Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO | ||
| Descritores: | ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO PAULIANA ÓNUS DA PROVA ADQUIRENTE DE MÁ-FÉ | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: (da responsabilidade da relatora - art. 663º/7 CPC): I. No âmbito da acção de impugnação pauliana incide sobre o credor o ónus de provar o montante das dívidas, cabendo ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto, a prova de que o obrigado possui bens de igual ou maior valor (art. 611º do Código Civil). II. Uma vez julgada procedente a impugnação pauliana, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei (art. 616º/1 do Código Civil). III. O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado (art. 616º/2 do CC); quando se vise a restituição pelo adquirente do valor do bem transmitido ou do enriquecimento obtido com a sua aquisição, quando já não seja possível a execução desse bem, o pedido já será de condenação no pagamento de uma determinada quantia em dinheiro. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO ARMANDO & SIMÕES - CONSTRUÇÕES CIVIS E OBRAS PÚBLICAS, LDA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: - BB, casado com CC - DD, casado com EE - FF peticionando a declaração de ineficácia dos seguintes negócios jurídicos estabelecidos entre os Réus: A. as vendas operadas pelo contrato datado de 24.01.2014 feitas pelos 1.ºs Réus aos 2.ºs relativamente aos seguintes bens imóveis: i) Prédio 1: a fração autónoma designada pela letra “N” a que corresponde o 4.º andar B do prédio urbano sito na Rua 1 descrito na CRP de Odivelas sob o n.º...e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das freguesias de Ramada e Caneças com o valor patrimonial naquela data de € 130.424,13; ii) Prédio 2: o prédio rústico sito em Castelhanas, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art.... da secção NA da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 47,88; iii) Prédio 3: o prédio rústico sito em Casal Mourão, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art. ...da secção AE da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 142,36; iv) Prédio 4: o prédio rústico sito em Travanqueiro, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art. ... da secção AF da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 174,78; v) Prédio 5: o prédio rústico sito em Fonte da Tojeira, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art. ... da secção AL da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 29,03; vi) Prédio 6: o prédio rústico sito em Calçada 2, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz ... predial rústica sob o art. ... da secção AM da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 84,00; vii) Prédio 7: o prédio misto sito em Portela de Vila Verde, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial, na parte rústica sob o art.... da secção AM da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 102,75 e, quanto à parte urbana sob o art. ... da União das Freguesias de Areias e Pias com o valor patrimonial naquela data de € 43.325,34; viii) Prédio 8: o prédio urbano denominado Praceta 3, concelho da Lourinhã, descrito na CRP da Lourinhã sob o a ficha ...da freguesia da Atalaia, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... da freguesia de União das Freguesias de Lourinhã e Atalaia, com o valor patrimonial naquela data de € 186.137,88, B) a venda operada pelo contrato datado de 05.07.2016 feita pelos 2.ºs Réus ao 3.º Réu relativamente ao seguinte bem imóvel: Prédio 8: o prédio urbano denominado Praceta 3, concelho da Lourinhã, descrito na CRP da Lourinhã sob o a ficha...da freguesia da Atalaia, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... da freguesia de União das Freguesias de Lourinhã e Atalaia, com o valor patrimonial naquela data de € 186.137,88 OU, em alternativa, e caso se venha a provar a simulação de algum dos negócios: C) que seja declarada a nulidade do(s) negócio(s) jurídico(s) acima referidos nas alíneas A) e B) nos termos dos art.s 240.º, 285.º e 286.º, 289.º do CC. D) que os bens sejam restituídos, podendo a Autora executá-los no património do obrigado e praticar os atos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei nos termos do art. 616.º do CC; E) que os Réus sejam condenados em custas procuradoria e no mais de lei. Na sequência do pedido deduzido pela autora, foi proferido despacho em 11/9/2020, que admitiu a intervenção principal provocada, do lado passivo, dos seguintes intervenientes: 1. GG e HH; 2. II e JJ; 3. KK e LL Os quais, contestaram reiterando a sua boa fé, e alegando desconhecerem as dívidas dos vendedores. Os RR BB e CC não deduziram contestação, nem tiveram qualquer intervenção nos autos. Os RR DD e EE contestaram, propugnando pela improcedência dos pedidos formulados, alegando não ter agido de má fé, dado que haviam emprestado dinheiro aos primeiros RR, ao longo dos anos, no valor de cerca de €250.950, sendo a “venda” desses imóveis a respetiva contrapartida. * Os AA vieram desistir do pedido formulado quanto ao réu FF, sendo a desistência homologada pelo tribunal por decisão datada de 7/5/24, transitada em julgado. Foi proferido despacho saneador, sendo definido o objecto do litígio e dispensada a enunciação dos temas da prova. Foi realizada audiência de julgamento, na sequência do que foi proferida sentença, cujo dispositivo é o seguinte: «O Tribunal considerando a ação parcialmente procedente porque parcialmente provada decide: a. Declarar procedente a impugnação pauliana no tocante ao contrato celebrado entre 1º e 2º RR, em 24.01.2014 e relativo aos imóveis descritos no facto 13º desta decisão; b. Em consequência, declarar a ineficácia, em relação à Autora da venda dos imóveis efectuada pelos 1ºs RR aos 2ºs RR e referida em a); c. Declarar os 2ºRR DD e EE adquirentes de má fé e responsáveis pelo valor dos bens que alienaram; d. Reconhecer à Autora o direito a executar o seu crédito no património dos 2ºs RR e a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial do crédito, nos termos do art. 616º, nºs 1 e 2 do CC; e. Declarar improcedente a impugnação pauliana das transmissões posteriores efectuadas pelos 2ºs RR aos intervenientes principais; - GG e esposa MM; - II e esposa JJ; - KK e LL; f. E, em consequência, absolver todos os intervenientes principais dos pedidos contra estes formulados; g. Considerar improcedente porque não provada a arguida simulação dos negócios descritos nos autos.». Inconformados com a sentença, vieram os réus DD e EE, dela interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: 1. Na sentença recorrida, ao decidir-se e condenar-se os RR, ora recorrentes, nos termos supra, violou-se o disposto nos artigos 610.º, 612.