Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2503/2007-4
Relator: HERMÍNIA MARQUES
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
PETIÇÃO INICIAL
RECUSA
ACTO DA SECRETARIA
DESENTRANHAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I– Não é aplicável à falta de pagamento do preparo inicial o disposto no art. 512º-B do CPC, pois este refere-se à falta de preparo subsequente;

II – Não tendo a secretaria recusado a p. i. desacompanhada do comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário, não deve o juiz, seja qual for a fase processual em que a acção se encontre, mandar logo desentranhar essa petição, mas antes, dar a oportunidade à parte respectiva de, no prazo a designar, efectuar o pagamento desse preparo em falta.

III – Caso a parte nada diga ou comprove nos autos, ao mandar desentranhar a petição inicial, deve o juiz, dar sem efeito todo o processado posterior, pois tudo se passa como se aquela petição nunca tivesse sido recebida pela secretaria, que a devia ter logo recusado nos termos do art. 474º al. f) do CPC.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO

V, por si e em representação do seu neto menor R, instaurou no Tribunal de Trabalho de Lisboa, 4º Juízo, 1ª Secção, contra

- A – COMPANHIA DE SEGUROS S. A. ou IMPÉRIO COMÉRCIO E INDÚSTRIA, S. A. e - R e V, S. A., todos melhor identificados nos autos, a presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, acidente esse que ocorreu em 23/02/2005 e vitimou mortalmente H, o qual trabalhava como Carpinteiro de Toscos 1ª, sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª R., que tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho, transferida para a 1ª R. através da apólice AT 82014118, terminando por pedir a condenação das RR., na medida da respectiva responsabilidade que vier a ser apurada, no pagamento das quantias descriminadas a fls. 189 e 190 dos autos.

Ambas as RR. contestaram: a primeira a fls. 220 e a segunda a fls. 227.

No prosseguimento dos autos, veio a ser designada data para audiência de discussão julgamento.

Na sequência disso a A. foi notificada pela secretaria nos termos de fls. 348, para pagar as taxas de justiça inicial e subsequente, bem como a multa prevista nos art.s 512º-B, nº 1 e 486º, ambos do CPC, com a cominação ali expressa.

Face a essa notificação, veio a A., a fls. 369, dizer que tinha requerido na Segurança Social a concessão do benefício de apoio judiciário, pois não tinha possibilidades económicas para pagar tais preparos e requereu ao tribunal a suspensão do prazo de pagamento dos mesmos, até decisão da Segurança Social.

Foi, então, proferido o despacho de fls. 279, com a seguinte conteúdo:

“Requerimento de fls. 369:

Mediante o mesmo, requer a A. V, a suspensão do prazo conferido para pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente e respectiva multa, até à decisão da Segurança Social relativa ao pedido de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, que deu entrada naqueles serviços em 02/10/2006.

Mais requer, que a suspensão desse prazo não prejudique a realização do julgamento, agendado para 12 de Dezembro de 2006, com a admissão das diligências de prova já por si requeridas.

Conhecendo:

Relativamente à requerida suspensão do prazo até à decisão que vier a ser proferida pelos serviços da Segurança Social, (quanto ao pedido de apoio judiciário solicitado pela requerente, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo), afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que, para o efeito pretendido, tal suspensão é um acto inútil, o que nos está vedado praticar por lei – cf. artigo 137.º do CPC.

Com efeito, a decisão que vier a ser proferida pelos serviços do Instituto da Segurança Social, ainda que favorável à requerente, só dispõe para o futuro, isto é, os seus efeitos não se retroagem ao momento em que era, e é devido, por si, o pagamento da taxa de justiça inicial e subsequente, já que não deu cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, tanto mais que, o procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo, relativamente à causa a que respeita - cf. n.º 1 do artigo 24.º da referida Lei, conquanto, não se verifica, no caso dos autos, nenhuma das excepções do seu n.º 2.

O mesmo sucede, aliás, com a multa, que não está sequer abrangida pela cobertura do apoio judiciário.

Destarte, sempre terá de ser indeferida a requerida suspensão do prazo, para pagamento das quantias em causa.

A questão essencial que ora se nos coloca, é a de saber se os autos estão correctamente processados e se são devidas, nesta fase processual, as quantias liquidadas a título de taxa de justiça inicial e subsequente, e a respectiva multa.

Com efeito, quando a prática de um acto processual exija, nos termos do C.C.J. o pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento, ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste ultimo caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.

