinou a pretensão da ré, julgando improcedente o pedido reconvencional pela mesma deduzido, não tendo sido interposto recurso do assim decidido, ficou tal questão definitivamente julgada, ou seja, transitou em julgado.
[12] Tais medidas justificar-se-ão caso o BdP considere “não ser previsível que a instituição de crédito consiga, num prazo apropriado, executar as ações necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais” (n.º 2 do artigo 145.º-C).
[13] A autorização para o exercício da actividade é concedida e pode ser revogada nos termos previstos pelos artigos 14.º e 22.º, respectivamente, do RGICSF.
[14] O capital social do H …, à data, era exclusivamente detido pelo Fundo de Resolução.
[15] A liquidação poderá também ser extrajudicial, hipótese na qual serão já aplicáveis as disposições do Cód. Soc. Comerciais, nos moldes previstos pelo artigo 7.º, n.º 1 do Dec-Lei n.º 199/2006.  [16] Como refere PEDRO LOBO XAVIER, Das medidas de resolução de instituições de crédito em Portugal – análise do regime dos bancos de transição, pág. 17, “O RGICSF não estabelece regras que disciplinem especificamente a matéria relativa à hierarquia dos créditos existentes sobre a instituição de crédito sujeita a uma medida de resolução. Contudo, parece-nos ser pacífico que a definição dessa hierarquia deve seguir as regras de graduação constantes do CIRE, que são também aplicáveis na liquidação de uma instituição de crédito por força no disposto nas alíneas h) e i) do n.º 2 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 199/2006.”
[17] Refira-se, por pertinente, que, com a mesma data do presente aresto, no Apenso EJ, foi proferido acórdão pelo qual se manteve a decisão que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada à lista de credores pelo Fundo de Resolução e, nessa sequência, lhe reconheceu: “a) Um crédito privilegiado no montante de € 791.694.980,00; b) Um crédito privilegiado no montante de € 448.873.911,25; c) Um crédito privilegiado no montante de € 2.000.000”.
[18] Segundo INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, in Mandato sem representação (parecer), Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, 1983, tomo III, pág. 10, aludindo à figura do mandato sem representação, “o mandatário [que], embora agindo em seu nome, procede no interesse do mandante fica constituído na obrigação, que lhe advém do mandato, de transmitir ao mandante os direitos adquiridos. Esses direitos são seus, porque não passaram directamente para o mandante. Mas destinam-se em última análise a este; e por conseguinte o mandatário está obrigado a transferir-lhos”. 
[19] Segundo MIGUEL ALEXANDRE DUARTE SANTOS, A transmissão das posições das partes no âmbito das relações em torno da garantia autónoma – Da admissibilidade, requisitos e efeitos, Revista de Direito das Sociedades, VIII (2016), n.º 3, pág. 702, “O contrato de emissão de garantia será um contrato subjectivamente comercial, já que é celebrado por profissionais no exercício das respectivas actividades comerciais. Quando celebrado por um banco consistirá ainda numa operação bancária, a qual consubstancia acto de comércio por força do artigo 362.º do Cód. Com., o que permite enquadrar o contrato no contrato da comissão, ao qual se aplicará supletivamente o regime do mandato comercial.
[20] Segundo ANTUNES VARELA, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 4.ª edição, pág. 66, “Para que a obrigação se extinga, é necessário, segundo a letra e o espírito da lei, que a prestação se tenha tornado verdadeiramente impossível, seja por força da lei, seja por força da natureza (caso fortuito ou de força maior) ou por acção do homem. (…) Causa de extinção da obrigação é a impossibilidade (física ou legal) da prestação”.
[21]  Como refere o tribunal a quo, “O inadimplemento não imputável ao devedor ocorre quando a inexecução da obrigação seja provocada por um facto não dominável pela sua conduta (acto da autoria do próprio credor ou de terceiro, força maior, caso fortuito, etc.). (…) O não cumprimento redunda na chamada impossibilidade de cumprimento se não for imputável ao devedor (…) o que conta é a insusceptibilidade objectiva de realização da prestação. (…) apenas uma efectiva impossibilidade da prestação há de ser reconhecida como uma forma de extinção do vínculo; situações outras, que a agravem, mas não tenham a aptidão de impossibilitar o seu cumprimento, hão de ser resolvidas pelo caminho de uma modificação do vínculo.” E, citando Pires de Lima e Antunes Varela, acrescenta: “sem prejuízo do disposto no artigo 437º, só a impossibilidade absoluta libera o devedor da obrigação”.
[22] Lições de Cumprimento e Não Cumprimento Das Obrigações, 1ª edição, Coimbra Editora, págs. 163 e 168/169.
[23] Segundo o artigo 795.º, n.º 1 do CCivil, “Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação (…)”, acrescentando o número seguinte que “Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação (…)”.
[24] Direito das Garantias, obra já citado, pág. 143.
[25] Garantia Bancária Autónoma, in O Direito, ano 120, III-IV, 1988 (Julho-Dezembro), pág. 288.
[26] Garantias Bancárias. O contrato de garantia à primeira solicitação (parecer), Colectânea de Jurisprudência, ano XI, tomo 5, 1986, pág. 21.
[27] Sendo apenas estas as que ainda não foram canceladas.
[28] Resulta das contragarantias juntas aos autos que as mesmas foram prestadas de forma irrevogável e incondicionalmente, bem como que o respectivo pagamento seria efectuado sem atraso, à primeira solicitação (cfr. docs. 5 a 9 juntos com a petição inicial, cuja tradução foi junta por requerimento de 12/12/2019).
[29] Uma última nota:
Invoca-se na decisão recorrida que a autora/recorrente, em face da situação jurídico-económica do Banco A, devia ter resolvido as garantias - “poderia (e deveria) ter resolvido as várias garantias recorrendo ao mecanismo da resolução incondicional do artigo 121.º, n.º 1, alínea d), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, protegendo desse modo quer os intervenientes nas garantias, quer os credores desta instituição bancária”.
Contudo, se em termos abstractos tal seria possível, no caso, assim não sucedia, considerando, desde logo, a data na qual as garantias/contragarantias foram prestadas.
Como refere L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, pág. 159, “(…) sendo declarada a insolvência do garante o administrador da insolvência poderá resolver a garantia. A questão enquadra-se principalmente no âmbito da resolução incondicional do art.º 121.º, n.º 1, al. d) do CIRE. A questão já se colocava face à norma paralela do CPEREF [art.º 158.º, al. e)], indo o entendimento dominante no sentido da sua abrangência. Também nos parece que esse entendimento deve valer face ao CIRE, recorrendo a uma interpretação extensiva com base num argumento de maioria de razão. Na letra da lei estão previstas apenas a fiança, a subfiança, mandatos de crédito e agora, expressamente, o aval. Mas não se trata, nunca se tratou, de uma tipicidade taxativa. A razão de ser da inclusão destas figuras previstas na lei assenta no prejuízo que causam aos credores do insolvente. Ora este prejuízo verifica-se igualmente no que diz respeito à garantia autónoma. (…) a garantia autónoma, como se viu, em especial de for á primeira solicitação, é especialmente perigosa para o garante. Nessa medida o potencial de prejuízo para os outros credores do prestador é mais amplo. (…) Daí que se elas disserem respeito a operações negociais que não tenham real interesse para o insolvente e tenham sido prestadas nos seis meses anteriores ao início do processo de insolvência poderão ser resolvidas pelo administrador.”, sublinhado da nossa autoria. O referido autor trata igualmente desta questão na obra A resolução das garantias constituídas antes do início do processo de insolvência, III Congresso de Direito Bancário, 2018, Almedina, págs. 77-79.