º e 616º do CC, e nos artigos 260º, 264º e 265º do CPC; 2. O presente pretende por em crise a decisão de facto e respetiva motivação, impondo-se, assim, a reapreciação da prova gravada, que, no entender dos RR, ora recorrentes, impõe decisão oposta à que foi proferida; 3. O próprio tribunal que reconhece que ambos os 2ºs RR, ora apelantes, (marido e mulher) são pessoas de idade avançada, o que, senso comum, torna compreensível, alguns lapsos de memória e imprecisões na exposição de ideias e factos; 4. De tal, por si só, não se pode inferir que a sua atuação em todos os factos em causa teve como objetivo ajudar os primos - os 1ºs RR - a colocar o seu património imobiliário a salvo dos credores; 5. Os RR, ora recorrentes, sempre afirmaram que apenas pretenderam recuperar o dinheiro que haviam emprestado aos 1ºs RR, neste caso, por compensação por via dos imóveis; 6. Independentemente, no momento do negócio, do conhecimento da existência de credores dos 1ºs RR, o que face à prova gravada supra, não ficou demonstrado, na verdade, os 2ºs RR também eles eram credores daqueles, pelo sempre seria legítimo aos RR, ora apelantes procurarem salvaguardar os seus interesses, recuperando o dinheiro que haviam emprestado aos 1ºs RR, por via de receberem na sua esfera jurídica os imóveis que, posteriormente, lhes permitiria, com a venda dos mesmos, alcançar tal desiderato; 7. De acordo com as regras gerais sobre o ónus da prova, o qual incumbe à Autora, não se constata, assim, ter ocorrido qualquer prova por confissão, porquanto o depoimento em apreço, tal como acima transcrito, em nada infirma aquilo que sempre os RR, ora recorrentes, sempre alegaram quanto aos termos, condições e propósito das transações que levaram a cabo com os 1ºs RR; 8. Impõe-se a reapreciação da prova gravada, que, no entender dos RR, ora recorrentes, impõe decisão oposta à que foi proferida; 9. Os factos constantes dos pontos 18 a 21, da matéria de facto dada como provada, devem passar a ser considerados como não provados; 10. Os factos constantes dos pontos 45 a 47, em sede de matéria de facto dada como não provada, devem passar a ser considerados como provados; 11. A decisão enferma de uma incorreta apreciação da prova, devendo tal ser corrigido, conforme enunciado supra; 12. Na petição, a autora pede a restituição dos bens objeto das vendas impugnadas, o que se verifica já não ser possível; 13. A estabilização da instância determina que ela se mantenha quanto às partes, ao pedido e causa de pedir (art. 260º do CPC); 14. Não houve ampliação ou alteração do pedido (art. 264º do CPC), há que ponderar se estamos ou não perante pedido diferente quando se quer fazer valer uma condenação valor dos prédios vendidos; 15. Todavia, esta questão não cabe no âmbito do pedido nem é possível convolar o pedido de restituição da coisa no pedido de entrega do seu valor; 16. Trata-se de um pedido qualitativamente diferente, porquanto, no caso da petição inicial, está em causa a restituição do bem ou a inoponiblidade do acto da transmissão para possibilitar ao credor, a Autora, executar esse bem no património do adquirente; 17. O contraditório não se formou nesta matéria, sendo que não pode haver convolação do pedido de restituição em pedido de entrega do valor, o que resulta na condenação em objeto diverso do que foi pedido; 18. Com a impossbilidade da procedência do pedido inicialmente formulado, não se pode condenar em pedido diverso do inicialmente formulado; 19. Em qualquer dos casos, impõe-se a absolvição dos RR, ora apelantes; 20. Tratar-se-á, inclusive, de uma inutilidade superveniente, que não pode ser colmatada, pois que a consequência que a sentença pretende imputar aos RR, ora recorrentes, extravasa do pedido inicialmente formulado na petição, o que lhe está vedado pela lei processual e é facto gerador de nulidade. Concluem os recorrentes que deve ser revogada a sentença, na parte recorrida e substituída por decisão que absolva os RR., ora apelantes dos pedidos, sem prejuízo da nulidade invocada. * A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. QUESTÕES A DECIDIR Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir das seguintes questões: - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; - Erro de julgamento de direito: restituição dos bens/entrega do seu valor. * III. FUNDAMENTAÇÃO III.1. Factos Factos provados O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos [transcrição]: Do crédito dos Autores: 1. A Autora é uma sociedade que se dedica à construção civil e, nesse âmbito: i) entre 2006 e 2008 construiu para os 1.ºs Réus um prédio de 12 apartamentos em Conceição, Tavira no valor de € 750.000,00; ii) no início de 2008 a Autora começou a contruir para os 1.ºs Réus um prédio de 6 apartamentos em Lagos no valor de € 450.000,00; iii) Os RR, apesar de terem aceite as obras não as pagaram aos Autores; 2. Em 2012, a Autora recorreu a juízo para obter o pagamento do que lhe era devido, sendo que no âmbito do processo n.º 119/12.5TBLNH que correu termos na Instância Central, Secção Cível – J2 no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foram os 1.ºs Réus condenados a: i) pagar à Autora as quantias de € 18.000,00 e € 11.622,52 acrescidas de juros de mora comerciais contados desde 03.05.2012 até efetivo pagamento; ii) pagar à Autora as quantias de € 164.026,00 e € 10.000,00 acrescidas de juros de mora comerciais contados desde 15.03.2012 até efetivo pagamento, conforme consta de cópia de documento que se junta e deixa integralmente reproduzido (Doc. 1). 3. A sentença que condenou os 1.ºs Réus ao pagamento à Autora de € 203.648,52 foi prolatada em 12 de Janeiro de 2017 e transitou em julgado; 4. Uma vez que os 1.ºs Réus não pagaram voluntariamente o que era devido à Autora, esta, em 23.02.2018 intentou a competente ação executiva para pagamento de quantia certa, a qual corre os seus termos no mesmo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Execução J3, sob o processo com o n.º 2587/18.2T8LRS, conforme consta de documento que se junta e deixa integralmente reproduzida (Doc. 2); 5. Na data em que foi intentada a ação executiva o valor em divida cifrava-se em € 286.844,76; 6. No decurso da ação executiva, em função das diligências prévias à penhora, apurou- se que; i) quanto ao 1.º Réu BB foram encontrados quinze imóveis e um veículo; não foi encontrada nenhuma entidade patronal nem outra que proceda a descontos a favor dele; não foram encontrados saldos penhoráveis em contas bancárias; ii) quanto à Ré CC não foram encontrados bens imóveis nem veículos; não foi encontrada nenhuma entidade patronal nem outra que proceda a descontos a favor dela; não foram encontrados saldos penhoráveis em contas bancárias; 7. Dos quinze prédios identificados como propriedade do 1.º Réu, os descritos na matriz predial urbana ... quanto às frações F, G, C, B da freguesia de Conceição e Cabanas de Tavira e matriz predial urbana n.º... da freguesia de São Gonçalo, em Lagos, estão penhorados no âmbito do processo 5324/15.0T8LRS que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Execução de Loulé, conforme consta de cópia de documento que se junta e deixa integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. 3); 8. Os prédios identificados como sendo propriedade do 1.