A falta de pagamento da taxa de justiça inicial no requerimento em apreço tem de seguir, por interpretação extensiva, o regime da petição inicial - art. 9.º do C. Civil.

Por conseguinte deveria o requerimento apresentado pelas autoras beneficiárias do sinistrado, nos termos do n.º 2 do art. 138.º do C.P.T., ter sido recusado pela secretaria - art. 467.º, n.º 3 do C.P.C. e 28.º do C.C.J.

Por outro lado, no regime próprio da petição inicial, também o simples requerimento de pedido de concessão do benefício do apoio judiciário não obstaria a tal recusa, a qual só não teria lugar:

- com a junção de comprovativo demonstração da concessão (decisão de deferimento); ou

- nos casos de urgência a que alude o n.º 4 do art. 467.º do C.P.C. ou de dispensa o pagamento da taxa aquando da apresentação do requerimento - art. 467.º, n.º 3 e 4 do C.P.C.

Nestes últimos casos, de urgência, o autor que pretenda beneficiar da dispensa de pagamento da taxa de justiça deve juntar à p. i. documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo - art. 24.º, n.º 2 da Lei 34/2004, de 29/07.

A formulação de tal requerimento ou a sua apresentação após a prática do acto não contende com o regime da falta de liquidação da taxa de justiça uma vez que, pese embora possa ser requerido em qualquer estado da causa o apoio judiciário só opera para os actos praticados após a sua formulação - neste sentido cf. Salvador da Costa, Apoio Judiciário, 3.ª edição, 2001, pp. 74 e Ac. R. Coimbra de 05/03/1996, BMJ, 455.º, 578.

No caso da secretaria, por erro, ter recebido a petição inicial sem o documento comprovativo da taxa de justiça inicial, deveria a secretaria apresentar a petição ou o requerimento ao juiz, nos termos do n.º 2 do art. 166.º do C.P.C., a fim de, sem autuação, ser ordenada a sua restituição ao autor ou requerente - Salvador da Costa, CCJ anotado e comentado, 7.ª edição, 2004, pp. 212.

Não tendo tal sucedido, em consequência do regime supra transcrito, cumprirá proceder ao seu desentranhamento e devolução ao apresentante. - Neste sentido já se pronunciou a secção social do Tribunal da Relação de Lisboa, nos autos de agravo n.º 2312/2005.

Inexistindo lugar à liquidação de multa de fls. 348, efectuada nos termos do art. 512.º- B do C.P.C, o qual não se aplica com preterição do regime próprio da petição inicial e contestação, conforme resulta da ressalva contida na primeira parte do n.º 1 do citado preceito.

Assim, em conformidade com o exposto, apenas nos resta ordenar o desentranhamento da petição inicial, e a suspensão da instância, nos termos do n.º 4 do artigo 119.º do Código de Processo do Trabalho, devendo as autoras, apresentar nova p. i., logo que tenham reunido todos os elementos necessários, mantendo-se todos os actos praticados até ao momento nos autos, designadamente, a data para a realização da audiência final.


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Por todo o exposto, decide-se:

- ordenar o desentranhamento da petição inicial de fls. 186, com devolução às requerentes, ficando no seu lugar cópia integral com nota de remissão para o presente despacho;

- dar sem efeito a multa liquidada a fls. 348.

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Custas do incidente pelas apresentantes - art. 16.º do C.C.J.
Notifique.
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Declara-se suspensa a instância - art. 119.º, n.º 4 do CPT.

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Notificadas as partes deste despacho, veio a R.R & V S. A., requerer a aclaração do mesmo nos termos de fls. 389, na sequência do que foi proferido o despacho de fls. 395.

Não obstante o esclarecimento prestado, veio a mesma R.R & V S. A., interpor o presente recurso de agravo do despacho de fls. 380 e despacho de aclaração, formulando as seguintes conclusões:

(…)

Conclui a recorrente no sentido de que o despacho recorrido deve ser anulado e substituído por outro que venha aplicar o regime do art. 512º-B do CPC, dando sem efeito todos os actos processuais praticados até ao momento, incluindo as contestações apresentadas e a designação de data para julgamento ou, caso assim se não entenda, ser anulado o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que venha a dar sem efeito todos os actos praticados após o desentranhamento da p. i. que dela dependam, incluindo as contestações, esclarecendo-se que, com a apresentação da nova p.i. as RR. serão citadas para contestar a acção, independentemente de a nova petição ser idêntica ou não àquela que foi desentranhada.

