Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1057/16.8JFLSB.L1-9
Relator: MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores: INSTRUÇÃO
PODERES DO JUIZ
RECTIFICAÇÃO DE ERROS DA ACUSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O arguido tem direito a saber, no momento em que requer a instrução, quantos, e quais, os ilícitos em relação aos quais deve organizar a sua defesa, e tem o direito a não ser surpreendido pela imputação de um novo ilícito, que não pode, de acordo com lei expressa ser considerado como uma mera correcção de escrita, tanto mais que o alegado erro não era da autoria do Mmo Juiz , mas sim do MºPº, logo, nos termos do disposto no artº 380º do CPP, carecia o Mmo Juiz de competência para efectuar a correcção, ainda que de um mero caso de correcção de erro se tratasse.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem a 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
L---------------veio interpor o presente recurso da decisão judicial a fls. 5264 e 5265, que indeferiu quer a nulidade quer a irregularidade arguidas, arrimando-se na promoção do MºPº que o antecede.
Segundo o referido despacho judicial, o que a decisão instrutória fez foi considerar os factos já integralmente descritos nos artºs 104º a 108º e 189º da acusação, sem que tivessem sido adicionados quaisquer factos novos, ou sequer desenvolvidos os factos enunciados, imputando o crime de lenocínio ao arguido, assim corrigindo um simples lapso de escrita.
Entende o recorrente que o referido despacho que a admitir-se que este entendimento, passa-se de nenhuma qualificação jurídica (não existente na acusação) para uma nova qualificação jurídica constante da pronúncia, o que implicaria regressar ao debate instrutório para permitir o exercício do direito de defesa por parte do arguido em relação a esta nova imputação.
O MºPº pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Após vistos e conferência, cumpre apreciar e decidir sendo que a única questão objecto do recurso consiste em saber se a inclusão de uma nova imputação de um novo crime no despacho de pronúncia, ainda que com base em factos já descritos no texto da acusação se traduz numa mera correcção de um erro de escrita, ou, como pretende o recorrente se traduz numa alteração substancial dos factos, proibida por lei.
Vejamos, então:
A instrução constitui uma fase processual autónoma que visa a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento.
Pode ser requerida pelo arguido relativamente a factos pelos quais o MºPº tiver deduzido acusação.
A acusação tem necessariamente de conter nos termos do disposto no artº 283º, nº 3 alínea c), a indicação das disposições legais aplicáveis, sob pena de nulidade.- cfr artº 283º, nº 3 do CPP.
No caso vertente, os factos constavam da narrativa do libelo acusatório mas este último era omisso no que à indicação das disposições legais aplicáveis aos referidos factos concerne.
Se se tiver presente que é do libelo acusatório, como tal considerado, que o arguido se tem de defender, e que é em relação aos precisos termos do mesmo que deve requerer a instrução, entende-se melhor a razão pela qual o legislador cominou com a sanção mais gravosa – nulidade- a omissão da indicação das normas legais.
O arguido tem direito a saber, naquele preciso momento, quantos, e quais, os ilícitos em relação aos quais deve organizar a sua defesa, e tem o direito a não ser surpreendido pela imputação de um novo ilícito, que não pode, de acordo com lei expressa ser considerado como uma mera correcção de escrita, tanto mais que o alegado erro não era da autoria do Mmo Juiz , mas sim do MºPº, logo, nos termos do disposto no artº 380º do CPP, carecia o Mmo Juiz de competência para efectuar a correcção, ainda que de um mero caso de correcção de erro se tratasse.
Nos termos do disposto no artº 380º, nº 1 b), aplicável aos restantes actos decisórios por força do nº 3 do mesmo artigo, o erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade não podem importar modificação essencial.
Dificilmente se pode considerar que um despacho judicial que imputa mais um ilícito ao arguido ainda que com base em factos já descritos na acusação não importa modificação essencial da acusação, pois passa a atribuir-lhe a autoria de mais um acto ilícito, com repercussões, a provar-se a sua prática, na dosimetria da pena.
Assiste razão ao recorrente quando entende que o despacho de pronúncia está eivado de nulidade, nessa parte, e que deve ser revogado, e manter-se a pronúncia do arguido nos precisos termos em que se encontrava acusado, sem imputação do crime de lenocínio, com base nos factos constantes de 104 a 108 e 189 da acusação.
Mesmo que se entendesse que a alteração não era substancial, sempre teria de ser cumprido o disposto no artº303º, nº 1 do CPP.
O despacho ora posto em crise foi proferido com violação do disposto no artº 303º, nº 3 do CPP, pelo que deve, nessa parte, ser revogado e substituído por outro que pronuncie nos precisos termos descritos na acusação do MºPº em sede de normas legais aplicáveis aos factos nela descritos, e tão sómente.
Como pode ler-se na anotação 2 ao artº 9º do Código Processo Penal Comentado, Conselheiro Henriques Gaspar e outros, pág 47…”os princípios fundamentais …constituem valores de afirmação e de confirmação do direito, que acrescentam sentido, fornecem elementos de compreensão e dão razão à lei escrita: princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da não rectroactividade da lei penal desfavorável, da proporcionalidade, da igualdade de armas, do contraditório, da lealdade e boa fé processual….”
Estes princípios, ínsitos entre outros, no artºs 4º do CPC, aplicam-se ao processo penal por força do disposto no artº 4º do CPP.
Transitado o presente acórdão, deverá o titular da acção penal, se assim o entender, pedir certidão para remessa ao MºPº da parte da acusação referente à eventual prática de um crime de lenocínio.

Decisão:
Termos em que acordam, após conferência, em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido L----------e em revogar o despacho de pronúncia proferido na parte em que pronuncia o arguido pela prática de um crime de lenocínio p.p. pelo artº 169º do Código Penal, não constante da acusação do MºPº.
Não é devida taxa de justiça.

Registe e notifique, nos termos legais.
Lisboa, 10/01/19