º Réu são: i) o artigo matricial urbano ... fração F da freguesia de Conceição e Cabanas de Tavira tem o valor patrimonial de € 91.571,71; ii) o artigo matricial urbano ... fração G da freguesia de Conceição e Cabanas de Tavira tem o valor patrimonial de € 146.520,91; iii) o artigo matricial urbano... fração C da freguesia de Conceição e Cabanas de Tavira tem o valor patrimonial de € 141.318,55; iv) o artigo matricial urbano ... fração B da freguesia de Conceição e Cabanas de Tavira tem o valor patrimonial de € 87.945,51; v) o artigo matricial urbano... da freguesia de Beco tem o valor patrimonial de € 1.780,00 (está em duplicado na informação obtida junto da A.T.); vi) o artigo matricial urbano... da freguesia de S. Gonçalo de Lagos tem o valor patrimonial de € 164.070,09; vii) o artigo matricial urbano... da freguesia da União das Freguesias de Areias e Pias tem o valor patrimonial de € 10.914,50; viii) o artigo matricial rústico ... da freguesia de Beco tem o valor patrimonial de € 49,18; ix) o artigo matricial rústico ... da freguesia de Beco tem o valor patrimonial de € 94,17; x) o artigo matricial rústico ... da freguesia de Arega tem o valor patrimonial de € 14,04; xi) o artigo matricial rústico ... da freguesia de Pussos São Pedro tem o valor patrimonial de € 26,15; xii) o artigo matricial rústico ... da União de freguesias de Azeitão tem o valor patrimonial de € 895,74; xiii) o artigo matricial rústico ... da freguesia de Arega tem o valor patrimonial de € 68,71; xiv) o artigo matricial rústico ... da freguesia de Beco tem o valor patrimonial de € 238,92; xv) o artigo matricial rústico ... da freguesia de Beco tem o valor patrimonial de € 245,71. 9. Por sua vez, o veículo automóvel é um Ford Fiesta 1.1. de 1993. 10. No entanto, os prédios urbanos com maior valor patrimonial – vd. supra 8.º i); ii), iii), iv) e vi) - já estão penhorados no âmbito de um processo executivo em que a Caixa Económica Montepio Geral era credora hipotecária dos 1ºs RR e reclama o pagamento de € 1.001.511,31 (vd. Doc. 4); 11. Os cinco prédios penhorados à ordem do processo executivo 5324/15.0T8LRS têm, em conjunto, um valor patrimonial de € 631.426,77; 12. Os restantes prédios inscritos em nome do 1.º Réu BB têm, em conjunto, um valor patrimonial de € 14.327,12. Das “vendas” efectuadas pelos 1ºs aos 2ºs RR: 13. Em 24 de Janeiro de 2014, os 1.ºs Réus venderam aos 2.º Réus: i) pelo preço de € 100.000,00 a fração autónoma designada pela letra “N” a que corresponde o 4.º andar B do prédio urbano sito na Rua 4, da freguesia da Ramada em Odivelas, descrito na CRP de Odivelas sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das freguesias de Ramada e Caneças com o valor patrimonial naquela data de € 130.424,13; ii) pelo preço de € 100,00 o prédio rústico sito em Castelhanas, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art. ... da secção NA da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 47,88; iii) pelo preço de € 250,00 o prédio rústico sito em Casal Mourão, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art. ... da secção AE da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 142,36; iv) pelo preço de € 250,00 o prédio rústico sito em Travanqueiro, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art. ... da secção AF da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 174,78; v) pelo preço de € 100,00 o prédio rústico sito em Fonte da Tojeira, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art. ... da secção AL da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 29,03; vi) pelo preço de € 250,00 o prédio rústico sito em Calçada 2, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art. ...da secção AM da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 84,00; vii) pelo preço de € 20.100,00 o prédio misto sito em Portela de Vila Verde, freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial, na parte rústica sob o art. ... da secção AM da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 102,75 e, quanto à parte urbana sob o art. ... da União das Freguesias de Areias e Pias com o valor patrimonial naquela data de € 43.325,34; viii) pelo preço de € 130.000,00 o prédio urbano denominado Praceta 5, freguesia da Atalaia, concelho da Lourinhã, descrito na CRP da Lourinhã sob o a ficha ... da freguesia da Atalaia, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...; ix) da freguesia de União das Freguesias de Lourinhã e Atalaia, com o valor patrimonial naquela data de € 186.137,88, tudo conforme resulta de cópia de documento que se junta e deixa integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. 5); 14. No decurso da ação judicial intentada pela Autora, os 1.ºs Réus venderam grande parte do seu património imobiliário por um total de € 259.950,00; 15. Os 1.ºs Réus apenas mantiveram no seu património um conjunto de imóveis, sem ónus ou encargos, no valor de € 14.327,12; 16. Os prédios vendidos pelos 1.ºs Réus aos 2.ºs Réus tinham um valor patrimonial total de € 17. 360.468,15 e foram vendidos por € 259.950,00, ou seja, menos € 100.518,15; 17. As faturas que os 1.ºs Réus foram judicialmente condenados a pagar à Autora datavam de 14.06.2011 (fatura ... e ..., aquela no valor de € 18.000,00 e esta no valor de € 11.622,52) e de 17.07.2011 (fatura ... e ..., aquela no valor de € 164.026,00 e esta no valor de € 10.000,00. Da má fé dos 1ºs e 2ºs RR: 18. Os 2.ºs Réus bem sabiam da dívida que aqueles primeiros tinham para com a Autora, pois à data em que fizeram a compra e venda dos bens imóveis (24.01.2014) já tinham conhecimento da ação judicial e, consequentemente do teor das faturas reclamadas: 19. Os 1ºs RR também bem sabiam que aquela venda de património iria prejudicar os credores, nomeadamente, a Autora por reduzir o seu património que os AA poderiam vir a executar; 20. A 1.ª Ré mulher é prima do 2.º Réu marido. 21. Os 1.ºs e 2.ºs Réus estavam bem cientes das dificuldades financeiras daqueles primeiros, não só por dívidas à Autora, mas também à Caixa Económica Montepio Geral. 22. À data da celebração do contrato de compra e venda de 24.01.2014 os 1.ºs Réus já se encontravam em incumprimento das suas obrigações para com a Caixa Económica Montepio Geral. 23. No início de 2015 a Caixa Económica Montepio Geral intentou uma ação executiva contra os 1.ºs Réus, por incumprimento dos contratos de financiamento bancário destinados à construção dos dois prédios: um em Tavira e outro em Lagos ( vide Doc. 8); 24. Os 1.ºs Réus nada receberam pelas vendas dos bens imóveis que fizeram com os 2.º Réus. Dos intervenientes KK e mulher LL, 25. Através de escritura pública celebrada em 23.06.2015 e pelo valor declarado de 800,00 euros, KK e LL adquiriram dos 2ºs RR o prédio rústico, sito em Travanqueiro, União de Freguesias de Areias e Pias (extinta freguesia de Areias), concelho de Ferreira no Zêzere, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., secção AF; 26. Essa aquisição já havia sido acordada por contrato verbal, celebrado em fevereiro de 2010, quando os Requeridos entregaram o preço acordado à Ré CC - € 800,00 - tendo, de imediato, tomado posse do referido prédio; 27. Os Requeridos adquiriram igualmente o prédio rústico, sito em Travanqueiro, União de Freguesias de Areias e Pias (extinta freguesia de Areias), concelho de Ferreira no Zêzere, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da mesma secção (AF), a II, o qual é confinante com o prédio cuja aquisição é posta em causa nos presentes autos; 28. Os Requeridos adquiram também, em numerário, o prédio pertencente a II por € 750,00 e o prédio em causa nos presentes autos por € 800,00; 29. Os intervenientes diligenciaram de forma exclusiva pela limpeza daquele prédio (designadamente, pelo corte das balsas e arbustos existentes), sem oposição de ninguém; 30. No ano de 2017, os intervenientes celebraram a escritura pública de compra e venda do prédio rústico, sito em Travanqueiro, União de Freguesias de Areias e Pias (extinta freguesia de Areias), concelho de Ferreira no Zêzere, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da mesma secção (AF), com II, prédio confinante com aquele cuja aquisição é posta em causa nos presentes autos; 31. Os Requeridos são possuidores de vários prédios rústicos na referida freguesia atenta a proveniência familiar do interveniente KK, cujos pais nela residiam, vide documentos nº 4 a 13 da contestação destes intervenientes; Dos intervenientes NN e MM: 32. NN e MM residiam na Rua 6. 