A A. e a co-ré seguradora não apresentaram contra-alegações.

O Mmº Juiz que proferiu o despacho recorrido, manteve o mesmo nos termos de fls. 503.

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer nos termos de fls. 518, no sentido de que, não assiste razão à recorrente pelo que deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que se mostram-se assentos, com relevância para a decisão do presente recurso de agravo, são os que já resultam do relatório supra e que são, em síntese:

1º - Na sequência da tentativa de conciliação conforme auto de fls. 177, durante a qual se não logrou o acordo das partes, a A. veio apresentar a p. i. de fls. 186 e segs., referente ao acidente de trabalho que ocorreu em 23/02/2005 e vitimou mortalmente H, o qual trabalhava como Carpinteiro de Toscos 1ª, sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª R., que tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho, transferida para a 1ª R. através da apólice AT 82014118, terminando por pedir a condenação das RR., na medida da respectiva responsabilidade que vier a ser apurada, no pagamento das quantias descriminadas a fls. 189 e 190 dos autos.

2º - Ambas as RR. contestaram; a primeira a fls. 220 e a segunda a fls. 227.

3º - No prosseguimento dos autos, veio a ser designada data para audiência de discussão julgamento.

4º - Na sequência disso a A. foi notificada pela secretaria nos termos de fls. 348, para pagar as taxas de justiça inicial e subsequente, bem como a multa prevista nos art.s 512º-B, nº 1 e 486º, ambos do CPC, sob pena de o tribunal determinar a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham ou venham a ser requeridas.

5º - Em face dessa notificação, veio a A. (fls. 369), dizer que a omissão do pagamento do preparo inicial se deveu ao facto de estar erroneamente convicta de que beneficiava de apoio judiciário, convicção essa reforçada pelo facto de nunca ter sido notificada para proceder ao pagamento até então; que requereu na Segurança Social a concessão do benefício de apoio judiciário, pois não tinha possibilidades económicas para pagar tais preparos, requerendo ao tribunal a suspensão do prazo de pagamento dos mesmos até decisão da Segurança Social.

6º - Foi, então proferido o despacho de fls. 279, no qual se concluiu: “Assim, em conformidade com o exposto, apenas nos resta ordenar o desentranhamento da petição inicial, e a suspensão da instância, nos termos do n.º 4 do artigo 119.º do Código de Processo do Trabalho, devendo as autoras, apresentar nova p. i., logo que tenham reunido todos os elementos necessários, mantendo-se todos os actos praticados até ao momento nos autos, designadamente, a data para a realização da audiência final”.

7º - Notificadas as partes deste despacho, veio a R.R & V, S. A., requerer a aclaração do mesmo nos termos de fls. 389, na sequência do que foi proferido o despacho de fls. 395.

8º - Não obstante o esclarecimento dado, veio a mesma R.R & V, S. A., interpor o presente recurso de agravo do despacho de fls. 380 e despacho de aclaração.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Face ás conclusões do recurso, que delimitam o seu âmbito (art. 684º, nº 3 e 690º nº 1, ambos do CPC), e os factos supra referidos, as questões que se colocam são seguintes:

1ª - Saber se, não tendo a A. junto com a petição inicial documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total ou parcial do mesmo, e não tendo a secretaria recusado o recebimento daquela p. i., a mesma deve ou não ser mandada desentranhar.

2ª – Saber se, tendo o tribunal “a quo” ordenado o desentranhamento da p. i., podia e devia ordenar, simultaneamente, a suspensão da instância nos termos do nº 4 do art. 119º do CPT.

3ª – Saber se devem manter-se os actos praticados posteriormente à apresentação daquela p. i. mandada desentranhar, nomeadamente as contestações das RR. e a data designada para a audiência de discussão e julgamento.

Vejamos então:


1ª Questão

De harmonia com o disposto no art. 467º, nº 3 do CPC, “O autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total ou parcial do mesmo”.

Por sua vez o art. 474º do mesmo código estabelece que “A secretaria recusa o recebimento da petição inicial … quando [alínea f)] não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou o documento que ateste a concessão de apoio judiciário …”.

Ora, é ponto assente que, no caso “sub judice”, a A. não juntou com a petição inicial, documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão de qualquer benefício de apoio judiciário.

Assim, devia a secretaria ter recusado o recebimento da petição inicial apresentada pela A., indicando o fundamento da rejeição.

No entanto, não o fez.