33. No início do ano de 2018, tomaram os Requeridos, conhecimento que no prédio onde habitavam se encontrava à venda o imóvel sito no 4º andar, letra B, ou seja, a fração “N” adiante melhor identificada no artigo 19º. 34. Interessados em mudar para um andar mais alto, encetaram negociações com o 2º R marido, DD, com vista à aquisição do referido andar. 35. Em 30 de maio de 2018, os intervenientes NN e MM, celebraram contrato de promessa de compra e venda com os ora 2ºs RR. DD e EE, sobre a fração autónoma designada pela letra “N” correspondente ao quarto andar B do prédio urbano sito na Rua 4, freguesia de Ramada, concelho de Odivelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o nº ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, da união das freguesias de Ramada e Caneças. (Doc. 5 junto com a Contestação dos 2ºs RR.) 36. E entregaram nesse mesmo dia a título de sinal o valor de 10.000,00€. (Doc. 6 junto com a Contestação dos 2ºs RR.) 37. A escritura de compra e venda foi outorgada em 14/09/2018, no Notário OO, tendo nesta data sido pago o remanescente do preço, ou seja, 135.000,00€, totalizando o valor total da compra em 155.000,00€. (Doc. 6, 7, 8 junto com a Contestação dos 2ºs RR.) 38. Para pagamento do preço os ora Requeridos solicitaram empréstimo ao NOVO BANCO SA, no valor de 123.500,00€, constituindo para o efeito hipoteca sobre a identificada fração autónoma como garantia do financiamento. (Doc.7 junto com a Contestação dos 2ºs RR.) 39. Os intervenientes NN e MM pretendiam adquirir a fração, tomaram posse da mesma no dia da celebração da escritura pública de compra e venda e realizaram obras de recuperação no imóvel. 40. Estando a pagar o crédito que contraíram para o referido efeito. 41. Não existiu qualquer acordo entre os ora Requeridos e qualquer um dos RR., com vista a enganar os AA. ou qualquer outro credor dos 1ºs RR. 42. Os intervenientes NN e esposa HH desconheciam os negócios efectuados entre os AA e os 1ºs RR bem como a existência das acções judiciais aludidas supra. Dos intervenientes II e PP; 43. Em 21 de fevereiro de 2018, no cartório Notarial sito na Alameda 7 em Oeiras, os RR DD e EE declararam vender a II e esposa PP (estes declararam comprar) pelo preço de 500,00 euros o prédio rústico sito em Calçada 2 freguesia de Areias, concelho de Ferreira do Zêzere, descrito na CRP de Ferreira do Zêzere sob a ficha ... da freguesia de Areias e inscrita na matriz predial rústica sob o art. ... da secção AM da freguesia de Areias (extinta), com o valor patrimonial naquela data de € 84,00, vide doc.9. 44. O preço foi integralmente pago em numerário e os adquirentes tomaram posse do identificado prédio rústico, tendo procedido ao registo em seu favor e passado a pagar todos os encargos a este respeitante. Matéria de facto não provada 45. Não se demonstrou que os 2ºs RR hajam adquirido aos 1ºs RR, os imóveis aludidos supra – em 24.01.2014 - pelo preço de 250.950,00 euros; 46. Que o 2º Réu QQ haja efectuado diversos empréstimos ao 1º Réu BB, por acordo verbal; 47. Que o valor dos imóveis haja sido “pago” através de compensação de créditos acordada entre os 1ºs e os 2ºs RR. 48. Que os intervenientes principais soubessem dos negócios celebrados entre a Autora e os primeiros RR e das dívidas destes últimos à Autora; * III.2. Mérito do recurso III.2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto Sustentam os apelantes que devem ser dados como não provados os factos julgados provados sob os nºs 18 a 21 da sentença recorrida e que devem transitar para o acervo provado os pontos 45 a 48 da factualidade julgada não provada. Nos termos do disposto no art. 662º/1 do Cód. Proc. Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Dispõe, por sua vez, o art. 640º/1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Resultando do corpo das alegações de recurso e respectivas conclusões que os recorrentes deram, minimamente, cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º do Código de Processo Civil (sem prejuízo do que se dirá adiante relativamente à impugnação da factualidade não provada), importa apreciar a impugnação da matéria de facto, analisando conjuntamente os factos postos em crise, atenta a sua interligação. Os factos provados nºs 18 a 21, objecto de impugnação, têm o seguinte teor: 18. Os 2.ºs Réus bem sabiam da dívida que aqueles primeiros tinham para com a Autora, pois à data em que fizeram a compra e venda dos bens imóveis (24.01.2014) já tinham conhecimento da ação judicial e, consequentemente do teor das faturas reclamadas; 19. Os 1ºs RR também bem sabiam que aquela venda de património iria prejudicar os credores, nomeadamente, a Autora por reduzir o seu património que os AA poderiam vir a executar; 20. A 1.ª Ré mulher é prima do 2.º Réu marido. 21. Os 1.ºs e 2.ºs Réus estavam bem cientes das dificuldades financeiras daqueles primeiros, não só por dívidas à Autora, mas também à Caixa Económica Montepio Geral. Os factos não provados 45 a 48, impugnados, são os seguintes: 45. Não se demonstrou que os 2ºs RR hajam adquirido aos 1ºs RR, os imóveis aludidos supra – em 24.01.2014 - pelo preço de 250.950,00 euros; 46. Que o 2º Réu QQ haja efectuado diversos empréstimos ao 1º Réu BB, por acordo verbal; 47. Que o valor dos imóveis haja sido “pago” através de compensação de créditos acordada entre os 1ºs e os 2ºs RR. 48. Que os intervenientes principais soubessem dos negócios celebrados entre a Autora e os primeiros RR e das dívidas destes últimos à Autora; Os apelantes (2ºs RR) entendem que os factos 18 a 21 devem ser julgados não provados e os pontos 45 a 48 devem considerados provados, alegando que: - não se pode inferir que a sua actuação teve como objectivo ajudar os primos (os 1ºs RR) a colocar o património imobiliário a salvo dos credores. - os recorrentes sempre afirmaram que apenas pretenderam recuperar o dinheiro que haviam emprestado aos 1ºs RR, por compensação por via dos imóveis – remetendo os recorrentes para o depoimento do 2º R marido, a cuja transcrição procederam no art. 11º da alegação recursória. - De acordo com as regras gerais sobre o ónus da prova, o qual incumbe à Autora, não se constata, assim, ter ocorrido qualquer prova por confissão, porquanto o depoimento em apreço, tal como acima transcrito, em nada infirma aquilo que sempre os RR, ora recorrentes, sempre alegaram quanto aos termos, condições e propósito das transações que levaram a cabo com os 1ºs RR. Contra-alega a autora/recorrida, em síntese, que: - Não só os 2.ºs Réus não foram capazes de provar que tivessem alguma vez pago o preço que consta do contrato de compra e venda de 24.01.2014, como ainda confessaram que, na verdade, tratava-se de um contrato de dação em cumprimento, mas ainda assim, sem nunca conseguir esboçar um vislumbre do valor emprestado aos 1.ºs Réus que justificasse o “preço da compra e venda” de € 259.950,00 e a razão pela qual o “preço pago” estava € 100.518,15 abaixo do valor determinado pelas finanças para todos os imóveis em conjunto. - Se o valor de €100.518,15 abaixo do valor fiscal dos imóveis já, por si, é revelador da má intenção que presidiu ao negócio entre os 1.ºs e 2.ºs Réus, pior ainda será se atentarmos no facto de que o valor mercado dos imóveis é claramente mais elevado que o valor determinado pela Autoridade Tributária e Aduaneira. - E mais gravoso ainda é o facto de alguém emprestar centenas de milhares de euros a outrem, sem conseguir precisar o valor, sem ter documento(s) que atestem os factos e que, no final, ao invés de celebrarem um contrato de dação em cumprimento – apesar de reconhecerem ser esse o negócio -, celebrem um contrato de compra e venda com o devedor, sem fazer qualquer tipo de acerto de contas entre os supostos empréstimos e os valores dos imóveis comprados. Em sede de motivação da decisão de facto, disse o tribunal a quo: «Assim, ambos os 2ºs RR (marido e mulher) são pessoas de idade avançada, que revelaram hesitações, lapsos de memória e inverosimilhanças, razões pelas quais ficamos convencidos que a sua atuação em todo estes factos teve como objetivo “ajudar os primos”- os aqui 1ºs RR - a colocar o seu património imobiliário a salvo dos credores. Ficamos também convencidos que bem sabiam a situação económico -financeira dos 1ºs RR e as dívidas à A. Efectivamente, DD (84 anos) confessou que era da família dos RR BB e CC, sendo esta sua prima direita. Sempre soube que, esses primos andavam na construção civil e emprestou-lhes muito dinheiro. Todavia, quando questionado sobre os valores em causa, não soube quantificar. Afirmou que fora industrial de serigrafia e artes e tinha negócios no estrangeiro e os empréstimos eram efetuados em numerário, não tendo dos mesmos qualquer registo escrito. Ora, o Tribunal não pode deixar de assinalar que este alegado “desconhecimento” dos valores emprestados aliado ao facto de inexistir qualquer prova documental de tais empréstimos aos primos não é verosímil, nem credível à luz das regras da experiência comum. Isto porque, sendo o depoente ele próprio um empresário era-lhe exigível seguramente, que tivesse tido mais cautela na gestão do seu dinheiro e no registo dos empréstimos em causa. Nesta medida as suas declarações não mereceram qualquer credibilidade. Por outro lado, também nos pareceu que estava muito confuso quanto ao negócio da casa de Odivelas (situada na Rua 8), dado que afirmou que pensa que esse negócio foi feito há cerca de 30 anos e que foi o BB que arranjou um comprador, tendo ambos dividido o dinheiro e o declarante terá ficado com cerca de 300 ou 400 contos. Mais admitiu ainda que essa casa de Odivelas era a casa onde moravam os primos BB e CC. Por fim, admitiu ter conhecimento da relação da Autora com os seus primos (os 1ºs RR) porquanto, afirmou saber que aqueles tinham negócios com um empreiteiro no Algarve e presume que não lhes pagaram.» Como se vê, para prova dos factos agora impugnados o tribunal estribou-se designadamente no depoimento de parte do R. DD, ancorando-se a presente impugnação precisamente neste meio de prova, afirmando os apelantes que o seu objectivo foi apenas recuperar o dinheiro emprestado aos 1ºs RR. Em causa estão um conjunto de factos (pontos 18 a 21 do acervo provado) atinentes à questão da má fé dos 2ºs RR. (e dos 1ºs RR), a saber: conhecimento pelos 2ºs RR. da dívida que os 1ºs RR tinham para com a A.; consciência de que a venda dos imóveis efectuada em 24/1/2014 (pelos 1ºs RR aos 2º RR) iria prejudicar os credores (v.g. a A.); relação de parentesco entre a R. mulher e o R. marido (primos); e conhecimento dos 2ºs RR das dificuldades financeiras dos 1ºs RR. (por dívidas à A. e à Caixa Económica Montepio Geral). Como é sabido, não é fácil a prova directa da “ consciência do prejuízo”, porque atinente a factos do foro interno, razão porque nesta matéria assumem relevo preponderante/significativo o uso de presunções judiciais (ilações que o julgador tira, com base em regras deduzidas da experiência comum e da vida , de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - cf. art. 349º do CC) em sede de verificação do requisito da “má fé “. Os recorrentes não põem em crise a concreta motivação do tribunal quanto aos factos impugnados, limitando-se a dizer, de modo genérico e sem outras explicações, que não se pode inferir que a sua actuação teve como objectivo ajudar os primos. Refira-se, desde logo, que embora impugnem o facto 20 (o que certamente se deveu a lapso), os próprios reconhecem que o mesmo é verdadeiro, ou seja, que a 1.ª Ré mulher é prima do 2.º Réu marido (como resulta da alegação recursória e é confirmado pelas declarações da R. EE e depoimento de parte do R. QQ em sede de audiência de julgamento). No que toca aos demais factos provados objecto da impugnação (factos 18, 19 e 21), afigura-se-nos evidente que a sua prova resulta da apreciação crítica do depoimento de parte do R. DD, em conjugação com as declarações prestadas pela sua cônjuge, a R. EE e demais elementos probatórios carreados para os autos (e que levaram à prova dos factos 1 a 17, não impugnados). Com efeito, o R. QQ relatou que, em face da relação de grande proximidade com os RR. BB e RR (sendo esta sua prima), lhes emprestou, ao longo dos anos, muito dinheiro (em numerário). Embora sem precisar o concreto montante do/s empréstimo/s, referiu que seriam centenas de milhares de euros (o que foi confirmado pela R. EE, ao afirmar que emprestaram aos 1ºs RR, pelo menos, €100 000,00). Mais referiu o R. QQ que essa dívida seria paga pelos primos com as casas que construíam, no exercício da sua actividade comercial. Começou por dizer que para o pagamento da dívida, os primos lhes teriam vendidos dois ou três prédios, acabando por, a instâncias do tribunal, admitir que seria uma dação em pagamento. Mais afirmou que sabia que os primos tinham dívidas, que construíam prédios no Algarve e não pagaram ao empreiteiro, julgando que quando aqueles lhes pediam dinheiro era para financiar obras. De tal depoimento decorre, quer o conhecimento por parte dos RR. QQ e EE acerca das dificuldades económicas dos RR. BB e CC e das dívidas por estes contraídas, designadamente junto da ora autora, quer a consciência dos 1ºs RR de que o negócio celebrado com os 2º RR em 24/1/2014 iria prejudicar os credores, nomeadamente a A., reduzindo o património que esta poderia executar, sendo certo que a A. intentou em 2012 acção judicial contra os 1º RR para obter o respectivo pagamento, vindo a ser proferida sentença condenatória em 12/1/2017, que foi dada à execução em 23/2/2018 (factos 2 e 3), ascendendo o crédito da A. nessa data a €286 844,76. Importa frisar que o R. QQ não