Em vez disso, aquela petição foi recebida e os autos prosseguiram normalmente, com a citação das RR. para contestar, com a apresentação das contestações, etc., até à designação de data para a audiência de julgamento.

E só nessa altura é que a secretaria deve ter constatado que a A. não pagou a taxa de justiça inicial, nem comprovou a concessão de apoio judiciário, perante o que, sem qualquer despacho que o ordenasse, notificou a mesma, conforme duplicado junto a fls. 348, invocando os arts. 486º A e 512º B do CPC, para que a A. pagasse as taxas de justiça inicial e subsequente, bem como as multas previstas no nº 1 do art. 512º B e art. 486º, ambos do CPC, sob pena de o tribunal determinar a impossibilidade de realização das diligências de prova.

Acontece que aquele artigo 486º-A do CPC, citado pela secretaria, reporta-se à contestação e não á petição inicial. E o que está em causa é a petição inicial apresentada pela autora.

Por outro lado o art. 512º-B também citado pela secretaria na mesma notificação, reporta-se à falta de pagamento da taxa de justiça subsequente e não à falta de pagamento do preparo inicial.

Daí que bem tenha andado o Mm. Juiz a quo ao decidir, no despacho recorrido (fls. 382) que não era aplicável ao caso concreto o regime do art. 512º-B do CPC, como resulta da ressalva contida na primeira parte do nº 1 desse preceito, dando sem efeito a multa liquidada pela secretaria a fls. 348.

E, realmente, a recorrente não tem razão ao defender nas suas conclusões (6ª), que não tendo a secretaria recusado a p. i., nos termos do art. 474º, al. f) do CPC e tendo as RR. já sido citadas para contestar, o que fizeram, sendo também já devida a taxa de justiça subsequente, haveria que aplicar o regime previsto no art. 512º-B nº 2 do CPC.

É que, a falta de pagamento do preparo inicial e a falta de pagamento do preparo subsequente, têm regimes e consequência bem diversas, não podendo aplicar-se à falta do primeiro preparo o regime e consequência do segundo só porque também já estaria na altura do pagamento deste. Nada na lei permite fazer isso.

Assim, o que está em causa e é objecto deste recurso é a falta de pagamento do preparo inicial por parte da A., e respectivas consequências não sendo aplicável a esta situação o preceituado naquele art. 512º-B do CPC.

Foi isso que se entendeu e bem, no despacho recorrido.

E, nesse despacho entendeu-se, ainda que, tendo a secretaria, por erro, recebido a petição inicial sem o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, devia ter apresentado tal petição ao juiz nos termos do art. 166º do CPC, a fim de, sem autuação, ser ordenado a sua restituição à autora conforme defende Salvador Costa, CCJ anotado, 7ª edição, pag. 212. Não tendo tal sucedido cumprirá proceder ao desentranhamento e devolução daquela petição.

Mas será que o Mmº Juiz a quo devia ter ordenado, logo e sem mais, o desentranhamento e devolução à A. da petição inicial?

E, mesmo ordenando tal desentranhamento, devia, tal como fez no despacho recorrido, ordenar simultaneamente, a suspensão da instância nos termos do nº 4 do art. 119º do CPT?

Isto constitui o objecto da questão seguinte.


2ª Questão

Vejamos:

Como já supra referimos, não tendo a A. juntou com a petição inicial, documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão de apoio judiciário devia a secretaria ter recusado a petição nos termos do art. 474º, al. f) do CPC.

Se o tivesse feito, a A. podia apresentar outra petição ou juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, dentro dos 10 dias subsequentes á recusa de recebimento de harmonia com o preceituado no art. 476º do CPC.

E, se não concordasse com a recusa da petição, podia reclamar para o juiz nos termos do art. 475º, cabendo recurso de agravo para a Relação, do despacho que confirmasse o não recebimento e ainda que o valor da causa não ultrapassasse a alçada do tribunal de 1ª instância, como estabelece o mesmo preceito.

Mas, se não quisesse recorrer desse despacho, conformando-se com a confirmação da recusa da petição, ainda assim, nos termos do art. 476º, a A. podia, nos 10 dias subsequentes á notificação desse despacho, apresentar nova petição ou comprovar o pagamento da taxa inicial em falta, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.

Ou seja, a lei concede, sempre, à parte uma oportunidade de sanar a situação.

E se assim é quando a secretaria, tal como lhe compete, recusa o recebimento da petição inicial, nos termos daquela al. f) do art. 474º, também não pode deixar de o ser, quando a secretaria, por erro seu, não verifica a ausência daquele requisito na altura certa (quando a petição é apresentada em tribunal) e só vem a verificá-lo mais tarde.

Cabe ter em conta que, nos termos do art. 161º nº 6 do CPC “Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.

Assim, a A. não pode ser prejudicada, de modo algum, pelo erro da secretaria de só ter verificado a falta de pagamento do preparo inicial na altura em que o fez, ou seja, quando até já estava marcada data para audiência de discussão e julgamento.

Neste contexto, seja qual for o momento cronológico ou fase processual em que se constate a falta do pagamento da taxa da justiça inicial, tem que conceder-se à parte respectiva (neste caso à A.), a possibilidade de sanar a situação, tanto mais que, por força do já citado nº 6 do art. 161º, a parte nunca pode ser prejudicada pela omissão da secretaria do dever de verificar aquele requisito aquando da apresentação da petição, ou do erro da mesma secretaria, em receber indevidamente esse articulado, permitindo o prosseguimento normal dos ulteriores termos da acção, como aconteceu neste caso concreto.

Assim, constatada a falta de pagamento do preparo inicial, tudo tem que reportar-se ao momento da apresentação da petição, altura em que a secretaria devia ter verificado aquele requisito de recebimento da mesma, nos termos do art. 474º, al. f) do CPC e ver qual a solução que melhor resolva a questão, por forma a não prejudicar a parte, neste caso a A., com aquele erro da secretaria.

E a melhor solução terá que passar pela concessão à A. da oportunidade de sanar a situação.

Repare-se que essa oportunidade é concedida ao autor pelo art. 476º do CPC, mesmo quando a secretaria recusa o recebimento da petição, ali se estipulando, como já referimos, que o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do art. 474, al. f), dentro de 10 dias subsequentes á recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação do despacho judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira foi apresentada em juízo.

Se essa oportunidade é concedida quando não há erro da secretaria, muito mais tem que o ser quando ocorre erro já que, repetimos, a parte não pose ser por ele prejudicada por força do nº 6 do art. 161º já citado.

Neste sentido se vem decidindo em alguns acórdãos publicados em www.dgsi.pt, nomeadamente nos Acs. da R. L. de 16/11/2006, proferidos nos processos nº 6366/2006-2 e 9227/2006-6, nos quais se defendeu que, não tendo a secretaria recusado a petição inicial desacompanhada do comprovativo do pagamento do preparo inicial ou concessão de apoio judiciário, não deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta, devendo dar-se a oportunidade ao autor de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.

No mesmo sentido se decidiuno Ac. da R. C. de 31/05/2005 (www.dgsi.pt), onde se entendeu que “A secretaria judicial deve recusar o recebimento da petição inicial quando não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial – art. 474º, al. f) do CPC. Caso assim não aconteça há que dar a possibilidade ao autores de pagarem a taxa de justiça em falta e, assim, de poderem juntar o documento respectivo, nos termos do art. 476º do CPC, para o que deverão ser notificados”.

E também neste mesmo sentido se entendeu nos Acs. da Relação do Porto, respectivamente de 23/05/2006 e de 09/10/2006, ambos publicados em www.dgsi.pt., defendendo-se no primeiro deles que o deficiente pagamento da taxa de justiça inicial ou a sua inexistência não detectada pela secretaria, não dá ao Juiz a possibilidade de indeferimento liminar, antes deve notificar o faltoso para suprir a falta em prazo a fixar e defendo-se no segundo, a propósito do requerimento de oposição do executado, que constitui petição de uma acção declarativa enxertada na execução, que “Não tendo tal requerimento sido, desde logo, recusado pela secretaria, dispõe o embargante do prazo de 10 dias para proceder ao omitido pagamento da taxa de justiça”.

Estamos plenamente de acordo com esta jurisprudência, pelas razões já supra explanadas.

Assim, o Mmº Juiz a quo, antes de mandar desentranhar e devolver à A. a petição inicial, devia ter ordenado que a mesma fosse notificada para, querendo, em 10 dias (ou noutro prazo que entendesse adequado), comprovasse nos autos o pagamento da taxa de justiça inicial em falta ou a concessão do benefício de apoio judiciário.

E só depois disso, caso a A. nada tivesse dito ou comprovado nos autos, devia ter mandado desentranhar e devolver a petição inicial.