conseguiu indicar o valor exacto que alegadamente emprestou aos primos (1ºs RR), nem existe registo escrito de qualquer empréstimo, o que, como referiu o tribunal a quo na motivação da decisão de facto, apelando às regras da experiência comum, torna inverosímel a versão apresentada pelos apelantes. Também a R. EE confirmou que os primos trabalhavam na área da construção civil, tinham dificuldades económicas, razão pela qual ela e o marido (1ª RR) lhes emprestaram dinheiro (cerca de €100 000) durante um longo período (entre 2000 e 2012 ou 2014), que os 1ºs RR nunca pagaram, tendo prometido que passariam as casas para o nome dos 2ºs RR para cobrir a dívida. Nenhum meio de prova foi apresentado pelos RR capaz de infirmar o juízo probatório formulado pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto impugnada, não podendo extrair-se do depoimento prestado pelo R. QQ a tese sustentada pelos apelantes, segundo a qual o seu objectivo não era “ajudar os primos”, mas apenas recuperar o dinheiro que lhes haviam emprestado. Aliás, nem os recorrentes indicam outros elementos probatórios, afirmando simplesmente que não ocorreu qualquer prova por confissão, limitando-se a remeter para o depoimento do R. QQ, que transcreveram na sua alegação recursória, sem proceder à apreciação crítica deste depoimento em conjugação com a demais prova produzida. Provando-se os factos 18, 19 e 21, impunha-se, como fez a 1ª instância, julgar não provados os supra mencionados pontos 45 a 48, que estão em oposição com aqueles outros. Aliás, quanto a estes pontos, os apelantes não justificam minimamente a sua impugnação, não apresentando qualquer motivação, incumprindo aqui manifestamente o ónus previsto no art. 640º/1 b) do Código de Processo Civil, porquanto não indicam os meios probatórios que impunham decisão diversa, o que constitui motivo de imediata rejeição da impugnação nesta parte (art. 640º/1). Ainda que assim não fosse, sempre se diria, que, como já vimos, não foi produzida prova de que o 2º R. efectuou diversos empréstimos ao 1º R. por acordo verbal (ponto 46) e que o valor desses empréstimos foi “pago” através de compensação de créditos acordada entre eles (facto 47). Assim como não se provou o ponto 45, que está em oposição com o facto provado 13, facto este que os RR. não impugnaram. Igualmente não resultou da prova produzida que os intervenientes principais - a quem os 2º RR venderam os imóveis em questão - tivessem conhecimento dos negócios celebrados entre a A. e os 1ºs RR. e das dívidas destes à A. (facto 48). Pelo exposto, improcede totalmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se a factualidade dada como provada e não provada na sentença. * Por fim, cumpre nesta sede, ao abrigo dos art.s 662º/1, 663º/2 e 607º/4 todos do Código de Processo Civil e face ao lapso manifesto dele constante, rectificar o facto provado nº 16, que passará a ter a seguinte redacção: “Os prédios vendidos pelos 1.ºs Réus aos 2.ºs Réus tinham um valor patrimonial total de €360.468,15 e foram vendidos por €259.950,00, ou seja, menos €100.518,2;”. * III.2.2. Apreciação jurídica Sustentam os apelantes (2ºs RR) que na petição inicial a autora pediu a restituição dos bens objecto das vendas impugnadas e que tal já não é possível, não se podendo convolar o pedido de restituição da coisa no pedido de entrega do seu valor, pois são pedidos qualitativamente diferentes, sob pena de condenação em objecto diverso do que foi pedido, pugnando pela sua absolvição. Contra-alega a recorrida, estribando-se no art. 616º do Código Civil e fazendo a distinção entre o previsto no nº 1 e no nº 2 deste preceito legal, que procedendo o pedido de impugnação pauliana quanto ao “contrato de compra e venda” celebrado entre os 1.ºs e 2.ºs Réus em 24.01.2014, os efeitos dessa decisão estão previstos no n.º 1 do art. 616.º do Código Civil, mas, uma vez que os 2.ºs Réus, considerados adquirentes de má fé, alienaram os imóveis “comprados” aos 1.ºs Réus, não resta outra solução senão, perante esse facto, fazer valer o n.º 2 do mesmo art. 616.º do CC e responsabilizá-los pelo valor dos bens que alienaram. Vejamos. Na presente acção, a autora (A.) peticionou a declaração de ineficácia dos seguintes negócios jurídicos operados pelos contratos firmados entre os réus e entre os 2ºs RR e o 3º R./interveniente: A. as vendas operadas pelo contrato datado de 24.01.2014 feitas pelos 1.ºs Réus aos 2.ºs relativamente aos seguintes bens imóveis que identifica (descritos no facto provado 13). B. a venda operada pelo contrato datado de 05.07.2016 feita pelos 2.ºs Réus ao 3.º Réu relativamente ao seguinte prédio 8 [prédio urbano denominado Praceta 3 concelho da Lourinhã, descrito na CRP da Lourinhã sob o a ficha ... da freguesia da Atalaia, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... da freguesia de União das Freguesias de Lourinhã e Atalaia], sendo que a A veio a desistir do pedido no tocante a este Réu e ao acto/transmissão (a qual foi homologada e já transitou em julgado); OU, em alternativa, e caso se viesse a provar a simulação de algum dos negócios: C. a declaração da nulidade do(s) negócio(s) jurídico(s) acima referidos nas alíneas A) e B), nos termos dos art.s 240.º, 285.º e 286.º, 289.º do CC. D. a restituição dos bens, podendo a A. executá-los no património do obrigado e praticar os atos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei nos termos do art. 616.º do CC; A sentença sob recurso, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: «a) Declarar procedente a impugnação pauliana no tocante ao contrato celebrado entre 1º e 2º RR, em 24.01.2014 e relativo aos imóveis descritos no facto 13º desta decisão; b) Em consequência, declarar a ineficácia, em relação à Autora da venda dos imóveis efectuada pelos 1ºs RR aos 2ºs RR e referida em a); c) Declarar os 2ºs RR DD e EE adquirentes de má fé e responsáveis pelo valor dos bens que alienaram; d) Reconhecer à Autora o direito a executar o seu crédito no património dos 2ºs RR e a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial do crédito, nos termos do art. 616º, nºs 1 e 2 do Código Civil; e) Declarar improcedente a impugnação pauliana das transmissões posteriores efectuadas pelos 2ºs RR aos intervenientes principais; - GG e esposa MM; - II e esposa JJ; - KK e LL; f) E, em consequência, absolver todos os intervenientes principais dos pedidos contra estes formulados; g) Considerar improcedente porque não provada a arguida simulação dos negócios descritos nos autos.». Os recorrentes declaram, no art. 1º da suas alegações, que o presente recurso se cinge-se ao decidido sob as alíneas a) a d) do dispositivo da sentença. No segmento decisório posto em crise o tribunal a quo, para além de julgar procedente o pedido principal deduzido – declaração de ineficácia em relação à A. do contrato celebrado em 24/1/2014 (a que se reporta o facto provado 13) – declarou ainda os 2ºs RR QQ e EE, enquanto adquirentes de má fé, responsáveis pelo valor dos bens vendidos. Porém, analisada a fundamentação do recurso (cf. pontos 19º a 27º), na parte da subsunção jurídica, constatamos que os apelantes – no ponto III da alegação, relativa à matéria de direito - não põem crise a sentença na parte em que considerou verificados os pressupostos da impugnação pauliana, restringindo o recurso à questão da restituição dos bens e entrega do seu valor, decidida na alínea c) do dispositivo da sentença [Declarar os 2ºs RR DD e EE adquirentes de má fé e responsáveis pelo valor dos bens que alienaram], não extraindo sequer qualquer consequência jurídica da impugnação dos factos deduzida, no caso da sua procedência. Seja como for, analisada a fundamentação jurídica da sentença, consideramos que o tribunal recorrido apreciou correctamente a questão dos requisitos da impugnação pauliana, previstos no art. 610º do Código Civil, assim como o ónus de prova desses requisitos, nos termos do art. 611º, concluindo do seguinte modo: «No caso vertente e se atentarmos nos factos dados como provados resulta que a Autor logrou fazer prova do seu crédito e da anterioridade do mesmo relativamente aos negócios impugnados. Isto porque, ficou demonstrado que, não obstante a sentença condenatória apenas ter sido proferida em 12.01. 2017, as faturas em que os 1.ºs Réus foram judicialmente condenados a pagar à Autora datavam de 14.06.2011 (fatura ... e ..., aquela no valor de € 18.000,00 e esta no valor de € 11.622,52) e de 17.07.2011 (fatura ... e ..., aquela no valor de € 164.026,00 e esta no valor de € 10.000,00. Ora, o negócio que a Autora pretende ver declarado ineficaz foi celebrado em 24.01.2014 portanto, em data posterior à existência dos referidos créditos. Também os negócios (entre os 2ºs RR e os intervenientes) são todos subsequentes e posteriores ao crédito da Autora sobre os 1ºs RR. A especialidade introduzida pelo citado artº. 611º do Código Civil significa, em termos práticos, que, uma vez provada pelo impugnante a existência e a quantidade do direito de crédito e a sua anterioridade em relação ao acto impugnado, se presume a impossibilidade de realização do direito de crédito em causa ou o seu agravamento, fazendo incidir sobre o devedor o ónus de ilidir tal presunção, demonstrando que dispõe de bens penhoráveis de valor superior ou bastante para satisfação do crédito (cfr. acórdãos do STJ de 15/06/1994, CJ/STJ, Ano II – Tomo II, pág. 142; de 11/05/1995, BMJ nº. 447 pág. 508; de 8/11/2007, proc. nº. 07B3586; de 26/02/2009, proc. nº. 09B034 e de 8/10/2009, proc. nº. 1360/07.8TVLSB, todos acessíveis em www.dgsi.pt). No caso vertente, nenhum dos RR demandados arguiu a existência de património penhorável suscetível de satisfazer o crédito dos AA.». No que toca ao ónus de prova da acção de impugnação pauliana, sumariou o acórdão deste TRL de 12/9/23, P. 3428/19.9T8CSC.L2, relatora Micaela Sousa: “I – No âmbito da acção de impugnação pauliana incide sobre o credor o ónus de provar o montante das dívidas, nos termos do artigo 611º do Código Civil, cabendo ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto, a prova de que o obrigado possui bens de igual ou maior valor, sendo que em face da prova da existência e do montante do crédito se presume a impossibilidade a que alude a alínea b) do artigo 610º do Código Civil ou o seu agravamento. II – A má-fé relevante para efeitos da impugnação pauliana dirigida a actos onerosos, posteriores à constituição do crédito, consiste na consciência do prejuízo ou na representação da possibilidade do prejuízo, por parte do devedor e do terceiro adquirente, que o acto causa ao credor, por envolver ou determinar a diminuição da garantia patrimonial do crédito, em termos de, pelo menos, dela resultar o agravamento da impossibilidade da respectiva satisfação.” Volvendo ao caso vertente, mostra-se correctamente fundamentada a apreciação da sentença quanto aos requisitos da impugnação pauliana e respectivo ónus de prova, o que não é questionado pelos apelantes. No que concerne ao pedido de restituição dos bens, e ao invés do que afirmam os recorrentes, tal pretensão foi deduzida para o caso de ser procedente o pedido formulado a título subsidiário ou alternativo, ou seja, na hipótese de os negócios jurídicos objecto da impugnação pauliana virem a ser considerados nulos, por simulação. Ora, este pedido foi julgado improcedente (e não é objecto do presente recurso), pelo que não colhe o argumentário de que o tribunal procedeu à convolação do pedido de restituição dos bens em pedido de entrega do respectivo valor. Repete-se, o que a sentença determinou foi julgar improcedente o pedido de nulidade por simulação e procedente o (primeiro) pedido de declaração de ineficácia do negócio, retirando desta as respectivas consequências jurídicas, como se colhe da fundamentação da decisão, que se transcreve no segmento agora relevante: «Da venda efectuada em 24.01.2014: Quanto à primeira transmissão ficou provado nos autos que, os 2.ºs Réus bem sabiam da dívida que aqueles primeiros tinham para com a Autora, pois à data em que fizeram a compra e venda dos bens imóveis (24.01.2014) já tinham conhecimento da ação judicial e, consequentemente do teor das faturas reclamadas pela Autora. Também se provou que, os 1ºs RR também bem sabiam que aquela venda de património iria prejudicar os credores, nomeadamente, a Autora por reduzir o seu património que os AA poderiam vir a executar. Os 1.ºs e 2.ºs Réus estavam bem cientes das dificuldades financeiras daqueles primeiros, não só por dívidas à Autora, mas também à Caixa Económica Montepio Geral. Isto porque, à data da celebração do contrato de compra e venda de 24.01.2014 os 1.ºs Réus já se encontravam em incumprimento das suas obrigações para com a Caixa Económica Montepio Geral. Quanto ao requisito da má-fé prescreve o art.º 612.º do CCiv.: “1. O ato oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má-fé; se o ato for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa-fé. 2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor” Com efeito, se “(…) o acto é oneroso e as partes estão de boa fé – inexistindo, assim, qualquer suspeita de fraude –, considera-se que não há razão de censura ao devedor, nem se afiguraria justo privar o terceiro dos benefícios do acto. Tanto mais que, no património do devedor entrou um equivalente económico do valor que dele saiu”. Neste caso, “(…) nada aconselha a que se afectem as legítimas expectativas do devedor e do terceiro, bem como a segurança do comércio jurídico. A solução continua a justificar-se quando só uma das partes se encontra de boa fé.” Acresce que não se exige “(…) a intenção de prejudicar ou o conhecimento da situação de insolvência do devedor”, sendo certo, todavia, que a “(…) má fé subjetiva prevista no n.º 2 do art. 612.º reconduz-se, sintetizando, à convicção do agente de que o acto ocasiona dano ao credor. O que aponta, com expressiva clareza, para o estado de má fé em que se analisam o dolo, nas suas diversas modalidades, e também a negligência consciente”. Assim sendo, para que o ato oneroso possa ser impugnado com sucesso é necessário que, quer o vendedor, quer o comprador, tenham atuado de má-fé – por isso, uma má-fé subjetiva bilateral ou cumulativa –, considerando-se haver má-fé quando tenham consciência do dano/prejuízo que o ato causa ao credor. Em face dos factos dados como provados supra, entendemos que se logrou demonstrar a má fé de ambos – devedor (1ºs RR) e terceiro adquirente ( os 2ºs RR) e que se encontram verificados os requisitos para a procedência da ação de impugnação pauliana dirigida aos 1ºs e 2ºs RR, com a respectiva declaração de ineficácia do mencionado negócio. Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição, aproveitando os efeitos da impugnação “apenas ao credor que a tenha requerido” (art. 616º, nºs 1 e 4 do CC). Ora, na esteira do disposto no art. 616º, nº1 e nº2 do CC o adquirente de má fé (neste caso os 2ºs RR) são responsáveis pelo valor dos bens que tenham alienado.» (sublinhados nossos) Flui da fundamentação transcrita que o tribunal extraiu da declaração de ineficácia da venda efectuada em 24.01.2014 os efeitos previstos no art. 616º do Código Civil. Estabelece esta disposição normativa que: “1. Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei. 2. O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os bens se encontrarem no poder do devedor. 3. O adquirente de boa fé responde só na medida do seu enriquecimento. 4. Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.” Em anotação ao preceito citado afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, 4ª ed., Coimbra Editora Vol I, pág. 634: “São três os direitos conferidos pelo nº 1: o direito à restituição na medida do interesse do credor, o direito de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e o direito de execução no património do obrigado à restituição. Este último direito é confirmado na segunda parte do art. 818º do Código de Processo Civil. A restituição dos bens ao alienante não tem, pois, interesse, na generalidade dos casos. Mas pode tê-lo se a execução ainda não foi possível, ou se há falência ou insolvência, caso em que os bens revertem para a massa falida. Os efeitos prescritos no nº 2 tanto podem dizer respeito às aquisições a título oneroso como às efectuadas a título gratuito, visto supôr-se um caso de má fé e ela pode existir num caso ou noutro. Tendo os bens sido alienados, o credor, independentemente dos direitos que lhe são conferidos, pode ter a faculdade de impugnar as novas alienações nos termos do art. 613º, se se verificarem os respectivos requisitos.” Neste conspecto escreveu-se no acórdão do TRL de 12/9/23, P. 3428/19.9T8CSC.L2, relatora Micaela Sousa: «Uma vez julgada procedente a impugnação pauliana o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei (n.º 1 do art. 616º do Código Civil), de onde resulta que o acto em si não padece de qualquer vício que gere a sua nulidade, estando, tão-somente, sujeito a ser sacrificado na medida do interesse do credor. Tendo presente que a impugnação pauliana, enquanto instituto que afectará um acto válido desde que celebrado pelo devedor em detrimento do credor, não se basta com um qualquer interesse do credor, torna-se necessária a verificação do pressuposto acima mencionado de que o acto visado produza ou agrave a impossibilidade de o credor conseguir a inteira satisfação do seu crédito.» A este respeito pode ainda ler-se no acórdão do TRP de 24/2/2025, P. 1784/21.8T8LOU-C.P1, relator Manuel Domingos Fernandes (in www.dgsi.pt): «(…) segundo João Cura Mariano [“Impugnação Pauliana”, 2ª Ed. Almedina, 2008, págs. 292/293.], “(…) quando se pretende atingir o bem no património de terceiro, deve ser pedido que o tribunal reconheça a possibilidade do credor impugnante o executar ou praticar sobre ele os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei (art.º 616.º, nº 1, do C.C.). Quando se vise a restituição pelo adquirente do valor do bem transmitido ou do enriquecimento obtido com a sua aquisição, quando já não seja possível a execução desse bem, o pedido já será de condenação no pagamento de uma determinada quantia em dinheiro (art.º 616.º, nº 2, do C.C.). No primeiro caso, estamos perante uma acção constitutiva, enquanto a segunda hipótese integra uma acção de condenação, atenta a classificação dos diferentes tipos de acções cíveis, prevista no art.º 4.º, do C.P.C.)”. E, como refere o mesmo autor [ob cit., pág 295], nada impede que, no mesmo processo, se cumule o pedido de condenação do devedor a satisfazer o crédito e o do terceiro adquirente nos efeitos da impugnação pauliana do ato que lesou a garantia patrimonial desse crédito, ao abrigo do disposto no art.º 30.º do CPCivil. Revertendo ao caso sub judice, não nos merece censura a decisão recorrida ao afirmar que, mostrando-se verificados os requisitos da impugnação pauliana, o credor (ora A.) tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição, como prescreve o nº 1 do art. 616º; e, por outra banda, afirmando que, os adquirentes de má fé (neste caso os 2ºs RR) são responsáveis pelo valor dos bens que alienaram, o que está em consonância com o estatuído no nº 2 do sobredito art. 616º. Não obstante as dúvidas que a redacção do art. 616º possa suscitar no intérprete, o certo é que o nº 2 do preceito confere ao credor a faculdade de exigir do adquirente de má fé o ressarcimento pelo valor dos bens que tenha alienado ou entretanto tenham perecido ou se deteriorado por caso fortuito (v. Gonçalo dos Reis Martins, in Código Civil Anotado, coord. Ana Prata, 2ª ed., Almedina, vol I, pág. 833/834). Voltamos a frisar que no caso dos autos, a A. apenas pediu a restituição dos bens para o caso da procedência do pedido de nulidade dos negócios por simulação. No que respeita ao pedido principal, não peticionou a condenação dos RR. no pagamento de qualquer quantia, mas tão-só a declaração de ineficácia dos negócios em relação à A. Perante tal, não tendo a A. peticionado o pagamento pelos 2ªs RR do valor dos bens que alienaram, ocorre excesso de pronúncia, o que, nos termos do art. 615º d) do Código de Processo Civil, fere de nulidade o decidido na alínea c) do dispositivo da sentença, determinando-se, consequentemente, a sua revogação. Resta dizer, quanto ao decidido na alínea d) do dispositivo da sentença – “Reconhecer à Autora o direito a executar o seu crédito no património dos 2ºs RR e a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial do crédito, nos termos do art. 616º, nºs 1 e 2 do Código Civil” – que, em face da transmissão pelos 2ºs RR, a terceiros de boa fé, dos prédios identificados nos factos provados 26, 30, 35, 37 e 43, devem estes imóveis ser excepcionados na mencionada al. d) do dispositivo da sentença. Em síntese conclusiva, tendo improcedido na totalidade a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e não merecendo censura a análise jurídica da sentença, impõe-se a sua confirmação. * IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente: a) revogar o decidido na alínea c) do dispositivo da sentença recorrida; b) alterar a redacção da alínea d) do dispositivo da sentença recorrida, nos seguintes termos: “Reconhecer à Autora o direito a executar o seu crédito no património dos 2ºs RR e a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial do crédito, nos termos do art. 616º, nºs 1 e 2 do Código Civil, com excepção dos prédios identificados nos factos provados 26, 30, 35, 37 e 43 (transmitidos a terceiros de boa fé). c) no mais, confirmar a sentença recorrida. Custas pelos apelantes (artigo 527º do CPC). Registe e notifique. * Lisboa, 21 de Outubro de 2025 Ana Mónica Mendonça Pavão Rute Lopes Alexandra Castro Rocha |