Não o tendo feito, há que revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro, que ordene a notificação da A. para, no prazo a fixar, comprovar o pagamento da taxa de justiça inicial ou a concessão de apoio judiciário, ficando prejudicada (art. 660º nº 2, segunda parte do CPC), a questão de ter sido logo ordenada, também, no despacho recorrido, a suspensão da instância nos termos do nº 4 do art. 119º do CPT.

Sempre diremos, porém, que se não é adequado mandar logo desentranhar a petição inicial, muito menos adequado é, ordenar, em simultâneo, a suspensão da instância nos termos do nº 4 do art. 119º do CPT.

É que, não podendo a parte ser prejudicada pelo erro da secretaria como já referimos, mesmo mandando desentranhar logo a petição, devia o Juiz ter dado à A. a oportunidade concedida no art. 476º do CPC, ou seja, mandá-la notificar para, no prazo de 10 dias, apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte da al. f) do art. 474º do CPC.

E só depois de decorrido esse prazo, caso a A. nada dissesse ou juntasse aos autos, é que se poderia ordenar-se a suspensão da instância nos termos daquele nº 4 do art. 119º do CPT, caso se entendesse ser o mesmo aplicável ao caso concreto, nessas circunstância.


3ª Questão

Defende ainda a recorrente que não devem manter-se os actos praticados posteriormente à apresentação da petição mandada desentranhar, nomeadamente as contestações das RR. e a data designada para julgamento, ao contrário do que se decidiu no despacho recorrido.

Em tal despacho decidiu-se efectivamente, que se mantinham “… todos os actos praticados até ao momento nos autos, designadamente, a data para realização da audiência final”.

E após pedido de aclaração daquele despacho por parte da R. ora recorrente, a fls. 395 foi esclarecido que se mantinham os demais articulados e requerimentos subsequentes à p. i., por uma questão de economia processual se as AA. apresentassem uma nova petição nos exactos termos em que o tinham feito anteriormente. Caso contrário, se as AA. apresentassem outra petição inicial, por razões obvias e necessariamente, as demais partes seriam notificadas para contestar e, querendo, apresentar novas contestações.

E acrescenta-se naquele despacho de esclarecimento: “Em qualquer dos casos, nada se processará nos autos, após eventual apresentação de “nova p. i.” pelas AA., sem respeito pelo princípio do contraditório”.

O decidido naquele despacho, com os esclarecimentos prestados no posterior despacho de fls. 395, não está, pois, em contradição com o entendimento da recorrente e faz sentido á luz do princípio da economia processual, tanto mais que ali se assegura o respeito pelo princípio do contraditório sempre que o mesmo esteja em causa.

Ou seja, sendo ordenada a notificação da A. para, no prazo que lhe seja concedido, vir comprovar o pagamento da taxa de justiça inicial ou a concessão de apoio judiciário (sentido em que vai decidir-se neste acórdão), Se a A. regularizar a situação, a petição inicial nem sequer será mandada desentranhar. E, assim sendo, até por uma questão de economia processual, não faz qualquer sentido dar sem efeito as contestações das RR. e ordenar que estas apresentem novas contestações, pois isso seria onerá-las com a prática de um acto perfeitamente inútil.

No entanto, se a petição inicial viesse a ser mandada desentranhar e devolver (caso a A., não obstante notificada para tal, não viesse comprovar o pagamento da taxa de justiça ou a concessão de apoio judiciário), aí sim, devia dar-se sem efeito todo o processado posterior, nomeadamente as contestações das RR., pois que, tudo se passava como se aquela petição nunca tivesse sido recebida.

Quanto á data do julgamento, ela já foi dada sem efeito conforme despacho de fls. 438, pelo que a questão está ultrapassada.

Neste contexto não faz qualquer sentido, nem tem utilidade prática decidir, aqui e agora, se se mantêm ou não os actos praticados após a apresentação da petição inicial, pois tudo vai depender da atitude que a A venha a tomar ao ser notificada para regularizar a situação da taxa de justiça inicial, nos termos supra referidos.


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IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, dá-se parcial provimento a este recurso agravo, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que ordenou logo o desentranhamento e devolução da petição inicial e a suspensão da instância nos termos do nº 4 do art. 119º do CPT, que deverá ser substituída por despacho que ordene a notificação da A. para, no prazo que lhe for concedido, pagar a taxa de justiça inicial ou comprovar a concessão de apoio judiciário.
Sem custas.
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Lisboa, 12/7/2007

Hermínia Marques
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas